I – A omissão de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial, prevista no art. 615°/1/d/1ª parte, do CPCivil, quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar.
II – O excesso de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial prevista no art. 615°/1/d, do CPCivil, quando o juiz conheça de causas de pedir não invocadas, ou de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes.
III – Há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir.
IV – O objeto da sentença deve, pois, coincidir com o objeto do processo, tal como ele foi configurado pelas partes nos articulados normais ou nos articulados supervenientes.
V – Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º-2), é nula a sentença em que o faça.
VI – Na observância do princípio do dispositivo, o tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido.
VII – A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide só ocorre quando a extinção, por confusão, dos direitos e obrigações das partes atinja todos os litigantes.
VIII – Não há qualquer impossibilidade ou inutilidade da lide quando a ação continua a ter interesse para o demandante ou para os habilitados, enquanto sucessores do demandante, por ainda ser possível satisfazer-se à pretensão que a demandante quer fazer valer no processo.
IX – O incidente de habilitação visa promover a substituição de uma parte primitiva pelo seu sucessor na situação jurídica litigiosa, não operando, por si, nenhuma transmissão de direitos nem de obrigações, ou seja, a habilitação de herdeiros visa apenas o prosseguimento da lide e não torna as habilitadas em titulares da relação material controvertida.
X – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um.
XI – Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar.
XII – Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.
XIII – Os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota
XIV – Não existindo ainda partilha, a recorrente não é titular de qualquer direito real sobre o imóvel que é objeto da ação, mas apenas titular de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma, mas sem que se conheça se em tal quota se integra o bem imóvel em discussão, pois tal bem pertence à herança no seu conjunto, ou seja, a todos os herdeiros.
RECURSO DE REVISTA | 2292/23.8T8FNC.L1.S1 |
RECORRENTE | AA |
RECORRIDOS | BB; CC. |
SUMÁRIO1 I – A omissão de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial, prevista no art. 615°/1/d/1ª parte, do CPCivil, quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar. II – O excesso de pronúncia constitui uma nulidade da decisão judicial prevista no art. 615°/1/d, do CPCivil, quando o juiz conheça de causas de pedir não invocadas, ou de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes. III – Há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir. IV – O objeto da sentença deve, pois, coincidir com o objeto do processo, tal como ele foi configurado pelas partes nos articulados normais ou nos articulados supervenientes. V – Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções, não invocadas, que estejam na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º-2), é nula a sentença em que o faça. VI – Na observância do princípio do dispositivo, o tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido. VII – A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide só ocorre quando a extinção, por confusão, dos direitos e obrigações das partes atinja todos os litigantes. VIII – Não há qualquer impossibilidade ou inutilidade da lide quando a ação continua a ter interesse para o demandante ou para os habilitados, enquanto sucessores do demandante, por ainda ser possível satisfazer-se à pretensão que a demandante quer fazer valer no processo. IX – O incidente de habilitação visa promover a substituição de uma parte primitiva pelo seu sucessor na situação jurídica litigiosa, não operando, por si, nenhuma transmissão de direitos nem de obrigações, ou seja, a habilitação de herdeiros visa apenas o prosseguimento da lide e não torna as habilitadas em titulares da relação material controvertida. X – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um. XI – Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. XII – Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança. XIII – Os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota XIV – Não existindo ainda partilha, a recorrente não é titular de qualquer direito real sobre o imóvel que é objeto da ação, mas apenas titular de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma, mas sem que se conheça se em tal quota se integra o bem imóvel em discussão, pois tal bem pertence à herança no seu conjunto, ou seja, a todos os herdeiros. |
Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:
1. RELATÓRIO
DD e marido, BB , intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, EE e, FF pedindo:
a) declarar-se serem os autores donos e legítimos possuidores do imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial e ser a posse exercida pelos réus, naquele referido imóvel, insubsistente, ilegal e de má-fé;
b) condenar-se os réus a reconhecerem aos autores o referido direito de propriedade sobre o dito objeto e abstendo-se de praticar quaisquer atos que dificultem ou obstaculizem o exercício do direito dos autores, e a restituir-lhes o mesmo, 1.º andar, com entrada pelo n.º 30 de polícia, com todos os seus acessórios e pertences, completamente devoluto e livre de pessoas e coisas que lhes pertença.
Foi proferida sentença em 1ª instância que julgou a ação procedente por provada e, em consequência:
a) Declarou a herança aberta por óbito de DD e o autor BB, donos e legítimos possuidores do prédio urbano prédio, destinado exclusivamente a habitação, localizado no sítio da ..., freguesia de ..., Concelho do ..., onde têm a sua residência habitual e respetivo domicílio, na morada da Estrada ..., com o n.º 30 de polícia, daquela freguesia e Concelho, ocupando todo o primeiro andar do dito prédio, já que o rés-do-chão, que tem o número de polícia 28 e logradouro, acha-se arrendado a terceiros, sendo a parte do prédio onde os autores habitam parte do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial da freguesia de ..., sob o n.º ...98º e acha-se descrito na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o n.º ...10/200331103 – ...;
b) Declarou a posse exercida pelos réus AA e companheiro EE, e FF, no prédio urbano referenciado em a) insubsistente, ilegal e de má-fé;
c) Condenou os réus AA e companheiro EE, e FF a reconhecerem à herança aberta por óbito de DD e ao autor BB o referido direito de propriedade referenciado em a), a absterem-se de praticar quaisquer atos que dificultem ou obstaculizem o exercício de tal direito, e a restituir-lhes o mesmo, 1.º andar, com entrada pelo n.º 30 de polícia, com todo os seus acessórios e pertences, completamente devoluto e livre de pessoas e coisas que lhes pertença.
