DIREITO DE PREFERÊNCIA
VENDA DE COISA CONJUNTAMENTE COM OUTRA
PREJUÍZO CONSIDERÁVEL
FUNDOS DE INVESTIMENTO
ARRENDATÁRIO
FRAÇÃO AUTÓNOMA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
PODERES DA RELAÇÃO
Sumário


Sumário1:

I. No regime do art.º 417.º do CC importa apurar se existe um prejuízo apreciável que justifique a exigência da venda em bloco, sem exercício da preferência em relação a parte do seu objecto.
II. Existe prejuízo apreciável existe se o obrigado à preferência alegou e demonstrou as razões fundadas para celebrar o negócio (venda conjunta):
- O interessado na venda conjunta não celebraria o negócio se não incluísse o conjunto;
- O obrigado à preferência é um fundo de investimento fechado cujo prazo de duração está fixado para meados de 2025, resultando da prova que já foi prorrogada a sua existência para permitir o desinvestimento necessário ao encerramento, inicialmente previsto para outras datas;
- O obrigado à preferência, no âmbito da politica de desinvestimento, decorrente do seu procedimento de liquidação, colocou à venda vários activos, entre eles o imóvel a que os autos se reportam, contratou diversas empresas de mediação mobiliária as quais, entre 2019 e 2022, enviaram informação comercial sobre o imóvel (conjunto das fracções) a cerca de 40 entidades distintas, com sucesso relativo, uma vez que, para além da proposta da potencial adquirente, apenas havia recebido uma outra, em Julho de 2019 pelo preço de € 6.500.000,00;
- O preço oferecido pela potencial adquirente [€ 14.250.000,00] é significativamente superior à soma das avaliações das fracções [€ 12.982.000,00 e € 13.049.000,00] que tiveram lugar em momento posterior à proposta da potencial adquirente [pontos 16 a 20 e 24 a 28 dos factos provados];
- As particularidades do caso concreto, em especial a falta de interessados no negócio ao longo dos anos de 2019 a 2021 e a potencial venda agora (2022) por valor significativamente superior à soma dos valores de mercado atribuídos às fracções (cerca de € 1.200.000,00, relativamente à melhor avaliação) revela, que a obrigada à preferência, abrindo mão do negócio proposto pela potencial adquirente, suportará um prejuízo apreciável e, assim, que lhe é licito opor-se à venda separada das fracções, ao invés do pretendido pela titular do direito de preferência.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Distribuidora de Livros Bertrand, LDA. instaurou contra Imopredial – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado acção especial de notificação para preferência.

Alegou, em resumo: ser arrendatária da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano sito em ... ou ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..92, prédio composto por outras duas fracções autónomas (“A” e “C”), propriedade do Réu; o Réu comunicou-lhe a intenção de proceder “à venda conjunta e indissociável dos Imóveis [frações “A”, “B” e “C”,] (…) a favor de L..., Lda”, tendo a transação projetada o preço de € 14.250.000,00 + IVA”; posteriormente, informou-a do valor unitário de cada uma das fracções, vindo a Autora a comunicar ao Réu que exercia o seu direito de preferência, quanto à fração “B”, pelo preço determinado pelo Réu (€ 2.700.000,00 + IVA).

Concluiu pedindo, que: i) se reconheça o direito de preferência da Autora limitado à fração “B”; ii) se reconheça que as frações “A”, “B” e “C”, podem ser vendidas separadamente sem que disso resulte, para o Réu, um prejuízo apreciável; iii) se notifique o Réu nos termos do artigo 1028.º, n.º 2, do CPC para, em 20 dias, celebrar o contrato de compra e venda com a Autora, sob pena da aplicação da tramitação ulterior prevista no referido normativo.

2. O Réu contestou; excepcionou o erro na forma do processo, argumentou que a preferência teve por objecto a venda conjunta de todas as fracçoes que integram o imóvel, uma vez que a venda separada das fracções lhe causa prejuízo apreciável e defendeu que a demonstração do prejuízo apreciável, exigida ao vendedor da coisa juntamente com outras por um preço global, não tem aplicação nos arrendamentos comerciais e apenas se aplica aos arrendamentos habitacionais.

Concluiu pela tramitação dos autos na forma de processo comum e, em qualquer caso, pela improcedência da acção.

3. Foi proferido despacho que conheceu da questão do erro na forma do processo julgando-a improcedente, afirmou, no mais, a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

4. Teve lugar a audiência final e depois foi proferida sentença, assim, concluída a final:

“Julgo a acção procedente, por provada e, em consequência decido:

I - Reconhecer o direito de preferência da Autora limitado à compra da fracção B do prédio urbano sito em ... ou ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..92, e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo matricial ...58;

II – Julgar improcedente a oposição deduzida pelo Réu e, em consequência, declarar que inexiste prejuízo apreciável na venda separada das fracções A, B e C do descrito prédio.

III – Condenar o Réu no cumprimento do disposto no artigo 1029.º, n.º3 (2.ª parte), do Código de Processo Civil, devendo celebrar com a Autora o negócio de compra e venda da fracção B no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado desta sentença.

5. O Réu recorreu da sentença, invocando erro na apreciação dos factos e na aplicação do Direito.

6. Respondeu a Autora por forma a defender a confirmação da sentença recorrida e requereu a ampliação do âmbito do recurso.

7. O Tribunal da Relação admitiu o recurso e decidiu:

Delibera-se, pelo exposto, na procedência do recurso, em revogar a sentença recorrida e em julgar improcedente a acção.”

8. O A. apresentou, então recurso de revista, onde formula as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 10/10/2024, o qual, baseando-se no disposto no n.º 1 do artigo 417.º e na redação dos n.ºs 5 a 7 do artigo 1091.º, ambos do Código Civil, considerou que “(...) vendida a coisa, objeto de preferência legal decorrente de arrendamento não habitacional, juntamente com outras por um preço global, constitui prejuízo apreciável para efeitos do exercício da preferência da coisa em separado, a demonstração pelo obrigado que deixaria de realizar o negócio (da globalidade)”.

2. No entender da Recorrente, o Acórdão recorrido faz uma errada aplicação e interpretação dos artigos 417.º e 1091.º n.ºs 5 a 7, ambos do Código Civil, e viola a lei de processo no julgamento dos pontos 23 e 29 da matéria de facto, em concreto dos artigos 607.º n.º 4, 663.º n.º 2 e 662.º n.º 1, todos do CPC.

3. No julgamento que faz dos pontos 23 e 29 da matéria de facto provada – expressamente impugnados pela ora recorrente em sede de ampliação de recurso – o TRE violou de forma grosseira os seus deveres processuais.

4. A Recorrente pôs em causa o julgamento do facto 23 com fundamento na prova testemunhal produzida e em documentos juntos aos autos em primeira instância e, em especial, com fundamento no teor de documento superveniente junto aos autos já em sede de recurso. O referido documento demonstra que a fração C terá sido objeto de arrendamento, com início em dezembro de 2023, pelo que a Recorrente requereu ao “Tribunal ad quem (que) proceda a uma alteração do teor do facto provado sob o n.º 23, refletindo este facto superveniente”.

5. Concretamente, requereu a Recorrente que tal facto fosse novamente julgado pelo TRE, requerendo que, a final, o mesmo fosse julgado do seguinte modo: “23) A fração C encontra-se devoluta, encontrando-se suspenso o processo do seu arrendamento. A fração C foi objeto de arrendamento o qual se iniciará em dezembro de 2023.” Não obstante ter admitido a junção aos autos do documento junto em fase de recurso pela ora Recorrente, o TRE julgou improcedente a impugnação da Recorrente exclusivamente com o seguinte fundamento: “A redação proposta parece ambígua; a fração não pode, a um mesmo tempo, estar devoluta e arrendada; dizendo uma coisa e o seu contrário, a referida redação não releva para – ao invés, embaraça – a solução de direito”.

6. Não se verifica, porém, qualquer ambiguidade na redação proposta pela Recorrente! Na verdade, a redação proposta – se vista à luz da cronologia dos factos –, limita-se a apresentar uma descrição sequencial e cronológica dos factos.

7. Na verdade, aquando da propositura da presente ação a fração C encontrava-se devoluta. Igualmente verdade é que, em 2022, foi suspenso o processo do seu arrendamento. Tais factos não são incompatíveis nem contraditórios com o facto de, no final de 2023 (um ano mais tarde!) ter sido acordado o arrendamento da referida fração, com início em dezembro desse ano, tal como demonstrado pelo documento n.º 1 junto aos autos pela Recorrente com a sua alegação em sede de recurso.

8. Ainda que assim não se entendesse – o que apenas por cautela de raciocínio é alegado – sempre teria o TRE que ter feito uso do poder-dever que para o mesmo resulta do artigo 662.º, n.º 1, do CPC. É que, como se refere no citado artigo “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

9. Ora, no caso dos autos impunha-se, pelo menos, revogar a decisão proferida no ponto 23 e dar como provado que: A fração C foi objeto de arrendamento, o qual se iniciará em dezembro de 2023. A circunstância de a Recorrente ter proposto uma redação que o TRE considera ambígua não desonera aquele Tribunal do julgamento que lhe foi pedido pela Recorrente. Com efeito, e como decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 4/07/2023 “A Relação, no julgamento da matéria de facto que lhe cumpre efetuar, nos termos do artigo 607.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil, por remissão do n.º 2 do seu artigo 663.º, n.º 2, e no uso do poder-dever conferido pelo artigo 662.º, n.º 1, daquele Código, não está sujeita às alegações das partes, podendo alterar, no condicionalismo previsto nas ditas normas a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1.ª instância, desde que funde a decisão nos factos alegados pelas partes.”

10. Com efeito, “À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 2, e 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC” (Acórdão do STJ, de 4/07/2023).

