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ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTENCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
PLATAFORMA DIGITAL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário
1-A subordinação jurídica, traço característico e distintivo do contrato de trabalho de outras figuras contratuais, traduz-se na dependência e sujeição do prestador da actividade face às ordens, autoridade e instruções de quem contrata essa actividade. Ou seja, no contrato de trabalho o credor da prestação impõe dentro dos parâmetros e regras do contrato e sobre o prestador da actividade recai a obrigação de acatar em consonância com essa imposição. 2- Tendo a relação laboral entre o prestador de actividade e a plataforma digital se estabelecido no dia 2 de Abril de 2023, a qualificação dessa relação deve fazer-se à luz do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. 3- No caso não resultaram provadas, pelo menos, duas das características a que alude o artigo 12.º do CT, pelo que não se presume a existência de contrato de trabalho, nem decorre do quadro factual indícios que permitam afirmar que o prestador de actividade e a Ré celebraram um contrato de trabalho.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
O Ministério Público veio, ao abrigo do disposto nos artigos 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho, intentar acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra “Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda.”, contribuinte fiscal com o nº …, com sede na Avenida... Lisboa, pedindo que, julgando-se a acção procedente, se declare reconhecida a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre o trabalhador AA e a Ré, “Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda, com reporte a 2 de Abril de 2023.
Invocou para tanto, em síntese, o seguinte:
- Na sequência de acção inspectiva efectuada no dia 27/09/2023, nas imediações do Centro Comercial Colombo, Lisboa, a ACT verificou que AA prestava a actividade de estafeta para a Ré em condições análogas às de um contrato de trabalho;
- A Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda, é uma plataforma de entregas on line, nomeadamente, de refeições que, para a execução das referidas actividades, explora uma plataforma tecnológica através da qual estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos, que podem ser solicitados por qualquer interessado através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet;
- Para efectuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito cujas funções consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.) e no seu transporte até ao cliente final;
- Para o efeito, AA realiza a referida actividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são distribuídos através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone;
- Tendo escolhido, como local de actividade, a cidade de Lisboa;
- Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta para a Ré, AA teve que ter actividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio, no caso, motociclo, um telemóvel e uma mochila para transporte dos bens;
- Os termos e condições de utilização da plataforma da Ré para estafetas constam do“Contrato de Parceiro de Entregas Independente”;
- Para protecção dos estafetas, no que se inclui AA, a Ré tem um contrato de seguro com a Allianz Care que os cobre durantes os serviços de recolha e entrega, nomeadamente em caso de lesão permanente ou temporária e em caso de óbito;
- Para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, no dia 2 de Abril de 2023, AA registou-se e criou uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter actualizada e activa;
- Declarando reunir as obrigações estabelecidas e previstas no referido “Contrato de Parceiro e Entregas Independente”, tendo, designadamente, que preencher os requisitos previstos no ponto 5. (“As suas obrigações”);
- De acordo com as exigências da Ré, AA entregou cópia da sua Autorização de Residência, fotografia, documento de inscrição de início de actividade na Autoridade Tributária, do número de contribuinte fiscal e do IBAN;
- E recebeu da Ré uma mochila, com o seu logotipo, para entrega das encomendas;
- O estabelecimento aonde tem que se dirigir, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicadas ao estafeta/ AA pela Ré através da referida aplicação que aquele tem que consultar no telemóvel;
- O horário efetuado por AA tem que ser prestado dentro do período de funcionamento da Ré, trabalhando de terça a domingo, das 12.00 às 22.00;
- Como contrapartida da sua actividade, AA recebe € 2, 65 por 1, 4 km;
- No período de 30 de Maio de 2023 a 15 de Outubro desse ano, AA recebeu da Ré a quantia global de € 8 030,22 pelos serviços que, por esta via, lhe prestou, recebendo, mensalmente, da Ré uma média de € 1 200,00, o que lhe é pago semanalmente, às segundas feiras, mediante transferência bancária, sendo a Ré quem processa os montantes a pagar; AA encontra-se inserido na organização produtiva da Ré e não dispõe de qualquer organização empresarial própria;
- A plataforma determina os procedimentos que o estafeta tem de seguir na recolha e entrega dos produtos, nomeadamente, como utilizar a sua aplicação, dando-lhe instruções sobre o momento em que deve introduzir a informação sobre a recolha/entrega que está a realizar;
- A partir do momento em que o estafeta/AA faz login na aplicação, a plataforma fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização, sendo aquele indispensável ao exercício da actividade e à atribuição dos pedidos dos clientes;
- O tempo de entrega dos pedidos e o percurso efetuado pelo estafeta/ AA pode ser controlado em tempo real pela plataforma, sendo que o cliente também pode acompanhar o processo de recolha e entrega;
- A plataforma tem a possibilidade de recolher a classificação efetuada ao estafeta, quer pelo cliente quer pelo comerciante, através de meios electrónicos inseridos na aplicação e proceder à avaliação daquele com recurso a meios algorítmicos;
- AA não tem qualquer intervenção na escolha dos clientes e dos respetivos pedidos que surgem na aplicação móvel, uma vez que estes surgem aleatoriamente;
- A Ré não permite que o AA partilhe as credenciais associadas à conta, conforme estabelece no ponto 9 do contrato de Parceiro de Entregas Independente e AA não pode permitir que terceiros utilizem a conta que abriu na plataforma da Ré, devendo manter os seus detalhes de login confidenciais a todo o tempo;
- A Ré confirma, através da fotografia do estafeta inserida na plataforma, quem é o estafeta que vai proceder à entrega da encomenda; e
- AA, tal como os demais estafetas da Ré, presta a sua actividade sob as suas ordens, direcção e fiscalização, estando verificados os factos índice da presunção de laboralidade previstos no artigo 41, als. a), b), e) e f), o que implica que se presuma a existência de um contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.
Citada, a Ré contestou invocando a violação do princípio da separação de poderes e inconstitucionalidade da norma que a materializa, pretendendo que seja declarada a desaplicação da norma constante do artigo 32.º n,º 3 da Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril e a excepção inominada de preterição do direito de pronúncia da Ré, posto que, relativamente ao prestador de activdade AA, o respectivo auto não foi precedido de uma notificação para prestação de informação ou apresentação de documentação por parte da ACT a que acresce o facto de num curto espaço de tempo ter sido notificada de quase 500 autos, todos concedendo um prazo de 10 dias, o que comprometeu o seu direito de defesa não lhe tendo restado outra opção que não fosse apresentar uma defesa genérica, pelo que a Ré deverá ser absolvida da instância por procedência da excepção dilatória atípica derivada da anulabilidade da participação efectuada pela ACT aos Serviços do Ministério Público.
E, por impugnação, alegou, em suma, que ao caso, não é aplicável a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º-A do Código do Trabalho e que, ainda que se possa aplicar o artigo 12.º do Código do Trabalho, o Autor não invocou factos que permitam preencher os indícios de laboralidade nele previstos, nem tão-pouco, recorrer ao método indiciário tipológico, pelo que a acção deve ser julgada improcedente na medida em que não é aplicável o artigo 12.º-A do CT, que não foram alegados factos que permitam qualificar a Ré como plataforma digital, que o prestador de actividade é livre para exercer a sua actividade quando quer e pelo tempo que quiser e como quiser, não existe controlo sobre o prestador de actividade, a Ré não exerce poderes de direcção nem poder disciplinar sobre o mesmo, não existe uma relação intuitu personae entre a Ré e o prestador de actividade, pois este pode se fazer substituir, pelo que é impossível reconhecer um contrato de trabalho nesta relação contratual, que o Ministério Público não logra provar o preenchimento dos factos índice que invoca nem, pelo menos, dois dos indícios previstos no artigo 12,º-A do Código do Trabalho e ainda que se venha a considerar que o fez, a presunção deve considerar-se ilidida, visto que a Ré prova o carácter autónomo da actividade prestada pelo prestador de actividade,
Ainda impugnou o valor da causa e, a final, pediu a sua absolvição da instância, subsidiariamente, peticionou que o pedido do Autor seja julgado improcedente e, ainda, subsidiariamente, que o pedido do Autor seja julgado improcedente por ilisão da presunção de existência de contrato de trabalho, prevista no artigo 12.º- A, n.º 1, do Código do Trabalho;
Notificado para, querendo, exercer o contraditório, o Autor respondeu pugnando pela improcedência da excepção.
O trabalhador foi notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 186.º- L do CPT e nada disse.
Foi proferido despacho que apreciou a validade e regularidade da instância nos termos do artigo 186º-N, nº1, do Código de Processo do Trabalho e julgou improcedente a excepção de preterição do direito de a Ré ser ouvida na fase anterior.
Realizou-se a audiência de julgamento tendo as partes acordado sobre a matéria de facto e, após, foi proferida a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformado, o Ministério Público recorreu e formulou as seguintes conclusões:
“A R, através da internet, e de uma aplicação informática, recebe os pedidos dos utilizadores inscritos e organiza a forma de satisfazer esses pedidos, encaminhando-os para os estabelecimentos comerciais aderentes e atribuindo o trabalho de entrega dos produtos pedidos a estafetas que se encontram registados na aplicação;
Faz a cobrança do valor do serviço ao utilizador final e efetuando os posteriores pagamentos do trabalho prestado pelo referido estafeta e do valor acordado com o parceiro comerciante;
Pelo que é uma plataforma digital.
De acordo com o artigo 12-A, do Código do Trabalho, presume-se a existência de contrato de trabalho “quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da
atividade;
e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação.”
Os estafetas, onde se integra o AA, prestam para a R a sua atividade, acima descrita, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, pois:
A R paga directamente ao AA, através de transferência bancária.
O que tudo integra a presunção estabelecida no artigo 41, al a).
É a R que determina as regras específicas quanto à prestação da atividade por parte do estafeta:
Os termos e condições de utilização da plataforma para os estafetas foram e estão predefinidos pela R;
A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade do estafeta, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
A atuação do estafeta é controlada em tempo real através de GPS, ou seja, a localização exata do prestador de atividade é conhecida pela plataforma da Glovoapp através do sistema de geolocalização;
O que integra a presunção estabelecida no artigo 41, al b).