Inconformada, a 1ª ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso, quanto à nulidade da sentença e, em substituição do tribunal recorrido, decidiu:
(i) reconhecer ser a autora DD dona e legítima possuidora do imóvel referido no facto provado sob 1 e ser a posse exercida sobre pelos réus ilícita e de má-fé;
(ii) condenar os réus a reconhecerem esse direito de propriedade, abstendo-se de praticar quaisquer atos que dificultem ou obstaculizem o exercício do mesmo; e
(iii) a restituir aos herdeiros da autora (com exceção da 1.ª ré) o imóvel, com todos os seus acessórios e pertences e livre de pessoas e coisas que pertençam aos réus; os réus vão absolvidos do pedido do autor.
Novamente inconformada, veio a 1ª ré interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações3,4 que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES5:
a. O acórdão recorrido padece de nulidades e incorre em erros de julgamento, por violação de normas do direito adjetivo e do direito substantivo, e também de nulidades. – cf. art. 674º/1 – als. a) a c) do CPC;
b. Nenhum dos cinco pedidos dos primitivos AA., formulados em cumulação real, é adequado, compaginável e lógico com o agora decidido pelo Tribunal a quo;
c. O que pediram foi no sentido de que fosse declarado “serem os AA. donos e legítimos possuidores do imóvel identificado no artº 1º da p.i. e que fossem os RR. condenados “a reconhecerem aos AA. o referido direito de propriedade sobre o dito objeto e a restituir-lhes
o mesmo, 1º andar, com entrada pelo n.º 30 de polícia;
d. Esta ação de reivindicação, intentada por DD e marido BB, não estes donos e legítimos possuidores do imóvel (mas sim que a primitiva A. o era), não condenou os RR. A reconhecer tal direito dos AA. (mas sim o direito da primitiva A.) ou a restituir aos AA. o “mesmo, 1º andar, com entrada pelo n.º 30 de polícia” (mas sim a restituir “o imóvel” aos “herdeiros da autora (com exceção da 1.ª ré)”;
e. Uma tal decisão foi adotada à margem dos concretos pedidos formulados na ação pelo AA.;
f. O Tribunal a quo desconsiderou os pedidos formulados pelos dos AA. e as suas causas pedir invocadas;
g. O Tribunal a quo condenou a recorrente em objeto diverso dos pedidos formulados pelos AA. e decidiu sobre questões da quais não podia ter tomado conhecimento;
h. O acórdão recorrido padece da nulidade prevista nos art. 666º/1 e 615º/1- als. d), 2ª parte, e e) do CPC;
i. O mesmo acórdão infringe o obrigatório princípio da dualidade das partes no processo civil, uma vez que a recorrente assume nestes autos, em simultâneo, a primitiva posição processual de R.;
j. Numa ação de reivindicação é impossível juridicamente optar pela irrelevância “da posição do R. que seja simultaneamente A.”;
k. E quando o Tribunal recorrido alterou a matéria de facto e concluiu que o bem pertencia unicamente à primitiva A., e não também ao codemandante BB;
l. Cuja posição é unicamente a de herdeiro da primitiva A., tal como acontece com a recorrente;
m. De forma relevante, inexiste nestes autos qualquer posição ou interesse de um qualquer codemandante, que deva ser considerado e que possa obstar à inutilidade superveniente da lide;
n. A sua posição processual e material é precisamente igual à da recorrente: a herdeiro da primitiva A.;
o. Ocorre aqui uma total confusão de direitos e obrigações entre todos os litigantes nos autos;
p. Impõe-se, pois, a inutilidade superveniente da lide, que é total e completa;
q. O acórdão recorrido é ilegal, por violar o disposto no art. 277º/al. e) do CPC;
r. Quanto à “matéria da abertura da sucessão” e à prova dos factos articulados pelos AA.6, o Tribunal a quo incorreu erro de julgamento;
s. Ante o óbito da primitiva A. decorre a abertura da respetiva sucessão e esta ocorre no momento da morte e só depende da verificação desta. – cfr. art. 2031º do Código Civil (CC);
t. A vontade das partes é totalmente ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter. – cfr. art. 568º/al. c) do CPC.
u. Estando a mesma subtraída ao domínio da vontade das partes e é uma situação jurídica ou interesse indisponível;
v. A presente lide respeita, pelo menos em parte essencial, à dita abertura da sua sucessão;
w. O Tribunal a quo estava vedada a possibilidade de considerar confessados os factos articulados pelos primitivos AA. nos autos, nos termos do disposto no arts. 567 e 568º/al. c) do CPC;
x. Normas que foram infringidas, pelo que o acórdão é ilegal.