11. Ora, em nenhum momento, o TRE efetua o juízo crítico que lhe é imposto pelo n.º 4 do artigo 607.º do CPC, ex vi do disposto no artigo 663.º, n.º 2, particularmente relevante tendo em conta a apresentação de documento superveniente que demonstra que o arrendamento da fração C teria início em dezembro de 2023. Estribar a sua decisão apenas numa aparente ambiguidade do texto de decisão proposto pela Recorrente, além de violador das citadas normas processuais, equivale a uma denegação de um segundo grau de jurisdição no que respeita à matéria de facto.

12. Pelo que, ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 663.º, n.º 2, 607.º, n.ºs 4 e 5 e 662.º n.º 1, todos do CPC.

13. No ponto 29 da decisão proferida quanto à matéria de facto, é dado como provado o seguinte: "29) Caso a fração B seja adquirida pela Autora, a compradora L..., Lda não prosseguirá com o negócio que celebrou com o Réu”.

14. A prova deste facto resulta essencialmente de documentos (a saber, na proposta da L..., Lda, junta sob o doc. 1 com a Contestação, e num e-mail de 08/06/2022, junto sob o doc. 3 com a Contestação) que, além de terem sido expressamente impugnados pela ora Recorrente, não só não permitem extrair a conclusão pretendida pelo Tribunal, como impõem decisão diversa, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo!

15. Decorre dos citados documentos, oportunamente impugnados, que a referida proposta estava dependente da verificação de outras condições, não sendo, assim, uma proposta final e definitiva: ou seja, não sabemos se,a final,a L..., Lda iria ou não concretizar o negócio de compra das três frações, e igualmente ignoramos quais seriam os procedimentos e validações internos da L..., Lda, nem se o seu acionista viria, efetivamente, a validar a compra, havendo “questões de gestão interna do Fundo” a ultrapassar.

16. Deste modo, face à prova documental junta pelo próprio Recorrido, à ausência do referido despacho/comunicação formal da L..., Lda, essencial para a conclusão da compra, bem como à ausência de qualquer prova testemunhal por parte desta entidade para saber do seu interesse real, não deveria ter sido dado como provado o facto provado sob o número 29, pelo contrário, deveria tal decisão ter sido revogada pelo TRE como requerido pela ora Recorrente.

17. Porém, o TRE desatendeu a pretensão da ora Recorrente com fundamento na circunstância de a decisão proferida quanto à matéria de facto apenas dever ser alterada pela Relação quando os meios de prova produzidos assim o imponham (artigo 662.º n.º 1 do CPC), acrescentando, ainda: “a Recorrida visa a substituição da convicção de julgador pela convicção que ela própria adquiriu por via da leitura e interpretação dos documentos 1 a 3 juntos com a Contestação”.

18. Ora, no recurso da matéria de facto o que a Recorrente pretende, uma vez mais e também a propósito deste facto, é um segundo juízo crítico sobre a prova produzida que permita uma nova convicção por um diferente julgador e não apenas uma avaliação quanto à admissibilidade de interpretação diversa.

19. Numa segunda instância de recurso em matéria de facto impõe-se ao julgador uma nova análise crítica das “provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção” (cfr. artigo 607.º n.º 4 do CPC). Tal novo juízo encontra-se particularmente facilitado quando – como sucede in casu – a prova do facto impugnado resulta, no essencial, de documentos.

20. O referido juízo valorativo e crítico foi totalmente omitido pelo TRE. Verifica-se, assim, e uma vez mais, que, com a sua decisão, o TRE violou o disposto nos artigos 607.º, n.º 4, 663.º, n.º 2 e 662.º, n.º 1, todos do CPC.

21. No que diz respeito ao julgamento de Direito, o TRE, partindo da premissa de que estamos perante uma venda conjunta por preço global, concluiu que a separação das três frações objeto dessa venda conjunta traria efetivamente um prejuízo apreciável ao obrigado à preferência, com base em dois únicos argumentos: (i) O facto de se ter demonstrado que o interessado na compra das três frações (a empresa L..., Lda) apenas prosseguiria o negócio como um todo demonstra, por si só, a existência de um prejuízo sério para o obrigado à preferência na venda da coisa juntamente com outras; (ii) A falta de interessados no negócio nos anos de 2019 a 2021, após a colocação do imóvel à venda num contexto de alegado desinvestimento do fundo, e a circunstância de o valor da proposta da Logicor (a empresa interessada na compra conjunta) ser superior às duas avaliações realizadas do imóvel.

22. O TRE afirma que a sua decisão observa “a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça expressa no acórdão de 20/06/2013, citado pela decisão recorrida” (Acórdão da 2.ª secção do STJ, Proc. 1043/10.1TVLSB.L1.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro Serra Batista): sobretudo porque as particularidades do caso do autos se distanciam claramente daquele que aí foi julgado […].»

23. Ora, é por demais evidente que o caso dos autos não se distancia daquele que foi julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 20/06/2013, no qual se apoiou a decisão da 1.ª instância, e de cuja interpretação normativa o acórdão do tribunal a quo se afasta frontalmente.

24. Com efeito, em ambos os casos (o julgado no acórdão de 2013 e o dos presentes autos):

a) Estamos perante uma venda conjunta de um prédio urbano constituído em propriedade horizontal;

b) O arrendatário de uma das frações pretende adquirir a respetiva fração, ao abrigo da preferência que a lei lhe confere;

c) O obrigado à preferência alegou que essa separação causaria prejuízo apreciável, porquanto se a fração locada fosse separada do negócio, não conseguiria vender depois as restantes frações, nomeadamente aquelas que tinham (alegadamente) menor valor: no caso dos presentes autos, a fração C (por estar devoluta); no caso do citado acórdão de 2013, as frações dos pisos mais elevados por se encontrarem mais degradados;

d) O interessado na compra conjunta das frações perderia o interesse se a fração arrendada fosse retirada do negócio;

e) Não se provaram os factos alegados para demonstração de que a separação da fração locada causava efetivamente prejuízo ao vendedor, mas tão-somente que o interessado na compra conjunta perderia o interesse no negócio.

25. Como é sabido, constituía ónus do Recorrido, alegar e provar, em concreto, o invocado prejuízo apreciável na separação da coisa locada. E, de facto, este alegou esse prejuízo apreciável, afirmando que: (i) a venda conjunta maximizava o valor do ativo face à venda fracionada; (ii) a venda em separado da fração B desvalorizaria as outras duas frações; e (iii) não vendendo as 3 frações à L..., Lda (potencial compradora), não conseguiria vender integralmente o imóvel nos próximos anos.

26. Todavia, o obrigado à preferência, aqui Recorrido, não provou qualquer um dos factos por si alegados para demonstrar o invocado prejuízo apreciável, tendo ambas as instâncias considerado como não provado que: a) O valor do imóvel o seu conjunto é superior à soma do valor de cada uma das suas fracções. b) A venda isolada da fracção B leva à perda de valor ou desvalorização das restantes duas fracções, designadamente da fracção C que se encontra devoluta, e c) Perdendo o negócio com a L..., Lda o Réu não conseguirá vender integralmente o imóvel nos próximos anos.

27. Relativamente ao segundo argumento do acórdão recorrido para considerar verificado o prejuízo apreciável, este é igualmente contrariado pela decisão sobre a matéria de facto das duas instâncias: em primeiro lugar, no que respeita à alegada política de desinvestimento do Fundo, ficou provado que a sua duração pode ser prorrogada por uma ou mais vezes bem como que, ao longo dos anos, esta se tem prorrogado sucessivamente, pelo que jamais tais factos poderão justificar qualquer prejuízo, que de resto não foi concretamente alegado ou muito menos provado; em segundo lugar, quanto ao “sucesso relativo” da comercialização das frações do imóvel em causa, importa salientar que o Recorrido apenas promoveu a venda integral do imóvel (pontos 26 e 28 dos factos provados),pelo que esse alegado insucesso na venda do imóvel nada nos diz sobre o alegado prejuízo que resultaria da venda separada, uma vez esta modalidade de venda não era desejada e nunca foi tentada; em terceiro lugar, segundo o entendimento do próprio acórdão recorrido, não feita prova nos autos do valor global do imóvel, mas tão-somente das três frações que o compõem (ponto 24 dos factos provados e ponto a) dos factos não provados); por fim, a decisão sobre a matéria de facto das duas instâncias também infirma qualquer tese de que uma venda futura das frações A e C (consumada a venda da fração B à respetiva preferente) seria menos vantajosa ou de difícil concretização (ponto 30 dos factos provados, e pontos b) e c) dos factos não provados).

28. Ora, se, tal como sucedeu no caso supracitado, o obrigado à preferência nos presentes autos, aqui Recorrido, (i) não logrou provar nenhum dos factos que alegou para demonstrar o prejuízo apreciável (ii) nem constitui prova desse prejuízo a mera demonstração do desinteresse do potencial comprador na compra separada das restantes frações, a decisão só poderia ter sido uma, a saber a improcedência do recurso de apelação e a confirmação da douta sentença de primeira instância.

29. O TRE socorre-se ainda do disposto nos n.ºs 1, al. a) e 5 a 7 do artigo 1091.º do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, normas estritamente aplicáveis ao arrendamento para fins habitacionais, para retirar “um elemento interpretativo” em favor da sua tese de que, no caso dos arrendamentos para fins não habitacionais, (como é o caso dos presentes autos) a mera contratualização da não redução do negócio (ou seja, a demonstração de que o potencial comprador apenas celebraria o negócio caso o mesmo incluísse as 3 frações) constitui “prejuízo apreciável” nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do art.º 417.º do CC.

30. Não se afirma no acórdão recorrido que o regime aplicável aos arrendamentos não habitacionais mudou em 2018: o Tribunal a quo defende que a aludida alteração veio fornecer um argumento a contrario sensu à interpretação do n.º 1 do artigo 417.º do CC que o Tribunal considera ser a correta (desde sempre).

31. A decisão do legislador de introduzir no n.º 7 do artigo 1091.º do CC, no âmbito do arrendamento habitacional, que na comunicação da preferência se deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, “não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo”, jamais pode ser interpretada no sentido pugnado pelo TRE.

