CONTRATO DE TRABALHO PLURILOCALIZADO
TRABALHADOR ITINERANTE
LEI APLICÁVEL
Sumário

I. Em matéria de contrato individual de trabalho, o Regulamento Roma I consagra, no seu art.º 8.º, n.º 1, o princípio da autonomia privada na escolha da lei aplicável aos contratos plurilocalizados, uma vez que se reconhece, em termos particularmente amplos, a possibilidade de as partes designarem de comum acordo a lei aplicável às suas relações.
II. Essa escolha não pode, no entanto, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º do Regulamento Roma I.
III. Aos “trabalhadores itinerantes”, que se deslocam continuamente de país para país, sem se poder fixar num local habitual de execução e sem que se consiga determinar o local a partir do qual é organizado o trabalho, o critério do n.º 3 do art.º 8.º do Regulamento Roma I aponta para que o contrato seja regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.
IV. Tendo as partes escolhido que a lei aplicável ao contrato de trabalho seria a lei norueguesa, não pode dessa escolha derivar a privação de aplicação, ao contrato de trabalho, das normas inderrogáveis da lei portuguesa, por ser esta a aplicável por efeito do n.º 1 do art.º 8.º, do Regulamento Roma I.
V. Exigindo quer a lei norueguesa quer a lei portuguesa que a contratação a termo do trabalhador tenha que ser justificada, traduz-se a comunicação endereçada pela empregadora ao trabalhador, no sentido de fazer cessar o seu contrato, num despedimento ilícito.
VI. Comparando a lei norueguesa e a lei portuguesa, conclui-se que a escolha da primeira privaria o trabalhador objeto de um despedimento ilícito da proteção que lhe garantiriam as disposições imperativas da lei portuguesa, designadamente a regra associada à reintegração ou a sua alternativa (indemnização de antiguidade), daí que, nessa parte, seja esta a aplicável.

Texto Integral

I – Relatório

1. AA intentou ação declarativa, com processo comum, contra Island Offshore Portugal, L.da pedindo que, na procedência da mesma, o Tribunal:
a) Declar[e] a existência de um contrato de trabalho sem termo entre o A. e a R.;
b) Declar[e] a ilicitude do despedimento do A. pela R.;
c) Conden[e] a ré a reintegrar o A. nas mesmas funções e no mesmo navio, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, sem embargo de o A. poder optar pelo pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração até ao termo da discussão em audiência de julgamento;
d) Conden[e] a ré a pagar ao A. todas as retribuições que se vençam desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, incluindo os subsídios de férias e de Natal, tendo-se vencido até à presente data (21.03.2023) o montante de € 23.471,40, calculado com base na remuneração mensal do A.;
e) Conden[e] a ré a pagar ao A. a quantia de € 6.585,04, a título de créditos laborais vencidos e não pagos;
f) Conden[e]a ré em juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias acima peticionadas e nas quais venha a ser condenada, após as deduções legais a que possam estar sujeitas, calculados desde a data do respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento.
Subsidiariamente, caso o despedimento venha a ser julgado lícito:
a) Conden[e] a ré a pagar ao A. a quantia de € 22.082,17, a título de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, que se venceram até 20.12.2022 e não pagos;
b) Conden[e ]a ré a pagar ao A. a quantia de € 1.240,80, a título de mínimo de horas de formação anual não ministradas relativas aos anos de 2021 e 2022;
c) Conden[e] a ré a pagar ao A. a quantia de € 3.911,91, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho;
d) Conden[e ]a ré em juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias acima peticionadas e nas quais venha a ser condenada, calculados desde a data do respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento.”
Fundamenta a sua pretensão referindo que celebrou verbalmente um contrato individual de trabalho com a ré, para sob a autoridade e direção desta exercer simultaneamente as funções de oficial piloto de 2ª classe e de operador de posicionamento dinâmico a bordo do navio “Island Pride”, mediante o pagamento pela ré da remuneração mensal ilíquida de € 4.694,28, tendo a ré reduzido esse contrato a escrito, usando formulário em norueguês e inglês. Reconhece ter assinado o formulário em 05.08.2021 mas sem ter discutido ou negociado as cláusulas constantes do contrato e que assinou sem conhecer o significado das remissões introduzidas pela ré, nomeadamente nos espaços n.ºs 12, 13, 14, 15 e 26, nem as referências a disposições da lei estrangeira dele constantes que não lhe foram informadas nem explicadas. Após ter assinado o contrato e a bordo do navio é que teve acesso ao “Collective Bargaining Uniform.” A ré fez cessar o contrato, com aviso prévio, o que configura um despedimento ilícito, porquanto não existe no contrato qualquer cláusula de termo certo ou incerto, nem dele consta qualquer motivo para que se pudesse considerar justificativo da contratação do autor o termo incerto. A ré não procedeu ao pagamento dos subsídios de férias e Natal nem proporcionou formação profissional.
2. A ré contestou, por exceção e por impugnação. Por exceção, invocou a incompetência absoluta do Tribunal. Por impugnação, alega que as partes acordaram que a lei aplicável ao contrato de trabalho é a norueguesa, lei que não prevê o pagamento de subsídios de férias e de Natal, nem o seu pagamento foi convencionado. Procede ao pagamento de uma retribuição consolidada que é composta por alguns elementos que substituem a finalidade dos subsídios, nomeadamente o “Leve 9 days” que para as funções do autor – DP Operator – corresponde a um valor mensal de € 348,00, a que corresponde ao valor anual de € 4176,00 valor superior aos subsídios de férias e de Natal. Refere, ainda, que o autor fez formação profissional.
3. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de incompetência internacional.
4. O autor apresentou, 09.06.2023, requerimento a optar pela indemnização, em substituição da reintegração.
5. Foi realizado julgamento e proferida sentença, em 06.02.2024, contendo o seu dipositivo, a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, consequentemente,
a. declara-se a existência de um contrato sem termo entre o autor e a ré;
b. Declara-se ilícito o despedimento do autor e em consequência condena-se a ré:
b.a. a reintegrar o autor nas mesmas funções, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b.b. a pagar ao autor a importância das retribuições que deixou de auferir desde 19-02-2023 (30.º dia antes da propositura da ação) até à data do trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros desde as datas dos respetivos vencimentos até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é atualmente de 4% ao ano. A tal valor deve ser deduzido o montante das importâncias atinentes a importâncias que aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento e ainda o montante do subsídio de desemprego.
Absolvendo-se a ré do demais peticionado.”
6. O autor apresentou, em 22.02.2024, requerimento a requerer a retificação da sentença, com fundamento no n.º 1 do art.º 614º e n.º 2 do art.º 613º do CPC, aplicável ex vi da al. a) do n.º2 do art.º 1º do CPT.
7. O Tribunal a quo indeferiu, por despacho, proferido em 10.07.2024 a pretensão do autor.
8. Inconformado com a sentença proferida, o autor apresentou recurso, em 22.04.2023, referindo, nas suas conclusões, o seguinte:
“Questões prévias:
1. Antes de mais, impõe-se a rectificação, ao abrigo do art.º 614º, n.ºs 1 e 2 do CPC, dos pontos 16 e 18 dos Factos Provados; dos pontos b.a. e b.b. da Decisão; e dos “Fundamentos da pretensão exposta”, tratando-se de erros materiais da douta sentença recorrida sobre os quais o tribunal a quo não chegou a pronunciar-se apesar de tal ter sido requerido pelo Recorrente
2. O Recorrente vem também arguir a nulidade da douta sentença recorrida ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, aplicável ex vi art.º 77º do CPT, por não se ter pronunciado sobre o valor da retribuição ilíquida mensal auferida pelo Recorrente nem sobre a indemnização a pagar ao Recorrente em alternativa à sua reintegração, conforme requerido pelo mesmo nos autos;
3. Requerem também os Recorridos a junção em sede de recurso da mensagem de email enviada em 26.03.2020, por BB, responsável pela tripulação da Recorrida [ponto 7 dos Factos Provados], ao Recorrente, ao abrigo do n.º 1 do art.º 651º do CPC, por se ter revelado necessário para a apreciação do julgamento realizado em 1ª instância;
Sobre a matéria de facto:
4. Atendendo às nulidades arguidas e aos pedidos de pagamento dos subsídios de férias e de Natal em que decaiu o Recorrente, impõe-se a impugnação da decisão que recaiu sobre a seguinte matéria de facto, desfavorável à pretensão do Recorrente:
5. Impugna-se, no caso de não serem considerados meros erros materiais, a decisão que recaiu sobre a matéria de facto constante dos pontos 16 e 18 dos Factos Provados, apenas quanto à data que deles figura e dos quais deve passar a figurar a data de 05.08.2021, de acordo com os concretos meios probatórios constantes do ponto 11 dos Factos Provados, por terem sido admitidos por acordo, por tal data resultar da cédula de inscrição marítima (Doc. 1 junto com a p.i.) e do livro de registo de Posicionamento Dinâmico do Recorrente (a fls. 70), com base na data de início de produção de efeitos do contrato de trabalho (a fls. 24), no teor do email de fls. 69 e nas declarações de parte do Recorrente, melhor identificadas no corpo da alegação para a qual aqui se remete e que aqui se consideram reproduzidas;
6. Relativamente aos pontos 20 e 21 dos Factos Provados, devia ter sido provado apenas que “Após ter assinado o contrato com a ré, a bordo do navio “ISLAND PRIDE”, o autor passou a ter acesso ao sistema online da empresa, no qual estão disponíveis todos os formulários operacionais que os funcionários da ré necessitam preencher, documentos da empresa e cartas circulares da ré destinadas aos seus funcionários” e que “Após ter assinado o contrato com a ré, o autor acedeu ao Collective Bargaining Uniform Agreement for seafarers serving on offshore service vessels registered in NIS between Norwegian Shipowners’ Association (NSA) and The Norwegian Maritime Unions (NMU), redigido em língua inglesa e disponível nas cartas circulares da ré, o que, em tradução livre, corresponde ao Contrato Colectivo de Trabalho para Marítimos a trabalhar em navios de serviço offshore registados no registo internacional de navios norueguês, celebrado entre a Associação de Proprietários de Navios Noruegueses e os Sindicatos Marítimos Noruegueses e que constitui o teor do doc. 23 (fls. 25 a 40 dos autos)”, sendo os concretos meios probatórios que o impunham as declarações de parte do Recorrente e no depoimento da testemunha da Recorrida BB, cujas passagens se encontram identificados na alegação para a qual aqui se remete, nos documentos de fls. 69, 25 a 40 e no documento que ora se junta;
7. No ponto 7 dos Factos Provados deveria ter sido provado apenas: “Em data anterior a 09.07.2021, BB, que desempenhava funções no estabelecimento referido em 4., e era responsável da tripulação da ré, contactou telefonicamente o autor para saber se este estaria interessado em exercer funções a bordo do navio “ISLAND PRIDE” como Oficial Piloto de 2ª Classe (2nd. Officer) e de Operador de Posicionamento Dinâmico (Dynamic Positioning Operator – DPO), mediante a retribuição mensal ilíquida de € 4.694,28”, devendo os pontos 39 e 40 dos Factos Provados ser julgados não provados;
8. Assim, o impunham os recibos de vencimento do Recorrente (de fls. 15v. a 23v.), as declarações de parte do Recorrente e o depoimento da testemunha da Recorrida BB, cujas passagens se encontram identificados na alegação para a qual aqui se remete, no contrato de trabalho a fls. 24, no documento ora junto e no anterior contrato de trabalho do Recorrente (Doc. 4 junto com a p.i.);
9. Quanto ao ponto 41 dos Factos Provados devia ter sido julgado provado apenas que: “O autor recebeu € 1716 de compensação pela cessação do contrato de trabalho”, com base nos recibos de vencimento (com destaque para o último deles, relativo a dezembro de 2022) de fls. 15v. a 23v.;
10. Por outro lado, a douta decisão recorrida devia ter julgado provada a matéria não provada alegada no artigo 12º da p.i., ou seja, que: “Pelo exercício das funções indicadas em 19., o autor auferia a remuneração mensal ilíquida de € 4.694,28”, de acordo com os recibos de vencimento do Recorrente de fls. 15v. a 23v., as declarações de parte do Recorrente, melhor identificadas no corpo da alegação para a qual aqui se remete, e no documento ora junto;
11. Devem também ser julgados provados os factos não provados constantes dos artigos 16, 17, 19 e 25 da p.i., de acordo com os pontos 10 e 11 dos Factos Provados, com o documento de fls. 69, com as declarações de parte do Recorrente e no depoimento da testemunha da Recorrida BB, que se encontram melhor indicados na alegação para a qual aqui se remete;
12. Ainda devia ser julgado provado o facto não provado constante do artigo 24º da p.i., com base nos pontos 1 e 4 dos Factos Provados, nas declarações de parte do Recorrente e no depoimento da testemunha da Recorrida BB, melhor indicados no corpo da alegação para a qual aqui se remete e se considera reproduzida;
13. Por último, atendendo aos factos não provados dos artigos 55º e 56º da p.i., devia ser dado como provado que: “A ré não pagou ao autor qualquer quantia relativa a subsídio de férias, calculado sobre a remuneração mensal ilíquida de € 4.694,28” e que “A ré não pagou ao autor qualquer quantia relativa a subsídio de Natal, calculado sobre a remuneração mensal ilíquida de € 4.694,28”, sendo os concretos meios probatórios que impunham a referida decisão os recibos de vencimento do Recorrente de fls. 15v. a 23v.
