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CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
TRANSMISSÃO DE UNIDADE ECONÓMICA
VÍCIOS DA MATÉRIA DE FACTO
ELEMENTO SUBJECTIVO
Sumário
1. A contra-ordenação grave prevista e punida nos termos do art.º 285.º, n.ºs 8 e 13 do Código do Trabalho supõe a celebração dum contrato entre “transmitente” e “adquirente”, cujo conteúdo pudesse ser transmitido à ACT, ou a ocorrência duma transmissão de unidade económica, cujos elementos indicados no n.º 5 do mesmo preceito legal pudessem ser comunicados à ACT. 2. Sem a verificação do elemento objectivo do tipo da contra-ordenação, fica automaticamente prejudicada a verificação do correspondente elemento subjectivo, havendo contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão se o tribunal der este como provado.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
1. Relatório
O presente recurso foi interposto pela arguida SGL – Corporate Facility Services – S.A., por não se conformar com a decisão proferida mediante simples despacho que negou provimento ao recurso de impugnação judicial por ela interposto de decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho que a condenou na coima correspondente a 55 UC, pela prática duma contra-ordenação consistente em falta de informação à ACT, p. e p. pelo art.º 285.º n.ºs 8 e 13 do Código do Trabalho.
Formula as seguintes conclusões: «A. Em linha com o previsto no n.º 4 do artigo 50.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, poderá haver recurso da matéria de facto, no âmbito de recurso contraordenacional, se tal resultar de, nomeadamente, um erro notório na apreciação da prova (cfr. art.º 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal), tal como sucedeu na fixação dos factos provados pelo Tribunal a quo. B. O Tribunal a quo nunca poderia dar como provado o facto G, inexistindo nos presentes autos quaisquer elementos que permitissem chegar a essa conclusão. C. Aliás, tudo considerado, a única conclusão possível seria considerar esse facto G como “não provado”, porquanto (i) o Tribunal a quo decidiu através de mero despacho, pelo que não se compreende como, relativamente a esta questão, o acervo fáctico dado como provado seja tão distinto do apurado pela Recorrida na decisão proferida em sede administrativa; (ii) toda a argumentação apresentada pela Recorrente em sede de impugnação judicial vai precisamente no sentido de que tal obrigação não lhe é aplicável; (iii) as testemunhas AA e BB, (as únicas) inquiridas no âmbito da fase administrativa do processo contraordenacional, foram perentórias em afirmar que consideravam não estar obrigados ao dever de informação à ACT, pois haviam cumprido o disposto na cláusula 15.ª do CCT aplicável e que esta era a prática do sector. D. Assim, a sentença recorrida enferma de nulidade por incorrer em erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, e 74.º, n.º 4, do RGCO e art.º 50.º, n.º 4, do RJCOL, devendo ser anulada pelo Tribunal ad quem nos termos do disposto no art.º 51.º, n.º 1, al. a), do RJCOL ou, no limite, ter-se-á de considerar como não provado o facto G “A arguida sabia que deveria comunicar tal alteração à ACT mas mesmo assim não o fez”, uma vez que nada nos presentes autos poderia determinar tal conclusão. E. De todo o modo, ainda que se atente unicamente à matéria de Direito, entende a Recorrente que a decisão em apreço é merecedora de reparo, uma vez que não se verifica qualquer inobservância dos procedimentos a que estava obrigada a promover em virtude de haver perdido o contrato de prestação de serviços no cliente Superchete Supermercados, S.A. F. Entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente violou o 285º, n.º 8 do Código do Trabalho, considerando que a Recorrente incumpriu a procedimento de comunicação à ACT aí previsto. G. A Douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, apenas se pronunciou sobre o “argumento subsidiário” da Recorrente, limitando-se praticamente em exclusivo a citar o previsto no artigo 3.º do Código do Trabalho e na cláusula 15.