32. Conforme doutamente decidido pela 1.ª instância, o disposto nos n.ºs 6 a 9 do artigo 1091.º do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, aplicável ao arrendamento para fins habitacionais, apenas se refere às formalidades a cumprir no momento da comunicação para preferência, não alterando em nada o regime constante do artigo 417.º do CC.

33. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional 299/2020, quando se refere às alterações introduzidas pela Lei n.º 64/2018 ao artigo 1091.º do CC, destaca, precisamente, a “densificação do conteúdo da comunicação para preferência na venda de coisas conjuntamente com outras (n.ºs 6 e 7)”.

34. A admitir-se a interpretação efetuada pelo TRE, no sentido de que, no caso dos arrendamentos não habitacionais, basta ao obrigado à preferência invocar e demonstrar a não redução do negócio para se verificar a existência de um prejuízo apreciável (e assim obrigar o preferente a comprar tudo ou nada), levaria a uma situação absurda de total esvaziamento do regime previsto no artigo 417.º, n.º 1, do CC relativamente aos arrendamentos não habitacionais.

35. Em suma, o facto de o legislador ter adicionado critérios formais mais apertados para a comunicação da preferência de arrendamentos habitacionais não pode implicar, por si só, que aligeirou os critérios substantivos previstos no n.º 1 do artigo 417.º do CC, aplicáveis aos arrendamentos habitacionais e não habitacionais.

36. Se o obrigado pretender que a venda abranja outros bens para além do locado (cfr. Parte final do n.º1 do artigo 417.ºCC),é seu ,evidentemente, o ónus de alegar e provar os factos constitutivos do seu direito (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC), incluindo, naturalmente, os eventuais prejuízos decorrentes da não redução do negócio. Pelo que, mal andou o Ac. recorrido, ao considerar que a mera contratualização da não redução do negócio é suficiente para demonstrar o prejuízo apreciável da separação da coisa locada.

37. Tendo em consideração todo o exposto, a jurisprudência que se formou sobre a aplicação do n.º 1 do artigo 417.º do CC, nomeadamente os citados acórdãos do STJ de 20/06/2013 e de 02/06/2020, mantém-se inteiramente válida: a mera contratualização da não redução do negócio não prova, por si só, a existência de prejuízo apreciável.

38. Decorre desta jurisprudência que não há prejuízo apreciável quando: i) a venda separada das frações não causa dano material a alguma delas; ii) não esteja provado que a venda conjunta das coisas valha mais do que valeria a venda individual de cada uma delas; iii) não esteja provado que o exercício da preferência em relação à coisa locada impeça a venda das restantes a terceiros.

39. Não basta, assim, a prova da contratualização da não redução do negócio: é necessário que se faça prova que da frustração desse negócio decorre, objetivamente e em concreto, um prejuízo apreciável.

40. Em face do exposto, é inequívoco que a interpretação que o Ac. recorrido efetuou da noção de prejuízo apreciável vertida no n.º 1 do artigo 417.º do CC – abdicando da indagação sobre a efetiva verificação desse prejuízo e confundindo-o, na verdade, com o interesse do comprador – viola este normativo e contraria a jurisprudência dos Tribunais superiores, bem como a doutrina, impondo-se a sua revogação e substituição por outro que reconheça o direito de preferência da Recorrente sobre a fração locada.

41. Esta aferição em concreto do prejuízo decorrente da separação pela não realização do negócio projetado – ou por outra circunstância, uma vez que a contratualização da não redução do negócio, que sabemos já não ser condição suficiente, também não é sequer uma condição necessária à verificação de prejuízo apreciável – é um elemento essencial do regime previsto no n.º 1 do artigo 417.º do CC.

42. Para obstar ao exercício do direito de preferência parcial da Recorrente, o Recorrido teria de ter demonstrado que a não redução do negócio projetado lhe causaria um prejuízo (o que não fez) e que esse prejuízo seria sério ou considerável (o que também não fez). Se assim não fosse, o titular do direito de preferência teria de aceitar a vontade do obrigado à preferência na venda da coisa em conjunto com outras, sempre que ficasse demonstrada a contratualização da não redução do negócio, mesmo que se demonstrasse também – concreta e objetivamente – que não existiria qualquer prejuízo, ou até que havia mais-valia na venda das coisas em separado!

43. O Tribunal a quo violou assim, com a sua decisão, o n.º 1 do artigo 417.º do CC.

44. Os factos provados sob os pontos 24 e 25 dão conta da existência de duas avaliações de cada uma das três frações, realizadas na mesma data (14/04/2022), por duas entidades avaliadoras.

45. Para além destas, existe uma outra avaliação nos autos, elaborada pela CBRE, realizada poucos meses após aquelas duas avaliações, datada de 31/10/2022, de duas frações do imóvel (frações A e C), avaliação essa que atribui à fração A o valor de €12.444.000 e à fração C o valor de €2.260.700;pelo que, só o valor das frações A e C, no montante global de € 14.704.700, ultrapassa já a soma dos valores atribuídos às três frações pelos dois relatórios de avaliação supramencionados.

46. Assim, no presente caso, é efetivamente possível concluir, face à prova documental produzida, que a venda em separado das três frações seria seguramente mais vantajosa para o Recorrido do que a projetada venda conjunta, porquanto:

a) O valor proposto para a aquisição das três frações, por parte do potencial comprador, foi de € 14.250.000;

b) O valor proposto pelo Recorrido, aceite pela Recorrente, para a aquisição da fração B, é de € 2.700.000;

c) O valor atribuído pela CBRE avaliadora às frações A e C é de € 12.444.000 e € 2.260.700, respetivamente, perfazendo, só estas duas frações, a quantia de € 14.704.700.

47. Tendo o relatório de avaliação da CBRE atribuído à fração A o valor de € 12.444.000 e à fração C o valor de € 2.260.700, tais montantes são superiores em cerca de 27% (cerca de € 3.850.000) relativamente aos valores atribuídos pelo Recorrido às mencionadas frações na comunicação para preferência!

48. O negócio projetado com o potencial comprador, esse sim, teria causado ao Recorrido um prejuízo apreciável, uma vez que a venda integral e simultânea do imóvel implicaria a sua desvalorização de forma substancial.

49. Na escassa fundamentação da decisão que julgou procedente o recurso interposto pelo obrigado à preferência o Tribunal a quo mencionou que o preço oferecido pelo potencial comprador, de € 14.250.000 é “significativamente superior à soma das avaliações das frações [€ 12.982.000 e € 13.049.000] que tiveram lugar em momento posterior à proposta da L..., Lda”.

50. Ora, a afirmação de que o preço oferecido pelo potencial comprador “é superior à soma da avaliação das três frações” não se pode considerar correta, tendo em consideração o resultado da mencionada avaliação da CBRE junta aos autos.

51. Por outro lado, esta afirmação entra em contradição intrínseca com a própria fundamentação do acórdão recorrido quando neste se assinala que a proposta do potencial comprador não passa de uma manifestação de vontade de adquirir o imóvel por determinado preço, facto que “podendo concorrer (o preço de compra e venda) para a avaliação de um determinado imóvel, não constitui uma avaliação, [sendo] realidades diferentes e, assim, insuscetíveis de comparação”, afirmando ainda que “a inexistência de prova do valor do imóvel no seu conjunto obsta, por definição, a que se apreendam eventuais desvalorizações decorrentes da venda isolada das suas frações”.

52. Da Fundamentação constante do Ac. recorrido, resulta expressamente que o TRE (em sede de apreciação da matéria de facto)desvaloriza o resultado das avaliações das frações para apreciação do valor do imóvel no seu conjunto, considerando que se tratam de meras somas aritméticas, e não de uma avaliação do imóvel no seu todo, e que não se pode, de modo algum, comparar propostas de compra com avaliações. Pelo que, não se compreende por que razão o TRE, em sede de apreciação do Direito, menciona que o valor oferecido pelo potencial comprador – pelo conjunto do imóvel, na sua globalidade – é superior à soma das avaliações das frações, sem ter em consideração, para a mesma finalidade, a avaliação da CBRE, bem como o valor aceite pela Recorrente para aquisição da fração B.

53. Não se descortinam razões que justifiquem que o Tribunal a quo, ainda que à revelia da sua própria fundamentação, tenha comparado a proposta de compra do potencial comprador com o resultado das avaliações unitárias das frações resultante dos relatórios juntos pelo Recorrido, desconsiderando em absoluto a avaliação da CBRE.

54. Assim, da própria fundamentação do acórdão do Tribunal a quo, só pode resultar que o argumento de que o preço oferecido pelo potencial comprador é superior ao resultado das avaliações unitárias das três frações – sendo, todavia, significativamente inferior à avaliação junta pela Recorrente – nada nos diz sobre a existência de qualquer prejuízo apreciável decorrente da separação das frações a vender.

55. Em suma, recaindo sobre o obrigado à preferência, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 417.º do CC, o ónus de demonstrar o prejuízo apreciável para impor ao preferente a venda conjunta, demonstração que não logrou, apenas se poderia concluir, como concluiu a 1.ª Instância, que inexiste qualquer prejuízo apreciável pela separação das frações que o obrigado à preferência pretendia vender conjuntamente, devendo revogar-se o Ac. recorrido e reconhecer-se o direito da Recorrida ao exercício do direito de preferência sobre a fração locada.

56. Finalmente, o Ac. recorrido considera que se está perante a venda de uma coisa, objeto de preferência legal decorrente de arrendamento não habitacional, juntamente com outras por um preço global, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 417.º do CC, para fundamentar a sua decisão.

57. Todavia, tendo em consideração os factos provados, essencialmente, sob os n.ºs 10 e 11, in casu, é inaplicável o disposto no artigo 417.º, n.º 1, do CC relativo à “venda da coisa juntamente com outras, por um preço global”. Efetivamente, foi o Recorrido quem determinou e comunicou à Recorrente, por carta datada de 28/04/2022, o preço autonomamente atribuído a cada uma das frações a alienar.