y. O objeto da confissão ficta que decorre da revelia dos RR. incide e só pode incidir sobre os “factos articulados” pelos AA. na sua petição inicial. – cfr. art. 567º/1, in fine, do CPC;
z. Ao julgar provados factos não articulados pelos AA. o Tribunal a quo infringiu termos do disposto no art. 567º/1, in fine, do CPC;
aa. Como de tal incidente não determina qualquer alteração na causa de pedir e/ou nos pedidos antes formulados pelas partes e estabilizada nos autos;
bb. Isto por força dos princípios do dispositivo, da necessidade de pedido e contradição, igualdade das partes e da boa fé processual, como resulta dos arts. 3º, 4º e 8º do CPC;
cc. O Tribunal a quo ao decidir assim extraiu da uma alteração parcial da causa de pedir alegada pelos primitivos AA. da habilitação de herdeiros, como extraiu factos e conclusões que desconsidera, por completo, toda a figuração da lide feita na petição inicial por aqueles;
dd. E assim infringiu o disposto nos arts. 567º/1, in fine, e 351º/1 do CPC e os princípios previstos nos artigos 3º, 4º e 8º do mesmo Código, incorrendo em sucessivos erros de julgamento;
ee. Com a morte do possuidor a posse continua nos seus sucessores “independentemente da apreensão material da coisa” (cf. art. 1255º do CC);
ff. O óbito do possuidor determina que os sucessores continuam ope legis a posse do antecessor, ocorrendo um empossamento ope legis;
gg. Como a abertura da sucessão os sucessores são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido os sucessores. – cf. arts. 2031 e 2032/1, 2056º/1 e 2 do CC;
hh. Tal empossamento e chamamento operam ope legis, como ocorre uma verdadeira inversão do título de posse ou de detenção até aí exercida pela recorrente. – cf. arts. 1255º e 1265º do CC;
ii. Com a herança indivisa os direitos de todos sucessores/herdeiros na herança indivisa da de cujus serem observados por igual – cf. art. 2019º/1 do CC;
jj. Assim, a condenação da recorrente para restituir a coisa – da qual é possuidora como os demais herdeiros e tem direito a fruí-la – “aos herdeiros da autora (com exceção da 1.ª ré)” é ilegal;
kk. E consubstancia uma exclusão da apelante da posse e titularidade do direito, como infringe os direitos que lhe são conferidos;
ll. O acórdão recorrido prossegue, com tal condenação, um fim proibido pela lei substantiva;
mm. O Tribunal a quo infringiu o disposto nos arts. 1255º, 2031 e 2032/1, 2056º/1 e 2 do CC, pelo que tal acórdão é ilegal;
nn. Deve o acórdão recorrido ser revogado, com as legais consequências.
Nestes termos, deve a presente revista ser admitida e, a final, ser julgada procedente, com as legais consequências7.
O recorrido, BB, contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos8, cumpre decidir.
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA, ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.) Nulidades do acórdão recorrido por condenação em objeto diverso dos pedidos formulados pelos autores e, por ter decidido sobre questões das quais não podia ter tomado conhecimento (arts. 666º/1, e 615º/1/d, 2.ª parte, e e), do CPCivil).
2.) Inutilidade superveniente da lide por ocorrer “uma total confusão de direitos e obrigações entre todos os litigantes nos autos”, uma vez que a recorrente, AA assume em simultâneo a qualidade de ré e, após a decisão da habilitação de herdeiros, onde foi habilitada como herdeira da primitiva autora, DD, igualmente a posição processual de autora, tendo sido nessa “dupla qualidade processual” que foi condenada pelo Tribunal a quo, o que infringe o obrigatório princípio da dualidade das partes no processo civil, acrescendo ainda que a posição processual e material do autor, BB é igual à da recorrente, ou seja, de herdeiro da primitiva autora.
3.) Erro de julgamento do Tribunal ao considerar confessados os factos articulados pelos primitivos autores, nos termos do disposto nos arts. 567º e 568º/c, do CPCivil, uma vez que a vontade das partes é totalmente ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter, porquanto a lide respeita, pelo menos em parte essencial, à abertura da sucessão da falecida autora, que ocorre no momento da morte e só depende da verificação desta (art. 2031º do CCivil), pelo que se trata de matéria subtraída ao domínio da vontade das partes.
4.) Erro de julgamento do Tribunal a quo ao julgar provados factos não articulados pelos autores, em violação do disposto no art. 567º/1, in fine, do CPCivil, pois o incidente de habilitação de herdeiros não determina qualquer alteração na causa de pedir e/ ou nos pedidos antes formulados pelas partes e estabilizada nos autos.
5.) Erro de julgamento do Tribunal a quo ao condenar a recorrente a restituir a coisa, da qual esta é possuidora como os demais herdeiros e tem direito a fruí-la, o que consubstancia uma exclusão da recorrente da posse e titularidade do direito, em violação da lei substantiva (arts. 1255º, 2031.º, 2032.º/1, e 2056.º/1/2, todos do CCivil).
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
1\ DD e marido BB, são donos e legítimos possuidores, do prédio urbano, destinado exclusivamente a habitação, localizado no sítio da ..., freguesia de ..., Concelho do ..., onde têm a sua residência habitual e respetivo domicílio, na morada da Estrada ..., com o n.º 30 de polícia, daquela freguesia e Concelho, ocupando todo o primeiro andar do dito prédio, já que o rés-do-chão, que tem o número de polícia 28 e logradouro, acha-se arrendado a terceiros.
2\ A parte do prédio onde os autores habitam faz parte do prédio urbano inscrito na respetiva matriz predial da freguesia de ..., sob o artigo ...98 e acha-se descrito na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o número ...10/20031103 – ....
3\ O prédio acima referido, adveio à propriedade dos autores por óbito de GG e marido HH [ou melhor, a aquisição, por partilha, foi registada a 03/11/2003 (com retificação em 2005), a favor do sujeito ativo autora, casada no regime da comunhão de adquiridos com o autor – conforme certidão predial permanente junta com a PI, que prova a correção que consta deste parenteses da responsabilidade deste TRL e que foi feita ao abrigo dos artigos 663/2 e 607/4 do CPC].