Sobre a matéria de direito:
14.Atenta a matéria de facto provada, no que concerne a decisão de direito, o recurso é também restrito à matéria que recaiu sobre a matéria da retribuição do Recorrente e dos subsídios de férias e de Natal (ponto b.b.);
15. A douta sentença recorrida não podia ter considerado, como considerou, ter havido acordo das partes quanto à lei aplicável, por força de uma remissão introduzida no formulário do contrato de trabalho pela Recorrida para um documento de que não foi dado conhecimento prévio à assinatura do contrato ao Recorrente nem, consequentemente, lhe foi concedido o tempo suficiente para dele se inteirar e para obter esclarecimentos quanto ao seu teor, tendo violado as regras Regra 2.1, e a regra obrigatória A2.1 da Convenção do Trabalho Marítimo de 2006, ratificada por Portugal e em vigor à data dos factos em discussão;
16. O acordo com base no qual as partes escolhem a lei aplicável tem de ser expresso, inequívoco e claro, como decorre dos art.ºs 3º e n.º 1 do art.º 8º do Regulamento (CE) nº 593/2008, do Parlamento Europeu, de 17 de Junho de 2008 (Roma I), normas que a sentença recorrida também violou porquanto não se provou a existência de tal acordo;
17. Apesar de a sentença recorrida no seu arrazoado inicial (ponto b.a.) ter chegado à conclusão de que se aplicaria a lei portuguesa por força da matéria provada nos pontos 1, 4, 23, 24 a 30 dos Factos Provados, que justificam a aplicação do critério insito no n.º 3 do art.º 8º do Regulamento Roma I, acabou por não aplicar a lei portuguesa (nem qualquer outra), assim violando, não só aquela norma regulamentar, como também os art.ºs 258º, 276º, n.º 3 e 264, n.º 2 do CT;
18. Devendo, assim, ser substituída e a Recorrida ser condenada no pagamento das retribuições que o Recorrente deixou de auferir por conta do trabalho prestado, no valor mensal ilíquido de € 4.692,28, até à data do trânsito em julgado da decisão, bem como da importância dos subsídios de férias e de Natal que se venceram desde 05.08.2021 até à data do trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros desde as datas dos respectivos vencimentos até integral e efectivo pagamento, com dedução dos valores vencidos até 30 dias antes da propositura da acção, à taxa legal supletiva em vigor, e que é actualmente de 4%.
19. Por fim, a douta sentença recorrida violou também o n.º 1 do art.º 391º do CT ao não ter condenado a Recorrida no pagamento de uma indemnização em substituição da rei[n]tegração do Recorrente na empresa.”
Termina, pedindo que a sentença recorrida seja modificada na parte objeto deste recurso.
9. A ré apresentou contra-alegações rematando as mesmas com as seguintes conclusões:
“A. A decisão do Tribunal a quo deve ser mantida, uma vez que foi feita uma interpretação correta dos factos e do Direito que culminou numa decisão perfeitamente justa;
B. Nenhum dos vícios apontados pelo Recorrente à Douta Sentença se verifica;
C. O alegado erro de julgamento na lei aplicável ao contrato de trabalho não se verifica por não ter sido feita nenhuma prova que colocasse em causa o conhecimento das condições do CBA pelo Recorrente;
D. Por um lado, o Recorrente já tinha trabalho para a Recorrida em 2020, tendo os termos da contratação sido idênticos, sendo o contrato de trabalho regulado pela lei norueguesa/CBA, tal como é prática da empresa;
E. Por outro, o Recorrente sendo um marítimo experiente, não iria assinar um contrato onde não se asseguraria das condições contratuais, como as salariais, que no contrato de trabalho celebrado são remetidas para o CBA, quando estas foram condições essenciais para a mudança do Recorrente;
F. Além disso, caso, no momento da contratação, o Recorrente tivesse alguma dúvida sempre poderia ter consultado a cópia do CBA que se encontrava a bordo, conforme exigência da Convenção do Trabalho Marítimo de 2006.
G. No caso dos autos tem aplicação o Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (Regulamento Roma I), que estabelece no seu n.º 1 do artigo 3.º que as partes são livres para designar a lei aplicável;
H. O artigo 3. º do Regulamento Roma I não estabelece quaisquer limites quanto às ordens jurídicas estaduais que podem ser designadas e o artigo 8º do Regulamento, ao submeter o contrato de trabalho à lei de um certo país, abrange, igualmente, as convenções coletivas de trabalho em vigor nesse país, desde que o contrato em causa caia no seu âmbito de aplicação;
I. Pelo que a escolha da lei norueguesa foi uma escolha consciente e livre das partes e, assim, é esta a lei aplicável ao contrato de trabalho objeto do presente litígio;
J. Não se verifica a alegada omissão de Pronúncia quanto ao valor mensal das retribuições, já que a Douta Sentença é clara em tomar posição que os salários pagos ao Recorrente são salários consolidados;
K. A Douta Sentença é clara em tomar posição que os salários pagos ao Recorrente são salários consolidados, o que corresponde aos usos do setor marítimo em que o salário é pago de forma consolidada;
L. Desta forma, todos os trabalhadores da Recorrida, independentemente de estarem ou não embarcados num navio, têm como retribuição garantida o Salário Base. As restantes parcelas dependem sempre do trabalho prestado a bordo;
M. Assim, por não ter sido prestado trabalho a bordo de um navio, o valor a considerar para a compensação nunca poderá ser o valor do salário consolidado como o Recorrente pretende, mas antes o salário base;
N. Quanto ao alegado erro de julgamento na não condenação da Recorrida ao pagamento dos subsídios de férias e de Natal ao Recorrente andou bem a Douta Sentença ao decidir que a Lei norueguesa e o CBA não preveem o pagamento de subsídio de férias e de Natal;
O. Quer do Direito Internacional (em especial, da Convenção de Trabalho Marítimo), quer da legislação norueguesa/CBA não resulta qualquer obrigação de pagamento de subsídio de férias ou de Natal.
P. As partes não convencionaram o pagamento desses subsídios, pelo que não há lugar a esse pagamento
Q. Todavia, e apesar de não ser devido o valor, os salários acordados entre a Recorrida e os seus trabalhadores são salários consolidados, que incluem todas as prestações remuneratórias, como os subsídios de férias e de Natal, em valores que superam, em larga escala, o valor desses subsídios peticionados.
R. Por essa razão, os salários consolidados pagos pela Recorrida abrangem todas as prestações remuneratórias, incluindo os referidos subsídios.”
Termina, pedindo que o recurso seja julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida.
10. A ré apresentou, em 17.04.2024, recurso subordinado terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:
“A. O presente Recurso circunscreve-se sobre os pontos da matéria de facto e de Direito que relevam para a procedência dos pedidos em que a Recorrente decaiu relativos à:
i. existência de um contrato de trabalho sem termo entre o Recorrente e Recorrida e na declaração da ilicitude do despedimento do Recorrente;
ii. na condenação da Recorrida a reintegrar o Recorrente.
B. Quanto ao primeiro ponto, a ora Recorrente não pode concordar com a Douta Sentença na parte em que esta considerou a existência de um contrato de trabalho sem termo entre Recorrente e Recorrida e, com efeito, declarar ilícita a caducidade do contrato do Recorrente, por imposição do Direito interno português que se sobreporia à escolha de lei efetuada pelas partes.
C. Ao analisar a contratação a termo incerto do ora Recorrido, o Tribunal a quo parte a sua análise da lei portuguesa (do artigo 147.º do Código do Trabalho), ignorando, por completo, a lei norueguesa escolhida pelas partes e que rege o contrato.
D. Deste modo, a ideia de alternatividade subjacente ao limite do nº3 do artigo 8º do Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (Regulamento Roma I) foi totalmente ignorada.
E. A Douta Sentença falha: i) ao não analisar, em primeiro lugar, a lei escolhida pelas partes (lei norueguesa); ii) ao não proceder à comparação entre a lei escolhida pelas partes e as disposições imperativas da lei objetivamente conectada – lei portuguesa.
F. Ao não ter percorrido este caminho, a Douta Sentença não consegue, assim, realizar uma comparação entre as duas leis e encontrar a mais favorável ao trabalhador, já que a lei norueguesa permite, nas mesmas condições que a lei portuguesa, a contratação a termo por um período determinado, para uma viagem determinada ou para um trabalho de duração temporária, quando a natureza do trabalho o justifique;
G. No momento de assinatura do contrato, ambas as partes tinham conhecimento e estavam plenamente conscientes não só da assinatura de um contrato a termo, como da escolha do CBA e da lei norueguesa para regular a sua situação jurídica.
H. No momento da assinatura do contrato estava consciente que no final do contrato, encontrava-se preenchido um quadro relativo aos trabalhadores que são contratados apenas por um período específico (temporary agreements).
I. Acresce que, praticamente todos os depoimentos prestados foram no sentido que a prática habitual consiste em os trabalhadores ficarem afetos a um navio, tal como era o caso do Recorrido;
J. Quanto à cessação do contrato, ambas as leis consagram a caducidade do contrato de trabalho a termo, todavia, a compensação da lei norueguesa é superior;
K. Deste modo, não existe fundamento para impor a lei portuguesa à escolha das partes.
L. Tal como o requerimento a folhas 69 demonstra, o Recorrido sabia que, caso mudasse de navio, por sua iniciativa ou por iniciativa da entidade empregadora, teria de ser celebrado um novo contrato. Cenário que não aconteceria num contrato sem termo.
M. Portanto, de acordo com a lei norueguesa, a contratação a termo incerto do Recorrido é lícita e a cessação contratual cumpriu todos os ditames legais.
N. Relativamente à condenação da Recorrida a reintegrar o Recorrente, decorre do artigo 389.º do Código de Trabalho que a reintegração do trabalhador é um efeito da ilicitude de despedimento.