58. Verifica-se que o preço global que o Recorrido havia adiantado corresponde à mera soma dos três preços individualmente indicados, pelo que a situação sub judice não se subsume à venda conjunta para efeitos do disposto no artigo 417.º do CC.

59. O Recorrido não questionou, em momento algum, o preço que atribuiu à fração B e a cada uma das outras frações, o que reforça o entendimento de que a cada uma das frações corresponde um preço individual, fixado pelo Recorrido, e não um preço global.

60. O Recorrido nunca invocou que o preço que individualmente atribuiu à fração B e às demais corresponderia a um mero valor proporcional de um preço global a pagar pelo conjunto das frações.

61. O valor atribuído à fração B não resulta de uma mera aplicação aritmética das proporções das áreas/permilagens das frações em causa, nem decorre de qualquer outro critério de proporcionalidade que pudesse indiciar que o valor de € 14.250.000 se trataria de um preço global.

62. Pelo que é inaplicável, in casu, o disposto no artigo 417.º do CC, por não se tratar de uma venda conjunta por um preço global, mas antes de uma venda de três frações autónomas, com preços concretos e especificados para cada uma delas, pelo que também estas razões impunham que se considerasse válido o exercício do direito de preferência parcial da Recorrente nos exatos termos peticionados. 63. Face ao exposto, impõe-se concluir que o Acórdão recorrido violou o artigo 417.º n.º 1 do Código Civil.”

9. O R. respondeu, concluindo:

“A. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não é passível de recurso de revista, salvo nos casos expressamente previstos na lei, nomeadamente quando exista ofensa de uma disposição que exija determinada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de certo meio de prova.

B. O Tribunal a quo, ao proceder à valoração autónoma dos meios de prova apreciados em primeira instância, respeitou o princípio da livre convicção do julgador, sem violar qualquer norma ou regra de direito probatório, e concluiu, de forma fundamentada, que os factos provados 23 e 29 não impunham decisão diversa da tomada pela primeira instância.

C. A discussão de direito dos presentes autos centra-se na análise da legitimidade do exercício do direito de preferência limitado perante uma venda global de um imóvel, no qual a fração arrendada pela Recorrente, para efeitos não habitacionais, está inserida.

D. Nos termos implícitos da lei, no arrendamento não habitacional, a mera contratualização da não redução do negócio comporta um prejuízo sério que o obrigado à preferência pode invocar para obstar à separação da coisa na venda juntamente com outras por um preço global, salvo exercício abusivo desse direito.

E. No caso dos autos, o exercício do direito de preferência pela Recorrente, de forma limitada e apenas sobre a fração arrendada, constitui um prejuízo apreciável para o Recorrido, uma vez que inviabiliza a concretização de um negócio global objetivamente mais vantajoso.

F. O prejuízo sério decorrente da venda separada da fração e a consequente frustração do negócio pela sua globalidade compromete o objetivo do Recorrido em concretizar a venda total do imóvel (que vem sendo perseguido, sem sucesso, desde 2019), o que revela ser particularmente prejudicial em face da sua política de desinvestimento estratégico em curso, o que reforça a razoabilidade e a fundamentação da oposição do Recorrido ao exercício do direito de preferência pela Recorrente.

G. A ausência de determinados factos da lista de factos provados, com aceitação da

sua não inclusão por parte da parte interessada, impede a sua consideração por parte do Tribunal a quo.

H. O facto de a cada fração do imóvel, constituído em propriedade horizontal, ser atribuído um preço específico após solicitação expressa por parte da Recorrente não constitui qualquer reconhecimento de que o preço a pagar pelo terceiro não corresponde a um preço global para aquisição da totalidade do imóvel.”

O R. juntou parecer de jurisconsulto.

10. O recurso foi admitido no Tribunal recorrido com a prolação do despacho “Admito o recurso interposto que é de revista. Subam os autos ao Colendo S.T.J.”

Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

De facto

11. Factos Provados

1) A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto consiste no comércio por grosso de livros, revistas e jornais.

2) O Réu é um fundo de investimento imobiliário fechado, registado na CMVM com o código ISIN ..........01, originariamente constituído em 17/05/2001, como BANIF IMOPREDIAL – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO, tendo sido objeto de transformação em 18/06/2017.

3) O Réu é proprietário de três fracções autónomas, designadas pelas letras A, B e C, que compõem o prédio urbano sito em ... ou ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..92, e inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo matricial ...58.

4) No dia 1 de julho de 2008, a Autora e o Réu celebraram um contrato-promessa de arrendamento não habitacional da área total de 6.023 m2, correspondente à soma de 5.402 m2 de armazém e 621 m2 de escritórios.

5) No dia 01/03/2012, a Autora e o Réu – respetivamente inquilina e senhorio – celebraram um contrato de arrendamento não habitacional com prazo certo, relativamente à fracção autónoma designada pela letra B.

6) Nos termos da cláusula segunda do referido Contrato de Arrendamento, as partes acordaram o início de vigência do mesmo em 1 de janeiro de 2010 e termo em 31 de maio de 2013, sendo automaticamente renovado por períodos sucessivos de um ano.

7) Contrato esse que, em 11/04/2014, foi objeto de um primeiro aditamento, em que foi prorrogado o prazo inicial do Contrato de Arrendamento por dois anos.

8) Em 22/02/2021, foi realizado, entre as partes, um segundo aditamento ao mencionado contrato de arrendamento, nos termos do qual as partes acordaram prorrogar o prazo do contrato por um período adicional de 2 anos, passando o mesmo a ter, assim, o seu termo no dia 31 de maio de 2023, passando a ser automaticamente renovável por períodos de três anos, salvo oposição à renovação por uma das partes com uma antecedência mínima de 12 meses, ao invés de 180 dias.

9) No dia 30/03/2022, a sociedade comercial D..., Unipessoal, Lda na qualidade de procuradora do Réu, enviou à Autora uma carta onde constam, designadamente, os seguintes dizeres:2

“(…) Imopredial – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (…) na qualidade de proprietário (o Vendedor) das fracções autónomas abaixo melhor identificadas e doravante designadas por Imóveis vem, pela presente, comunicar as V. Exas a intenção do Vendedor de proceder à venda conjunta e indissociável dos Imóveis a favor de L..., Lda, (a Compradora)

Imóveis:

Fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B” e “C” pertencentes ao prédio urbano sito em ... ou ... (…)

(…)

No termos do disposto no artigo 1091 do Código Civil, na actual redacção, gozam V. Exas, na qualidade de arrendatários da Fracção “B” supra identificada há mais de 2 (dois) anos, do direito de preferência na venda ou dação em cumprimento da mesma. Para efeito do direito de preferência enquanto arrendatária da referida Fracção, nos termos e ao abrigo do artº 416º e no número 4 do artigo 1091, do Código Civil, informamos das principais cláusulas do projecto de compra e venda (a “Transacção Projectada”):

1. Preço:

O preço global da Transacção Projectada é de € 14.250.000,00 + IVA (Renúncia à Isenção de IVA) (o Preço).

2. Condições de pagamento:

(…)

6. Demais Condições do Negócio:

Sendo o objecto da Transacção Projectada a totalidade das fracções de que o Vendedor é proprietário (fracções autónomas designadas pelas letras “A”, “B” e “C”) expressamos o entendimento do Vendedor de que existe prejuízo apreciável em caso de separação do objecto do negócio, nos termos do artigo 417º do Código Civil, uma vez que a Transacção Projectada, ficaria sem efeito, sofrendo o vendedor, para além dos danos emergentes relativos aos custos incorridos, os lucros cessantes resultantes da não conclusão do negócio, especialmente tendo em consideração a inexistência de procura no mercado para a compra de fracções isoladas para fins não habitacionais (em contraposição à procura existente neste mercado específico para múltiplas fracções com oferta variada num mesmo edifício). Neste contexto, o exercício do direito de preferência parcial – relativo apenas à Fracção de que V. Exas são arrendatários – representa um prejuízo sério para o vendedor, razão pela qual o direito de preferência de que V. Exas são titulares deverá ser exercido sobre a totalidade das fracções de que o Vendedor é proprietário.

O prazo para exercício da preferência, nos termos antecedentes, é de 30 (trinta) dias (…)”

10) Em resposta, a Autora, por carta datada de 19/04/2022, solicitou ao Réu que lhe fossem enviados determinados elementos que considerava necessários e essenciais sobre a transação projectada, designadamente: os preços atribuídos a cada uma das fracções; e, a demonstração da alegada existência de “prejuízo apreciável” em caso de venda separada.

11) Em resposta, a D..., Unipessoal, Lda respondeu por carta datada de 28/04/2022 e recebida em 29/04/2022, informando, designadamente: o preço atribuído a cada uma das frações: Fracção A € 9.485.000,00 + IVA; Fracção B € 2.700.000,00 + IVA; Fracção C 2.065.000,00 + IVA; reiterando que o vendedor apenas pretendia vender os imóveis em conjunto, uma vez que a venda em separado consubstanciaria um prejuízo importante e apreciável, na medida em que a projetada compra e venda ficaria sem efeito (pois o comprador perderia o interesse em prosseguir com a transação projetada face à desvalorização daí decorrente) e o valor global dos ativos depreciar-se-ia significativamente para o Fundo.

12) A Autora, através de carta datada de 27/05/2022, comunicou ao Réu, que exercia o seu direito de preferência, adquirindo a fracção B de que é arrendatária, pelo preço determinado pelo Réu, de € 2.700.000,00 + IVA, e nas demais condições definidas pelo vendedor relativamente às condições de pagamento e data da escritura.

13) A Autora enviou nova comunicação à D..., Unipessoal, Lda, em 02/06/2022, reiterando o exercício do direito de preferência quanto à aquisição da fracção B e solicitando, ao abrigo do disposto no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, que fosse informada sobre o dia e hora exatos e o Cartório Notarial em que seria outorgada a escritura pública de compra e venda da mencionada fracção B.