ª do CCT aplicável para concluir pela manutenção da condenação da decisão administrativa. H. Com exceção da referência a que o regime favorável “é aferido por reporte ao trabalhador, e não às obrigações que impendem sobre a entidade empregadora” nenhum raciocínio adicional foi tecido quanto à questão em discussão nos presentes autos. I. A cláusula 15.ª do CCT da APFS estabelece um regime específico a observar aquando da perda de um local de trabalho ou cliente, tendo as partes outorgantes convencionado, no n.º 12 da referida cláusula que “O disposto na presente cláusula é globalmente mais favorável em relação ao regime legal da transmissão de empresa ou estabelecimento, devendo sobre ele prevalecer”. J. A anterior redação da referida cláusula não continha a menção ora inserida no n.º 12, a qual surge na sequência da Deliberação da Comissão Paritária publicada no Boletim do trabalho e Emprego, n.º 39, 22.10.2021, conforme transcrição supra. K. Após publicação da Lei n.º 14/2018 suscitou-se a questão no setor sobre qual o procedimento a seguir em caso de perda de um cliente (o convencional ou o resultante do artigo 285.º do Código do Trabalho) sendo que, tendo em conta (i) a não imperatividade do artigo 285.º do CT; o (ii) o âmbito mais alargado e protetor para os trabalhadores da cláusula 15.ª do CCT da APFS; e (iii) o facto de a perde de um cliente para outra empresa do setor não representar transmissão de estabelecimento tal como previsto no artigo 285.º do Código do trabalho; os representantes sindicais e os representantes da parte patronal deliberaram nos termos referidos no ponto precedente. L. Com a referida Deliberação e inclusão do n.º 12 na cláusula 15.ª do CCT da APFS, tornou-se evidente, quer para as empresas do setor, quer para os Sindicatos, eu o procedimento a observar era o estabelecido no CCT da APFS que se sobrepõe, por ser globalmente mais favorável, ao regime do artigo 285.º do Código do Trabalho, o que foi efetuado pela Recorrente no caso vertente. M. A perda de um cliente por uma empresa do setor das limpezas com a passagem para outra entidade do mesmo setor e, por isso, abrangida pelo CCT da APFS, não representa uma qualquer transmissão de estabelecimento, apenas passando os trabalhadores para a entidade que obteve a nova adjudicação, em virtude do referido no CCT da APFS. N. Caso contrário, verificando-se a perda de uma adjudicação, os trabalhadores que estavam alocados a um determinado cliente da Recorrente, seriam alocados a cliente distinto da Recorrente, com quem esta mantivesse em vigor um contrato de prestação de serviços de limpeza. O. Ainda que ao abrigo de enquadramento normativo legal e convencional distinto do aplicável nos presentes autos (e não tão protetor dos trabalhadores), o Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se sobre esta circunstância e as especificidades do setor da Recorrente (Acórdão do TRP de 27.09.2010, processo n.º 481/08.4TTMTS.P1), conforme transcrição efetuada supra. P. Mesmo que assim não se entendesse e, bem assim, se considerasse estarmos perante uma transmissão de estabelecimento em situação de mera perda de cliente, a decisão do Tribunal a quo sempre seria contrária ao previsto no n.º 3 do artigo 3.º do Código do Trabalho. Q. O referido artigo estabelece que as normas legais reguladoras da transmissão de empresa ou estabelecimento podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores. R. O artigo 8.º da Diretiva 2001/23/CE de 12 de março de 2001, referindo que tais disposições (atinentes a uma aproximação da manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos) não devem afetar “a faculdade de os Estados Membros aplicarem ou introduzirem disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores ou de favorecerem ou permitirem a celebração de convenções coletivas ou acordos entre parceiros sociais que sejam mais favoráveis aos trabalhadores”. S. Podendo as normas referentes à transmissão de estabelecimento ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, desde que em sentido mais favorável aos trabalhadores (conforme expressamente mencionado pelas próprias partes na Cláusula 15.