O. A cessação do contrato de trabalho foi lícita, por isso, não há lugar à aplicação daquela norma.
P. No entanto, mesmo que se considere que a cessação do contrato foi ilícita, a lei norueguesa seria aplicável, nomeadamente a Secção 3-5 e 5-11 do The Ship Labour Act que exige uma ponderação de interesses das partes para que o trabalhador possa ser reintegrado.
Q. Porém, mesmo que tivesse aplicação a lei portuguesa, a Douta Decisão enferma de lapso manifesto na parte em que se condena o ora Recorrente a reintegrar o Recorrido, porquanto o agora Recorrido em requerimento apresentado em 09.06.2023 (ref.ª CITIUS 36210547) optou pela «condenação da R. no pagamento de indemnização ao A. em substituição do pedido de reintegração do A. nas mesmas funções e no mesmo navio, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, indemnização a fixar pelo tribunal de acordo com os critérios legalmente estabelecidos».”
Termina, pedindo que a sentença recorrida seja alterada na parte objeto do presente recurso.
11. O autor, respondendo ao recurso subordinado, apresentou as seguintes conclusões:
1. O objecto do recurso afere-se pelas conclusões de recurso da Recorrente, ao abrigo do n.º 1 do art.º 639º do CPC, sendo que das mesmas resulta que o presente recurso subordinado versa apenas sobre a matéria de direito;
2. A Recorrente não cumpre com as especificações a que alude o n.º 2 do art.º 639º do CPC, motivo pelo qual não é possível ao Recorrido pronunciar-se nem ao tribunal ad quem conhecer do presente recurso;
3. O recurso subordinado não se destina a apreciar questões que tenham de ser apreciadas em sede de recurso principal, como acontece in casu, motivo pelo qual não deve ser admitido o presente recurso;
4. Ainda assim, à cautela, sempre o Recorrido dirá que a Recorrente confunde a licitude da contratação a termo com a ilicitude da cessação do contrato a termo;
5. Não obstante, os pontos 7, 8, 10, 11, 12, 14, 16, 31 e 33 dos Factos Provados pela douta sentença recorrida demonstram que o contrato de trabalho celebrado entre o Recorrido e a Recorrente não é um contrato a termo incerto, porquanto nenhum termo foi acordado pelas partes;
6. Dificilmente se conseguiria explicar que num formulário de contrato pré-preenchido pela Recorrente, em que o Recorrido não teve qualquer intervenção, a mera colocação do nome do navio a bordo do qual iria exercer funções (indicação do local de trabalho) e a data de início de produção de efeitos do contrato (05.08.2021) pudesse significar que o trabalhador aceitara ser contratado a termo incerto ou que tivesse consciência de uma suposta causa justificativa desse termo que nem sequer resulta do contrato e que nem mesmo a Recorrente logrou provar;
7. Basta atentar no motivo invocado pela Recorrente para fazer cessar o contrato, e que resulta do ponto 31 dos Factos Provados, para perceber que tal motivo nada tem a ver com qualquer das situações que diz terem justificado a alegada contratação a termo incerto do trabalhador Recorrido, o que bastaria para concluir pela ilicitude do despedimento, quer perante a lei portuguesa quer perante a lei norueguesa
8. Os Artigos 1º e 4º do IRCT (ou “CBA”), de fls.25 a 40, que a Recorrente entende que se aplica ao contrato individual de trabalho, não contemplam a possibilidade de celebração de contratos de trabalho a termo incerto, mas apenas de contratos de trabalho sem termo e de contratos a termo certo, sendo normas mais favoráveis aos trabalhadores;
9. Não se tratando de um contrato de trabalho a termo, é pura e simplesmente irrelevante a questão levantada pela Recorrente quanto ao direito aplicável;
10.Ainda assim, não resulta provado que tivesse havido qualquer escolha pelo Recorrido quanto à aplicação da lei norueguesa ao contrato, escolha que sempre teria de ser expressa e resultar inequivocamente do contrato ou das circunstâncias da causa, o que não acontece in casu;
11.A própria Recorrente nunca alegou na sua contestação a aplicação de qualquer disposição de lei norueguesa ao contrato firmado com o trabalhador Recorrido, sendo que o ónus da prova quanto a este aspecto, tratando-se de direito estrangeiro, sempre lhe competiria, pelo contrário, a Recorrente invoca no artigo 40º da contestação a lei portuguesa para fundamentar o despedimento;
12.Acresce que, o Artigo 17º do IRCT sempre excluiria a aplicação das normas da Secção 3-3 a 3-8 (inclusive) do Ship Labour Act norueguês aos contratos de trabalho, exclusão que inclui logicamente as normas da Secção 3-4 do mesmo diploma mencionada pela Recorrente;
13.Na falta de escolha das partes, é aplicável a lei do país com o qual o contrato de trabalho apresente uma conexão mais estreita, sendo o critério a aplicar o do n.º 3 do art.º 8º do Regulamento, ou seja, a lei aplicável ao contrato é a lei portuguesa.
Termina, pedindo que não seja dado provimento ao recurso por manifesta improcedência.
12. Conforme resulta do nosso despacho de 17.12.2024, transitado em julgado, a putativa sentença proferida pelo Tribunal a quo, em 30.09.2024 foi considerada absolutamente nula não se mantendo, consequentemente, os recursos dela interpostos.
13. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer (i)no sentido de não ser admitido o documento apresentado pelo autor, (ii)de que se verifica omissão de pronúncia quanto ao pedido de indemnização e que condenou o autor na reintegração que não pediu resulta evidente e, nisso, ambas as partes estão de acordo, mas considera que sem estar apurada a retribuição base do autor e eventuais acréscimos o seu conhecimento do montante devido ao autor, fica prejudicado, o conhecimento do montante devido ao autor a título de indemnização substitutiva e não parece que possa ser relegado para execução de sentença, (iii) deve ser dada razão ao autor quanto aos factos provados 16. e 18, ( iv) que a redação equivoca do facto provado 21 não permite saber em que momento o autor teve conhecimento do teor do IRCT aplicável ao contrato, que tanto quanto parece resultar da sentença, foi essencial para concluir pela existência de acordo quanto à lei aplicável ao contrato, (v) o esclarecimento destes pontos e o apuramento do salário base prejudicam o conhecimento do demais alegado. Concluiu que o recurso do autor, bem como o da ré, quanto à reintegração não pedida, merece parcial provimento.
14. Ouvidas as partes, recorrente e recorrida pronunciaram-se no sentido já afirmado nas suas alegações e contra-alegações, respetivamente.
15. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
*
II – Questões prévias.
No recurso interposto pelo autor são suscitadas duas questões prévias, a primeira, de retificação de erros materiais, e a segunda, de junção de documento.
No que concerne, ao pedido de retificação de erros materiais, e conforme se assinalou no ponto 7 do Relatório, o Tribunal a quo já se pronunciou sobre o mesmo indeferindo-o.
Resta, então, apreciar a questão da (in)admissibilidade da junção de documento com as alegações de recurso.
Vejamos.
O autor pretende a junção de um documento que consiste numa mensagem de email, enviada em 26.03.2020, pela testemunha BB.
Refere que não procedeu à junção do documento, nem com a petição inicial, nem posteriormente, por tal documento se referir a outra contratação, entre as partes, anterior à que constitui objeto do presente processo. E, o interesse do documento apenas se tornou evidente em virtude do julgamento proferido na 1ª instância quanto aos factos 7, 21, 39 e 40, factos esses que impugna, e que depreende que estejam fundamentados no depoimento da testemunha BB1, sendo que, após o depoimento da testemunha, a audiência de julgamento foi encerrada, deixando o requerente sem ter qualquer possibilidade de o apresentar.
Vejamos.
Dispõe o artigo 423.º do CPC que:
1- Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2- Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
Por seu turno, estatui o artigo 651.º do CPC que
” 1- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2 – As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”
E, o art.º 425.º do CPC estabelece que:
“Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Como refere Abrantes Geraldes,2a junção da prova documental deve ocorrer preferencialmente na primeira instância, regime que se compreende, na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes do tribunal proceder à sua integração jurídica. A lógica imporia até que fosse ainda mais limitada a possibilidade de junção de documentos fora dos articulados, para melhor satisfação dos objetivos da celeridade.
O legislador, porém, através da norma do art.º 423º, legitima a junção de documentos até 20 dias antes da data de realização da audiência final, ainda que com pagamento de multa. Depois disso, apenas podem ser juntos documentos nas condições previstas no n.º 3 do art.º 423.
Em sede de recurso, é legitimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.”
Do exposto resulta que a junção de documentos, na fase de recurso, é apenas admitida excecionalmente, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento.
No caso em apreço, ao contrário do alegado a seguir ao depoimento da testemunha não foi encerrada a audiência final, mas suspensa, tendo sido designado dia para continuação do julgamento, o que permite concluir que o documento podia ter sido junto, na oportunidade a que alude o n.º 3 do art.º 423º do CPC.
Considerando a data do documento e o conhecimento que dele tinha o autor, não se está perante uma situação de superveniência objetiva ou subjetiva do documento que legitimasse a sua junção com as alegações de recurso, sendo que, de acordo com a alegação do autor, a junção do documento só se tornou necessária após o julgamento.
Ora a expressão “a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”, significa apenas que se justifica a junção de documento para a prova de factos cuja relevância a parte, razoavelmente, não podia ter em consideração antes de proferida a decisão.
Sendo que “[a] jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.” 3
As questões relacionadas com a ausência da informação da legislação aplicável, nomeadamente do contrato coletivo de trabalhado (CBA) foram suscitadas nos autos e eram essenciais à decisão da causa.
Assim, e sem se questionar a adequação do documento em causa, como meio de prova, sempre se poderá afirmar que o autor não poderia desconhecer as questões essenciais nos autos e a hipotética relevância do documento em causa na procedência da sua pretensão.
Em face do exposto não se admite a junção do documento.
III – Objeto do Recurso
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º2, al. a) do CPT ( Código de Processo de Trabalho), que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, são as seguintes as questões a decidir:
Recurso principal:
(i)nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
(ii) impugnação da matéria de facto;
(iii) lei aplicável ao contrato de trabalho;
(iv) se é devido o pagamento de subsídios de férias e de Natal;
(v) fixação de indemnização por despedimento ilícito.
Recurso subordinado:
(i)saber se a sentença recorrida errou ao aplicar diretamente a lei portuguesa, ao considerar que o contrato de trabalho em causa era sem termo e ao condenar a ré a reintegrar o autor.
Tudo sem prejuízo de apreciação das referidas questões pela ordem lógica que entre elas intercede.
IV – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
1.O artigo 615.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe, “Causas de nulidade da sentença”, preceitua, no que ora releva, que:
«1. É nula a sentença quando:
(…)
d)O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento;
(…).”
Este normativo legal tem de ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, nos termos do qual “ o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Importa, assim, ter em atenção que o dever de decidir se impõe apenas quanto a questões suscitadas e quanto a questões do conhecimento oficioso, logo a omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, consubstancia-se apenas no incumprimento do dever de decidir aquelas questões.
E como se pode ler no Ac. RL de 22/06/202344 “de salientar ser absolutamente pacífico que o conceito de “questões” que o juiz deve resolver na sentença, a que alude aquele normativo legal, se relaciona com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos (mormente alegações de factos e meios de prova) produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões.”
2. No caso em apreço, o autor alega que a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia quanto à retribuição por si auferida e relativamente ao pagamento da indemnização em substituição da reintegração.
Nestes autos, o autor peticionou o reconhecimento da celebração com a ré de um contrato sem termo, a ilicitude do seu despedimento, com condenação da ré a reintegrá-lo, nas mesmas funções e navio, sem prejuízo de poder optar por uma indemnização, em substituição da reintegração, e ainda, no pagamento das retribuições intercalares e outros créditos salariais, como subsídio de férias e de Natal e formação profissional não ministrada.