14) Em resposta, a D..., Unipessoal, Lda disse, através de comunicação datada de 07/06/2022, que nunca a Autora fora notificada para o exercício do direito de preferência na aquisição da fracção B, mas antes para a compra conjunta das três frações em causa, pelo que considerava que o direito de preferência não havia sido exercido.

15) Nessa sequência, a Autora, por carta datada de 15/06/2022, reiterou a sua intenção em adquirir, por força do exercício do seu direito legal de preferência, a mencionada fracção B, mais informando que, em face da sua comunicação de 02/06/2022, o vendedor estava já em mora, pelo que deveria proceder de imediato à marcação da escritura pública.

16) O Réu iniciou a sua atividade, enquanto Fundo de Investimento Imobiliário Fechado de Subscrição particular, em 18 de junho de 2017 e teve a sua duração inicial fixada em dois anos, suscetível de ser prorrogada por uma ou mais vezes por períodos não superiores ao período inicial.

17) Ao longo dos anos, tem vindo a ser prorrogado o prazo de duração do Réu, para possibilitar a execução de uma política de desinvestimento.

18) Em 18 de maio de 2022, a assembleia de participantes do Réu deliberou, uma vez mais, a prorrogação da sua duração por um período adicional de 2 (dois) anos, ou seja, até 18 de junho de 2025, data em que entrará em liquidação, caso os participantes não decidam prorrogar o seu prazo de duração.

19) Em cumprimento da estratégia de desinvestimento, o Réu colocou o referido imóvel, à semelhança dos demais activos por si detidos, no mercado para alienação.

20) No dia 25 de março de 2022 o Réu recebeu uma proposta de compra integral do imóvel, isto é, o conjunto de todas as suas três fracções, a qual foi apresentada pela empresa L..., Lda, pelo preço de € 14.250.000,00 acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado.

21) No dia 29 de março de 2022, o Réu aceitou a referida proposta apresentada pela empresa L..., Lda, ficando, apenas, por formalizar a acordada alienação (mantido pela Relação).

22) Desde o final da sua construção, em julho de 2008, e até ao arrendamento da fracção A pela empresa C........, que se iniciou em setembro de 2018, o Imóvel só teve um inquilino na fração “B” arrendado à Autora desde julho de 2008, com exceção de um arrendamento por dezasseis meses na fração C (entre maio de 2010 e agosto de 2011) e outro na fração A por um período de seis meses e meio (entre março de 2011 e setembro de 2011).

23) A fracção C encontra-se devoluta, sem perspectiva de arrendamento a curto prazo (Por irrelevante para a solução de direito, a impugnação improcedeu – TR).

24) Por relatório datado de 14/04/2022, a avaliadora Benege, estimou o valor total das fracções autónomas que integram o imóvel em € 12.982.000,00, correspondente à soma do valor de € 8.615.000,00 da fracção A, com o valor de € 2.481.000,00 da fracção B e com o valor de € 1.886.000,00 da fracção C.

25) Por relatório datado de 14/04/2022, a avaliadora Cerat estimou o valor total das frações autónomas que integram o Imóvel em € 13.049.000,00, correspondente à soma do valor de € 8.825.400,00 da fracção A, com o valor de € 2.418.300,00 da fracção B e com o valor de € 1.805.300,00 da fracção C.

26) O Réu, nos últimos dois anos, contratou diversas empresas de mediação imobiliária a operar em Portugal para que promovessem a venda integral do imóvel, sendo a proposta apresentada pela empresa L..., Lda a única que recebeu em Janeiro de 2022.

27) Durante os anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, as referidas empresas de mediação imobiliária enviaram informação comercial sobre o Imóvel do Réu a cerca de 40 entidades distintas, tendo todas elas se escusado a apresentar qualquer proposta de aquisição do imóvel, com exceção da empresa L..., S.L., que em julho de 2019 apresentou uma proposta de compra do imóvel, pelo preço de € 6.500.000, que foi liminarmente rejeitada em razão da diferença face ao valor de mercado do imóvel.

28) A estratégia de venda adoptada foi de venda conjunta das fracções, tendo sido desse modo que foi publicitado o imóvel e apresentado aos investidores institucionais.

29) Caso a fracção B seja adquirida pela Autora, a compradora L..., Lda não prosseguirá com o negócio que celebrou com o Réu (mantido pela Relação).

30) Após início da pandemia Covid-19, registou-se um forte incremento no investimento em imobiliário de industrial e logística.

12. Factos não provados:

a) O valor do imóvel no seu conjunto é superior à soma do valor de cada uma das suas fracções (mantido pela Relação).

b) A venda isolada da fracção B leva à perda de valor ou desvalorização das restantes duas fracções, designadamente da fracção C que se encontra devoluta (mantido pela Relação).

c) Perdendo o negócio com a L..., Lda, o Réu não conseguirá vender integralmente o imóvel nos próximos anos (rejeitado o conhecimento da impugnação do facto, por não cumprimento dos ónus do 640.º).

De Direito

13. Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº4 e 608º, nº2 e 663, nº2 do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, importa decidir:

- Saber se a impugnação da matéria de facto – relativa ao ponto 23 e 29 dos factos provados – violou a lei - artigos 663.º, n.º 2, 607.º, n.ºs 4 e 5 e 662.º n.º 1, todos do CPC;

-saber se estamos perante uma venda conjunta sujeita ao regime do art.º 417.º do CC – saber se é devida uma aplicação de regime diverso do do acórdão de 20/06/2013 citado pelo tribunal a quo (Proc. 1043/10.1TVLSB.L1.S1)

14. Tendo sido apresentado parecer de jurisconsulto, juntamente com as contra-alegações do recurso, admite-se a sua junção nos termos do art.º 651.º, n.º1 do CPC.

15. Entrando na análise da primeira questão do recurso – relativa à impugnação da matéria de facto.

São questionados dos pontos da impugnação da matéria de facto, relativos a factos provados – 23 e 29.

O recorrente entende que não foram observadas as disposições legais e que o tribunal não cumpriu os seus deveres legais, nomeadamente os dispostos no art.º 661.º do CPC.

Cumpre esclarecer que o STJ só conhece de direito e não pode alterar os factos provados e não provados nas circunstâncias específicas a que se reporta o art.º 674.º, n.3 e 682.º, n.º2 do CPC.

A alegação da recorrente sobre a violação do regime legal imposto ao Tribunal de Relação na apelação visou dois pontos:

- ponto 23 dos fp;

- ponto 29 dos fp.

O ponto 23 dos factos provados não foi objecto de conhecimento aprofundado pelo TR por este tribunal ter considerado que esse ponto não teria qualquer relevo para a aplicação do direito. Foi assim a proibição de prática de acto inútil que conduziu ao resultado. Se porventura o Tribunal tivesse conhecido da impugnação tivesse dado razão ao recorrente, mas é certo que a lei não pretende que se conheçam de questões senão na medida da sua função útil para o desfecho da causa.

Ora, nas alegações da revista, a recorrente não cura deste aspecto – que foi o decisivo – e que não pode deixar de se considerar como correspondendo a uma visão correcta do problema da aplicação do direito à questão colocada na presente acção – há ou não direito de preferência.

Por este motivo, não se reputa ter havido violação do regime do art.º 662.º ou de outra disposição legal, improcedendo a questão.

Quanto ao ponto 29 – por não se estar perante um ponto de impugnação em que seja aplicável o regime do art.º 674.º, n.3 e 682.º, n.º2 do CPC – não estando em causa meios de prova de valor fixado – não pode este tribunal conhecer da pretendida alteração.

16. Vejamos agora a questão jurídica de aplicação do direito aos factos provados, à luz do pedido do A. e defesa do R. – em que a questão da interpretação do regime do arrendamento urbano com as alterações de 2018 à luz do art.º 417.º CC deixam de assumir importância - ao contrário do que a recorrente pretende nas conclusões 30 e 31.

30. Não se afirma no acórdão recorrido que o regime aplicável aos arrendamentos não habitacionais mudou em 2018: o Tribunal a quo defende que a aludida alteração veio fornecer um argumento a contrario sensu à interpretação do n.º 1 do artigo 417.º do CC que o Tribunal considera ser a correta (desde sempre).

31.A decisão do legislador de introduzir no n.º 7 do artigo 1091.º do CC, no âmbito do arrendamento habitacional, que na comunicação da preferência se deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, “não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo”, jamais pode ser interpretada no sentido pugnado pelo TRE.)

A sentença, depois de considerar que a R., não provou, como lhe incumbia, o prejuízo apreciável com a venda isolada da fracção autónoma, designada pela letra B, do prédio urbano sito em ... ou ..., em confronto com a venda conjunta de todas as fracções que integram o imóvel (“A”, “B” e “C”), reconheceu à A. o direito de preferência limitado à compra da fracção B.

Para este resultado foi fundamental o percurso lógico adoptado pelo tribunal, que explicou o direito aplicável e procedeu à sua aplicação aos factos provados, com a seguinte fundamentação:

“In casu, temos que o Réu invoca para fundamentar o prejuízo apreciável que: o valor do imóvel no seu conjunto é superior à soma de cada uma das fracções, a previsão de que perdendo este negócio não conseguirá vender integralmente o imóvel nos próximos anos e, por fim, que a compradora L..., Lda apenas aceita adquirir o imóvel no seu conjunto, sendo que querendo a Autora exercer a preferência em relação à fracção B, aquela desistirá do negócio.

Da factualidade provada resulta, com relevância, que caso a Autora exerça o direito de preferência a L..., Lda desistirá do negócio.

Porém, resultou não provado, que o valor do imóvel no seu conjunto é superior à soma de cada uma das suas fracções, bem como que, perdendo este negócio o Réu não logrará vender o imóvel integralmente nos próximos anos.

Assim, cumpre ao tribunal decidir se o facto da compradora desistir do negócio é ou não razão para que se considere que da venda separada resulta prejuízo apreciável para o Réu.