4\ Os autores por si e pelos seus ante possuidores sempre estiveram na posse do prédio em questão, por mais de 30, 40 e 50 anos, posse que se tem mantido, pública, pacífica, contínua e de boa-fé.
5\ E assim, tal posse e utilização traduziram-se na prática de atos materiais de manutenção e fruição dos seus frutos, tais como, rendas auferidas, melhoramentos efetuados, satisfação de encargos, detenção e ocupação, etc..
6\ Sucede, todavia, que os autores, após morarem no objeto dos presentes autos, foram viver e trabalhar para o Reino Unido, onde estiveram alguns anos.
7\ Os réus, respetivamente, filha, companheiro desta e neta dos autores, bem assim outros 3 netos menores, II, JJ e KK, regressaram mais cedo, de forma definitiva do Reino Unido e passaram a viver no 1.º andar da casa dos autores por mera complacência e tolerância destes.
8\ Há cerca de 10 anos, a autora veio de férias em visita à sua terra e em sua casa de residência, deparou-se com a subtração de diversos objetos pessoais (alianças, cartão do banco e levantamento de diversas quantias), tendo os réus sido convidados a sair de casa, indo viver para os lados da freguesia de ..., onde os pais do companheiro da filha, vivem habitualmente.
9\ Regressados ao Reino Unido e estando a residência vazia, os autores, tempos depois, mais uma vez, condescenderam e autorizaram os réus a voltar a habitar a residência habitual daqueles.
10\ Em 13/06/2022, os autores resolveram de vez, o que não foi alheio à situação do Brexit, ocorrido naquele país, regressarem à sua terra, o que fizeram e instalaram-se, com caracter definitivo e permanente naquela que sempre foi a sua residência habitual.
11\ O autor marido até fez obras e melhorou a zona do sótão, bem assim, outro quarto, a fim de poder continuar a acolher os netos e a filha.
12\ Só que, a breve trecho, começaram as quezílias por parte da filha, sobretudo do companheiro e até dos netos, com a predominância da ré, com os pais, que pacientemente foram gerindo com sofrimento e dor todas as atitudes e sevícias de que eram objeto constante por parte dos réus, quer na ocupação de espaços quer quanto à utilização da casa de banho e convívio familiar.
13\ Ao ponto de ter acontecido o inevitável, face às constantes diatribes e ameaças por parte dos requeridos, estes andaram à pancada com o autor, chegando-lhe, o réu, a apertar o pescoço, ficando ferido num braço, o que aconteceu numa terça-feira, na parte da tarde do dia 14/03/2023.
14\ O que provocou enorme alarido, extravasando a própria casa de morada, tendo a vizinhança chamado elementos da Polícia de Segurança Pública, face aos desmandos provocados pelos réus, e que tomaram conta da ocorrência, tendo o autor participado a agressão de que foi vítima.
15\ Estes foram, de imediato convidados a sair da casa, em definitivo, o que até ao presente não o fizeram.
16\ Até que, os autores apresentaram, formalmente, notificação judicial avulsa, no sentido de os réus abrirem mão do objeto que ocupam, cessando a mera tolerância e complacência de permitir a permanência dos réus, na casa dos autores.
17\ Tendo-lhe dado um prazo de 15 dias, para abandonarem a casa ocupada, prazo esse que já terminou, não tendo os réus dito o que quer que fosse sobre o pedido dos autores.
18\ A todas estas circunstâncias, acresce a existência de doença de origem cancerígena que surgiu à autora, o que pugna ainda mais, pelo tratamento e descanso absoluto, o que com a existência dos réus, deixa de ser possível, agravando a doença.
19\ Os réus chamaram a PSP, no dia 21/04[/2023], que entrou pela casa dentro, referindo que receberam um telefonema mencionando haver desordem em casa, tendo os agentes verificado nada existir de anormal, acontecendo tão só, que duas das irmãs do autor, estavam a dormir na sala de estar, tendo a ré, referido que um advogado tinha mencionado, sempre que existisse conflito que chamasse a polícia, o que, nada tinha acontecido, apesar de na PSP terem recebido um telefonema a solicitar a comparência.
20\ Ultimamente têm-se acentuado a agressividade por parte dos réus, tendo o autor, solicitado a presença de uma irmã, habitualmente, a viver em Lisboa, a fim de proteger os autores das ameaça ameaças dos réus.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso12 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) NULIDADES DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DOS PEDIDOS FORMULADOS PELOS AUTORES E, POR TER DECIDIDO SOBRE QUESTÕES DAS QUAIS NÃO PODIA TER TOMADO CONHECIMENTO (ARTS. 666º/1, E 615º/1/D, 2.ª PARTE, E E), DO CPCIVIL).
A recorrente alegou que “no caso dos autos, seria até impossível, atento ao facto do óbito da primitiva A. ter ocorrido na pendência destes autos na 1ª instância – nenhum dos cinco pedidos dos primitivos AA., formulados em cumulação real, é adequado, compaginável e lógico com o agora decidido pelo Tribunal a quo”, pois “os primitivos AA. nunca pediram, nem isso consta da sua petição inicial e do seu petitório, que o Tribunal reconhecesse e condenasse o que veio, a final, a reconhecer e condenar”.
Mais alegou que, atendendo aos pedidos formulados pelos autores na petição inicial, “a decisão aqui impugnada, apesar de julgar a ação procedente, não declarou aqueles mesmos AA. donos e legítimos possuidores do imóvel (mas sim que a primitiva A. o era), não condenou os RR. a reconhecer tal direito dos AA. (mas sim o direito da primitiva A.). Como não condenou a restituir aos AA. o “mesmo, 1º andar, com entrada pelo n.º 30 de polícia” (mas sim a restituir “o imóvel” aos “herdeiros da autora (com exceção da 1.ª ré)”.