A factualidade alegada pelo autor referente à retribuição por si auferida – montante concreto mensal ilíquido de € 4694,28 - não tem nos factos dados como provados afirmação inequívoca, mas não se poderá dizer que o Tribunal não se pronunciou sobre a retribuição, como se apreende do facto provado 7.
E, se assim foi proferida a sentença recorrida, não se antevê face ao conceito de questão que avulta da lei que lhe possa ser assacado o vício de omissão de pronúncia, nesta parte.
Quanto à omissão de pronúncia do Tribunal a quo relativamente ao pedido de indemnização em substituição da reintegração, a mesma é evidente.
A consequência normal da declaração de ilicitude do despedimento é a reintegração do trabalhador, e só assim não acontecerá se, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, o trabalhador se desinteressar da reintegração e optar por uma indemnização.
Com efeito, de acordo com o estatuído, no n.º 1 do art.º 391º do CT “[e]m substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º”.
No caso dos autos, a audiência final teve lugar a 25.01.2024, cfr. ata com a ref.ª citius 43234281.
Como referimos no Relatório, o autor apresentou, 09.06.2023 requerimento a optar pela indemnização, ou seja, em momento anterior ao encerramento do julgamento.
Desta forma, a opção do autor pela indemnização, em substituição da reintegração, foi tempestivamente manifestada, sendo que na sentença proferida, o Tribunal a quo reconhecendo a ilicitude do despedimento, condenou a ré a reintegrar o autor.
No caso é, pois, evidente que existiu omissão de pronúncia, já que ficou por apreciar questão suscitada por uma das partes, questão que era uma «questão temática central[…] (isto é, atinente ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido, causa de pedir e exceções), cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão.»5
A questão da indemnização está dependente da confirmação da sentença recorrida, designadamente quanto à existência de despedimento ilícito, pelo que será a mesma enfrentada infra, sem prejuízo de se julgar verificada a apontada nulidade da sentença, nesta parte.
V- Impugnação da matéria de facto.
5.1. O art.º 640 do CPC sob a epigrafe “[ó]nus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto” dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
(…)”
Cumprirá, assim, aferir se o recorrente que veio impugnar a decisão da matéria de facto, quanto a determinados pontos da matéria de facto provada e não provada, cumpriu os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, se especifica, como a lei impõe, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver apreciada e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, indicando com exatidão as concretas passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso, cfr. art.º 640º do CPC.
Com relevo (…) mais se acrescenta que no âmbito do recurso com impugnação da decisão da matéria de facto impõe-se que a matéria dela objeto seja essencial ou relevante para a decisão de mérito na qualidade de factos concretizadores dos pressupostos constitutivos do direito a que o autor se arroga ou da defesa excetiva invocada pelo réu, por contraposição com os factos de natureza instrumental que, conforme da própria designação resulta, apenas relevam para fundamentar raciocínios lógicos-indutivos que concluam ou não pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção, tarefa que tem o seu lugar próprio na valoração ou julgamento da matéria de facto”.6
E que“ não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.) 7
No que concerne ao recurso principal único em que há impugnação da matéria de facto, do ponto de vista do cumprimento dos ónus, e sem prejuízo de, se tal não acontecer, se assinalar, consideramos, em regra, cumpridos os ónus enunciados.
5.2. O autor insurge-se quanto à factualidade constante dos factos provados 16 e 18, que deve ser alterada.
Os factos têm o seguinte teor:
“16. O autor assinou o contrato a 26.08.2022;
18. O autor embarcou a 26.08.2022.”
Sendo irrelevante, na economia do recurso, o conhecimento da data em que foi assinado o contrato ou quando o autor embarcou, já que relevante é a data a partir do qual o mesmo se iniciou (o que ocorreu, em 05.08.2021), e não devendo o Tribunal “proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (…) “, não se conhecerá desta matéria de facto impugnada.
5.3. O autor insurge-se quanto à factualidade constante dos factos provados 20 e 21 que deve ser alterada.
Os factos têm o seguinte teor:
“20. A bordo do navio “ISLAND PRIDE”, o autor tinha acesso ao sistema online da empresa, no qual estão disponíveis todos os formulários operacionais que os funcionários da ré necessitam preencher, documentos da empresa e cartas circulares da ré destinadas aos seus funcionários;
21. O autor acedeu ao Collective Bargaining Uniform Agreement for seafarers serving on offshore service vessels registered in NIS between Norwegian Shipowners’ Association (NSA) and The Norwegian Maritime Unions (NMU), redigido em língua inglesa e disponível nas cartas circulares da ré, o que, em tradução livre, corresponde ao Contrato Colectivo de Trabalho para Marítimos a trabalhar em navios de serviço offshore registados no registo internacional de navios norueguês, celebrado entre a Associação de Proprietários de Navios Noruegueses e os Sindicatos Marítimos Noruegueses e que constitui o teor do doc. 23 (fls. 25 a 40 dos autos);”
Para o efeito, invoca as suas declarações de parte, o depoimento da testemunha BB, procedendo às respetivas transcrições, o email de fls. 69 de 06.08.2021, circular da recorrida contendo o CBA (fls. 25 a 40), no qual consta que o referido CBA é válido de 01.03.2021 a 28.02.2022. 8
Propõe a seguinte redação:
“20. Após ter assinado o contrato com a ré, a bordo do navio “ISLAND PRIDE”, o autor passou a ter acesso ao sistema online da empresa, no qual estão disponíveis todos os formulários operacionais que os funcionários da ré necessitam preencher, documentos da empresa e cartas circulares da ré destinadas aos seus funcionários.
21. Após ter assinado o contrato com a ré, o autor acedeu ao Collective Bargaining Uniform Agreement for seafarers serving on offshore service vessels registered in NIS between Norwegian Shipowners’ Association (NSA) and The Norwegian Maritime Unions (NMU), redigido em língua inglesa e disponível nas cartas circulares da ré, o que, em tradução livre, corresponde ao Contrato Colectivo de Trabalho para Marítimos a trabalhar em navios de serviço offshore registados no registo internacional de navios norueguês, celebrado entre a Associação de Proprietários de Navios Noruegueses e os Sindicatos Marítimos Noruegueses e que constitui o teor do doc. 23 (fls. 25 a 40 dos autos).”
Na petição inicial, nos artigos 22º e 23º, o autor alegou que só após ter assinado o contrato, e já a bordo do navio, é que acedeu ao sistema on line da empresa e verificou que estava disponível o acordo coletivo de trabalho (CBA).
O Tribunal procedeu à audição, na íntegra, das declarações de parte do autor e da testemunha BB, que exerceu as funções de responsável de tripulação da ré, concluindo-se ter o autor razão.
Com efeito, do depoimento da testemunha BB, que explicou as circunstâncias em que o autor foi contratado (no que apelidou até de “negociação atípica” justificada pela urgência da contratação), resulta que o acordo coletivo de trabalho não foi enviado ao autor mas estaria disponível a bordo do navio.
Não se ignora que a testemunha afirmou que o autor tinha conhecimento do contrato coletivo, por o ter recebido aquando da primeira contratação. Porém, a ser verdade esta afirmação que não tem respaldo na factualidade alegada e provada, o contrato coletivo de que o autor poderia ter conhecimento seria sempre o contrato coletivo que esteve em vigor durante o período do primeiro contrato. Ora, o primeiro contrato vigorou entre 03.08.2020 e 24.09.2020 ( cfr. facto provado 5.), sendo certo que o acordo coletivo – a que se reporta o contrato de trabalho em causa nos autos e invocado pela ré - , tem o seu período de vigência, entre 01 março de 2021 a 28 de fevereiro de 2022 , ou seja, em período posterior à data da cessação do outro contrato que ocorreu a 24.09.2020. E nada foi alegado no sentido de se poder concluir que o acordo coletivo invocado fosse igual ao anterior.
Assiste, pois, razão ao recorrente. A redação do facto provado 21 será em língua portuguesa, visto o disposto no art.º 133º, n.º 1 do CPC e visto a tradução dos documentos junta aos autos.
Em conformidade, decide-se alterar a redação dos factos provados 20 e 21:
20. Após ter assinado o contrato com a ré, a bordo do navio “ISLAND PRIDE”, o autor passou a ter acesso ao sistema online da empresa, no qual estão disponíveis todos os formulários operacionais que os funcionários da ré necessitam preencher, documentos da empresa e cartas circulares da ré destinadas aos seus funcionários.
21. Após ter assinado o contrato com a ré, o autor acedeu ao Acordo Coletivo de Trabalho tipo para marítimos que prestam serviço a bordo de navios de serviço offshore registados no NIS [celebrado] entre a Associação de Proprietários de Navios Noruegueses (NSA) e os Sindicados Marítimos Noruegueses (NMU), redigido em língua inglesa e disponível nas cartas circulares da ré.”
5.4. O recorrente pretende, ainda, a alteração dos pontos 7, 39 e 40 dos factos provados, devendo ser alterada a matéria de facto contante do facto 7 e os factos 39, e 40 serem julgados não provados.
Os factos em causa têm o seguinte teor:
“7. Em data anterior a 09.07.2021, BB, que desempenhava funções no estabelecimento referido em 4., e era responsável da tripulação da ré, contactou telefonicamente o autor para saber se este estaria interessado em exercer funções a bordo do navio “ISLAND PRIDE” como Oficial Piloto de 2ª Classe (2nd. Officer) e de Operador de Posicionamento Dinâmico (Dynamic Positioning Operator - DPO), mediante a retribuição mensal ilíquida, consolidada, de € 4694,28;
39. A retribuição consolidada abrangia a retribuição base e outas prestações relacionadas com a retribuição, como os subsídios de férias e de Natal;
40. E ainda uma “leave 9 days”, que corresponde ao valor mensal de € 348;”.
O autor propõe a seguinte redação para o facto 7.:
“Em data anterior a 09.07.2021, BB, que desempenhava funções no estabelecimento referido em 4., e era responsável da tripulação da ré, contactou telefonicamente o autor para saber se este estaria interessado em exercer funções a bordo do navio “ISLAND PRIDE” como Oficial Piloto de 2ª Classe (2nd. Officer) e de Operador de Posicionamento Dinâmico (Dynamic Positioning Operator - DPO), mediante a retribuição mensal ilíquida de € 4694,28.”
Fundamenta a sua pretensão nos recibos de vencimento emitidos pela ré que a título de remuneração mencionada” Gross montly salary” (salário bruto mensal), declarações de parte do autor e o depoimento da testemunha BB.
No que concerne ao facto 7 a pretensão do recorrente reconduz-se à eliminação da expressão “consolidada”.
Como é entendimento pacífico, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, se podem considerar provados, sendo que as conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-20149, refere-se, ainda que “só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.
O conceito de retribuição consolidada é um conceito jurídico, que vem definido na “Convenção do Trabalho Marítimo, 2006”, no “Princípio orientador B2.2”.
No caso dos autos, saber se a retribuição acordada com o autor é ou não uma retribuição consolidada é um tema que divide as partes, integrando o thema decidendum.
Assim, a afirmação de natureza jurídica “consolidada”, deve ser excluída do elenco factual a considerar.
O facto provado 7 passa a ter a seguinte redação:
“Em data anterior a 09.07.2021, BB, que desempenhava funções no estabelecimento referido em 4., e era responsável da tripulação da ré, contactou telefonicamente o autor para saber se este estaria interessado em exercer funções a bordo do navio “ISLAND PRIDE” como Oficial Piloto de 2ª Classe (2nd. Officer) e de Operador de Posicionamento Dinâmico (Dynamic Positioning Operator - DPO), mediante a retribuição mensal ilíquida de € 4694,28.”