Resultou demonstrado, com relevância, para esta análise, que apesar dos esforços encetados para a venda nenhum investidor institucional, com excepção da L..., Lda, mostrou interesse na aquisição integral do imóvel.

Porém, a relevância deste facto deve ser analisada à luz dos demais factos provados, nomeadamente de que o Réu apenas tentou a venda integral do imóvel.

Assim, se é verdade que o Réu provou a falta de interesse do mercado para a aquisição integral do imóvel, a verdade é que não resulta da factualidade a falta de interesse para a aquisição parcial do mesmo, isto é, fracção a fracção.

Bem como, não resultou da factualidade que a venda fraccionada traga prejuízo para o Réu, designadamente por o imóvel no seu conjunto valer mais, pois - conforme já acima adiantámos em sede de fundamentação de facto - a situação de existir uma proposta de compra superior à avaliação, não pode significar à contrário que tentando-se a venda fraccionada não se lograsse obter igualmente um valor superior àquela para cada uma das fracções.

Por outro lado, resultando demonstrado que o mercado imobiliário de logística está em alta, mais razões existem para que se entenda, por um lado, que seria possível a obtenção de valor idêntico ou superior pelo Réu na venda fraccionada e, por outro lado, que soçobrando o negócio não fica de todo afastada a possibilidade do Réu proceder à venda do imóvel nos próximos anos.

Por fim, cumpre salientar que as razões em concreto pelas quais a compradora L..., Lda quer a aquisição global do prédio não foram alegadas e/ou demonstradas, sendo que as mesmas poderiam ser eventualmente atendíveis no sentido do tribunal considerar que se sobrepunham ao direito da Autora – conforme referido no acórdão do STJ supra citado.

Em face de todo o exposto, entende o tribunal que o facto de resultar provado que a compradora L..., Lda desistirá do negócio caso a Autora adquira a fracção B, não é razão suficiente para que in casu se conclua que com a venda fraccionada resultará para o Réu um prejuízo apreciável.”

O Tribunal da Relação inverteu a decisão, considerando improcedente a acção.

Para o efeito este segundo Tribunal justificou a decisão, nos seguintes termos:

“Os números 1, al. a) e 5 a 7 do artigo 1091º do Código Civil (na redacção da Lei n.º 64/2018, de 29/10) estabelecem o seguinte:

“1 - O arrendatário tem direito de preferência:

a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes;

(…)

5 - É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes.

6 - No caso de venda de coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417.º, o obrigado indica na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto.

7 - Quando seja aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º, a comunicação referida no número anterior deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo. (…)”

À preferência legal do arrendatário aplica-se, com as necessárias adaptações, a disciplina dos artigos 416.º a 418.º, do Código Civil, relativa às preferências convencionais e o regime da acção de preferência prevista no artº 1410.º do mesmo Código, sem prejuízo das especificidades previstas para o arrendamento com fins habitacionais.

Entre estas especificidades contam-se a que regem a actuação do obrigado à preferência quando, em caso de venda da coisa juntamente com outras, por um preço global, exija que a preferência abranja o conjunto das coisas vendidas, situação em que a comunicação para o exercício da preferência deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo [nº7].

Deste regime retira-se, com relevo para os autos, se bem vemos, um efeito e um elemento interpretativo; o efeito: em caso de exercício de preferência por arrendatário não habitacional aplica-se, com as necessárias adaptações, mas sem especificidades, a disciplina prevista nos referidos artºs 416.º a 418.º; o elemento interpretativo: na preferência do arrendatário para fins não habitacionais, a mera contratualização da não redução do negócio constitui fundamento do prejuízo apreciável previsto na última parte do artº 417º, nº1 do Código Civil (a especificidade exige, por definição, uma regra geral com sentido distinto, isto é, se o legislador não admitisse, em regra, que a mera contratualização da não redução do negócio, comporta um prejuízo sério para o obrigado à preferência na venda da coisa juntamente com outras, a especificidade prevista para os arrendamentos habitacionais seria escusada e não passaria de letra morta).

A mera contratualização da não redução do negócio comporta, na valoração implícita da lei, um prejuízo sério que o obrigado à preferência, no arrendamento não habitacional, pode invocar para obstar à separação da coisa na venda juntamente com outras por um preço global.

Assim, Agostinho Cardoso Guedes ao ensinar que o prejuízo apreciável previsto no artigo 417.º, n.º1, do Código Civil pode resultar de várias situações: “primeiro, a separação das coisas causa dano material a alguma delas; segundo, cada coisa vale mais em conjunto com as outras do que valeria individualmente; terceiro, o exercício do direito de preferência apenas em relação a coisa sujeita à preferência impedirá a alienação das restantes coisas ao terceiro.”3

Salvo o caso dos arrendamentos com fins habitacionais, o obrigado à preferência tem o direito de – é-lhe licito – exigir que a preferência incida sobre a totalidade das coisas objecto do negócio projectado se a venda em separado da coisa (objecto originário da preferência) impedir a concretização do negócio.

E embora se imponha “sempre uma sindicância, no sentido de se verificar se os valores prosseguidos pela lei estão a ser concretizados no terreno ou se há abuso de direito (…)”4, à parte disto, demonstrando o obrigado à preferência, em arrendamento para fins não habitacionais, que o potencial comprador só compraria o prédio em conjunto, não o fazendo de outro modo, demonstra o prejuízo apreciável previsto no artigo 417.º, n.º1, do Código Civil.

No caso, prova-se que a L..., Lda propôs à Recorrente a compra integral do imóvel, isto é, do conjunto das três fracções que o integram, pelo preço de € 14.250.000,00 acrescido de IVA (ponto 20 dos factos provados) e que o negócio se frustrará caso a a fracção “B” seja adquirida pela Autora (ponto 29 dos factos provados); prova-se ainda que a Recorrente deu conhecimento à Recorrida do projecto de venda e das cláusulas do respectivo contrato, informando-a de que o direito de preferência deveria ser exercido sobre os imóveis no conjunto, e que, após outras missivas entre ambas havidas, a Recorrida comunicou à Recorrente, exercer o direito de preferência relativamente à fracção B de que é arrendatária [pontos 9 a 12 dos factos provados].

Daqui duas ilações relevantes: i) o negócio proposto pela L..., Lda frustrar-se-á em caso de venda separada das fracções; ii) a Recorrida não pretende exercer o direito de preferência na venda dos imóveis em conjunto.

Caraterizado se mostra o prejuízo apreciável para a Recorrente com a frustração do negócio com a L..., Lda, assistindo-lhe o direito de exigir que a preferência abranja todas as fracções, negócio que a Recorrida não pretende realizar.

Acresce, que no concreto caso dos autos, a Recorrente demonstrou razões fundadas para celebrar o negócio (venda conjunta) proposto pela L..., Lda; no âmbito da politica de desinvestimento, decorrente do seu procedimento de liquidação, colocou à venda vários activos, entre eles o imóvel a que os autos se reportam, contratou diversas empresas de mediação mobiliária as quais, entre 2019 e 2022, enviaram informação comercial sobre o imóvel (conjunto das fracções) a cerca de 40 entidades distintas, com sucesso relativo, uma vez que, para além da proposta da L..., Lda, apenas havia recebido uma outra, em Julho de 2019 pelo preço de € 6.500.000,00; o preço oferecido pela L..., Lda [€ 14.250.000,00] é significativamente superior à soma das avaliações das fracções [€ 12.982.000,00 e € 13.049.000,00] que tiveram lugar em momento posterior à proposta da L..., Lda [pontos 16 a 20 e 24 a 28 dos factos provados].

As particularidades do caso concreto, em especial a falta de interessados no negócio ao longo dos anos de 2019 a 2021 e a potencial venda agora (2022) por valor significativamente superior à soma dos valores de mercado atribuídos às fracções (cerca de € 1.200.000,00, relativamente à melhor avaliação) revela, a nosso ver, que a Recorrente, abrindo mão do negócio proposto pela L..., Lda, suportará um prejuízo apreciável e, assim, que lhe é licito opor-se à venda separada das fracções, ao invés do pretendido pela Recorrida.

Solução que observa, a nosso ver, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça expressa no acórdão de 20/06/2013, citado pela decisão recorrida, não só porque como no aresto se afirma “a determinação do prejuízo apreciável para o obrigado à preferência, terá de ser analisado caso a caso, ou seja, tal prejuízo deverá ser avaliado no caso concreto por parte do juiz, sob pena de a parte final do nº 1 do art. 417º relacionada com a “proteção dispensada ao sujeito passivo (…) perder grande parte do seu efeito útil”5, mas sobretudo porque as particularidades do caso do autos se distanciam claramente daquele que aí foi julgado.

Em conclusão, salvo o exercício disfuncional do direito que, no caso, não se configura, vendida a coisa, objeto de preferência legal decorrente de arrendamento não habitacional, juntamente com outras por um preço global, constitui prejuízo apreciável para efeitos do exercício da preferência da coisa em separado, a demonstração pelo obrigado que deixaria de realizar o negócio (da globalidade).6

A A. recorrente pretende que se repristine a sentença, por ser a solução que se lhe afigura corresponder à melhor aplicação do direito. Diz que não é aplicável o regime do art.º 417.º do CC e que a situação dos autos é equivalente à que foi apreciada pelo STJ em um processo de 2013 (acórdão de 20/06/2013 citado pelo tribunal a quo (Proc. 1043/10.1TVLSB.L1.S1), devendo ser replicada a solução à presente pretensão, não tendo havido alteração legal que justifique mudança de entendimento interpretativo.

Por sua vez a Ré justifica a manutenção do acórdão recorrido, arvorando os seus argumentos como sendo os mais conformes com o direito.

17. Analisando

17.1. Estão definidos os contornos legais aplicáveis à acção de preferência.

A Ré apresentou à A. uma comunicação para exercer a preferência – legal – de aquisição da Fracção B, com uma particularidade – o seu projecto de alienação envolvia as Fracções A, B e C, num único negócio e com um preço único. A Ré justifica o projecto de agregração das fracções – separáveis, física e legalmente – como integrantes de uma única operação: a não ser realizado conjuntamente, sofreria um prejuízo apreciável.