ª do CCT da APFS, relativamente ao regime decorrente do artigo 285.º do CT), nenhuma razão assiste ao Tribunal a quo para forçar a aplicação de uma formalidade inócua, apenas prevista no Código do Trabalho. T. A decisão do Tribunal a quo não respeita o direito fundamental à contratação coletiva (artigo 56.º n.º 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa), desconsiderando em toda a linha a autonomia coletiva das partes manifestarem a sua vontade negocial na regulamentação das condições de trabalho e, acima de tudo, haverem considerado o normativo convencional como sendo mais favorável para situações como a dos presentes autos. U. Em face do exposto, dúvidas não deverão subsistir que o n.º 8 do artigo 285.º não é aplicável à situação dos presentes autos, quer por a Cláusula 15.ª do CCT da APFS se sobrepor ao regime legal aí previsto, quer por não estarmos perante uma transmissão de estabelecimento na aceção que lhe é conferida por essa norma. V. Assim, a Recorrente não violou o referido no n.º 8 do artigo 285.º do Código do Trabalho, não lhe sendo igualmente aplicável qualquer coima. W. O Tribunal a quo deveria, em linha com o exposto supra, ter entendido que a Recorrente observou integralmente o procedimento a que estava obrigada – o decorrente da Cláusula 15.ª do CCT da APFS – e, bem assim, pela não violação do disposto no n.º 8 do artigo 285.º do Código do Trabalho. X. A prática de uma contraordenação laboral implica ““a prática de um facto ilícito e censurável, mesmo que apenas a título de negligência, essa, de acordo com o artigo 550.º do CT, sempre punível […] E, quando falamos de negligência, significa que se não previu, e devia ter previsto, ou se previu e nada se fez no sentido de evitar a concretização do risco” – cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra, de 02.06.2011, Proc. 974/10.3T4AVR.C1. Y. Assim, apenas se pode concluir pela impossibilidade de imputar à Recorrente um comportamento culposo, mesmo que apenas a título de negligência. Aliás, a Recorrente atuou com o conforto de assim poder atuar, em linha com a prática do setor, a qual encontra respaldo convencional e legal. Z. Em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada e, bem assim, ser a Recorrente, nessa medida, absolvida da prática da infração e da coima aplicada. Nestes termos e nos demais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, deverá a sentença proferida:(a) Ser declarada nulapor erro notório na apreciação dos factos; ou, assim não se entendendo, (b) Ser integralmente revogada, concluindo-se pela absolvição da Recorrente,»
O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso pelo tribunal recorrido, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
2. Objecto do recurso
De acordo com o art.º 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art.º 50.º, n.º 4, do RCOLSS, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As questões suscitadas pela Recorrente são as seguintes:
- se ocorre nulidade da decisão recorrida por erro notório na apreciação dos factos;
- se não se verifica a contra-ordenação pela qual a arguida foi condenada.
3. Fundamentação de facto
3.1. Factos considerados provados:
A. A arguida tinha local de trabalho nas instalações do estabelecimento Intermarché, em ..., explorado pela Superchete Supermercados, S.A., na qualidade de entidade empregadora.
B. Desde 29.05.2023, a arguida perdeu o contrato de prestação de serviços para CC.
C. Até essa data quem prestava os serviços de limpeza era a arguida, com duas trabalhadoras afectas ao local: DD e EE.
D. Na sequência do facto vertido em B., a arguida forneceu à entidade que passou a prestar os referidos serviços – Cleanhouse – os elementos referentes às trabalhadoras já identificadas.
E. A arguida não procedeu à comunicação do facto referido em B. e D. à ACT.
F. No ano de 2022, a arguida apresentou um volume de negócios de € 26.247.604.
G. (eliminado nos termos do ponto 4.)
H. A arguida é associada da Associação Portuguesa de Facility Services – APFS.
3.2. Factos considerados não provados:
Com relevância para a boa decisão da causa, não resultaram não provados quaisquer factos.