A plataforma digital exerce o poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta, o que agora integra a presunção estabelecida no artigo 41 al e).
A aplicação informática (App) da R é um instrumento de trabalho essencial ao seu negócio e é utilizado pelos diferentes utilizadores da plataforma:
Toda a atividade do estafeta é realizada com base nessa aplicação que o estafeta tem que instalar no seu telemóvel, aplicação essa que é propriedade da Glovoapp que é por si desenvolvida, suportada e mantida;
O que por último integra a presunção estabelecida no artigo 41 al f).
Ocorre que a R não ilidiu as referidas presunções.
Na verdade, tem como fim a prestação de um serviço de recolha e entregas, fixa o preço e as condições do pagamento do serviço, assim como as condições essenciais para a prestação do referido serviço.
Os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma, prestando os seus serviços enxertados na organização de trabalho da R, submetidos à sua direcção e organização, como demonstra o modo como estabelece os preços dos serviços de entrega.
A prestação de trabalho do estafeta está sujeita a uma organização do trabalho determinada pela R que estabeleceu meios de controle do processo produtivo em tempo real que operam sobre a actividade e não apenas sobre o resultado final, mediante a gestão algorítmica do serviço e a possibilidade de conhecer constantemente a geolocalização dos estafetas, o que evidencia a ocorrência do requisito da dependência e subordinação jurídica própria da relação laboral
Em suma, a atividade levada a cabo pelo estafeta AA, através da plataforma da Ré, reveste aquelas características previstas no supra citado artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que implica que se presuma a existência de um contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.
Assim, entendemos, com o devido respeito, que a decisão recorrida viola normas e princípios jurídicos que regem a matéria sub judice, designadamente o artigo 11.º e 12-A do Código do Trabalho.
Pelo exposto, deve a douta sentença ser substituída por outra que declare a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Uber Eats Portugal, Unipessoal Lda.”, com reporte a 2 de abril de 2023.”
A Ré contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:
“1) A matéria de facto que resultou provada nos presentes autos não permite alcançar uma decisão distinta daquela que foi proferida pelo douto Tribunal a quo, sendo que as alegações em causa assentam maioritariamente em meros juízos opinativos e conclusivos, sem qualquer sustentação fáctica.
2) Conforme se pode ler, designadamente, no sumário do acórdão datado de 04 de julho de 2018, processo n.º 1272/16.4T8SNT.L1.S1 (Relator: Chambel Mourisco), disponível em www.dgsi.pt, “a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme no sentido de que, estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes”.
3) Este em sido, aliás, o entendimento dos nossos Tribunais superiores, nomeadamente o Tribunal da Relação de Évora e o Tribunal da Relação de Guimarães, que já se pronunciaram relativamente a esta questão, concluindo pela inaplicabilidade da presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º-A do Código do Trabalho a relações cuja vigência tenha iniciado em data anterior a 1 de maio de 2023, como é o caso do estafeta visado na presente ação.
4) Em face do exposto, e percorrendo os factos provados, não se vislumbra que alguma das características previstas nas várias alíneas do indicado artigo 12.º esteja verificada. Vejamos:
5) Foi o prestador de atividade que escolheu a cidade onde querem prestar atividade e que escolhem o local onde aguardam o pedido e ainda que escolhem o caminho que os leva aos locais de recolha e de entrega que livremente aceitaram realizar – Factos Provados 15, 17 e 33.
6) Não se provou que os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam à Recorrida.
7) Resultou provado (Factos Provados 35, 36, 37) que é o próprio prestador de atividade que escolhe quando se ligam à aplicação e, dentro desse período, escolhe os pedidos que quer fazer ou não, sendo ainda livre de estar desligado vários dias, semanas ou meses (Facto Provado 41) sem necessidade de apresentar qualquer justificação.
8) Não se provou que a Recorrida paga uma quantia certa com periodicidade aos estafetas, sendo que os estafetas pode resgatar o valor das entregas que concluiu a qualquer momento (Facto Provado 24).
9) Por fim, não se provou que os prestadores de atividade desempenhem quaisquer funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da Recorrida
10) Assim, não se verifica a presunção da existência de contrato de trabalho, pelo que, sem necessidade de maiores considerações e desenvolvimentos, aplicando-se o artigo 12.º do Código do Trabalho, deve a sentença recorrida ser mantida, não se reconhecendo a existência de um contrato de trabalho.
11) Aplicando-se a presunção de laboralidade do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, como entendeu o Tribunal a quo, defende o Recorrente que os factos que resultaram provados permitem funcionar a presunção de laboralidade consagrada pelo legislador no artigo 12.º-A do Código do Trabalho, nomeadamente por se verificarem as características previstas nas alíneas a), b), c), e) e f). Todavia, tal entendimento esta errado:
12) A alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho refere-se a “retribuição” e não a taxa de entrega ou preço do serviço de entrega. Trata-se de um conceito definido no Código do Trabalho, no artigo 258.º, e que consiste numa contrapartida pelo trabalho/atividade prestada.
13) Como entendeu o Tribunal a quo, não só a Recorrida não fixa unilateralmente a retribuição, como não determina limites mínimos e máximos da taxa de entrega.
14) O elemento copulativo «e» inserido pelo legislador na alínea a) reconduz-nos à convicção de que pretendeu que tal pressuposto se baseasse na inflexibilidade da componente remuneração, ou seja, que esta fosse fixada com a intervenção exclusiva da plataforma, pelo menos em termos de moldura de retribuição, e não numa flexibilidade mitigada, em que o estafeta tem o poder de impor limites mínimos, como sucede na relação em apreço – Facto Provado 18.
15) Como aponta o douto Tribunal a quo “Não é a plataforma que estabelece o limite mínimo de cada entrega mas sim o próprio estafeta que o faz. Ele é que fixa o seu valor mínimo. No entanto, mesmo depois de o fazer ele pode aceitar algo que esteja aquém desse valor”.
16) Para além disso, o prestador de atividade tem sempre a possibilidade de recusar as propostas que lhe são apresentadas (Facto Provado 38), o que não seria possível se o mesmo não tivesse qualquer palavra a dizer relativamente ao preço que é proposto.
17) Na verdade, a possibilidade expressa de recusar as propostas apresentadas, independentemente do motivo e sem que qualquer consequência negativa daí advenha não pode deixar de ser vista como uma forma de negociação, na medida em que, com essa recusa, o prestador da atividade não está a aceitar o preço proposto e, assim, está a exigir um preço mais elevado para os serviços que presta, nomeadamente por não concordar com o preço originalmente proposto.
18) A retribuição por cada serviço não é, pois, fixada unilateralmente pela Recorrida, antes é proposta por esta ao prestador da atividade, tendo em conta o preço mínimo por quilómetro por si definido, sendo que o estafeta pode, ainda assim, recusá-la. Trata-se de uma proposta de serviço, não de uma imposição da sua prática.
19) Assim, dificilmente se poderá concluir pela fixação da retribuição – como aconteceria se o pagamento do serviço fosse apresentado depois de ele ser realizado ou se o estafeta não pudesse recusar a sua realização com a inerente imposição do seu pagamento.
20) Podendo o estafeta recusar o serviço (já se está no domínio da possibilidade de uma negociação e, portanto, não se pode concluir que a Recorrida fixe a retribuição.
21) No que concerne ao exercício do poder de direção e da determinação de regras específicas quanto à prestação da atividade e ao controlo da prestação da atividade, conclui o Recorrente, de forma pouco clara e apenas fazendo referência à alínea b) do artigo 12.º-A do Código d Trabalho, que os “termos e condições de utilização da plataforma para os estafetas foram e estão predefinidos pela Ré” e que a “plataforma digital controla estafeta em tempo real através de GPS e verifica a qualidade da atividade prestada através de meios eletrónicos”.
22) É certo que existem regras para que os prestadores de atividade iniciem o seu relacionamento com a Recorrida, como a forma de inscrição na plataforma. Não menos certo é que não se pode falar, nessa fase, de qualquer prestação de atividade, pelo que tais regras não têm a virtualidade de fazer funcionar a presunção.
23) Note-se que a alínea b) do art.º 12.º-A do Código do Trabalho se refere expressamente a “regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade” e não a regras específicas para o acesso à prestação da atividade na plataforma, diferença que pode passar despercebida numa leitura menos atenta e que deve, por isso, ser salientada.
24) Por conseguinte, assumir a definição de regras para registo na plataforma como uma regra específica quanto à prestação da atividade não pode deixar de ser vista como uma interpretação demasiado extensiva, sem qualquer base legal ou interpretativa que o sustente.
25) A necessidade de registo não é (nem pode ser) uma regra quanto à prestação da atividade, antes sim um passo essencial para aceder a qualquer tipo de plataforma ou aplicação informática.
26) Por outro lado, a Recorrida não compreende a referência ao controlo em tempo real através de GPS, uma vez que do elenco de factos provados não se vislumbra um único facto passível de concluir por qualquer controlo por parte da Recorrida, antes pelo contrário.
27) De facto, e como acertadamente aponta o Tribunal a quo, o estafeta “escolhe o modo como executa o seu trabalho. Este escolhe de forma totalmente livre o percurso” (Facto Provado 33), bem assim, a utilização de GPS “não importa controlo algum pela R. pois esta nem sequer pode interferir no percurso, nem impor que seja seguido o do GPS”.
28) Em consonância, ficou ainda provado que os prestadores de atividade podem utilizar os sistemas de navegação GPS que preferirem utilizar ou até mesmo não utilizar nenhum sistema de navegação GPS (Facto Provado 33), pelo que não é possível concluir pelo controlo ou orientação por parte da Recorrida na forma como os estafetas se apresentam ou como prestam a sua atividade – tal conclusão mostra-se totalmente ilógica com os factos provados em causa.
29) Note-se que o legislador não quis estabelecer a verificação do indício com a simples existência de um sistema de geolocalização, sendo que do elenco dos factos provados não constam sequer factos que permitam concluir que o Sr. AA alguma vez tenha sido sujeito a controlo e supervisão através do GPS, antes pelo contrário.