Factos provados 39 e 40
Do depoimento da testemunha BB resulta que a ré liquidará aos seus trabalhadores uma remuneração que engloba outros valores para além do salário base, mas por referência ao contrato coletivo de trabalho. Com efeito, a testemunha referiu-se à tabela que integra o CBA - que se encontra junta aos autos e lhe foi exibida - para afirmar a existência de vários itens que compõem um salário, tais como o salário base, trabalho em dias de dias da semana, aos sábados, domingos e feriados, licença de 9 dias esclarecendo que a tabela estabelece valores mínimos que têm de ser pagos. Referiu, ainda, a testemunha que os salários integram os subsídios de férias e de Natal. Ou seja, do seu depoimento resulta que, em geral, a ré paga salários consolidados por tal resultar do acordo coletivo de trabalho.
No entanto, e em concreto relativamente ao autor não soube esclarecer o que foi acordado mas apenas que a comunicação da retribuição foi feita telefonicamente.
Do exposto, resulta que procederá a pretensão do recorrente quanto à eliminação dos factos provados 39 e 40 passando a integrar o elenco dos factos não provados.
5.5. O recorrente manifesta o seu desacordo com a matéria de facto dada como provada no facto 41.
O facto tem o seguinte teor:
“41. O autor recebeu € 1.716 de compensação pela cessação do contrato de trabalho, calculada sobre 18 dias de retribuição base e diuturnidades.”
“Propõe a seguinte redação:
“41. O autor recebeu € 1716 de compensação pela cessação do contrato de trabalho.”
Fundamenta a sua pretensão no recibo de vencimento de dezembro de 2022, onde apenas menciona, a título de “ Severance Payment (CBA)” (indemnização pela cessação (CBA), o pagamento de um “ Gross monthly salary (Salário Brruto Mensal), no total de 1.716,00; que a ré refere, nos artigos 32º e 33º da contestação, que o referido valor se reporta a dois meses ( e não 18 dias) de salário base por referência genérica ao CBA.
Assiste razão ao recorrente, já que do recibo de vencimento apenas consta a menção de que a quantia de € 1.716,00 é liquidada como indemnização pela cessação do contrato de trabalho e inexiste prova que se reporte a 18 dias de retribuição base e diuturnidades.
O facto 41 passa, assim, a ter o seguinte teor:
41. O autor recebeu € 1.716,00 a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho.”
5.6. Impugnação dos factos dados como não provados.
O recorrente insurge-se quanto à matéria de facto não provada pretendendo que sejam dados como provados os artigos 12º, 16º, 17º, 19º, 24º, 25º, 55º e 56º da p.i.
5.7 Artigo 12º da p.i.
O recorrente alegou que aceitou trabalhar para a recorrida mediante o pagamento da remuneração mensal ilíquida de € 4,694,28.
Propõe que seja julgado provado que:
“Pelo exercício das funções indicadas em 19, o autor auferia a remuneração mensal ilíquida de € 4.694,28.”
Fundamenta a sua pretensão nos recibos de vencimento que mencionam um “gross montlhy salary” (salário bruto mensal) de € 4.694,28, ou o respetivo proporcional, no primeiro e último mês de execução do contrato, correspondendo as restantes rubricas a despesas relacionadas com as deslocações e, ainda, nas suas próprias declarações de parte que identifica.
O contrato de trabalho é omisso quanto à remuneração recebida pelo autor.
O autor procedeu à junção aos autos de dezassete documentos, referentes a recibos de vencimento.
Os recibos de vencimento em causa nos autos foram emitidos pela ré e constituem documentos particulares, art.º 363º, n.º 2 do CC.
Dos recibos de vencimento resulta que foi liquidada ao autor, com a designação de “gross montlhy salary”, a quantia mensal de € 4,694,28, com exceção do mês de agosto de 2020 e do mês de dezembro de 2022 que correspondem, respetivamente ao primeiro e último mês de execução do contrato.
Quanto ao valor probatório dos documentos particulares, os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante, sendo a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão, art.º 376º nº 2 do CC.
A força probatória do documento particular não impede, no entanto, que as declarações dele constantes sejam impugnadas com base na falta de vontade ou nos vícios da vontade capazes de a invalidarem. O declarante pode recorrer a qualquer meio, incluindo a prova testemunhal, para provar que as declarações não correspondem à vontade ou que esta foi afetada por qualquer vício do consentimento, designadamente por erro.
A ré não impugnou a materialidade subjacente às declarações suas constantes dos recibos de vencimento, ou seja, que liquidava ao autor a quantia de € 4.694,28 sob a designação de “gross montlhy salary” (salário bruto mensal).
Assiste, assim, razão ao autor e consequentemente adita-se um facto provado, com o seguinte teor:
“19. a) “Pelo exercício das funções indicadas em 19., a ré liquidava ao autor a quantia mensal de€ 4.694,28, sob a designação de” salário bruto mensal.”
5.8 O recorrente pretende que sejam dados como provados os artigos 16º, 17º, 19º e 25º da p.i.
Na petição inicial alega que:
16. O A. não discutiu ou negociou as cláusulas constantes do contrato de trabalho que a R. enviou para o navio e que o comandante do mesmo lhe colocou à frente para assinar.
17. O A. assinou o contrato sem conhecer o significado das remissões introduzidas pela R., nomeadamente nos espaços n.ºs 12, 13, 14, 15, e 26, nem as referências a disposições de lei estrangeira dele constantes, e que não lhe foram informadas nem explicadas pela R.
19. Aquando da assinatura do contrato, o A. limitou-se a verificar se os seus dados de identificação estavam correctos, se as funções coincidiam com o acordado, que não existiam cláusulas de termo no contrato e que o salário acordado ser-lhe-ia pago a partir daquela data (05.08.2021).
25. O referido documento [por referência ao documento mencionado no artigo 23º da p.i.] nunca foi disponibilizado ao A. pela R. antes ou na altura da assinatura do contrato de trabalho, não foi anexado ao mesmo nem dele faz parte integrante, nem o A. alguma vez foi alertado pela R. para a sua existência ou sequer foi por esta explicado ao A. o respectivo teor e as suas implicações.”
Propõem que sejam dados como provados, da seguinte forma:
“O autor não discutiu ou negociou as cláusulas constantes do contrato de trabalho que a ré enviou para o navio e que o comandante do mesmo lhe colocou à frente para assinar.
O autor assinou o contrato sem conhecer o significado das remissões introduzidas pela ré, nomeadamente nos espaços n.ºs 12, 13, 14, 15, e 26, nem as referências a disposições de lei estrangeira dele constantes, e que não lhe foram informadas nem explicadas pela ré.
Aquando da assinatura do contrato, o autor limitou-se a verificar se os seus dados de identificação estavam correctos, se as funções coincidiam com o acordado, que não existiam cláusulas de termo no contrato e que o salário acordado ser-lhe-ia pago a partir daquela data (05.08.2021).
E
O documento referido em 21 nunca foi disponibilizado ao autor pela ré antes ou na altura da assinatura do contrato de trabalho, não foi anexado ao mesmo nem dele faz parte integrante, nem o autor alguma vez foi alertado pela ré para a sua existência ou sequer foi por esta explicado ao autor o respectivo teor e as suas implicações.”
Fundamenta a sua pretensão nos pontos 10º e 11º dos factos provados, no email de fls. 69, com a data de 06.08.2021 remetido por si à testemunha BB, nas suas declarações de parte e no depoimento da testemunha BB, cujas passagens identifica e transcreve.
No que concerne ao alegado pelo autor nos artigos 16º e 25º da petição inicial as declarações do autor sustentam, no essencial, o que aí alegava, sendo que o depoimento da testemunha BB foi esclarecedor das circunstâncias em que foi contratado o autor, bem como da forma como foi preenchido o documento enviado para o navio para ser assinado pelo autor e de que com ele não terá seguido o contrato coletivo de trabalho.
Quanto aos demais factos alegados a única prova que existe reconduz-se às suas declarações de parte.
Sendo a prova por declarações de parte apreciada livremente pelo tribunal afigura-se esta ser, no caso em apreço, insuficiente para valer como prova dos factos alegados desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, ou, sequer, indicie.
Em face do exposto procede-se apenas ao aditamento à matéria de facto da seguinte factualidade:
“12. a) O A. não discutiu ou negociou as cláusulas constantes do contrato de trabalho que a R. enviou para o navio.
21. a) O documento a que se alude em 21, não foi disponibilizado ao A. pela R. antes ou na altura da assinatura do contrato de trabalho, não foi anexado ao mesmo, nem explicado o seu teor.
5.9. O recorrente pretende, ainda, que seja dado como provado o art.º 24º da p.i.
No art.º 24º da petição inicial o autor alegou que “[n]em o A. nem a R. são associados das partes intervenientes nesse contrato coletivo que não se lhes aplica”.
Sendo irrelevante, na economia do recurso, a ausência de filiação das partes nos sindicatos subscritores da CBA, e como vimos supra a reapreciação da matéria de facto está condicionada à sua relevância, não se conhecerá desta matéria de facto impugnada.
6. Finalmente insurge-se o recorrente quanto à matéria de facto dos artigos 55º e 56º da petição inicial que deveria ter sido dada como provada, designadamente que:
“A ré não pagou ao autor qualquer quantia relativa a subsídio de férias, calculado sobre a remuneração mensal ilíquida de € 4.694,28;
E
A ré não pagou ao autor qualquer quantia relativa a subsídio de Natal, calculado sobre a remuneração mensal ilíquida de € 4.694,28.”
Fundamenta a sua pretensão nos recibos de vencimento que comprovam que não foi efetuado pagamento a título de subsídio de férias ou Natal.
Já vimos que os recibos de vencimento não foram impugnados pela ré.
Da análise dos mesmos não resulta que tenha sido efetuado qualquer pagamento ao autor sob a designação de subsídio de férias ou Natal. A ré não o contesta entendendo, no entanto, que os mesmos não são devidos, o que é realidade diferente.
A serem devidos os subsídios em causa o cálculo do seu montante é questão de direito e não de facto.
Ante o exposto, procede-se apenas ao aditamento à matéria de facto da seguinte factualidade:
42. A ré não pagou ao autor qualquer quantia sob a designação de subsídio de férias.
43 A ré não pagou ao autor qualquer quantia sob a designação de subsídio de Natal.”
6.1. Impõe-se, agora, enunciar os factos materiais relevantes para a boa decisão da causa.
Não pode, contudo, deixar de se assinalar a utilização de termos em língua inglesa, em alguns dos factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª instância, o que não se compreende, em face da obrigação de utilização da língua portuguesa nos atos judiciais, art.º 133º do CPC e que consta dos autos a respetiva tradução dos documentos.