4. Apreciação do recurso
Estabelece actualmente o art.º 285.º do Código do Trabalho, na redacção conferida pela Lei n.º 13/2023, de 03/04, já aplicável à data dos factos imputados à arguida:
Artigo 285.º
Efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento
1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O disposto no número anterior é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
3 - Com a transmissão constante dos n.ºs 1 ou 2, os trabalhadores transmitidos ao adquirente mantêm todos os direitos contratuais e adquiridos, nomeadamente retribuição, antiguidade, categoria profissional e conteúdo funcional e benefícios sociais adquiridos.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo-o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
6 - O transmitente responde solidariamente pelos créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, bem como pelos encargos sociais correspondentes, vencidos até à data da transmissão, cessão ou reversão, durante os dois anos subsequentes a esta.
7 - A transmissão só pode ter lugar decorridos sete dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, referido no n.º 6 do artigo seguinte, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo.
8 - O transmitente deve informar o serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral:
a) Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituam, nos termos do n.º 5.
9 - O disposto no número anterior aplica-se no caso de média ou grande empresa e, a pedido do serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral, no caso de micro ou pequena empresa.
10 - O disposto no presente artigo é aplicável a todas as situações de transmissão de empresa ou estabelecimento por adjudicação de contratação de serviços que se concretize por concurso público ou por outro meio de selecção, no sector público e privado, nomeadamente à adjudicação de fornecimento de serviços de vigilância, alimentação, limpeza ou transportes, produzindo efeitos no momento da adjudicação.
11 - Constitui contra-ordenação muito grave:
a) A conduta do empregador com base em alegada transmissão da sua posição nos contratos de trabalho com fundamento em transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou em transmissão, cessão ou reversão da sua exploração, quando a mesma não tenha ocorrido;
b) A conduta do transmitente ou do adquirente que não reconheça ter havido transmissão da posição daquele nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores quando se verifique a transmissão da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, ou a transmissão, cessão ou reversão da sua exploração.
12 - A decisão condenatória pela prática de contra-ordenação referida na alínea a) ou na alínea b) do número anterior deve declarar, respectivamente, que a posição do empregador nos contratos de trabalho dos trabalhadores não se transmitiu, ou que a mesma se transmitiu.
13 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 1, 2, 3, 7, 8 ou 9.
14 - Aos trabalhadores das empresas ou estabelecimentos transmitidos ao abrigo do presente artigo aplica-se o disposto na alínea m) do n.º 1 do artigo 3.º e no artigo 498.º.
Retornando ao caso em apreço, constata-se que a arguida foi condenada pela prática da contra-ordenação grave prevista e punida nos termos dos n.ºs 8 e 13, o que supõe que a mesma deveria informar a ACT:
a. Do conteúdo do contrato entre transmitente e adquirente;
b) Havendo transmissão de uma unidade económica, de todos os elementos que a constituíam, nos termos do n.º 5.
Ora, na situação em apreço, provou-se que:
A. A arguida tinha local de trabalho nas instalações do estabelecimento Intermarché, em ..., explorado pela Superchete Supermercados, S.A., na qualidade de entidade empregadora.
B. Desde 29.05.2023, a arguida perdeu o contrato de prestação de serviços para CC.
C. Até essa data quem prestava os serviços de limpeza era a arguida, com duas trabalhadoras afectas ao local: DD e EE.
D. Na sequência do facto vertido em B., a arguida forneceu à entidade que passou a prestar os referidos serviços – Cleanhouse – os elementos referentes às trabalhadoras já identificadas.