30) Quanto à alegada verificação a qualidade da atividade prestada através de meios eletrónicos resultou provado que, apesar de poder recolher a classificação efetuada ao estafeta, a Recorrida não faz qualquer uso da mesma (Facto Provado 60), ou seja, não resultou provado que exista qualquer avaliação, vinculativa ou não, por parte da Recorrida sobre o prestador de atividade visado.
31) Como aponta o Tribunal a quo aquando da análise da característica prevista na alínea b) do artigo 12.º-A, não foram alegados quaisquer factos pelo Ministério Público que permitam sustentar o poder direção da Recorrida perante o estafeta.
32) O invocado pelo Recorrente a este propósito não faz referência a uma única regra específica que permita aferir direção ou controlo relativamente à apresentação, conduta ou prestação de atividade do prestador de atividade.
33) De facto, a factualidade relevante para este efeito deve consistir na prova e demonstração de factos concretos de onde resulte, no fundo, o controlo e/ou o poder de direção, mas da análise dos presentes autos verifica-se que não foi alegado nem apurado um único facto concreto que permita concluir pela verificação destas características, nem os factos provados conseguem cumprir esse desiderato.
34) Não ficou, assim, demonstrada essa prova de direção ou controlo, razão pela qual se terá de concluir pela não verificação desta característica, como bem concluiu o douto Tribunal a quo.
35) Entende o Recorrente que o “a plataforma digital exerce o poder disciplinar sobre o prestador de atividade mediante a exclusão da possibilidade de realização de futuras atividades na plataforma através de suspensão ou desativação da conta”.
36) No entanto, e à semelhança do que faz em todas as demais alíneas que considera verificadas, o Recorrente não indica um único facto concreto que permita suportar a sua conclusão, o que, diga-se, torna difícil a tarefa de resposta da Recorrida, bem como a de sindicância pelo Tribunal ad quem.
37) Sem prejuízo, cumpre notar, a este propósito, que a alínea e) do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho se reporta ao exercício de poderes laborais (poder disciplinar) sobre o prestador de atividade, sendo que o poder disciplinar visa sancionar o trabalhador pela violação de deveres laborais.
38) O poder disciplinar corresponde a um poder punitivo do empregador, que visa atuar sobre condutas do trabalhador consideradas censuráveis no contexto da relação laboral estabelecida.
39) Percorrido o elenco dos factos provados, não se encontra um único facto que evidencie que a Recorrida, de algum modo, exerce ou exerceu algum tipo de poder disciplinar sobre o prestador de atividade, no sentido de ter a possibilidade de sancionar um comportamento do prestador que não respeitasse as suas obrigações/deveres ou os padrões de comportamento determinados pela mesma.
40) Sem prejuízo da ausência de factualidade concreta, sempre se refira que nenhuma das situações que se encontra elencada nos termos e condições aplicáveis consiste na violação de um dever laboral, sendo que, como aponta o Tribunal a quo“ qualquer contrato, de qualquer natureza, pode ser resolvido, desde que as condições contratuais sejam violadas, e o cometimento de uma fraude, a colocação em causa da segurança dos clientes, ou a não observância de obrigações legais têm necessariamente de conduzir ao mesmo resultado de resolução do contrato. Se a Uber não o fizesse, e permitisse aos estafetas continuar a fazer entregas nessas circunstâncias, estaria a prestar um mau serviço aos comerciantes e clientes que a ela recorrem”
41) No caso concreto, trata-se, inclusivamente, de uma prorrogativa dos serviços de intermediação em linha, que se encontra prevista no artigo 4.º do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (Regulamento P2B), como o da Recorrida.
42) Não se vislumbra, assim, como é que a Recorrida exerce poderes laborais, nomeadamente o poder disciplinar, já que, como ficou demonstrado, a desativação de contas (i) não constitui uma manifestação do poder disciplinar, (ii) não é exercida como forma de orientar comportamentos e (iii) é reconhecida pelo Direito da União Europeia como sendo uma prerrogativa das plataformas digitais perante profissionais independentes, pelo que não se pode concluir pela verificação da característica prevista na alínea e) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho.
43) Defende a Recorrente que “a app da Ré é um instrumento de trabalho essencial ao seu negócio”.
44) Um software não pode ter-se como um utensílio nos mesmos moldes que um hardware (um bem corpóreo), ou seja, o equipamento de trabalho é o telemóvel onde é instalada a aplicação informática e não esta (da mesma forma que o instrumento de trabalho de um advogado é o computador que utiliza, não o software “word” onde escreve as suas peças processuais ou o software “adobe reader” com o qual abre as notificações do tribunal em formato pdf).
45) Para além disso, a referência do legislador à possibilidade de exploração de instrumentos de trabalho por contrato de locação não pode deixar de ser salientada e vista como um indício de que o legislador estava claramente a pensar em bens corpóreos.
46) Interpretação contrária, para além de absolutamente ilógica, terá o seguinte resultado prático: a alínea f) do artigo 12.º-A do Código do Trabalho estará sempre automaticamente verificada, sem necessidade de quaisquer indagações por parte do Tribunal, o que não pode deixar de ser tido como atentatório dos mais elementares e basilares direitos de defesa.
47) Por fim, o legislador quis claramente distinguir plataforma digital, onde inclui o conceito de aplicação informática (cfr. artigo 12.º-A, n.º 2 do Código de Trabalho), de equipamento e instrumento de trabalho (previsto no artigo 12.º-A, n.º 1, alínea f) do Código do Trabalho). Conforme decorre do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, a plataforma digital (alegadamente a Recorrida) é o sujeito da relação contratual estabelecida com os prestadores da atividade, logo, a Recorrida não pode ser, simultaneamente, o sujeito da relação contratual e o equipamento ou o instrumento de trabalho do prestador de atividade.
48) Sempre sem conceder, mesmo que se considere a app como um verdadeiro instrumento de trabalho sempre terá de se concluir que o mesmo se revela insuficiente para que se considere esta característica como verificada, tal como concluiu o douto Tribunal a quo, porquanto tal alínea refere-se a equipamentos/instrumentos e não apenas a um único instrumento.
49) In casu, não se verifica qualquer dos indícios presentes no artigo 12.º ou 12.º-A do Código do Trabalho, não podendo, por isso, presumir-se a existência de um contrato de trabalho.
50) No entanto, caso assim não se entenda e se conclua pelo preenchimento de alguns dos pressupostos de aplicação da presunção de laboralidade, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, é certo que a Recorrida ilidiu qualquer presunção que eventualmente se verificasse.
51) O que se afirma resulta expressa e claramente da análise dos seguintes factos provados:
. O prestador de atividade não está obrigado a realizar qualquer número mínimo de entregas, a permanecer conectado na aplicação ou, estando conectado, a aceitar qualquer pedido – Facto Provado 37;
. O prestador de atividade decide quando se liga e desliga da plataforma e pode passar dias, semanas ou meses sem se ligar – Factos Provados 35, 36, 37 e 41;
. O Sr. AA não se ligou uma única vez à plataforma entre o dia 23 de outubro de 2023 e março de 2024, sendo que em março permaneceu ligado durante cerca de quinze dias e não mais se voltou a ligar à plataforma – Facto Provado 43;
. O prestador de atividade é livre de recusar qualquer serviço proposto, sem qualquer consequência, incluindo cancelar já depois de aceitar – Facto Provado 38;
. Para além disso, o prestador de atividade é livre de decidir não receber propostas de entrega de determinados clientes e/ou comerciantes, igualmente sem qualquer consequência – Facto Provado 16;
. Os Prestadores de atividade têm liberdade para estabelecer um valor mínimo por quilómetro abaixo do qual não efetuam entregas – Facto Provado 18;
. Os prestadores de atividade não estão sujeitos a qualquer tipo de exclusividade, que resulta da possibilidade de prestar o mesmo serviço para as empresas que diretamente concorrem no mercado com a Recorrida ou até mesmo a título individual em concorrência com a Recorrida ou exercer qualquer outra atividade remunerada, o que sucede in casu, já que a disponibilidade para estar a executar a prestação destes serviços apenas depende dos próprios – conforme Facto Provado 59;
. Para se registar e começar a prestar atividade o prestador de atividade não foi sujeito a qualquer tipo de processo de recrutamento, como seja análise de CV, entrevistas ou qualquer tipo de processo de seleção – Facto Provado 60;
. A Recorrida também não restringe ou impõe qualquer obrigatoriedade quanto ao local de exercício de atividade, podendo o prestador de atividade prestar a sua atividade em qualquer localidade e sem qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde deve estar para receber propostas de entregas – Factos Provados 15 e 17;
. Quando presta a sua atividade, o prestador de atividade pode seguir as rotas que desejar, bem como utilizar os sistemas de navegação GPS que preferir utilizar ou até mesmo de não utilizar nenhum sistema de navegação GPS – Facto Provado 33;
. O prestador de atividade tem a possibilidade de designar outras pessoas (também registadas) para substituição no exercício da atividade, o que demonstra que o que interessa à Recorrida não é a atividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua atividade, característica do contrato de prestação de serviços – Facto Provado 58;
. A remuneração auferida é variável e por entrega, e não fixa em função do tempo despendido na realização da atividade;
. O prestador de atividade escolhe a forma como se apresenta, nomeadamente a roupa e o equipamento que quer usar (incluindo utilizar a marca de concorrentes) – Facto Provado 28;
. Por fim, todos os instrumentos utilizados no desempenho da atividade pertencem aos prestadores de atividade e não à Recorrida – Facto Provado 14;
52) Este conjunto de elementos apontam no sentido da inexistência de uma relação com carácter de subordinação jurídica, pelo que, nos termos do artigo 12.º-A, n.º 4, do Código do Trabalho e artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil, resulta ilidida qualquer presunção de laboralidade que eventualmente se verificasse.
53) De facto, do exposto resulta que, para além de ser autónomo na fixação do tempo e local de prestação da sua atividade, o prestador de atividade visado tem uma profunda liberdade para definir que tarefas aceita ou não prestar, uma vez que inexistem limites ou consequências para a não aceitação. Aqui reside uma característica que se afigura de difícil compatibilização com a ordenação típica da relação laboral, o que, aliás, foi já apreciado e assim concluído, pelo colendo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no acórdão de 9 de janeiro de 2019,
no processo n.º 1376/16.3T8CSC.L1.S1.