Assim, concluiu que o tribunal recorrido “desconsiderou, por completo, os termos como os AA., ao abrigo do princípio do dispositivo (cf. art. 3º/1 do CPA), figuraram a lide processual e a plasmaram nas causas de pedir e nos pedidos”, pelo que “o Tribunal a quo com o acórdão recorrido condenou a recorrente em objeto diverso dos pedidos formulados pelos AA e decidiu sobre questões da quais não podia ter tomado conhecimento”, o que configura a nulidade prevista nos arts. 666º/1, e 615º/1/d/2ª parte/e, do CPCivil.
O tribunal a quo, por acórdão de 27-03-2025, pronunciou-se pela não verificação dos referidos vícios, considerando que o “decidido resultou da (i) sua atuação como tribunal de substituição (art. 665 do CPC), julgando parcialmente procedente a ação, e, como já explicado no acórdão, do (ii) desenrolar normal do processo, com habilitação de herdeiros no lugar da autora entretanto falecida, entre eles a 1.ª ré, com a consequente impossibilidade física da entrega do prédio àquela autora falecida e da ré a si própria, e não de qualquer nulidade do acórdão previstas no art. 615/1-d-e do CPC”.
Vejamos a questão.
É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – art. 615º/1/d ex vi do art. 666º/1, ambos do CPCivil.
A omissão de pronúncia (por omissão ou excesso de pronúncia) constitui uma nulidade da decisão judicial prevista no art. 615°/1/d, do CPCivil, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar (incumprimento do dever prescrito no art. 608°/2, do CPCivil)13,14, 15 , 16,17.
A omissão de pronúncia (por omissão ou excesso de pronúncia) está relacionada com o comando contido no art. 608º/2, do CPCivil, exigindo ao juiz que resolva todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, “excetuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras”18,19, 20,21,22,23.
É nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido – art. 615º/1/e ex vi do art. 666º/1, ambos do CPCivil.
Se é certo que os juízes não devem ser extremamente formalistas na interpretação e aplicação dos princípios em que assenta o processo civil, sob pena de se perder a efetividade da justiça cível, também não devem, sem assento no alegado e peticionado pelo autor, simplesmente, pôr de lado aquela espécie de mandamento que recai sobre os juízes: “Não dês mais do que aquilo que te é pedido”24.
Constitui, assim, um ónus do autor definir a sua pretensão, formulando o pedido na petição inicial (art. 552º/1/e, do CPC ), o qual baliza a intervenção do tribunal (art. 609º/1, do CPC)25.
Sempre que o autor não exercite plena e eficazmente a sua pretensão, uma vez ultrapassada a fase processualmente adequada para colmatar a deficiência petitória através da ampliação do pedido (art. 265º/2, do CPC), não pode o juiz, oficiosamente, suprir tal omissão26.
Na observância do princípio do dispositivo, o tribunal está também impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido. Deste modo, o juiz não só não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade, quer no que respeita ao seu próprio objeto, isto sob pena de a sentença ficar afetada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda quando condene em quantidade superior ou em objeto diferente do pedido (art. 615.º, n.º l, als. d) e e), do CPC). No que respeita ao pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é, pois, de grande importância o modo como se mostra formulado, por o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor27.
Revertendo para o caso dos autos, é manifesta a inexistência de qualquer vício da decisão recorrida.
Foram formulados na petição inicial os seguintes pedidos:
a) declarar-se serem os autores donos e legítimos possuidores do imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial e ser a posse exercida pelos réus, naquele referido imóvel, insubsistente, ilegal e de má-fé;
b) condenarem-se os réus a reconhecerem aos autores o referido direito de propriedade sobre o dito objeto e abstendo-se de praticar quaisquer atos que dificultem ou obstaculizem o exercício do direito dos autores, e a restituir-lhes o mesmo, 1.º andar, com entrada pelo n.º 30 de polícia, com todos os seus acessórios e pertences, completamente devoluto e livre de pessoas e coisas que lhes pertença.
O tribunal a quo, após declarar a nulidade da sentença de 1ª instância, decidiu o seguinte:
i) reconhecer ser a autora DD dona e legítima possuidora do imóvel referido no facto provado sob 1 e ser a posse exercida sobre pelos réus ilícita e de má-fé;
(ii) condenar os réus a reconhecerem esse direito de propriedade, abstendo-se de praticar quaisquer atos que dificultem ou obstaculizem o exercício do mesmo; e
(iii) a restituir aos herdeiros da autora (com exceção da 1.ª ré) o imóvel, com todos os seus acessórios e pertences e livre de pessoas e coisas que pertençam aos réus; os réus vão absolvidos do pedido do autor.
Quanto ao primeiro pedido, os autores pediram que ambos fossem declarados donos e legítimos possuidores do prédio, tendo o tribunal a quo declarado ser apenas a autora mulher a dona e possuidora do prédio, o que configura uma condenação por menos do que aquilo que foi peticionado, não se vislumbrando qualquer nulidade.
Também o tribunal a quo julgou procedente o pedido de que fosse declarado ser a posse exercida pelos réus ilícita e de má-fé, havendo uma coincidência integral entre o pedido e o objeto da condenação.