E. A arguida não procedeu à comunicação do facto referido em B. e D. à ACT.
Posto isto, urge concluir que não resulta da factualidade provada a verificação da situação prevista na acima indicada alínea a), uma vez que não se provou a celebração de qualquer contrato entre a arguida e CC / Cleanhouse, no sentido de a primeira transmitir à segunda a sua posição contratual, antes decorrendo dos pontos B. e D. que a arguida simplesmente “perdeu”, desde 29.05.2023, o contrato de prestação de serviços de limpeza que tinha com o Superchete Supermercados, S.A., passando tais serviços a serem prestados por CC / Cleanhouse.
Por outras palavras, provou-se que CC / Cleanhouse sucedeu à arguida na prestação de serviços de limpeza à Superchete Supermercados, S.A., mediante contratos celebrados por cada uma daquelas com esta, e não que tal ocorreu mediante um contrato entre “transmitente” e “adquirente”, pelo que, inexistindo este contrato, a arguida não podia informar a ACT do respectivo conteúdo, nos termos previstos na aludida alínea a).
Por outro lado, também não resulta da factualidade provada que tenha havido transmissão de uma unidade económica, que obrigasse a arguida a informar a ACT de todos os elementos que a constituíam, nos termos do n.º 5, uma vez que apenas se provou que a arguida prestava serviços de limpeza nas instalações do estabelecimento Intermarché, em ..., explorado pela Superchete Supermercados, S.A., com as suas trabalhadoras DD e EE, e que desde 29.05.2023 tais serviços de limpeza passaram a ser prestados por CC / Cleanhouse.
Nos termos do n.º 5, considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
Ora, somente resulta da factualidade provada que se manteve a prestação da mesma actividade, à mesma beneficiária e no mesmo local, e ainda, relativamente à ora arguida, que empregava na execução dos serviços de limpeza as suas trabalhadoras DD e EE. Não se identificaram quaisquer outros elementos corpóreos ou não corpóreos que a arguida utilizasse na prestação dos serviços em apreço, e, relativamente a CC / Cleanhouse, nada se provou em tal matéria, pelo que de modo algum se descortina a transmissão, da primeira para a segunda, dum “conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha identidade própria, com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”.
Note-se que, no caso particular das empresas cujo capital é sobretudo humano, como é o caso de serviços de limpezas, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem declarado que a identidade duma unidade económica não pode ser mantida se o essencial dos seus efectivos não for integrado pelo “adquirente”. Considera-se que a identidade não se resume à própria actividade, sendo indissociável do elemento pessoal que a compõe, dos seus métodos de exploração e, eventualmente, se for caso disso, dos meios de exploração à sua disposição (caso “CLECE”, proc. C-463/09, ac. de 20-01-2011, em que um município espanhol pôs termo à prestação externa de serviços de limpeza, assumindo-os ela própria com recrutamento de novo pessoal: considerou-se não estar revelada a existência de transferência1).
A circunstância de a simples perda dum contrato de prestação de serviços a favor de uma empresa concorrente, só por si, não revelar uma transferência, tem sido também enfatizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em vários arestos. A empresa perdedora não deixa de existir mesmo que perca um cliente, não se considerando, sem mais, que a “parte que perdeu” foi cedida a outrem. Ao invés, haverá transferência quando “…o novo empresário não se limita a prosseguir a actividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectava parcialmente a essa missão…nessa hipótese…a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que (lhe) permitem a prossecução, de modo estável, das actividades ou de parte das actividades da empresa cedente” (caso “Suzen”, em que foram contratadas sucessivamente duas empresas, a Zehnacker, que perdeu os serviços, e a “Lefarth”, que os ganhou, para a prestação de limpeza de um estabelecimento escolar2).
O Tribunal de Justiça da União Europeia tem ainda abordado o peso do indicador ligado aos elementos corpóreos nas explorações de serviços mais fundadas no factor humano, com enfoque na circunstância de os elementos corpóreos indispensáveis ao exercício da actividade e retomados pelo novo empresário não pertencerem ao antecessor, sendo antes propriedade ou disponibilizados pela entidade contratante (cliente). O Tribunal tem considerado que tal não exclui automaticamente a existência de transferência, devendo, contudo, apenas serem valorados os equipamentos efectivamente utilizados no serviço, com exclusão das instalações (v. caso “Securitas”3).