54) Para além disso, foi essa independência que fundou a decisão do Tribunal Justiça da União Europeia proferido no Caso B/Yodel Delivery Network.
55) As quatro características identificadas pelo TJUE como inconsistentes com a qualificação de trabalhador estejam todas verificadas nos presentes autos, o que cumpre realçar.
56) Em sentido convergente, o Supremo Tribunal de Justiça do Reino Unido, em decisão de 21 de novembro de 2023, decidiu que os estafetas que prestam atividade (no caso, para a plataforma Deliveroo) não podem ser considerados trabalhadores subordinados, uma vez que são “livres de rejeitar ofertas de trabalho, de se tornarem indisponíveis e de realizarem trabalhos para concorrentes”, concluindo que “estas características são fundamentalmente inconsistentes com qualquer noção de relação de trabalho”(tradução nossa)
57) Cumpre ainda recordar dois acórdãos do nosso Supremo Tribunal de Justiça, nos quais foi decidido que o facto de prestador de atividade poder escolher o próprio horário, não exercer a atividade em regime de exclusividade, ter a possibilidade de aceitar ou rejeitar serviços, ter a possibilidade de se fazer substituir e a possibilidade de agendar férias sem ser pago durante esse período e ser o titular dos instrumentos de trabalho permite ilidir a presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho ou distinguir uma prestação de serviços de um contrato de trabalho, não obstante, nestes casos concretos ser evidente que os prestadores de atividade não têm uma estrutura organizativa própria, não são empresários e não têm os seus próprios clientes.
58) A ausência de exclusividade (Facto Provado 59) – nomeadamente o facto de a Recorrida permitir o “multiapping” – é um fator determinante do trabalho autónomo, que tem sido recorrentemente identificado não só pelos tribunais nacionais, mas também pelo Tribunal de Justiça da UE.
59) A este propósito, argumenta o Recorrente, que “nada impede que o trabalhador subordinado tenha mais do que um contrato de trabalho com diferentes empregadores, ou um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviços, porquanto o pluriemprego não é proibido”.
60) No entanto, cumpre não olvidar que qualquer trabalhador por conta de outrem se encontra vinculado a um conjunto de deveres, entre os quais o dever de lealdade (artigo 128.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho).
61) O dever de lealdade do trabalhador para com o empregador manifesta-se na obrigação de não concorrência, obrigação que constitui corolário do dever de lealdade, impondo ao trabalhador o dever de se abster de comportamentos contrários ou lesivos dos interesses da entidade empregadora – “não negociando por conta própria ou alheia em concorrência”.
62) Nesse âmbito, é vedado a qualquer trabalhador “o exercício de actividade concorrencial nos termos aí previstos, proibindo a lei a possibilidade de aquele desenvolver uma atividade, por si ou no seu interesse, que conflua ou entre em concorrência com o empregador, pondo em causa a sua organização em matéria comercial, de produção, negocial ou económica”.
63) É entendimento unânime, tanto na doutrina como na jurisprudência, que o dever de lealdade constitui um valor absoluto, não suscetível de graduações. Assim, o reconhecimento, ainda que hipotético e que por mero dever de patrocínio se concebe, de um contrato de trabalho entre os prestadores de atividade visados e a Recorrida redundaria na obrigatoriedade de os prestadores de atividade deixarem de prestar a sua atividade de estafeta para plataformas concorrentes, nomeadamente para a Glovo, sob pena de violação automática do dever de lealdade a que passará a estar vinculado e adstrito.
64) A violação do dever de lealdade e a obrigação legal de não concorrência que impende sobre o trabalhador não dependem da verificação, em concreto, de um efetivo prejuízo para o empregador, nem sequer do efetivo desvio de clientela, sendo suficiente a potencialidade desse prejuízo.
65) Na verdade, o próprio legislador, ao estabelecer que o trabalhador não pode negociar por conta própria ou alheia em concorrência com o empregador, está a proibir o trabalhador de qualquer atuação que possa entrar em concorrência com a atividade desenvolvida pelo empregador, proibição que é justificada, porquanto “se alguém contrata trabalhadores, não pode estar sujeito ao risco de estes entrarem em concorrência com a sua actividade”.
66) De facto, a contratação de trabalhadores tem como desiderato o desenvolvimento e o sucesso da empresa, pelo que “seria absurdo aceitar que aqueles pudessem desenvolver actividades susceptíveis de conduzir ao desvio de clientela da própria empresa onde trabalham e, consequentemente, dessa forma, potenciar uma limitação do seu volume de negócios e dos seus proveitos”21.
67) São estas as razões pelas quais a ausência de exclusividade assume decisiva importância neste tipo de ações e na análise da relação jurídica em apreço, o que não deve ser ignorado: é que os deveres e obrigações a que estão adstritos os trabalhadores não permite a prestação de trabalho simultâneo a duas (ou mais) entidades concorrentes distintas, situação que é admitida no âmbito de uma prestação de serviços, na qual é o próprio prestador, dotado de autonomia na organização da sua atividade, quem decide quando presta a sua atividade, para quem, e de que forma, tal como sucede in casu.
68) Alega ainda o Recorrente, embora sem concretizar em qualquer factualidade que gere a plataforma, recebendo ordens e instruções através do procedimento padronizado que se mostra instituído, estando também sujeito ao regime sancionatório por aquela implementado”.
69) Não se provou que existam quaisquer ordens e instruções através de qualquer procedimento padronizado, bem assim, que haja algum tipo de exercício de poder disciplinar da Recorrida perante o estafeta, pelo que tais alegações são totalmente infundadas, não tendo qualquer suporte factual.
70) Quanto ao facto de o estafeta estar inserido na organização produtiva da Recorrida, resultou provado (Facto 40) que não são raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega e ainda (Facto Provado 6) que a Ré atua na intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma, isto é, estabelecimentos comerciais, os utilizadores estafetas e os utilizadores clientes, nada mais.
71) O Sr. AA não se liga à plataforma desde março de 2024, sendo que já antes dessa data, entre o dia 23 de outubro de 2023 e março de 2024, o mesmo não se ligou à plataforma uma única vez.
72) Não se vislumbra como se pode considerar o Sr. AA como inserido na estrutura da Recorrida.
73) Um empregador necessita de contar com a disponibilidade dos seus trabalhadores para poder organizar a sua atividade, pelo que, verificando-se que a Recorrida não pode contar com a regularidade efetiva do prestador de atividade, decidida única e exclusivamente por este, não se vislumbra como se poderá considerar o vínculo estabelecido como um contrato de trabalho, porquanto absolutamente incompatível.
74) No caso concreto, o prestador de atividade não assume qualquer vinculação, muito menos com o grau de compromisso esperado e que é expetável num contrato de trabalho.
75) É impossível organizar o que não é conhecido. Uma organização produtiva pressupõe isso mesmo: organização, o que implica planeamento e disponibilidade de mão-de-obra para o efeito.
76) Contrariamente ao que sucede numa relação laboral, a Recorrida não organiza a atividade do prestador de atividade de maneira alguma, pois este é livre para escolher o seu horário, ligar e desligar-se da plataforma, e decidir durante quanto tempo permanece ligado, sendo ainda livre para rejeitar e aceitar as propostas de entrega que bem entender, conforme decorre da factualidade provada.
77) Tudo isto resulta na impossibilidade prática de a Recorrida saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as propostas de entrega disponibilizadas.
78) Não se pode, assim, concluir que a Recorrida disponha de uma organização de prestação de serviços de entrega.
79) Sem prejuízo, ainda que se possa considerar a integração do estafeta na organização produtiva da Recorrida, o que por mero dever de patrocínio se concebe, é necessário ponderar a natureza da atividade em questão, pois não se pode afirmar que esta atividade específica — a recolha e entrega de produtos — exija o recurso a meios produtivos de grande envergadura ou uma complexidade organizativa considerável.
80) Por fim, cumpre realçar que o prestador de atividade tem a possibilidade de designar outras pessoas para substituição no exercício da atividade, o que demonstra que o que interessa à Recorrida não é a atividade em si mesma, elemento inerente a um contrato de trabalho que é celebrado intuitu personae, mas antes o resultado da sua atividade, característica do contrato de prestação de serviços.
81) De facto, e como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12 de setembro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 3842/23.5T8PTM.E1 (Relator: João Luís Nunes), “Particularmente decisivo apresenta-se o facto do estafeta poder subcontratar outro prestador de serviço para realizar a entrega: sendo o contrato de trabalho um contrato intuitu personae, em que as qualidades pessoais do trabalhador são elementos essenciais para a conformação da relação de trabalho, a possibilidade de subcontratação de outro prestador da atividade não se harmoniza com tal caraterística.
Como bem assinala o tribunal a quo, através da possibilidade de os estafetas se fazerem substituir por outras pessoas o que demonstra é que à ré não interessa a atividade em si daquele concreto estafeta, mas sim o resultado da mesma (entrega dos produtos), caraterística do contrato de prestação de serviço”.
82) Tendo em conta a factualidade provada constata-se que não existe o mínimo resquício de subordinação jurídica.
83) Ao concluir o registo na plataforma e concordar com os termos e condições aplicáveis, o prestador de atividade não se comprometeu a prestar qualquer atividade em nome da Recorrida.
84) A Recorrida não conseguirá garantir a disponibilidade de mão-de-obra, que é aquilo que permite um contrato de trabalho, sem retirar a liberdade de os prestadores de atividade organizarem a sua atividade.
85) Por isso, caso se entendesse que existe um contrato de trabalho entre os prestadores de atividade e a Recorrida, esse contrato nunca poderá ser igual aquele que atualmente vincula as partes, de outro modo, os prestadores de atividade poderiam sempre imiscuir-se de cumprir a principal obrigação de um trabalhador (a de trabalhar) e a Recorrida nada poderia fazer quanto a isso.