Relativamente ao pedido de que fossem os réus condenados a reconhecerem aos autores o referido direito de propriedade sobre o dito objeto e a absterem-se de praticar quaisquer atos que dificultem ou obstaculizem o exercício do direito dos autores, o tribunal a quo considerou procedente o mesmo, mas apenas relativamente ao reconhecimento do direito de propriedade da autora mulher, o que, mais uma vez, não consubstancia qualquer vício.
Em relação ao último pedido de condenação dos réus a restituir aos autores o referido prédio, tendo em conta que o direito de propriedade do prédio apenas foi reconhecido à autora mulher e esta faleceu durante a pendência da ação, facto que foi comunicado nos autos pela própria 1.ª ré, o tribunal a quo condenou os réus a restituir o imóvel aos herdeiros da autora (com exceção da 1.ª ré).
Não se trata de qualquer alteração do pedido inicialmente formulado, mas apenas a substituição processual da autora falecida pelos seus sucessores, ou seja, os seus herdeiros.
Como veremos adiante, a procedência do incidente de habilitação de herdeiros não implica qualquer modificação da pretensão material das partes, mas apenas a modificação subjetiva da instância, passando a figurar no lugar da parte falecida, as pessoas que lhe sucederam, mas sem que seja proferida qualquer decisão material sobre a partilha dessa herança.
Como bem se afirmou no acórdão recorrido, “há apenas uma modificação subjetiva da instância, permanecendo o seu objeto o mesmo que era inicialmente, pelo que os factos que estão em julgamento são os mesmos e são eles que vão ser dados como provados ou não. Os novos autores têm que aceitar a lide como ela se encontra e o que se vai discutir no processo é a pretensão do autor inicial, julgada à luz do momento em que foram alegados os factos que lhe servem de base”.
Não se vislumbra, assim, que o tribunal a quo tenha conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento ou condenado em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, não se verificando qualquer nulidade da decisão recorrida.
Nestes termos, é manifesto que a decisão proferida pelo tribunal a quo não padece das nulidades previstas no art. 615°/1/d/e, do CPCivil.
Donde que o recurso improcede, quanto à imputação à decisão sob recurso das nulidades previstas no art. 615º/1/d -1ª parte/e, do CPCivil (excesso de pronúncia/condenação para além do pedido).
2.) DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE DEVIDO À CONFUSÃO DA QUALIDADE PROCESSUAL DA RECORRENTE, COMO RÉ E, SIMULTANEAMENTE, COMO AUTORA.
A recorrente alegou que “o tribunal a quo deveria ter declarado extinta a instância por “inutilidade superveniente da lide” por ocorrer “uma total confusão de direitos e obrigações entre todos os litigantes nos autos”, uma vez que assume em simultâneo a qualidade de ré e, após a decisão da habilitação de herdeiros, onde foi habilitada como herdeira da primitiva autora, DD, igualmente a posição processual de autora”.
Mais alegou que foi “nessa “dupla qualidade processual” que foi condenada pelo Tribunal a quo, o que infringe o obrigatório princípio da dualidade das partes no processo civil”.
Assim, concluiu que “a posição processual e material do autor, BB é igual à sua, ou seja, de herdeiro da primitiva autora”.
Vejamos a questão.
A autora mulher faleceu na pendência da presente ação, pelo que, estando em causa apenas direitos patrimoniais, como se entendeu no acórdão do tribunal a quo, o falecimento da parte não torna impossível ou inútil a continuação da lide (art. 269º/3, do CPCivil), implicando antes “a suspensão da instância (artigos 269/1/a e 270/1 do CPC) com efeitos retroativos à data do falecimento, até que sejam habilitados os sucessores da pessoa falecida (art. 276/1/a do CPC), para com eles se prosseguirem os termos da demanda (art. 351 do CPC – esta habilitação serve pois para este fim), sucessores que se substituem à pessoa falecida, passando a ser autores (art. 262/a do CPC)”.
No caso sub judice, o autor sobrevivo deduziu incidente de habilitação dos herdeiros da autora sua mulher, tendo sido proferida decisão em 07-03-2024, que julgou habilitados o autor e os dois filhos daquela, CC (com procuração a favor do autor, com poderes para receber citações em seu nome) e AA, também ré nos presentes autos, a prosseguirem os termos da presente causa na qualidade de herdeiros da falecida autora, decisão essa, notificada às partes em 07-03-2024, e transitada em julgado.
O acórdão do tribunal a quo considerou que, ao terem sido habilitados todos os sucessores da autora falecida, incluindo a aqui ré e recorrente, AA, “a solução que tem sido acolhida, não é a da impossibilidade da lide, mas sim a da irrelevância da posição do réu que seja simultaneamente autor. Só assim não acontece quando só há um sucessor do autor que é o réu, em que se defende a verificação da confusão (…) Pelo que, uma ação de reivindicação em que, no lugar de uma autora falecida, foram habilitados os seus herdeiros, sendo procedente, importará a condenação dos réus a restituírem o imóvel nos termos pedidos na PI, mas aos novos autores enquanto sucessores da primitiva autora, não também ao réu que foi também habilitado como tal”.
Cremos pois, que não merece qualquer reparo a decisão do tribunal a quo.