Assim, proceder-se-á a substituição das expressões em língua inglesa, nos seguintes factos:
- Facto provado 1210. «Employment Agreement» por “contrato de trabalho”;
-Facto provado 17.11 «- 2. The agrement applies from the date 05.08.2021”, por “O contrato aplica-se a partir de 05.08.2021”;
- 12. Terms and conditions of employment: wages, overtime pay amd other conditions according to collective agreement betweeen Norwegian Maritime’s Union’s and Norwegian Shipowners‘ Association; “ por “ Termos e condições do Contrato” Salários, pagamento de trabalho suplementar e outras condições conforme convenção coletiva entre Sindicatos Marítimos Noruegueses e Associação de Proprietários de Navios Noruegueses”,
- 13. Paid anual leave or the formula used for calculating it According to the model agreement – por “Férias anuais remuneradas ou a fórmula de cálculo das mesmas De acordo com o Acordo Modelo”,
- To be completed only in cases of temporary employment” por “Preencher apenas em caso de trabalho temporário”,
- 23. “From 05.08.2021 to____ por “De 05.08.2021 até ---“,
- 26. CBUA for offshore NIS vessels” por CBUA para navios offshore NIS;
- 27. The employment agreement signed Lisboa 9-JUL-2021 por “O contrato de Trabalho assinado local e data Lisboa – 9-Jul-21”;
6.2. São, pois, os seguintes os factos materiais relevantes para a decisão da causa.
“1. O A. é marítimo português, sendo detentor desde 10.01.2020 da categoria profissional de piloto de 1ª classe, de acordo com a respetiva cédula de inscrição marítima com o n.º P 069244;
2. A. também detém o certificado de Operador de Posicionamento Dinâmico (Dynamic Positioning Operator’s Certificate), emitido pelo The Nautical Institute em 03.10.2018, e válido até 03.10.2023;
3. A ré dedica-se, entre outras atividades, à gestão de tripulações e de embarcações, incluindo formação, treino e recrutamento de tripulações, armamento e aprovisionamento de embarcações, gestão técnica, gestão administrativa e todas as demais atividades e serviços auxiliares e/ou conexos;
4. Tem estabelecimento na sua sede, sita em Lisboa;
5. Em 03.08.2020, o autor foi contratado pela ré, a termo, para o exercício a bordo do navio “Island Diligence” tendo o autor embarcado no porto de Grimsby (Reino Unido), em 27.08.2020, e desembarcado no porto de Koge (Dinamarca), em 24.09.2020;
6. Tal contrato cessou em 21.10.2020;
7.Em data anterior a 09.07.2021, BB, que desempenhava funções no estabelecimento referido em 4., e era responsável da tripulação da ré, contactou telefonicamente o autor para saber se este estaria interessado em exercer funções a bordo do navio “ISLAND PRIDE” como Oficial Piloto de 2ª Classe (2nd. Officer) e de Operador de Posicionamento Dinâmico (Dynamic Positioning Operator - DPO), mediante a retribuição mensal ilíquida de € 4694,28.
8. Nessa ocasião, o autor informou que, naquele momento, estava a exercer funções a bordo de um navio ao abrigo de contrato de trabalho sem termo celebrado com a United European Car Carriers, Unipessoal, Lda. (doravante UECC);
9. O navio Island Pride tem bandeira da Noruega;
10. Para formalizar o contrato a ré utilizou um formulário em norueguês e inglês;
11. Tendo preenchido os espaços em branco e nele aposto o local “Lisboa” e a data de “9-Jul-21”, e que enviou o formulário por si preenchido e datado para o navio “ISLAND PRIDE” a fim de ser assinado pelo A. aquando do seu embarque no dia 05.08.2021, data a partir da qual o contrato começaria a produzir efeitos;
12. Que constitui o escrito de fls. 24 dos autos, designado de “contrato de trabalho”;
12 a) O A. não discutiu ou negociou as cláusulas constantes do contrato de trabalho que a R. enviou para o navio;
13. O autor domina a língua inglesa;
14. O autor viu que não havia cláusula de termo no contrato;
15. Designadamente da data em que o contrato cessava;
16. O autor assinou o contrato a 26.08.2022;
17. Nos termos do referido escrito [consta, além do mais que]:
«2.O contrato aplica-se a partir de 05.08.2021”;
- 12. Termos e condições do contrato “Salários, pagamento de trabalho suplementar e outras condições conforme convenção coletiva entre Sindicatos Marítimos Noruegueses e Associação de Proprietários de Navios Noruegueses”,
- 13. Férias anuais remuneradas ou a fórmula de cálculo das mesmas De acordo com o Acordo Modelo,
Preencher apenas em caso de trabalho temporário,
- 23. De 05.08.2021 até ---“,
- 26. CBUA para navios offshore NIS;
- 27. O contrato de Trabalho assinado local e data Lisboa – 9-Jul-21”;
18. O autor embarcou a 26.08.2022;
19. O autor passou a exercer para a ré as funções de Operador de Sistema de Posicionamento Dinâmico (Dynamic Positioning System Operator - DPO) e de Oficial Piloto de 2ª Classe a bordo do navio “ISLAND PRIDE”;
19. a) Pelo exercício das funções indicadas em 19., a ré liquidava ao autor a quantia mensal de€ 4.694,28, sob a designação de” salário bruto mensal;
20. Após ter assinado o contrato com a ré, a bordo do navio “ISLAND PRIDE”, o autor passou a ter acesso ao sistema online da empresa, no qual estão disponíveis todos os formulários operacionais que os funcionários da ré necessitam preencher, documentos da empresa e cartas circulares da ré destinadas aos seus funcionários;
21. Após ter assinado o contrato com a ré, o autor acedeu ao Acordo Coletivo de Trabalho tipo para marítimos que prestam serviço a bordo de navios de serviço offshore registados no NIS [celebrado] entre a Associação de Proprietários de Navios Noruegueses (NSA) e os Sindicados Marítimos Noruegueses (NMU), redigido em língua inglesa e disponível nas cartas circulares da ré;
21. a) O documento a que se alude em 21, não foi disponibilizado ao A. pela R. antes ou na altura da assinatura do contrato de trabalho, não foi anexado ao mesmo, nem explicado o seu teor;
22. O autor exerceu as funções para as quais foi contratado pela ré;
23. Apesar de o autor ter autonomia técnica para o desempenho de funções a bordo do navio, era da ré que o autor recebia ordens e instruções;
24. Nomeadamente, era da ré que o autor recebia ordem para embarcar e desembarcar do navio “ISLAND PRIDE”;
25. O autor tinha a sua residência em Portugal, na morada constante do escrito designado de «employment contract»;
26. Era a ré que planeava as viagens da morada do autor para o porto onde o navio se encontrava surto e as viagens de regresso do porto onde o navio se encontrasse à morada do autor, tratando de toda a documentação necessária a essas viagens e suportando o respetivo custo, dando instruções ao autor sobre como proceder;
27. Era a ré que controlava a validade dos certificados do autor para o exercício de funções a bordo;
28. Era da ré que o autor recebia instruções de trabalho;
29. Era a ré que fazia a contagem dos dias de trabalho no mar e de descanso em terra e disso informava o autor;
30. Era a ré que processava e pagava as remunerações do autor e procedia aos respetivos descontos legais por aplicação do regime contributivo e fiscal vigente em Portugal;
31. Por escrito datado de 7 de novembro de 2022, a ré comunicou ao autor que:
“Serve a presente carta para o informar que as necessidades e os fundamentos que estiveram na base da celebração do contrato de trabalho a termo incerto, deixarão de se verificar em 20/12/2022, devido à cessação dos contratos de manning – gestão de tripulações e navios que estavam entregues à Island Offshore Portugal, Lda. facto que esteve também na origem de um processo de despedimento colectivo iniciado pela IOP. Assim, nos termos contratuais e para os efeitos legalmente aplicáveis, informamos que o contrato de trabalho a termo incerto que V.Exa. celebrou com a Island Offshore Portugal, Lda. em 05/08/2021 caduca no dia 20/12/2022;
32. No dia 07.11.2022, o autor ainda se encontrava a trabalhar a bordo do “ISLAND PRIDE”, do qual desembarcou no dia 08.11.2022 (cfr. Doc. 1 junto) para o gozo de dias de descanso vencidos;
33. No dia 20.12.2022, o autor enviou à ré a mensagem electrónica que se junta como Doc. 26 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, à qual a R. nunca respondeu;
34. A ré enviou ao autor a declaração de situação de desemprego, com data de 28.12.2022, da qual consta como único motivo da cessação do contrato de trabalho “Fim do contrato a termo”, a fim de permitir ao A. requerer o subsídio de desemprego junto da Segurança Social;
35. Com essa declaração, a ré enviou também ao autor o último recibo de remuneração relativo a dezembro de 2022; 36. Em 19.01.2023, a R. enviou por email ao autor o comprovativo da cessação do contrato de trabalho na Segurança Social e o certificado de trabalho do autor.
37. A ré proporcionou formação ao autor em 29.10.2021; 28.10.2021 (Confined Space Entry Course e Dropped Objects); 3
38. E em 2022 - IO HMS riskview Chemical handling;
39. Eliminado;
40. Eliminado;
41.O autor recebeu € 1716,00 a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho.
42. A ré não pagou ao autor qualquer quantia sob a designação de subsídio de férias.
43 A ré não pagou ao autor qualquer quantia sob a designação de subsídio de Natal.
Factos não provados
Não se provou que:
a. A retribuição consolidada abrangesse a retribuição base e outas prestações relacionadas com a retribuição, como os subsídios de férias e de Natal.
b. E ainda uma “leave 9 days”, que corresponde ao valor mensal de € 348.”.
VI – Fundamentação de Direito.
As questões a decidir dependem necessariamente da decisão da questão relativa à lei aplicável à relação laboral que vigorou entre o recorrente e a recorrida, questão que é transversal a ambos os recursos e a primeira a ter que ser enfrentada.
A este propósito referiu o Tribunal a quo de forma acertada, com apelo às normas legais aplicáveis e à interpretação de jurisprudência comunitária relevante, à qual pouco se impõe acrescentar, o seguinte:
A determinação da lei aplicável – conflitos de lei – aos contratos de trabalho plurilocalizados convoca: os artigos 41.º e 42.º do Código Civil (contratos celebrados até 31 de agosto de 1994); a Convenção de Roma de 1980 sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (contratos celebrados entre 1 de setembro de 1994 e 16 de dezembro de 2009); e o Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (Roma I) os contratos celebrados após 17 de dezembro de 2009. A
Noruega não outorgou a Convenção nem é membro da União Europeia, não estando vinculada à aplicação das regras do Regulamento Roma I: «(the) EEA Agreement does not regulate private international law issues, and thus the Rome I Regulation on the law applicable to contractual obligations and the Rome II Regulation on the law applicable to non-contractual obligations are not implemented in Norwegian law».
Já Portugal, membro da União Europeia, por força do Regulamento Roma I deve aplicar as normas que resultarem da aplicação das regras nele vertidas7, decorrentes, essencialmente dos artigos 3.º e 8.º - artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Se a lei deles resultante for a escolhida pelas partes, ainda que seja a lei de um Estado não membro (in casu, a Noruega), tal lei é aplicável pois o Regulamento é de aplicação Universal (artigo 2.º).
No que respeita a relações de trabalho, a lei aplicável é, nos termos do artigo 8.º do Regulamento, a da escolha das partes, solução que coincide com a solução do nosso direito de fonte interna: no que concerne à determinação da lei reguladora dos negócios jurídicos, designadamente às obrigações provenientes de negócios jurídicos, dispõe o art.º 41.º do Código Civil que as obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respetivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista (n.º 1) e que a designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado (n.º 2).
Consagra-se neste preceito (8.º do Regulamento) o princípio da autonomia privada em sede de designação da lei aplicável aos contratos plurilocalizados, uma vez que se reconhece, em termos particularmente amplos, a possibilidade de as partes designarem de comum acordo a lei aplicável às suas relações. Como expresso no artigo 3.º do Regulamento.
Tal escolha não pode, no entanto, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º (limite substancial). A lei supletivamente aplicável.
Se as partes não tiverem escolhido uma lei o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresente uma conexão mais estreita (artigo 4.º) e, no caso dos contratos de trabalho, os critérios para determinação da lei aplicável na falta de acordo encontram-se nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 8.º.
A lei supletivamente aplicável será, primeiramente, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, a lei do país “da prestação habitual do trabalho” ou “a partir do qual (o trabalhador) presta habitualmente o seu trabalho”, solução que alguma doutrina considera relevante para os trabalhadores com um forte estatuto de mobilidade, como os marítimos.