86) Um contrato de trabalho é o que é, conforme definido na lei, não o que alguma doutrina e jurisprudência quer que seja, sem qualquer alteração legislativa que o sustente.
87) Ainda que a doutrina ou a jurisprudência possam ser sensíveis à alegada precaridade e dependência económica de alguns prestadores de serviços (precariedade essa que, existindo, impõe a intervenção do legislador para os proteger), a verdade é que a solução não poderá passar por alterar aquela que é a definição de contrato de trabalho prevista na lei (definição essa que não é dada nem pelo art 12º-A, nem pelo art.º 12º nem pelo método indiciário, que preveem apenas factos índice da sua existência).
88) Nestes termos, deve a sentença recorrida ser mantida, não se reconhecendo qualquer contrato de trabalho entre a Recorrida e o prestador de atividade visado, o Sr. AA.
Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve o recurso apresentado pelo Autor/Recorrente ser julgado totalmente Improcedente.”
Foi proferido despacho que admitiu o recurso.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação e colhidos dos vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC).
Assim, no presente recurso, importa apreciar se deve ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho, com início a 2 de Abril de 2023 e por tempo indeterminado, entre “Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda.” e AA.
Fundamentação de facto
Na sentença foram considerados assentes os seguintes factos:
1. A Ré é uma sociedade que tem como objeto social: “prestação de serviços de geração de potenciais clientes a pedido, gestão de pagamentos; Atividades relacionadas com a organização e gestão de sites, aplicações on-line e plataformas digitais, processamento de pagamentos e outros serviços relacionados com restauração; Consultoria, conceção e produção de publicidade e marketing; Aquisição de serviços de entrega a parceiros de entrega e venda de serviços de entrega a clientes finais”;
2. A Ré é uma plataforma de prestação de serviços de entregas on line, nomeadamente de refeições, através de uma aplicação informática criada e desenvolvida para tal efeito, efetuando a mencionada plataforma a gestão de um negócio que estabelece a ligação entre o estafeta e o cliente, assegurando ainda as necessárias parcerias com empresas do setor da restauração e do comércio;
3. Para a execução das referidas atividades, a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados;
4. Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito;
5. As funções desempenhadas pelo estafeta consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final.
6. Assim, a Ré atua na intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: Os utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo); - Os utilizadores estafetas; e - Os utilizadores clientes;
7. A atividade da Ré inclui: - A intermediação dos processos de recolha nos estabelecimentos comerciais e o pagamento dos produtos encomendados através da plataforma; e – A intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva recolha, transporte e entrega aos utilizadores que efetuaram as encomendas;
8. AA, com o número de contribuinte ..., beneficiário da segurança social com o nº ..., titular da Autorização de Residência nº ..., válida ate 10.8.2026, com residência na ..., titular do endereço electrónico ... e do telefone... presta a referida atividade de estafeta para a Ré plataforma digital UBER EATS desde 2/4/2023;
9. AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone;
10. No decurso de uma ação inspetiva realizada pela ACT no dia 27/09/2023, pelas 13H10, foi verificado que AA se encontrava nas imediações do centro comercial Colombo. em Lisboa, a aguardar a preparação para recolha de pedido efetuado por cliente na aplicação móvel Uber Eats e posterior entrega na morada indicada pelo cliente, tendo-se apurado que desenvolve a sua atividade da seguinte forma: - O estafeta estava registado na plataforma digital UBER EATS, como “Parceiro de Entregas Independente”, através da criação de uma conta na plataforma, na aplicação disponibilizada na internet para o efeito; - Visando o registo em causa, e de acordo com
exigência da aplicação UBER EATS, foram submetidos pelo estafeta na referida aplicação os seus documentos de identificação, bem como o certificado de registo criminal, o comprovativo de abertura de atividade como trabalhador independente, entre outros; - Foi ainda associado à conta do estafeta o meio de transporte em que este se desloca, no caso, motociclo, conforme requerido pela plataforma;
- O estafeta, para finalizar o registo, ficou ainda obrigado a aderir aos termos e condições aplicáveis constantes do “Contrato de Parceiro de Entregas Independente”;
11. Embora a UBER EATS não mantenha um suporte em papel da adesão aos termos e condições aplicáveis, tem um registo eletrónico de adesão aos mesmos com data e hora;
12. AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone;
13. Para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, o estafeta teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa sendo que, uma vez ativada a conta, é iniciada a atividade como estafeta e o início da sessão na plataforma é feito através das credenciais de identificação do estafeta (o email utilizado ...) e de uma palavra passe, sendo que, para receber os pedidos, coloca-se em estado de disponibilidade;
14. Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta para a Ré, este tinha que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens;
15. Os prestadores de atividade registados na Plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua atividade, ou seja, se prestam a sua atividade numa determinada zona da cidade ou até mesmo do país.
16. Podem inclusivamente bloquear comerciantes e/ou clientes com quem não desejam contactar.
17. A Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique aceite e efetuado por parte da UBER;
18. A plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efetua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta “filtrar", aceitando ou não os pedidos que aparecem no ecrã, através do preço por quilómetro (designado de “Taxa Mínima por Quilómetro”)";
19. Com efeito, apesar de o estafeta poder definir na aplicação o valor mínimo por quilómetro, ou seja, o montante mínimo que aceita para proceder à entrega de cada pedido, não existe qualquer negociação entre o prestador e a plataforma quanto aos critérios que estão subjacentes à definição dos valores;
20. Não existe também qualquer intervenção do estafeta no processo de negociação de preços entre a plataforma e os parceiros de negócio, nomeadamente, restaurantes e estabelecimentos comerciais;
21. Cada serviço tem o seu valor definido que o estafeta vê na plataforma e é livre de aceitar, ou não, mas apenas por esse valor;
22. Na Plataforma, os prestadores de atividade dispõem de uma ferramenta que lhes permite visualizar outras ofertas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua Taxa Mínima por Quilómetro, sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta “Radar de Viagens”;
23. Desta forma, os prestadores de atividade podem ajustar o seu preço por quilómetro sempre que quiserem sem o baixar e assim não perder qualquer oferta de entrega que possa surgir na Plataforma;
24. Os prestadores de atividade escolhem quando são pagos, através da ferramenta "Cashout", tendo o estafeta em apreço escolhido ser pago semanalmente. Apenas no caso de não optarem por recolher os rendimentos através do Cash Out é que os mesmos são pagos semanalmente;
25. O estafeta é pago por transferência bancária e fica disponível na plataforma o registo de todos os
pagamentos recebidos ao longo de um ano, assim como o comprovativo da transferência.
26. O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo;
27. A plataforma exige que a prestação da atividade do estafeta seja efetuada fazendo uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos UBER EATS, sendo que, para a plataforma validar o perfil no ato de criação da conta o estafeta tem de submeter prova de detenção da mochila de transporte, a qual deve cumprir requisitos mínimos quanto às dimensões – 44 cm de largura x 35 cm de profundidade x 40 cm de altura - assim como quanto ao estado de conservação e limpeza;
28. O estafeta não está obrigado a usar roupa distintiva da marca UBER EATS nem a apresentar-se em conformidade com qualquer critério que não seja o pessoal;
29. A partir do momento em que o estafeta faz login na aplicação e passa a estar online, a plataforma, ora Ré, fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização do dispositivo que tem de estar obrigatoriamente ligado para que a aplicação funcione e permita ao estafeta receber pedidos de entrega, sendo, pois, indispensável ao exercício da atividade e à atribuição dos pedidos dos clientes;
30. O GPS é uma ferramenta necessária para o funcionamento da Plataforma e para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade;
31. A localização é um dos fatores relevantes para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade;
32. O GPS permite aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o estafeta a recolhe;
33. O Estafeta é livre de escolher o percurso que entender para fazer cada entrega, assim como o tempo que cada entrega possa levar escolhendo o sistema de GPS que entende para efetuar o percurso ou até nem o utilizar;
34. A plataforma tem a possibilidade de recolher a classificação efetuada ao estafeta, quer pelo cliente quer pelo comerciante/restaurante, através de meios eletrónicos inseridos na aplicação;
35. O estafeta é livre para escolher o seu horário;
36. É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma;
37. E durante quanto tempo permanece ligado;
38. Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entender
39. O que resulta na impossibilidade de a Ré saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas.
40. Não são raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na Plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega;
41. O Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si.
42. E a sua conta continua ativa;
43. O estafeta não se liga à plataforma desde o dia 23/10/2023, tendo-se voltado a ligar em março de 2024, permaneceu ligado durante cerca de quinze dias e não se voltou a ligar à plataforma;
44. O estabelecimento, o tipo de pedido, o valor do serviço, o cliente final e a morada de entrega são indicados ao estafeta pela plataforma UBER EATS através da referida aplicação que deve consultar no telemóvel;
45. A prática de partilha de contas, por motivos de segurança e conformidade legal, não é permitida na Plataforma, conforme decorre da cláusula 5.n. dos termos e condições aplicáveis;
46. Ou seja, o estafeta não pode permitir que terceiros utilizem a sua conta, devendo manter os seus detalhes de login confidenciais a todo o tempo;
47. Só quando o estafeta efetua o login na plataforma é que pode aceder às ofertas de entregas disponíveis;
48. A plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta ao vincular-se aos termos do contrato de utilização da aplicação, designadamente, se permitir a utilização de conta por terceiros não autorizados, ou por comportamentos fraudulentos";
49. Conforme decorre da cláusula 11 e da cláusula 16. dos termos e condições aplicáveis a Ré tem o direito de restringir o acesso à Plataforma e a resolver o contrato com o prestador de serviços nas seguintes situações:
a) Quando a Ré está a cumprir uma obrigação legal;
b) Quando o prestador de atividade não cumpre as suas obrigações contratuais;
c) Quando está em causa a segurança dos clientes; e
d) Por motivos de autoproteção (situações de fraude)
50. O sinal de GPS deve encontrar-se ativo entre os pontos de recolha e de entrega, de outro modo, o
bom funcionamento da aplicação e o próprio serviço ficam comprometidos;
51. O estafeta autoriza a UBER a aceder à localização do seu dispositivo quando está logado;
52. Aliás, se os estafetas não tiverem o GPS ligado a aplicação não funciona para entregas, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha;
53. O estafeta e o estabelecimento que prepara o pedido podem introduzir dados na aplicação de modo a permitir a monitorização de cada recolha, transporte e entrega;
54. A Plataforma faz a ligação entre comerciantes, que desejam vender os seus produtos (não só alimentos), clientes, que desejam adquirir bens e que os mesmos lhes sejam entregues ou optem por eles próprios fazer a sua recolha, e estafetas (como o Prestador de Atividade em causa na presente ação) que desejam fazer entregas aos clientes;
55. A aplicação e o site da Uber Eats Portugal (ora ré) são pertença da Uber Eats dos Estados Unidos;
56. A Ré contratou um seguro de responsabilidade civil com a seguradora Allianz e um seguro de proteção de parceiros de entrega que abrange o Prestador de Atividade.";
57. Após aceitar a entrega o estafeta não se pode fazer substituir por ninguém.
58. Antes de aceitar uma entrega existe na plataforma a possibilidade de o estafeta designar um substituto, o qual tem que estar registado na Uber com conta ativa e como substituto, para que este aceite os pedidos que entre ambos entenderem, sendo que a ré procederá ao pagamento ao estafeta substituído.