Ora – reitera-se –, não decorrendo da factualidade provada que CC / Cleanhouse haja retomado da ora arguida quaisquer recursos humanos, nem quaisquer outros elementos corpóreos ou incorpóreos relevantes nos sobreditos termos, não podia a arguida informar a ACT de todos os elementos que constituíam a (inexistente) unidade económica transmitida, a que se refere a alínea b) do n.º 8.
Não se verifica, pois, o elemento objectivo do tipo da contra-ordenação pela qual a arguida foi condenada.
Acresce que a Recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida, quanto ao facto provado sob o ponto G., invocando erro notório na apreciação da prova, na medida em que: tendo o Tribunal decidido através de mero despacho, não se compreende a diferença relativamente ao apurado na decisão proferida em sede administrativa; toda a argumentação apresentada pela Recorrente em sede de impugnação judicial vai precisamente no sentido oposto; as testemunhas AA e BB, únicas inquiridas no âmbito da fase administrativa, foram peremptórias em afirmar que consideravam não estar obrigadas ao dever de informação à ACT, pois haviam cumprido o disposto na cláusula 15.ª do CCT aplicável e que esta era a prática do sector.
Vejamos.
Nos termos do art.º 51.º, n.º 1 do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social, aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (RPCOLSS), se o contrário não resultar de tal lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal, aplicável ex vi art.º 50.º, n.º 4 do RPCOLSS, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou c) erro notório na apreciação da prova.
Concretizando, conforme ensina o Prof. Germano Marques da Silva4, no que respeita à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, "[é] necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida"; no que ao erro notório na apreciação da prova concerne, "é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta"; já quanto à contradição insanável da fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, "distingue-se antes de mais da falta de fundamentação” e pode existir "não só entre os factos dados como provados mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto".
Retornando ao caso em apreço, verifica-se que o tribunal recorrido deu como provado o seguinte facto:
G. A arguida sabia que deveria comunicar tal alteração à ACT mas mesmo assim não o fez.
Trata-se de facto que não constava como provado na decisão administrativa.
O tribunal a quo motivou o aditamento nos seguintes termos: «Da análise da decisão administrativa e da impugnação judicial constata-se que apenas há que motivar o facto referido em G. Neste tocante, resulta da argumentação esgrimida pela arguida do conhecimento de tal obrigação: em sede de impugnação judicial a arguida refere que o regime mais favorável tem em consideração os trabalhadores, daqui resultando que não afasta as obrigações da entidade empregadora. Do exposto resulta o conhecimento, por parte da arguida, da referida obrigação.»
Ora, afigura-se-nos que a justificação apresentada não obvia à verificação de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, na medida em que, conforme explicitado, os factos provados sob os pontos A., B., C., D. e E. não evidenciam a celebração de qualquer contrato entre “transmitente” e “adquirente”, cujo conteúdo pudesse ser transmitido à ACT, nem a ocorrência duma transmissão de unidade económica, cujos elementos indicados no n.º 5 do art.º 285.º do Código do Trabalho pudessem ser comunicados à ACT, pelo que tais factos são contraditórios com o facto considerado como provado sob o ponto G., uma vez que sem a verificação do elemento objectivo do tipo da contra-ordenação, como já esclarecido acima, fica automaticamente prejudicada a verificação do correspondente elemento subjectivo.
Por conseguinte, impõe-se a eliminação do enunciado constante como provado sob o ponto G..
Em face do exposto, não se mostrando praticada a contra-ordenação imputada à arguida, cabe conceder provimento ao recurso e absolvê-la em conformidade.
5. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar procedente o recurso e, em consequência, absolver a arguida da contra-ordenação que lhe foi imputada nos presentes autos.
Sem custas.
D.N.