No caso Voogsgeerd, relativo à determinação da lei aplicável a contrato individual de trabalho de marítimo, o TJ decidiu que: «o artigo 6.º, n.º 2, da Convenção (art.º 8.º, n.º 2 do Regulamento Roma I) sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta à assinatura em Roma em 19 de junho de 1980, deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve antes de mais determinar se o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho num mesmo país, que é aquele no qual ou a partir do qual, tendo em conta todos os elementos que caracterizam a referida atividade, o trabalhador cumpre o essencial das suas obrigações para com o seu empregador».
O critério alcançado não é isento de críticas: a lei do país a partir do qual presta habitualmente o seu trabalho, correspondendo à do país do pavilhão do navio, não oferece proteção contra bandeiras de conveniência.
Pelo que, com fundamento na jurisprudência do TJ – designadamente os critérios para aplicação desta norma foram avançados nos casos Koelzsch11 e Voogsgeerd – acompanhando outra doutrina, é de argumentar que para os trabalhadores marítimos o critério a aplicar é o do n.º 3 do art.º 8.º do Regulamento Roma I, cujo estatuto de mobilidade impõe uma inversão da ordem de aplicação entre os n.º 2 e 3 do artigo em referência.
Pensado para os “trabalhadores itinerantes”, que se deslocam continuamente de país para país, sem se poder fixar num local habitual de execução e sem que se consiga determinar o local a partir do qual é organizado o trabalho, o critério do n.º 3 do art.º 8.º do Regulamento Roma I aponta para que o contrato seja regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.
In casu, em Portugal.
Assim, a escolha de lei não podia privar o autor das disposições não revogáveis por acordo ao abrigo da lei portuguesa.
Estas regras podem ser afastadas pelo funcionamento da cláusula de exceção ínsita no n.º 4 do artigo em referência e por normas de aplicação imediata, que motivos de ordem pública justificam, em circunstâncias excecionais.
As normas de aplicação imediata e exceção de ordem pública do foro são disposições cujo respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse público, designadamente a sua organização política, social ou económica, ao ponto de exigir a sua aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo seria aplicável ao contrato, por força do Regulamento – artigo 9.º, n.º 1. São verdadeiras regras jurídicas nacionais, cuja aplicação a um caso concreto se entende ser independente de uma regra de conflitos ao estilo clássico, antes derivando dos seus próprios teor, finalidade e posição especial no seio da sua própria ordem jurídica, atuado preliminarmente ao jogo do mecanismo conflitual, pela preclusão do funcionamento daquele mecanismo de forma a impedir a aplicação do direito estrangeiro.
Permitem a aplicação ao contrato de uma norma de outro Estado, seja o do foro, seja o daquele onde a obrigação deva ser cumprida, como decorre do preceituado no artigo 9.º (…) Aplicável em circunstâncias excecionais, o artigo 9.º deve ser interpretado restritamente, no sentido de que exclui que o tribunal do foro possa aplicar, como regras jurídicas, normas de aplicação imediata distintas das do Estado do foro ou das do Estado em que as obrigações resultantes do contrato devem ser ou foram cumpridas, como decidiu o TJ no acórdão de 17 de outubro de 2013, Unamar, C-184/12, EU:C:2013:663 .
No caso dos autos, e como também bem considerou o Tribunal a quo, a lei escolhida pelas partes foi a lei norueguesa, não obstando a tal conclusão a alteração da matéria de facto acima afirmada.
Com efeito, e apesar do contrato coletivo de trabalho (CBA) não ter sido disponibilizado ao autor antes ou na altura da assinatura do contrato de trabalho, nem ter sido anexado ao contrato de trabalho que foi enviado para o navio, nem mesmo explicado o seu teor, a consequência a extrair será a da não aplicação do CBA.
Atente-se que, no formulário enviado ao recorrente, em inglês e norueguês e dominando aquele a língua inglesa, é mencionado, no seu cabeçalho, que o contrato é celebrado de acordo com a “Ship Labour Act”. O recorrente não questiona este facto e não podia ignorar o seu significado.
O recorrente sequer levanta dúvida de que, ao subscrever o contrato, não estivesse ciente de que no mesmo se estipulava que o contrato era celebrado de acordo com a lei norueguesa, “Ship Labour Act”, prendendo-se a sua argumentação- cfr. conclusão 14 - apenas com o facto de não lhe ter sido dado a conhecer o contrato coletivo de trabalho (CBA).
Conclui-se, assim, que a lei escolhida pelas partes foi a lei norueguesa, sem prejuízo de se perceber se relativamente a cada um dos pedidos formulados pelo autor, se a lei norueguesa o priva da proteção de normas inderrogáveis da lei portuguesa, já que, em caso afirmativo estas se sobrepõem aquela, como resulta do art.º 8º n.º 1 do Regulamento de Roma.
O artigo 8º, nº 1 do Regulamento de Roma I estipula que “[o]contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3º. Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do presente artigo.”
Resolvida a questão da lei aplicável importará agora conhecer das questões suscitadas no recurso subordinado, já que do seu conhecimento estão dependentes as demais questões suscitadas pelo autor e, eventualmente, o pedido subsidiário.
A ré refere nas suas alegações de recurso subordinado que o mesmo se circunscreve “ [a]os pontos da matéria de facto e de Direito que relevam para a procedência dos pedidos em que a Recorrente decaiu relativos à: i) existência de um contrato de trabalho sem termo entre o Recorrente e Recorrida e na declaração da ilicitude do despedimento do Recorrente; ii) na condenação da Recorrida a reintegrar o Recorrente.
Em primeiro lugar, cumpre referir, que o recurso é admissível, já que como esclarece António Santos Abrantes Geraldes 12[o] facto de o recurso principal se dirigir apenas ao modo como foi conhecido um dos diversos pedidos formulados não afasta a possibilidade de a contraparte recorrer subordinadamente da decisão relativa aos demais.”
Cumpre, ainda, assinalar que a ré não tendo recorrido da matéria de facto, o recurso abrange apenas a decisão de direito.
Relativamente à questão suscitada refere-se a sentença recorrida o seguinte:
“Também o IRCT e a Lei Norueguesa não vedam o despedimento ad nutum com pré-aviso, permitindo a contratação a termo incerto.
Aqui chegados importa considerar que a definição da necessária concretização a sua razão justificativa deve garantir que o trabalhador fique esclarecido sobre as razões que justificam a precaridade do seu emprego, considerando-se sem termo o contrato a que a mesma falte ou cujo motivo se não verifique (art.º 147.º, n.º 1, als. b) e c), do CT) encontra-se a coberto da garantia da segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, com assento no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.
No direito de fonte interna, a definição da necessária concretização a sua razão justificativa deve garantir que o trabalhador fique esclarecido sobre as razões que justificam a precaridade do seu emprego, considerando-se sem termo o contrato a que a mesma falte ou cujo motivo se não verifique (art.º 147.º, n.º 1, als. b) e c), do CT).
Devendo o contrato a termo constar de documento escrito, a indicação do motivo justificativo da sua celebração constitui uma formalidade “ad substantiam”, pelo que a sua insuficiência não pode ser suprida por outros meios de prova. Ocorre a invalidade do termo, conforme determina o nº 3 do artigo 147º do Código do Trabalho de 2009, se o documento escrito transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, que têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme prescreve o artigo 141º, nº 3, do mesmo compêndio legal.
À luz do direito de fonte interna, ainda, ao fazer cessar o contrato por comunicação de caducidade do contrato de trabalho a termo, cujo termo é inválido, a ré fez cessar o contrato com o autor, por resolução do empregador, a qual configura um despedimento, ilícito.
Em caso de ilicitude do despedimento, o mesmo representa o incumprimento do contrato de trabalho por parte do empregador, constituindo-o na obrigação geral de indemnizar o trabalhador pelos prejuízos sofridos - art.º 562.º do C. Civil e art.º 389.º, n.º 1, als. a) e b) do CT.
Ilicitude que, representando o incumprimento do contrato de trabalho por parte do empregador, constitui-o na obrigação geral de indemnizar o trabalhador pelos prejuízos sofridos, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 389.º a 391.º do C.T.: pelos danos causados, como o sejam os salários intercalares devidos desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (deduzidos do montante das retribuições respeitantes ao período que decorreu desde a data do despedimento até 30 dias antes da propositura da ação se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, bem como das importâncias comprovadamente obtidas com a cessação do contrato não fosse o despedimento, e ainda o montante do subsídio de desemprego), e a pagar-lhe indemnização, em substituição da reintegração, a calcular nos termos do n.º 1 e 2 do art.º 391.º do C.T..
Regime que a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores entende funcionar norma de aplicação necessária e imediata, ou seja, “uma daquelas que pela essencialidade dos seus comandos como que transborda a competência espacial do sistema em que se integra, aplicando-se directamente a situações jurídicas plurilocalizadas, assimilando-as a uma situação interna, tem precedência sobre a lei estrangeira considerada competente pelas regras de conflitos, sendo por isso aplicável à matéria do despedimento a lei portuguesa cujo regime assenta naquela norma constitucional” - Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, de 20-02-2013, proc. 3319/07.6TTLSB.L3-4 (MARIA JOÃO ROMBA), disponível in www.dgsi.pt.
Procede assim o pedido de declaração de existência de um contrato sem termo e de declaração de ilicitude do despedimento, reintegração do autor (a qual não encontra acolhimento na pretensão de que seja no mesmo navio, obrigação que não se encontra postulada normativamente) e pagamentos de salários intercalares.”
Insurge-se, então, o recorrente por o Tribunal aplicar diretamente a lei portuguesa (artigo 147º do CT), para analisar a contratação a termo incerto ignorando, assim, a lei norueguesa escolhida entre as partes e, ainda, por não procedido à comparação entre a lei norueguesa e portuguesa para determinar qual das leis seria mais favorável ao trabalhador.
Como decorre da sentença recorrida, a mesma considerou aplicável a lei portuguesa por em causa estarem normas de aplicação necessária e imediata.
Vejamos, então, o que se oferece declarar quanto à comparação de regimes legais, assinalando-se o que consta do contrato de trabalho.
No contrato de trabalho que o autor subscreveu, mostram-se preenchidos, na parte” a preencher apenas em caso de trabalho temporário”, os seguintes campos, o campo 22 referente a “Nome do navio” e onde está escrito “ Island Pride”, campo 23 referente a “ Para o período especifico” e onde está escrito “ De 05.08.2021 até ---” e, finalmente o campo 26 referente a” Trabalho Temporário” “CBUA para navios offshore NIS”.
A secção 3-4 da lei norueguesa, “Ship Labour Act” 13 permite a contratação a termo por um período determinado, para uma viagem específica ou para um trabalho temporário, quando a natureza do trabalho o justifique.
Considerando que quer a lei norueguesa, secção 3-4, quer a lei portuguesa, referida na sentença recorrida, impõem que a contratação a termo seja justificada, o contexto factual apurado não permite afirmar que o contrato de trabalho do autor fosse apenas e exclusivamente para o navio “Island Pride”, nem que o autor, ao subscrevê-lo, estivesse ciente que estava a assinar um contrato a termo incerto afeto a esse navio, uma vez que com exceção da expressão “ trabalho temporário” nada mais existe no contrato que justifique a sua celebração sob esse regime.
Acrescenta-se, ainda que, na comunicação enviada pela ré ao autor, datada de 7 de novembro de 2022, os motivos aí invocados para fazer cessar o contrato não estão relacionados com celebração de um contrato a termo incerto para o navio “Island Pride “, mas com a cessação de contratos de “mannig “ ( gestão de tripulações e navios) que estavam entregues à ré o que até terá originado um processo de despedimento coletivo, cfr. facto provado 31.