59. O estafeta pode prestar atividade a terceiros, incluindo via outra plataforma. A Plataforma é uma das muitas ferramentas que eles têm para realizar entregas. Os prestadores de atividade podem ter sua própria clientela e atendê-la com liberdade e sem necessidade de comunicar isso à Uber Eats. Eles também podem usar outras plataformas concorrentes, incluindo ao mesmo tempo que estão a prestar a sua atividade na Plataforma. Cabe esclarecer que os prestadores de atividade não estão adstritos a qualquer obrigação de exclusividade, podendo livremente escolher por prestar a sua atividade através de outras plataformas digitais ou qualquer outro meio que
escolham, sem necessidade de consentimento ou de dar conhecimento à Uber Eats.
60. Para se registarem na Plataforma, os prestadores de atividade não estão sujeitos a qualquer tipo de processo de recrutamento, no sentido de não haver análise de CV, entrevistas ou qualquer tipo de processo de seleção, exceto o preenchimento dos requisitos contratuais já mencionados supra;
61. A R. não faz uso do feedback dado pelos clientes a cada entrega do estafeta, apenas lhe atribuindo pontos por cada entrega que efetua para efeitos de descontos na aquisição de material diverso.
Fundamentação de direito
Apreciemos, então, se deve ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho, com início a 2 de Abril de 2023 e por tempo indeterminado, entre “Uber Eats Portugal Unipessoal, Lda.” e AA.
Previamente, porém, impõe-se determinar a lei aplicável ao caso presente, atenta a verificação de sucessão de leis no tempo.
A sentença recorrida começou por referir que “A esse respeito importa dizer que a própria lei de trabalho, sofreu uma alteração em Maio de 2023, na estipulação das presunções da existência do contrato de trabalho a ponto de prever as realidades de trabalho em plataformas digitais. Assim surgiu o art.º 12ºA do Código de trabalho, como acrescento e especificação à presunção da existência de um contrato de trabalho existente no art.º 12º do mesmo diploma.”
E concluiu que “Mais do que saber se a lei em apreço se aplica à situação em apreço, e discutir a aplicação de lei no tempo deste artigo, cremos que a situação por via deste artigo, ou da norma geral será sempre idêntica, o que torna, a nosso ver a discussão inócua.”
Nessa senda, aplicou ao caso o disposto no artigo 12.º-A do Código do Trabalho resultante da alteração introduzida pela Lei n.º 13 /2023, de 3 de Abril, analisando cada uma das suas alíneas e concluindo que não resultou demonstrada a presunção de laboralidade e mesmo que esta tivesse sido preenchida tinha sido ilidida.
Sustentou a Recorrida, quer na contestação, quer nas contra-alegações, que, ao caso, não é aplicável o artigo 12.º-A do Código do Trabalho. Adiantamos, desde já, que lhe assiste razão.
O artigo 12.º-A do Código do Trabalho foi aditado pela Lei n.º 13/2023, de 03/04 (cfr. artigo 13.º) que procede, além do mais, à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva (UE) 2019/1152 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Junho de 2019, relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia, que altera o Código do Trabalho e legislação conexa, no âmbito da agenda do Trabalho Digno e que entrou em vigor no dia 1 de Maio de 2023 (cfr. artigo 37.º n.º 1).
Na petição inicial, o Autor peticionou que fosse declarada a existência de um contrato de trabalho entre AA e a Ré com início em 2 de Abril de 2023.
Ora, essencial para a qualificação da relação jurídica que vinculou as partes é o regime jurídico existente no momento da sua constituição, salvo se, como tem sido entendimento consolidado do Supremo Tribunal de Justiça, da factualidade provada resultar ter ocorrido uma alteração na configuração dessa relação (cfr. entre outros, o Acórdão de 4.7.2018, proferido no Proc. nº 1272/16.4T8SNT.L1. S1 que vem citado pela Recorrida).
Com efeito, como se escreve no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.01.2025, proc. 31164/23.4T8LSB.L1-4, pesquisa em www.dgsi.pt: “I. Distinto do pedido de reconhecimento da existência do contrato de trabalho e âmbito temporal a partir do qual se peticiona a produção dos respectivos efeitos, é o regime jurídico que deve ser eleito para o seu enquadramento, sendo este definido em função do momento em que se constituiu a relação jurídica. II. Constituindo-se a relação jurídica entre a plataforma digital e o prestador de actividade em data anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Trabalho pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril, não é convocável, no seu enquadramento, a nova presunção estabelecida no art.º 12.º-A, daquele compêndio substantivo.”
No mesmo sentido, afirma-se no Acórdão do Tribunal desta Relação de 15.01.2025, Proc. n.º 29383/23.2T8LSB.L1, igual pesquisa:“1 – A presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável apenas às relações estabelecidas após a entrada em vigor da lei que a introduziu no ordenamento jurídico nacional. (…).”
Ora, ficou provado que AA presta a actividade de estafeta para a Ré, plataforma digital Uber Eats, desde 02.04.2023 (facto provado no ponto 8), sendo certo que da factualidade provada não se extrai qualquer alteração na configuração dessa relação, donde, ao caso, é aplicável o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro que entrou em vigor no dia 17 seguinte. Consequentemente, é à luz desta Lei que se deverá apreciar a natureza da relação contratual que se estabeleceu entre a Ré e AA e se esta configura um contrato de trabalho.
De acordo com o artigo 1152º do Código Civil, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.
O artigo 11.º do Código do Trabalho define o contrato de trabalho como sendo “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade desta.”
Por seu turno, o contrato de prestação de serviços está definido no artigo 1154º do Código Civil, nos seguintes termos: “Contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
Como vem sendo entendido, o que verdadeiramente diferencia o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a existência de subordinação jurídica que enforma aquele e não este.
Sobre a figura da subordinação jurídica, escreve António Monteiro Fernandes, em “Direito do Trabalho”, 16.ª Edição, Almedina, pag.114: “A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das regras que o regem”.
Assim, a subordinação jurídica, traço característico e distintivo do contrato de trabalho de outras figuras contratuais, traduz-se na dependência e sujeição do prestador da actividade face às ordens, autoridade e instruções de quem contrata essa actividade. Ou seja, no contrato de trabalho o credor da prestação impõe dentro dos parâmetros e regras do contrato e sobre o prestador da actividade recai a obrigação de acatar em consonância com essa imposição.
Sucede, porém, que, na maioria das vezes, a realidade da vida não permite que, facilmente, se consiga apreender, nas relações contratuais, o elemento subordinação jurídica, daí que, para fazer face a essa dificuldade, acrescida com a permanente evolução social, a jurisprudência e a doutrina se tenham socorrido, ao longo dos anos, do denominado método indiciário para aferir da existência de um contrato de trabalho.
E para facilitar essa demanda, o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2002, de 27 de Agosto, veio introduzir no seu artigo 12.º a denominada presunção de laboralidade, determinando presumir-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente, se verificassem as cinco circunstâncias que enumerava.
A mencionada norma foi alterada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, mas a alteração introduzida pouco adiantou posto que, a verificarem-se os requisitos a que aludia estaríamos já perante um contrato de trabalho e não perante uma presunção de laboralidade.
O Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, manteve a presunção de laboralidade dispondo o seu artigo 12.º o seguinte: “1- Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. 2 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. 3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos. 4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.“
Perante o vocábulo “algumas”, temos entendido que, para que opere a presunção de laboralidade basta que se verifiquem, pelo menos, duas das circunstâncias que a norma enuncia.
Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 08.10.2015, Proc. n.º 292/13.5TTCLD.C1.S1, in www.dgsi.pt, “ (…). II – A existência do contrato de trabalho presume-se desde que se verifiquem algumas das circunstâncias – e bastam duas – elencadas no nº 1, do art.º 12º, do Código de Trabalho de 2009. Presunção em benefício exclusivo do trabalhador, uma vez que, quem tem a seu favor a presunção legal, escusa de provar o facto a que ela conduz, por força do estatuído no nº 1 do art.º 350º, do Código Civil. III – Tratando-se, porém, de uma presunção iuris tantum admite prova em contrário, nos termos do nº 2, do art.º 350º, do Código Civil. Prova a cargo do empregador, se pretender ilidir a presunção. Caso em que lhe caberá provar que a situação em causa não constitui um contrato de trabalho, antes reveste as características de um contrato de prestação de serviço, dada a autonomia com que é exercida.”
Contudo, caberá ao trabalhador a alegação e prova dos factos índice, ou seja, dos factos que fazem despoletar a presunção.
E não resultando provadas as características que permitam presumir a existência de contrato de trabalho, impor-se-á, ainda assim, o recurso ao método indiciário.