As instâncias estiveram de acordo sobre os factos provados e não provados, sobre a lei aplicável, mas não sobre a solução da aplicação da lei ao concerto caso.

A sentença enveredou pelo caminho de considerar que o prejuízo apreciável não estava demonstrado, pois não tinha sido provado que a venda em conjunto faria ingressar no património do vendedor um valor superior ao da venda de fracção a fração; para este tribunal não houve prova do referido prejuízo com base no simples facto de estar provado que a potencial compradora do conjunto desistiria do negócio se o mesmo não incluísse o conjunto; a proprietária também não teria demonstrado ter feito esforços de alienação – ou de prospecção de mercado – para a venda separada das fracções.

Já o Tribunal da Relação entendeu que os factos provados eram suficientes para se dar por demonstrado o prejuízo apreciável da venda em separado – estava demonstrado que o potencial comprador desistiria do negócio; tinham sido realizadas diligências de venda e prospecções de mercado para a venda conjunta e não tinham aparecido interessados senão a L..., Lda; e se o negócio com esta interessada não envolvesse o conjunto, não se realizaria.

Ambos os tribunais partem das mesmas considerações – a aferição do prejuízo apreciável é vista caso a caso, em função dos elementos provados; não há evidencias de o negócio conjunto ser um pretexto para evitar que o A. pudesse exercer a preferência na aquisição da fracção B.

17.2. Ambos os tribunais partem da análise do mesma jurisprudência do STJ, para justificar soluções concretas opostas - acórdão de 20/06/2013 citado pelo tribunal a quo (Proc. 1043/10.1TVLSB.L1.S1).

Nesse aresto a posição do STJ foi a seguinte:

“Provado ficou que a intenção dos primeiros réus, donos do prédio entretanto constituído em propriedade horizontal, foi tão só e apenas vender a totalidade do mesmo, as sete fracções autónomas, sendo intenção do segundo adquirir, só e apenas, essa mesma totalidade.

E que a fracção arrendada à autora, segundo consta no título de compra e venda datado de 12/4/2010, terá sido vendida (e comprada) em conjunto com outra, ambas para uso terciário, e sitas no rés-do-chão, pelo preço global de € 100 000,00.

Tendo as restantes cinco fracções prediais “C”, “D”, “E”, “F” e “G”, segundo de igual modo consta nos escritos, sido respectivamente vendidas e compradas por títulos de compra, datados, também respectivamente, de 26/2/2010, 26/3/2010, 24/2/2010, 25/3/2010 e 19/3/2010, pelos preços aí melhor aludidos.

Mais tendo ficado apurado que, por carta datada de 13/2/2010, os primeiros réus, os vendedores, comunicaram à autora, para fins de exercício do seu direito de preferência (como arrendatária), que pretendiam vender, na totalidade, ao segundo réu, o prédio (onde se situava a loja da autora), pelo preço global de € 810 000,00. Pedindo que informasse, no prazo de 8 dias, se pretendia adquirir o prédio (a totalidade) em tais condições.

Nada tendo dito a autora.

Dando-se, ainda, de barato, ficcionando-se a improcedência da impugnação da matéria de facto aos quesitos 1.º, 4.º e 10.º, com a consequente veracidade do contrato-promessa em apreço nos autos, que foi, ainda, intenção dos outorgantes venderem e comprarem a totalidade do prédio – as 7 fracções autónomas – pelo preço global de € 810 000,00, não obstante ser atribuído, “por motivos fiscais e legais” um valor individual a cada fracção autónoma, cujos valores individuais são os no aludido contrato referidos, por tais razões e “para efeitos bancários”.

Sendo a declarada intenção dos contraentes matéria de facto, por se situar no domínio das realidades concretas, da competência exclusiva das instâncias.

Dúvidas não restando, nem tal é posto aqui em causa, que a autora, arrendatária da fracção sub judice desde 1967, é titular do direito de preferência na venda da mesma – art. 1091.º, nº 1, al. a).

Sendo aplicável, por força deste mesmo normativo legal, com as necessárias adaptações, e alem do mais, o disposto no art. 417.º (venda de coisa juntamente com outras).

Sendo certo, dir-se-á desde já, como, aliás também não é contestado, que a procedência da acção de preferência tem como resultado a substituição do adquirente pelo autor, com efeito retroactivo, no contrato celebrado, tudo se passando, em princípio, como se o contrato tivesse sido celebrado ab initio entre o alienante e o preferente.

Podendo, como já dito, o obrigado, pretendendo alienar por um preço global, uma ou mais coisas conjuntamente com a que é objecto da preferência, opor-se à separação das coisas se ela envolver um prejuízo apreciável para os seus interesses- citado art. 417.º.

Sucedendo, em tal caso, ter o titular da preferência de exercer o seu direito, se o não quiser perder, relativamente ao conjunto das coisas alienadas, pelo preço global que houver sido fixado.

Exigindo-se sempre, para a venda conjunta, para a imposição de um preço global, sem desrespeito do direito preferencial, que, da separação das coisas, advenha para o obrigado à preferência, o vendedor, um prejuízo apreciável.

Ora, da matéria de facto apurada – e é desta que curamos -, mesmo considerando, para hipótese de raciocínio, a mais favorável ao recorrente, advinda da 1ª instância, não resulta para os vendedores qualquer prejuízo apreciável da venda isolada da fracção arrendada à autora.

Não sendo facto notório saber-se se algumas das fracções, mormente as do topo do prédio, em virtude das intempéries, estavam completamente degradadas, sem potenciais compradores, ou apenas com potenciais compradores que as adquirissem ao desbarato.

Só sendo assim viável uma venda conjunta das fracções.

Nem equivalendo a prejuízo apreciável o facto de se aceitar como verdadeiro que o comprador, seja, o réu ora recorrente, só compraria o prédio em conjunto, não o fazendo de outro modo.

É pouco, para o preenchimento do indispensável requisito que permite ao obrigado à preferência opor-se ao exercício deste direito apenas em relação à respectiva coisa (in casu, à compra do locado), no caso da separação lhe advir apreciável prejuízo.

Pois, mesmo atendendo-se à grave crise que hoje grassa também no sector imobiliário, de todos sabida (art. 514.º, nº 1 do CPC), desconhece-se, desde logo, o real valor do prédio, desconhecendo-se se o comprador apenas aceitou fazer um bom negócio, por baixo preço, que outros também fariam no seu lugar ou se, não fora ele, mais ninguém apareceria interessado na pelos primeiros réus pretendida transacção.

Desconhecendo-se, em suma, se a compra da totalidade do prédio não passou de um capricho do comprador, que apenas o queria por inteiro, ou se a transacção nesses moldes pretendida era a sua única forma viável, ou até a mais viável. Sendo difícil vender o prédio se não fora por inteiro.

Nada disto constando da matéria de facto dada por assente, que, no limite – procedendo a tese do réu quanto à manutenção das respostas dadas na 1ª instância aos quesitos 1.º, 4.º e 10.º - apenas nos revelará a intenção dos outorgantes da compra e venda do prédio em bloco e não por fracções. E não também que a mesma era a forma de obviar ao apreciável prejuízo dos réus vendedores.

Não bastando as partes interessadas fazerem a prova de que o comprador não efectuaria a transacção projectada sem proceder à compra conjunta, para que o preferente tivesse necessariamente que exercer o seu direito em relação à totalidade do prédio que lhe foi proposto comprar.

Assim se subvertendo o instituto legal da preferência, ficando, desse modo, os interesses do preferente completamente postergados.

Ora, e para concluir, no atinente a esta questão, o princípio dispositivo, ainda hoje básico na nossa processualística civil, tem como reverso da medalha o princípio da auto-responsabilidade das partes.

Suportando cada uma das partes, em resultado de tal princípio, um ónus de alegação (de afirmação).

E, decidir que tal ónus compete a uma das partes – aqui incumbindo, desde logo, aos réus obrigados à preferência, aproveitando-se, naturalmente, o comprador, interessado na manutenção do acto, da respectiva factualidade – significa que o pleito será julgado contra si, se os factos não alegados forem indispensáveis à sua pretensão.

Recaindo, pois, sobre a parte interessada, como corolário de tal princípio dispositivo, a alegação de factos de cuja prova seja possível concluir pela existência do direito que invoca (art. 264.º, nº 1 do CPC).

Sendo certo estar ainda consagrado no nosso ordenamento jurídico o princípio da substanciação, segundo o qual não basta a indicação genérica do direito que se pretende fazer valer – in casu, o do obrigado à preferência poder exigir que esta abranja todas as coisas que pretende vender, se não forem separáveis sem apreciável prejuízo – sendo antes necessária a indicação especificada dos factos constitutivos desse direito.

Mas, os réus, não obstante o recorrente sustentar a dado passo da sua alegação, e bem, que o prejuízo para os vendedores resultará directamente da factualidade descrita e do contexto da prova global, fixaram-se apenas na alegação da sua intenção de compra e venda do prédio na sua totalidade, sem de outra forma lhes interessar o negócio. Sempre tendo sido promovida a venda do mesmo apenas na sua totalidade.

Faltando-lhes alegar e provar, já que o submeteram ao regime da propriedade horizontal – talvez em má hora, passe o desabafo ou talvez essa fosse a única forma viável da sua venda, não está bem explicado – o tal prejuízo apreciável para que os vendedores pudessem opor ao arrendatário que a preferência abrangesse a sua totalidade.”

17.3. Nesta decisão o STJ considerou que a prova de o interessado na aquisição do conjunto só pretender a comprar do todo não seria suficiente para negar a preferência relativamente a uma parte.

Será que os factos do presente processo também só têm esse elemento atendível de semelhante com o acórdão de 2013?