Se é certo que, em regra, devem ser habilitados como sucessores da parte falecida na pendência da causa todos os seus herdeiros, não pode deixar de se fazer uma restrição que abarque os casos em que do lado passivo da relação processual se encontra algum dos seus co-herdeiros. No caso concreto, depois do falecimento do A., foi feita a habilitação dos respetivos herdeiros, ou seja, da sua mãe, R. nesta ação, e do seu pai, requerente da habilitação judicial. Tal não determina, porém, que a posição ativa na presente ação tenha de ser ocupada por todos eles, tanto mais que o requerente até é o cabeça de casal da herança. Com a presente habilitação, a ação pode e deve prosseguir contra a mesma R., e o resultado que porventura vier a ser declarado integrar-se-á na esfera jurídica da herança indivisa do falecido A., com o destino que lhe vier a ser dado no posterior processo de partilhas. Não existe, pois, qualquer impedimento a que a posição ativa do A. seja ocupada pelo seu pai, na qualidade de co-herdeiro e de cabeça de casal28.
Em igual sentido, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2021-11-17, entendeu-se que a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide só ocorre quando a extinção, por confusão, dos direitos e obrigações das partes atinja todos os litigantes29.
Também no caso dos autos, apenas se poderia equacionar a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se a aqui 1ª ré e recorrente fosse a única herdeira da autora falecida, o que não sucede.
Na verdade, existem outros dois herdeiros habilitados no lugar daquela autora, para além da ré, em concreto, o autor, BB e o habilitado, CC.
Continuou, assim, a existir interesse no prosseguimento da ação, pois estando em causa uma ação de reivindicação de um imóvel pela qual se pede o reconhecimento do direito de propriedade e a respetiva restituição do bem ao seu titular, existindo outros herdeiros interessados que não apenas a ré, o resultado da presente ação integrar-se-á na esfera jurídica da herança indivisa da falecida autora, com o destino que lhe vier a ser dado no posterior processo de partilha.
Integrando o imóvel em causa a herança da autora falecida, é evidente que o destino da presente ação interessa não apenas à ré recorrente, como aos restantes sucessores.
E se está em causa a ocupação ilícita desse imóvel por parte da aqui ré, tanto mais que a mesma não alega sequer que seja a cabeça-de-casal da respetiva herança (pelo critério legal, esse cargo caberá ao marido sobrevivo, ou seja, o autor BB – art. 2080º/1/a, do CCIVIL), é evidente que não se verifica qualquer inutilidade superveniente da lide, improcedendo nesta parte a revista.
3.) SABER SE HÁ ERRO DE JULGAMENTO DO TRIBUNAL AO CONSIDERAR CONFESSADOS OS FACTOS ARTICULADOS PELOS PRIMITIVOS AUTORES E AO JULGAR PROVADOS FACTOS NÃO ARTICULADOS PELOS MESMOS.
A recorrente alegou que em relação à “matéria da abertura da sucessão” e à prova dos factos articulados pelos autores (página 17, 2º §º, do acórdão), o Tribunal a quo incorreu erro de julgamento. Pois “ante o óbito da primitiva Autora decorre a abertura da respetiva sucessão e esta ocorre no momento da morte e só depende da verificação desta. – cfr. art. 2031º do Código Civil (CC)”. Pelo que “a vontade das partes é totalmente ineficaz para produzir o efeito jurídico que pela ação se pretende obter. – cfr. art. 568º/al. c) do CPC. Estando a mesma subtraída ao domínio da vontade das partes e é uma situação jurídica ou interesse indisponível”.
Assim, concluiu que “ao Tribunal a quo estava vedada a possibilidade de considerar confessados os factos articulados pelos primitivos AA. nos autos, nos termos do disposto no arts. 567 e 568º/al. c) do CPC, motivo pelo qual o acórdão recorrido é ilegal”.
A recorrente alegou ainda que “o objeto da confissão ficta que decorre da revelia dos RR. incide e só pode incidir sobre os “factos articulados” pelos AA. na sua petição inicial. – cfr. art. 567º/1, in fine, do CPC”. Pelo que “ao julgar provados factos não articulados pelos AA. o Tribunal a quo infringiu termos do disposto no art. 567º/1, in fine, do CPC”. Pois o incidente de habilitação de herdeiros “não determina qualquer alteração na causa de pedir e/ou nos pedidos antes formulados pelas partes e estabilizada nos autos; isto por força dos princípios do dispositivo, da necessidade de pedido e contradição, igualdade das partes e da boa fé processual, como resulta dos arts. 3º, 4º e 8º do CPC”.
Nesta parte, concluiu que “o Tribunal a quo ao decidir assim extraiu da uma alteração parcial da causa de pedir alegada pelos primitivos AA. da habilitação de herdeiros, como extraiu factos e conclusões que desconsidera, por completo, toda a figuração da lide feita na petição inicial por aqueles”.
Vejamos as questões.
Na página 17, 2º §º, do acórdão do tribunal a quo, reportando-se ao recurso de apelação interposto pela também aqui recorrente, consta o seguinte:
“De a\ a g\: a “matéria da abertura da sucessão”, que a ré diz que o tribunal não podia dar como confessada por força do art. 568-c do CPC, respeita só ao óbito da autora inicial. O óbito da autora está provado pelo assento apresentado pela própria ré, pelo que é evidente que o facto podia ser considerado provado. Entretanto, note-se que esta matéria não foi objeto do despacho 12/05/2024, pelo que a argumentação da ré é, para além do mais, incoerente. Por outro lado, os factos articulados pelos autores na PI estão provados por falta de contestação dos réus no prazo legal de 30 dias, pois que foram notificados da nomeação de patrono (fins de Maio de 2023) muito antes da suspensão do processo devido ao obtido da autora inicial (meados de Setembro de 2023) e pelos meios de prova autêntica implicitamente tidos em conta no despacho de 12/05/2024 (embora com deficiente leitura dos mesmos, seguindo a PI, como já se viu relativamente à certidão predial permanente), pelo que tal despacho não é ilegal”.