Na verdade, como esclarece o Acórdão proferido no Proc. n.º 31164/23.4T8LSB.L1-4, acima citado, (…). V. Na operação de qualificação de uma relação jurídica laboral, a falha no preenchimento de pelo menos duas das alíneas do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho não nos dispensa, ainda assim, de, num segundo momento, proceder à análise global dos indícios que tenhamos em presença com recurso ao modelo indiciário, modelo que convoca a averiguação, no caso concreto, dos denominados indícios negociais internos e externos.”
E como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.09.2024, Proc. n.º 12510/19.1T8SNT.L1.S1, consulta em www.dgsi.pt “I.A aplicação do método indiciário supõe a ponderação do conjunto dos indícios, sendo que nenhum deles será normalmente decisivo e o seu peso relativo pode depender da atividade levada a cabo pelo trabalhador/prestador, para tentar apurar quais são os preponderantes. (…).”
E quanto aos indícios a considerar, elucida o Acórdão do STJ de 17.03.2022, Proc. 251/18.1T8CSC.L2.S1, consultável em www.dgsi.pt: “Os indícios que podem conduzir à qualificação de um contrato de trabalho são os seguintes: - A vinculação do trabalhador a um horário de trabalho; - A execução da prestação em local determinado pelo empregador; - A existência de controlo externo do modo da prestação; - A obediência a ordens; - A sujeição do trabalhador à disciplina da empresa; - O pagamento da retribuição em função do tempo; - O pagamento da retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal; - Pertencerem ao empregador os instrumentos de trabalho e serem por ele disponibilizados os meios complementares da prestação; - Inscrição do trabalhador na segurança social como trabalhador por conta de outrem; - Estar o trabalhador inscrito numa organização sindical; - Não recair sobre o trabalhador o risco da inutilização ou perda do produto; - Inexistência de colaboradores; - A prestação da atividade a um único beneficiário. Identificados estes indícios, há que confrontar a situação concreta com o modelo tipo de subordinação, através não de um juízo de mera subsunção, mas de um juízo de aproximação que terá de ser também um juízo de globalidade.”
Como é manifesto, alguns dos indícios a que apelava este método foram acolhidos como factos índice da presunção de laboralidade.
Regressando ao caso, analisemos, então, se da factualidade provada resultam algumas das características a que alude o artigo12.º do Código do Trabalho.
- A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado (al.a):
Com interesse ficaram provados os seguintes factos:
A Ré é uma plataforma de prestação de serviços de entregas on line, nomeadamente de refeições, através de uma aplicação informática criada e desenvolvida para tal efeito, efetuando a mencionada plataforma a gestão de um negócio que estabelece a ligação entre o estafeta e o cliente, assegurando ainda as necessárias parcerias com empresas do setor da restauração e do comércio (facto 2); Para a execução das referidas atividades, a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados (facto 3); Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, a Ré utiliza os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito (facto 4); As funções desempenhadas pelo estafeta consistem na recolha dos bens nos estabelecimentos aderentes (restaurantes, supermercados, lojas, etc.), transportando esses produtos até ao cliente final (facto 5);Assim, a Ré atua na intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: Os utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes, por exemplo); - Os utilizadores estafetas; e - Os utilizadores clientes (facto 6); A atividade da Ré inclui: - A intermediação dos processos de recolha nos estabelecimentos comerciais e o pagamento dos produtos encomendados através da plataforma; e – A intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva recolha, transporte e entrega aos utilizadores que efetuaram as encomendas (facto 7); AA realiza a referida atividade de estafeta, mediante pagamento, entregando refeições e outros produtos, conforme pedidos/tarefas que lhe são disponibilizados e por este aceites através da plataforma UBER EATS, na qual se encontra registado e à qual acede através da aplicação (App) que tem instalada no seu telemóvel/smartphone (factos 9 e 12); Para iniciar a prestação do serviço na plataforma UBER EATS, o estafeta teve que se registar e criar uma conta completa naquela plataforma, a qual se comprometeu a manter atualizada e ativa sendo que, uma vez ativada a conta, é iniciada a atividade como estafeta e o início da sessão na plataforma é feito através das credenciais de identificação do estafeta (o email utilizado ...) e de uma palavra passe, sendo que, para receber os pedidos, coloca-se em estado de disponibilidade (facto 13); os prestadores de atividade registados na Plataforma decidem livremente o local onde prestam a sua atividade, ou seja, se prestam a sua atividade numa determinada zona da cidade ou até mesmo do país (facto 15); e a Plataforma não dá qualquer tipo de indicação aos prestadores de atividade sobre o local onde devem estar para receber propostas de entregas, podendo mudar de localidade quando entenderem, desde que previamente efetuem o registo de mudança de área na plataforma e o registo fique aceite e efetuado por parte da UBER (facto 17).
Da mencionada factualidade resulta, com clareza, que é o prestador de actividade quem, unilateralmente e sem qualquer intervenção da Ré, escolhe o local onde desenvolverá a actividade. É óbvio que essa escolha terá de incidir sobre algum dos locais onde opera a Ré. Mas a Ré não dá qualquer indicação ao prestador de actividade sobre o local onde deve prestá-la. Consequentemente, não se verifica a característica a que alude a al.a) do n.º 1 do artigo 12.º do CT.
- Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade (al.b):
Sobre os equipamentos e instrumentos de trabalho ficaram provados os seguintes factos: Para a execução das referidas atividades, a Ré explora uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet – atua como intermediária na entrega dos produtos encomendados (facto 3); Para se poder registar e exercer as referidas funções de estafeta para a Ré, este tinha que ter atividade iniciada na Administração Tributária, ter veículo próprio (mota, carro ou trotinete/bicicleta), possuir um telemóvel (smartphone) e uma mochila para transporte dos bens (facto 14); e a plataforma exige que a prestação da atividade do estafeta seja efetuada fazendo uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos UBER EATS, sendo que, para a plataforma validar o perfil no ato de criação da conta o estafeta tem de submeter prova de detenção da mochila de transporte, a qual deve cumprir requisitos mínimos quanto às dimensões – 44 cm de largura x 35 cm de profundidade x 40 cm de altura - assim como quanto ao estado de conservação e limpeza (facto 27).
Do exposto resulta que os instrumentos utilizados pelo prestador de actividade como o veículo (que pode, ou não, ser essencial, na medida em que o prestador de actividade poderá deslocar-se a pé se a distância assim o permitir), a mochila e o telemóvel, que são essenciais à prestação da actividade, pertencem ao próprio.
Mas da citada factualidade também resulta que o prestador de actividade utiliza um instrumento de trabalho que é essencial à sua actividade e que pertence à Ré: a App.
Com efeito, a App, não obstante a sua natureza incorpórea, configura um instrumento de trabalho e é distinta da pessoa colectiva Ré.
Como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.12.2024, “Trata-se, cremos, efetivamente de um meio, de um instrumento utilizado, não obstante a sua natureza incorpórea, necessário para que a atividade possa ter lugar. E não se diga que a natureza da “aplicação informática” exclui que possa ser instrumento laboral, tendo de se reconduzir à plataforma digital, o que, com o devido respeito, não se afigura razoável, desde logo porque a plataforma e a App se diferenciam claramente, quer jurídica quer tecnologicamente, como realidades diversas; ao que acresce que não resulta de qualquer lado da lei que esta tenha pretendido retirar aos meios informáticos a qualidade de possíveis instrumentos de trabalho.”
Assim, a plataforma digital é a pessoa colectiva que presta serviços à distância e a aplicação informática é um dos meios electrónicos que é utilizado pela plataforma digital para prosseguir o seu objecto e sem a qual o prestador da actividade não a pode exercer.
Contudo, entendemos não se mostrar verificada a característica da al.b) do n.º 1 do artigo 12.º do CT na medida em que esta exige que os instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da prestação, o que, no caso, apenas sucede relativamente a um dos instrumentos.
- O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma (al.c):
Com interesse resultou provado que o estafeta é livre para escolher o seu horário (facto 35); É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma (facto 36); E durante quanto tempo permanece ligado (facto 37). Ou seja, o prestador de actividade não tem horas de início ou de termo da actividade, isto é não tem um horário e, muito menos, um horário imposto pela Ré.
Não se verifica, pois, a característica da al. c) do n.º 1 do artigo 12.º do CT.
-Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma (al.d):
Sobre as quantias auferidas pelo prestador de actividade provou-se o seguinte: A plataforma fixa, unilateralmente, o valor dos montantes a pagar ao estafeta para as entregas que efetua por entrega, podendo, no entanto, o estafeta “filtrar", aceitando ou não os pedidos que aparecem no ecrã, através do preço por quilómetro (designado de “Taxa Mínima por Quilómetro”)" (facto 18); Com efeito, apesar de o estafeta poder definir na aplicação o valor mínimo por quilómetro, ou seja, o montante mínimo que aceita para proceder à entrega de cada pedido, não existe qualquer negociação entre o prestador e a plataforma quanto aos critérios que estão subjacentes à definição dos valores (facto 19); Não existe também qualquer intervenção do estafeta no processo de negociação de preços entre a plataforma e os parceiros de negócio, nomeadamente, restaurantes e estabelecimentos comerciais (facto 20); Cada serviço tem o seu valor definido que o estafeta vê na plataforma e é livre de aceitar, ou não, mas apenas por esse valor (facto 21); Na Plataforma, os prestadores de atividade dispõem de uma ferramenta que lhes permite visualizar outras ofertas de entrega disponíveis na sua área e que são pagas abaixo da sua Taxa Mínima por Quilómetro, sem necessidade de alterarem a Taxa Mínima por Quilómetro que anteriormente escolheram, e selecioná-las para entrega, se assim o desejarem, através da ferramenta “Radar de Viagens” (facto 22); Desta forma, os prestadores de atividade podem ajustar o seu preço por quilómetro sempre que quiserem sem o baixar e assim não perder qualquer oferta de entrega que possa surgir na Plataforma (facto 23); Os prestadores de atividade escolhem quando são pagos, através da ferramenta "Cashout", tendo o estafeta em apreço escolhido ser pago semanalmente. Apenas no caso de não optarem por recolher os rendimentos através do Cash Out é que os mesmos são pagos semanalmente (facto 24); O estafeta é pago por transferência bancária e fica disponível na plataforma o registo de todos os pagamentos recebidos ao longo de um ano, assim como o comprovativo da transferência (facto 25); O estafeta recebe os valores das entregas que efetuar, podendo aceitar mais ou menos entregas durante qualquer período de tempo (facto 26); Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar as ofertas de entrega que entender (facto 38).