17.4. Estamos em crer que não – existem outros elementos provados e que ajudam a preencher o conceito de prejuízo atendível, desde sempre convocado pelo R, e que estão provados (cf. os seguintes FP):

16) O Réu iniciou a sua atividade, enquanto Fundo de Investimento Imobiliário Fechado de Subscrição particular, em 18 de junho de 2017 e teve a sua duração inicial fixada em dois anos, suscetível de ser prorrogada por uma ou mais vezes por períodos não superiores ao período inicial.

17) Ao longo dos anos, tem vindo a ser prorrogado o prazo de duração do Réu, para possibilitar a execução de uma política de desinvestimento.

18) Em 18 de maio de 2022, a assembleia de participantes do Réu deliberou, uma vez mais, a prorrogação da sua duração por um período adicional de 2 (dois) anos, ou seja, até 18 de junho de 2025, data em que entrará em liquidação, caso os participantes não decidam prorrogar o seu prazo de duração.

19) Em cumprimento da estratégia de desinvestimento, o Réu colocou o referido imóvel, à semelhança dos demais activos por si detidos, no mercado para alienação.

20) No dia 25 de março de 2022 o Réu recebeu uma proposta de compra integral do imóvel, isto é, o conjunto de todas as suas três fracções, a qual foi apresentada pela empresa L..., Lda, pelo preço de € 14.250.000,00 acrescido de Imposto sobre o Valor Acrescentado.

24) Por relatório datado de 14/04/2022, a avaliadora Benege, estimou o valor total das fracções autónomas que integram o imóvel em € 12.982.000,00, correspondente à soma do valor de € 8.615.000,00 da fracção A, com o valor de € 2.481.000,00 da fracção B e com o valor de € 1.886.000,00 da fracção C.

25) Por relatório datado de 14/04/2022, a avaliadora Cerat estimou o valor total das frações autónomas que integram o Imóvel em € 13.049.000,00, correspondente à soma do valor de € 8.825.400,00 da fracção A, com o valor de € 2.418.300,00 da fracção B e com o valor de € 1.805.300,00 da fracção C.

26) O Réu, nos últimos dois anos, contratou diversas empresas de mediação imobiliária a operar em Portugal para que promovessem a venda integral do imóvel, sendo a proposta apresentada pela empresa L..., Lda a única que recebeu em Janeiro de 2022.

27) Durante os anos de 2019, 2020, 2021 e 2022, as referidas empresas de mediação imobiliária enviaram informação comercial sobre o Imóvel do Réu a cerca de 40 entidades distintas, tendo todas elas se escusado a apresentar qualquer proposta de aquisição do imóvel, com exceção da empresa L..., S.L., que em julho de 2019 apresentou uma proposta de compra do imóvel, pelo preço de € 6.500.000, que foi liminarmente rejeitada em razão da diferença face ao valor de mercado do imóvel.

28) A estratégia de venda adoptada foi de venda conjunta das fracções, tendo sido desse modo que foi publicitado o imóvel e apresentado aos investidores institucionais.

29) Caso a fracção B seja adquirida pela Autora, a compradora L..., Lda não prosseguirá com o negócio que celebrou com o Réu.

30) Após início da pandemia Covid-19, registou-se um forte incremento no investimento em imobiliário de industrial e logística.

17.5. Mas serão esses elementos suficientes – ou há elementos em falta, cuja prova, devia ser realizada, sob pena de a pretensão da Ré não poder ser aceite?

Na nossa visão o Tribunal da Relação aproximou-se mais do sentido propugnado pela lei: não permitir o exercício da preferência em relação à fracção B, por haver prova cabal do interesse apreciável em sentido objectivo e subjectivo a obstar ao exercício da preferência.

Justificando com os factos provados:

- A Ré é um fundo de investimento fechado7 – o seu prazo de duração tem sido sucessivamente prorrogado, para liquidação do investimento; o prazo ainda não se esgotou mas não é seguro que seja prorrogado e pode não ser viável à estratégia ou por via das regras dos fundos de investimento a sua prorrogação, devendo os gestores do fundo actuar no melhor interesse do fundo com os cenários reais (e não com os hipotéticos da sua prorrogação); é o interesse subjectivo do fundo que deve ditar se a venda engloba as três fracções, ou se podem ser vendidas em separado, uma vez que não conta apenas o valor a obter como produto da operação mas igualmente outras finalidades e regras aplicadas ao fundo, nas quais se destaca o seu prazo de duração.

- A A. está interessada na fracção A, e concordou com o valor indicado pela R. para essa fracção (indicação que não visava permitir a aquisição separada da mesma);

- A Ré fez tentativas de alienação do conjunto, mas não tentativas de prospecção de mercado ou de alienação fracção a fracção;

- Na avaliação das fracções uma a uma, conforme factos provados nos autos (e que constituem a base com que o tribunal deve julgar) consegue aferir-se que alienação separada permitia a obtenção de valor inferior ao do negócio conjunto:

24) Por relatório datado de 14/04/2022, a avaliadora Benege, estimou o valor total das fracções autónomas que integram o imóvel em € 12.982.000,00, correspondente à soma do valor de € 8.615.000,00 da fracção A, com o valor de € 2.481.000,00 da fracção B e com o valor de € 1.886.000,00 da fracção C.

25) Por relatório datado de 14/04/2022, a avaliadora Cerat estimou o valor total das frações autónomas que integram o Imóvel em € 13.049.000,00, correspondente à soma do valor de € 8.825.400,00 da fracção A, com o valor de € 2.418.300,00 da fracção B e com o valor de € 1.805.300,00 da fracção C.

- Ou seja

Fracção A Fracção B Fracção C Total

I- € 8.615.000,00 € 2.700.000,00 €1.886.000,00 13 201.000,00

II- € 8.825.400,008 € 2.700.000,00 €1.805.300,00 13 330.700,00

III - € 9.485.000,009 € 2.700.000,00 € 2.065.000,00 14 250.000,00

- Tendo em conta o prazo de duração da Ré como fundo fechado, a alienação do conjunto permite o desinvestimento no prazo – enquanto a venda separada não assegura o resultado.

É a conjugação de todos estes elementos que deve configurar o prejuízo apreciável, na vertente subjectiva, do titular das fracções a serem alienadas como conjunto, e que se conjuga com os elementos objectivos, nomeadamente de a adquirente interessada no negócio pelo preço que a Ré pretende só ter interesse no mesmo se o objecto incluir as três fracções.

Assim, podemos afirmar que no regime do art.º 417.º do CC importa apurar se existe um prejuízo apreciável que justifique a exigência da venda em bloco, sem exercício da preferência em relação a parte do seu objecto.

Existe prejuízo apreciável existe se o obrigado à preferência alegou e demonstrou as razões fundadas para celebrar o negócio (venda conjunta):

- O interessado na venda conjunta não celebraria o negócio se não incluísse o conjunto;

- O obrigado à preferência é um fundo de investimento fechado cujo prazo de duração está fixado para meados de 2025, resultando da prova que já foi prorrogada a sua existência para permitir o desinvestimento necessário ao encerramento, inicialmente previsto para outras datas;

- O obrigado à preferência, no âmbito da politica de desinvestimento, decorrente do seu procedimento de liquidação, colocou à venda vários activos, entre eles o imóvel a que os autos se reportam, contratou diversas empresas de mediação mobiliária as quais, entre 2019 e 2022, enviaram informação comercial sobre o imóvel (conjunto das fracções) a cerca de 40 entidades distintas, com sucesso relativo, uma vez que, para além da proposta da potencial adquirente, apenas havia recebido uma outra, em Julho de 2019 pelo preço de € 6.500.000,00;

- O preço oferecido pela potencial adquirente [€ 14.250.000,00] é significativamente superior à soma das avaliações das fracções [€ 12.982.000,00 e € 13.049.000,00] que tiveram lugar em momento posterior à proposta da potencial adquirente [pontos 16 a 20 e 24 a 28 dos factos provados];

- As particularidades do caso concreto, em especial a falta de interessados no negócio ao longo dos anos de 2019 a 2021 e a potencial venda agora (2022) por valor significativamente superior à soma dos valores de mercado atribuídos às fracções (cerca de € 1.200.000,00, relativamente à melhor avaliação) revela, que a obrigada à preferência, abrindo mão do negócio proposto pela potencial adquirente, suportará um prejuízo apreciável e, assim, que lhe é licito opor-se à venda separada das fracções, ao invés do pretendido pela titular do direito de preferência.

III. Decisão

Pelos motivos expostos, é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

Vencida no recurso, incumbe à A. o pagamento das custas (artº 527º, nº1, do CPC), com dispensa do remanescente da taxa de justiça, em todas as instâncias.

Lisboa, 23 de Abril de 2025

Fátima Gomes (relatora)

Maria de Deus Correia

Oliveira Abreu

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1. Da responsabilidade da relatora.

2. Suprimiu-se aqui a “imagem” do documento que consta na origem por se considerar incorrecta, apesar de eventualmente mais expedita ou cómoda, a reprodução de provas documentais na discriminação dos factos provados, atenta a estrutura da sentença prevista nos números 3 e 4 do artº 607º, do Código de Processo Civil, de acordo com a qual o juiz discrimina os factos que considera provados e não provados os quais não se confundem - não devem confundir-se - com os meios de prova destinados à sua demonstração.

3. António Agostinho Cardoso da Conceição, O exercício do direito de preferência, pág. 567, cit. pela decisão recorrida.

4. Menezes Cordeiro, Ob. cit., pág. 506.

5. Ac. STJ de 20/06/2013 (proc. 1043/10.1TVLSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt

6. Neste sentido o Ac. desta Relação de 12-06-2019 (proc. 45/17.1T8MRA.E1), em que serviu de Relator o ora relator e de 1º Adjunto o agora 2ª Adjunto, disponível em www.dgsi.pt

7. Com as implicações daí derivadas.

8. Considera os valores do facto 25, excepto na fracção B, que é o valor aceite pela A.

9. Considera os valores da proposta da Ré.