Não se pode, assim, concluir que a contratação a termo estivesse justificada face à lei norueguesa ou portuguesa.
Pelo exposto, improcede o recurso da ré nesta parte ficando, assim, prejudicada a comparação dos regimes de caducidade do contrato a termo entre a lei norueguesa e a lei portuguesa, na medida em que tanto só se justificaria caso se houvesse concluído que o contrato fora licitamente celebrado a termo.
Resolvida a questão da qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, é tempo de enfrentar a questão que se prende com a natureza da comunicação endereçada pela ré ao autor, já que a ré entende ser a mesma lícita à luz da lei escolhida pelas partes para reger o respetivo contrato de trabalho
A lei norueguesa, ao contrário do referido na sentença recorrida não permite o despedimento “ad nutum” como resulta do capítulo 5 da lei “ Ship Labour Act”, o mesmo sucedendo com a lei portuguesa que proíbe o despedimento sem justa causa, cfr. art.º 381 do CT, pelo que a cessação o contrato com o autor, através da comunicação a que se alude no facto provado 31, configura um despedimento ilícito, face à lei norueguesa e portuguesa.
Existindo uma contratação irregular a termo, a lei norueguesa refere na secção 3-5 a possibilidade de recurso a tribunal, por parte do trabalhador para ser reconhecida a existência de um contrato sem termo ou que seja reintegrado podendo, neste caso, e se a entidade patronal o solicitar, o tribunal decidir que é posto termo ao emprego se, após ter ponderado os interesses das partes, considerar que não é razoável a continuação do emprego. O trabalhador tem, ainda, direito a uma indemnização fixada no montante que o tribunal considere razoável, tendo em conta o prejuízo financeiro, as circunstâncias relativas ao empregador e ao trabalhador, bem como outros factos do caso concreto, secção 5-11 (ponto 2).
À luz da lei portuguesa, a ilicitude do despedimento representa o incumprimento do contrato de trabalho por parte do empregador, constituindo-o na obrigação geral de indemnizar o trabalhador pelos prejuízos sofridos, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 389.º a 391.º do C.T., como sejam, os salários intercalares devidos desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, indemnização por danos não patrimoniais e, ainda, a reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho, sem prejuízo da categoria e antiguidade, reintegração que pode ser substituída por indemnização, a pedido do trabalhador.
Da comparação entre os dois regimes, temos que a escolha da lei norueguesa privaria o trabalhador da proteção que lhe garantiriam as disposições imperativas da lei que seria aplicável, na falta de escolha, concretamente as disposições imperativas do Código de Trabalho respeitantes ao regime das consequências da ilicitude do despedimento, designadamente a regra associada à reintegração ou a sua alternativa (indemnização de antiguidade).
Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 8 do Tratado de Roma I a lei aplicável é, quanto a esta questão, a lei portuguesa.
Em face da reconhecida ilicitude do despedimento, a questão a enfrentar agora prende-se com a apreciação do pedido de indemnização, em substituição da reintegração, deduzido pelo autor, suprindo-se a verificada nulidade da sentença recorrida.
Nos termos previstos pelo artigo 391º do CT, o autor tem direito a uma indemnização fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º do mesmo código.
Tal indemnização não pode ser inferior a três meses de retribuição base, artigo 391, n.º 3 do CT, e abrange todo o tempo que decorra até ao trânsito em julgado da decisão judicial, artigo 391º, n.º 2 do CT.
Tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência que a indemnização, tem um cariz reparador ou ressarcitório, associado à ideia geral de obtenção pelo trabalhador de uma compensação pela perda do emprego.
Assim, a fixação de uma indemnização de antiguidade próxima do limite máximo previsto deve ficar reservada para situações de grosseira violação/omissão procedimental e, bem assim, para aquelas em que a sanção deva considerar-se ostensivamente violadora de princípios fundamentais e estruturantes, maxime, o da igualdade.
Noutra perspetiva, como se refere no sumário do acórdão14 do STJ “[n]a fixação do valor referência da indemnização de antiguidade relevam, por um lado, o valor da retribuição e, por outro lado o grau de ilicitude: quanto menor for a retribuição, mais elevada deve ser a indemnização; e mais elevada deve ser a indemnização quanto maior for a ilicitude.”
Na situação em concreto, o grau de ilicitude e a culpa da empregadora não são elevados, ao contrário da retribuição base ilíquida de € 4694,28 que deve ser considerada substancialmente elevada, em face dos padrões da retribuição média nacional, sem prejuízo da especificidade associada às funções cometidas ao autor.
Na ponderação do acima exposto, e sopesando a ilicitude e culpa média da empregadora, bem como o valor da retribuição auferido pelo recorrente, fixa-se o direito de indemnização em 20 dias de retribuição por cada ano da sua antiguidade ou fração.
Ao valor da indemnização deverá ser descontada a quantia de € 1.716,00, paga pela recorrida e recebida pelo recorrente, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, por ter desparecido da ordem jurídica a causa da sua liquidação.
O autor insurge-se, ainda, contra a decisão do Tribunal a quo que absolveu a ré de lhe pagar os subsídios de férias e de Natal, por violar os artigos 258º, 276º n.º 3 e 264º, n.º 2 do Código de Trabalho, ao considerar aplicável a lei norueguesa e o CBA.
Importa assinalar que a discordância do autor apenas terá relevância no pagamento do subsídio de férias e de Natal relativo às retribuições intercalares.
Na verdade, o autor formulou na ação, em primeiro lugar, pedido no sentido de o despedimento ser julgado ilícito e, subsidiariamente, caso o Tribunal julgasse o despedimento lícito, formulou, na alínea a) do pedido subsidiário, a condenação da ré no pagamento “da quantia de € 22.082,17, a título de férias, subsídio de férias e de natal que se venceram até 20.12.2022 e não pagos.”
Considerando, assim, que a pretensão do autor de condenação da ré no pagamento da quantia de € 22.082,17, a título de férias, subsídio de férias e de natal que se venceram até 20.12.2022 e não pagos, constituía um pedido subsidiário a apreciar apenas caso o despedimento viesse a ser julgado lícito, é evidente que, não se tendo assim considerado, não cabe apreciar um tal pedido.
Efetuado este enquadramento, importa referir que a matéria de facto apurada não permite afirmar um acordo de vontades das partes no sentido de englobarem, na retribuição mensal, uma quantia relativa ao subsídio de férias e de Natal.
Acrescenta-se que tem sido entendimento pacífico designadamente do STJ que “[s]ão normas inderrogáveis da lei portuguesa, mormente para efeitos de aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento Roma I, as que respeitam à própria existência de um subsídio de férias e de um subsídio de Natal.”15
Assim, e porque face à legislação portuguesa, seja qual for o valor da retribuição acordada, os subsídios de férias e de Natal deverão acrescer ao valor pago a título de retribuição, entende-se que tais subsídios são devidos nas retribuições intercalares.
VII - Responsabilidade pelas custas
As custas do recurso principal (por não ter relevo autónomo, na sorte da ação, as partes em que o recorrente decaiu) e do recurso subordinado serão a cargo ré, por ter ficado vencida, art.º 527º n.º 2 do CPC.
VIII – Decisão
Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso principal e, nessa medida:
a. indeferir a junção do documento;
b. julgar verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto à questão do pedido de indemnização em substituição da reintegração;
c. alterar os factos provados 7, 20, 21 e 41, nos termos sobreditos;
d. aditar aos factos provados os pontos 12 a), 19 a), 21 a), 42 e 43, nos termos sobreditos;
e. proceder à eliminação do elenco dos factos provados dos factos 39 e 40;
f. aditar aos factos não provados as alíneas a) e b), nos termos sobreditos;
g. corrigir oficiosamente a redação dos factos provados 12 e 17, nos termos sobreditos;
h. alterar a sentença recorrida e, em consequência (i) condenar a ré a pagar ao autor os subsídios de férias e de Natal, no montante ilíquido de €4.694,28, cada, relativos ao período coincidente com as retribuições intercalares ¸(ii) condenar a ré a pagar ao autor indemnização pela ilicitude do despedimento, correspondente ao período de 20 dias de retribuição base, pelo número de anos completos ou fração, decorridos desde 05.08.2021 até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescido dos respetivos juros de mora, descontando-se a quantia de € 1.716,00.
E, julgar improcedente o recurso subordinado, confirmando-se a sentença recorrida, nessa parte.
Custas do recurso principal e subordinado a cargo da ré.

Lisboa, 30 de abril de 2025
Alexandra Lage
Susana Silveira
Sérgio Almeida
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1.  Nas alegações de recurso pode ler-se quanto às declarações proferidas pela referida BB, na qualidade de testemunha da recorrida, “segundo [a qual, não obstante o documento a que se reporta o ponto 21. dos Factos Provados (fls. 25 a 40) não ter sido enviado ao Recorrente aquando da celebração e assinatura do contrato de trabalho objecto dos autos, o Recorrente certamente o devia conhecer por força de contrato de trabalho anteriormente celebrado com a Recorrida em 2020, e, por isso, o Recorrente não podia deixar de saber que o salário era consolidado e composto por várias parcelas, entre as quais os subsídios de férias e de Natal, entre outras.”
2. in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Livraria Almedina,7ª edição Atualizada, pág.286
3. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, em anotação ao artigo 651.º, n.º 1, do CPC, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, pág. 848.
4. Proferido no processo n.º 12225/21.0T8SNT.L1-2, disponível in www.dgsi.pt
5. Acórdão do STJ, de 29.03.2023, proferido no processo n.º 15165/19.0T8LSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt
6. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 10912/21.2T8LSB.L1-1, de 20.02.2024 disponível in www.dgsi.pt.
7. Acórdão da Relação de Lisboa (ver sumário, ponto I) proferido no processo nº 144/15.4T8MTJ.L1-2, 26.09.2019, disponível in www.dgsi.pt
8. Refere, ainda, o documento cuja junção requereu com as alegações, o qual não poderá, porém, ser atendido, por não ter sido admitida a sua junção e que não será mais mencionado, ainda que o recorrente o possa referir a propósito da impugnação da restante matéria de facto.
9. Ver Acórdão proferido no processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt
10. Na sentença recorrida o facto 12. tem a seguinte redação “Que constitui o escrito de fls. 24 dos autos, designado de «Employment Agreement»”.
11. Na sentença recorrida o facto 17. tem a seguinte redação “Nos termos do referido escrito: «- 2. The agrement applies from the date 05.08.2021; - 12. Terms and conditions of employment: wages, overtime pay amd other conditions according to collective agreement betweeen Norwegian Maritime’s Union’s and Norwegian Shipowners‘ Association; - 13. Paid anual leave or the formula used for calculating it According to the model agreement - To be completed only in cases of temporary employment - 23. From 05.08.2021 to____ - 26. CBUA for offshore NIS vessels - 27. The employment agreement signed Lisboa 9-JUL-2021«”
12. In Recursos em Processo Civil, 7º Edição Atualizada, pág. 123.
13. Nas suas alegações de recurso a ré recorrente refere a Lei 146/2015, de 9 de setembro. Todavia esta não tem aplicação, no caso em apreço, por se destinar a regular a atividade de marítimos a bordo de navios que arvoram com a bandeira portuguesa e “ Island Price” ter bandeira norueguesa.
14. Acórdão do STJ de 24/02/2011, proferido no processo 2867/04.4TTLSB.S1, disponível in www.dgsi.pt
15. Sumário do acórdão do STJ de 07.09.2022, processo 1644/19.2T8TVD.L1.S2, disponível in www.dgsi.pt