Do quadro factual exposto resulta ser paga ao prestador de actividade, com determinada periodicidade (semanalmente) uma quantia pelas entregas que realiza. Contudo, não ficou provado que se trata de uma quantia certa e tendo resultado provado, por outro lado, que o prestador de actividade pode aceitar ou rejeitar as ofertas de entregas que entender, naturalmente que a conclusão a retirar é a de que a quantia é variável em função do número de entregas que aceitar efectuar, sendo manifesto que o prestador de actividade recebe à peça.
Não se verifica, assim, a característica da alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º do CT.
- O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa (al.e):
Nenhum facto se provou que possa ser enquadrado nesta alínea, pelo que, também não está verificada.
Em suma, à luz do artigo 12.º do Código do Trabalho não é possível concluir pela presunção de existência de contrato de trabalho.
Socorrendo-nos do método indiciário, adianta-se, desde já, que também não descortinamos indícios suficientes que, sopesados na sua globalidade, permitam a conclusão de que existe subordinação jurídica.
Ora, é certo que ficou provado que: a plataforma exige que a prestação da atividade do estafeta seja efetuada fazendo uso de uma mochila térmica para transporte dos pedidos UBER EATS, sendo que, para a plataforma validar o perfil no ato de criação da conta o estafeta tem de submeter prova de detenção da mochila de transporte, a qual deve cumprir requisitos mínimos quanto às dimensões – 44 cm de largura x 35 cm de profundidade x 40 cm de altura - assim como quanto ao estado de conservação e limpeza (facto 27); A partir do momento em que o estafeta faz login na aplicação e passa a estar online, a plataforma, ora Ré, fica a saber qual é a sua localização, através de um sistema de geolocalização do dispositivo que tem de estar obrigatoriamente ligado para que a aplicação funcione e permita ao estafeta receber pedidos de entrega, sendo, pois, indispensável ao exercício da atividade e à atribuição dos pedidos dos clientes (facto 20); A prática de partilha de contas, por motivos de segurança e conformidade legal, não é permitida na Plataforma, conforme decorre da cláusula 5.n. dos termos e condições aplicáveis (facto 45); Ou seja, o estafeta não pode permitir que terceiros utilizem a sua conta, devendo manter os seus detalhes de login confidenciais a todo o tempo (facto 46); O sinal de GPS deve encontrar-se ativo entre os pontos de recolha e de entrega, de outro modo, o bom funcionamento da aplicação e o próprio serviço ficam comprometidos (facto 50); e o estafeta autoriza a UBER a aceder à localização do seu dispositivo quando está logado (facto 51). Mas, por outro lado, ficou provado que o GPS é uma ferramenta necessária para o funcionamento da Plataforma e para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade (facto 30); A localização é um dos fatores relevantes para a apresentação de ofertas de entrega aos prestadores de atividade (facto 31); O GPS permite aos clientes acompanhar a sua encomenda a partir do momento em que o estafeta a recolhe (32); O Estafeta é livre de escolher o percurso que entender para fazer cada entrega, assim como o tempo que cada entrega possa levar escolhendo o sistema de GPS que entende para efetuar o percurso ou até nem o utilizar (facto 33);
Ora, a exigência de mochila térmica é essencial para o transporte de alimentos e se o prestador de actividade não fizer login a aplicação não funciona para entregas, uma vez que é o GPS que permite à plataforma apresentar-lhes propostas de entregas tendo em consideração a sua localização e a proximidade com o ponto de recolha (facto 52). Por isso, ligar-se à aplicação não é sinónimo de controlo da execução da actividade por parte da Ré. É um passo essencial para lhe sejam solicitadas entregas. Essencial também, é que é o prestador de actividade quem decide quando ligar-se e quando desligar-se, sem que tenham ficado provadas quaisquer consequências, pelo que, não há controlo e direcção pela Ré da actividade que aquele exerce.
E provou-se, ainda, que o estafeta e o estabelecimento que prepara o pedido podem introduzir dados na aplicação de modo a permitir a monitorização de cada recolha, transporte e entrega (facto 53). Mas não foram alegadas nem se provaram as consequências que daí possam advir para o prestador de actividade, caso o estabelecimento fique desagradado com a sua prestação. Consequentemente, não podemos concluir que a ligação do prestador de actividade à app se enquadra numa forma de controlo ou de supervisão para efeitos disciplinares.
É certo que se provou que a plataforma tem a possibilidade de recolher a classificação efetuada ao estafeta, quer pelo cliente quer pelo comerciante/restaurante, através de meios eletrónicos inseridos na aplicação (facto 34).
Porém, também ficou provado que a Ré não faz uso do feedback dado pelos clientes a cada entrega do estafeta, apenas lhe atribuindo pontos por cada entrega que efetua para efeitos de descontos na aquisição de material diverso (facto 61), o que significa que, independentemente da avaliação, não existem consequências de cariz punitivo por parte da Ré sobre o prestador de actividade.
Provou-se ainda que a plataforma pode restringir o acesso à aplicação, ou mesmo desativar a conta em definitivo, no caso de suspeita de violação das obrigações assumidas pelo estafeta ao vincular-se aos termos do contrato de utilização da aplicação, designadamente, se permitir a utilização de conta por terceiros não autorizados, ou por comportamentos fraudulentos" (facto 48); e que, conforme decorre da cláusula 11 e da cláusula 16. dos termos e condições aplicáveis a Ré tem o direito de restringir o acesso à Plataforma e a resolver o contrato com o prestador de serviços nas seguintes situações: a) Quando a Ré está a cumprir uma obrigação legal; b) Quando o prestador de atividade não cumpre as suas obrigações contratuais; c) Quando está em causa a segurança dos clientes; e d) Por motivos de autoproteção (situações de fraude).
Salvo o devido respeito, não vemos que se trate do exercício do poder disciplinar da Ré.
Como se escreve na sentença recorrida, a propósito do exercício de poderes laborais, “Novamente nada se verifica nesta alínea desde logo porque não existe poder disciplinar. Se o estafeta fizer um mau trabalho porque decidiu a meio do caminho parar para beber uma cerveja e chegar com um atraso grande e a comida fria nenhuma consequência existe. O que se estranha, pois, até numa prestação de serviços se exige algum controlo e disciplina. Mas a verdade é que não existe. Não há exclusão de ofertas para o prestador. Não há situações em que deixam de receber ofertas exceto quando decidem desativar a conta porque puseram em causa a segurança dos clientes, situações de fraude, por alguma obrigação legal não ser observada ou algum incumprimento grave da relação que possa conduzir à resolução. No mais não existe qualquer poder disciplinar. Por hipótese, como meio de reagir a uma insatisfação de um cliente pela demora no atraso não pode a R. deixar de atribuir ofertas de entrega ao estafeta por uns tempos, não pode desativar a conta. Pode só resolver o contrato e encerrar a conta mas nas situações previstas no contrato e supra referidas. Nem se veja na possibilidade de encerramento da conta uma forma de exercício supremo do poder disciplinar. Qualquer contrato, de qualquer natureza, pode ser resolvido, desde que as condições contratuais sejam violadas, e o cometimento de uma fraude, a colocação em causa da segurança dos clientes, ou a não observância de obrigações legais têm necessariamente de conduzir ao mesmo resultado de resolução do contrato. Se a Uber não o fizesse, e permitisse aos estafetas continuar a fazer entregas nessas circunstâncias, estaria a prestar um mau serviço aos comerciantes e clientes que a ela recorrem. Não é, pois, uma forma de exercício do poder disciplinar, mas a regulação e profissionalismo que a prática da sua atividade exigem perante terceiros.”
Por último, poder-se-ia argumentar que, quando o prestador de actividade se liga à app passa a fazer parte da organização produtiva da Ré, o que, admite-se, seria um indício de peso.
Contudo, trata-se de uma participação ilusória pois ficou provado que o estafeta é livre para escolher o seu horário (facto 35); É livre para decidir quando se liga e desliga da Plataforma (facto 36); E durante quanto tempo permanece ligado (facto 37); Sendo ainda livre para rejeitar e aceitar a ofertas de entrega que entender (facto 38); O que resulta na impossibilidade de a Ré saber quantos prestadores de atividade estarão com sessão iniciada na Plataforma em determinada altura, quantos deles se manterão conectados (e por quanto tempo) e, por fim, quantos aceitarão as ofertas de entrega disponibilizadas (facto 39); Não são raras as vezes em que as entregas não são realizadas por não existirem prestadores de atividade com sessão iniciada na Plataforma ou por nenhum prestador de atividade aceitar uma determinada oferta de entrega (facto 40); e o Prestador de Atividade pode passar, dias, semanas, meses sem se ligar à Plataforma, sem que daí resulte qualquer consequência para si (facto 41). Salienta-se que, no caso presente, ficou provado que o estafeta não se liga à plataforma desde o dia 23/10/2023, tendo-se voltado a ligar em março de 2024, permaneceu ligado durante cerca de quinze dias e não se voltou a ligar à plataforma (facto provado 43). E, nessa medida a “integração” do prestador de actividade na organização da Ré não assume a intensidade necessária para que possamos afirmar que está disponível, como qualquer trabalhador vinculado por um contrato de trabalho, para desenvolver a sua actividade para a Ré e sempre que esta precisar.
Consequentemente, resta concluir no sentido de que não ficaram provadas, pelo menos, duas das características a que alude o artigo 12.º do CT, pelo que não se presume a existência de um contrato de trabalho, bem como não se extrai do quadro factual indícios que permitam afirmar que entre AA e a Ré se estabeleceu um contrato de trabalho.
Improcede, pois, o recurso, devendo ser confirmada a sentença recorrida, embora com fundamentação não totalmente idêntica.
Decisão
Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isento o Recorrente (artigo 4.º n.º 1 al. a) do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique e registe.
Lisboa, 30 de Abril de 2025
Celina Nóbrega
Alves Duarte
Francisca Mendes