A argumentação da recorrente é algo confusa, não tendo identificado em concreto quais os factos concretos que o tribunal não podia declarar como confessados, referindo apenas nas suas alegações a “matéria da abertura da sucessão”.
Tampouco, a recorrente identificou em concreto quais os factos não articulados pelas partes que foram considerados provados.
O único facto concreto que consta da factualidade assente que se reporta à “abertura da sucessão” e que não consta dos articulados iniciais é o próprio falecimento da autora.
Todavia esse facto considera-se provado não por confissão dos réus, mas sim pelo teor do assento de óbito junto aos autos pela própria 1.ª ré, aqui recorrente, pelo que é manifesta a improcedência do alegado no presente recurso.
Com efeito, não foram provados quaisquer outros factos relativos à sucessão da autora.
Se a recorrente se refere ao objeto do incidente de habilitação de herdeiros, no qual se identificaram os sucessores da mesma, tal matéria diz apenas respeito à substituição processual da parte falecida e não contende de qualquer forma com o mérito da presente ação.
Na verdade, “o incidente de habilitação visa promover a substituição de uma parte primitiva pelo seu sucessor na situação jurídica litigiosa; não opera, por si, nenhuma transmissão de direitos nem de obrigações”30.
Ou seja, a habilitação de herdeiros visa apenas o prosseguimento da lide e não torna as habilitadas em titulares da relação material controvertida31,32.
Não se vislumbra, assim, qual o sentido da argumentação da recorrente, uma vez que não foram provados quaisquer factos relativos à sucessão da autora falecida, tendo apenas os seus herdeiros sido habilitados a prosseguir a lide no seu lugar.
Os factos provados referem-se à titularidade por parte da autora falecida do direito de propriedade sobre o imóvel que é objeto da presente ação, à respetiva posse exercida sobre o mesmo e à conduta dos réus que têm ocupado o prédio sem autorização dos autores.
Com exceção dos factos que apenas podem ser provados por documento (nomeadamente, o teor do registo predial, encontrando-se junta aos autos a respetiva certidão) tal factualidade é passível de ser provada por acordo das partes, nada tendo que ver com a abertura da sucessão da parte falecida e muito menos com a futura partilha dessa herança.
Também como já acima foi exposto, o incidente de habilitação de herdeiros não provocou qualquer alteração da causa de pedir ou do pedido, ou seja, não operou qualquer modificação do objeto do processo, mas apenas uma modificação subjetiva – pela impossibilidade evidente da parte falecida continuar a intervir nos autos é a mesma substituída pelos seus sucessores que ocupam o lugar da primitiva autora, aceitando a ação no estado em que ela estiver, mas não são eles próprios titulares da relação material controvertida.
Aliás, o incidente de habilitação de herdeiros não implica sequer, que em processo próprio, seja contestada a própria qualidade de sucessor de alguma das pessoas que foi identificada como tal no referido incidente de habilitação, o qual, como mais uma vez repetimos, tem como única finalidade a substituição da pessoa falecida e não a regulação de como há de operar a sua sucessão.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso de revista.
4.) SABER SE HÁ ERRO DE JULGAMENTO DO TRIBUNAL A QUO AO CONDENAR A RECORRENTE A RESTITUIR O IMÓVEL, DO QUAL É POSSUIDORA COMO OS DEMAIS HERDEIROS COM DIREITO À FRUIÇÃO DO MESMO.
A recorrente alegou que “com a morte do possuidor – no caso da primitiva A. – a posse continua nos seus sucessores independentemente da apreensão material da coisa (cf. art. 1255º do CC) (…). Ou seja, com o óbito do possuidor os sucessores continuam ope legis a posse do antecessor. (…) Assim é nestes autos com todos os herdeiros da primitiva A., incluindo a ora recorrente e com o primitivo A..
Também quanto à titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel, argumenta a recorrente que “com a abertura da herança são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido os sucessores, aqui nestes autos também a recorrente. – cf. arts. 2031 e 2032/1, 2056º/1 e 2 do CC. Ora, ainda que os RR. e a aqui recorrente pudesse ter a posse ou a detenção da coisa objeto do reconhecimento e da restituição antes da morte da sua mãe, certo é que é inquestionável que, com a ocorrência desse facto natural, foi empossada ope legis na posse do bem. Como foi chamada, nessa qualidade e também, à titularidade da correspondente relação jurídica que antes pertencia à sua mãe. Ou, no mínimo, com tal facto natural, ocorreu por força da lei (portanto, e uma vez mais, ope legis) uma verdadeira inversão do título de posse ou de detenção até aí exercida pela recorrente – cf. arts. 1255º e 1265º do CC”.
Assim, concluiu que “todos os herdeiros têm todos o mesmo estatuto legal, a sua qualidade é a mesma, independentemente da medida do seu direito a tal herança indivisa. Como é certo que os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos. – cf. art. 2019º/1 do CC. Ora, assim sendo, como é, se não alcança como possa o Tribunal a quo condenar a recorrente a restituir a coisa – da qual é possuidora como os demais herdeiros e tem direito a fruí-la – “aos herdeiros da autora (com exceção da 1.ª ré). O Tribunal a quo ao excluir a apelante da posse e titularidade do direito sobre aquele bem que integra a herança indivisa de sua mãe infringe o direito da aqui apelante a tal posse e a tal herança onde aquele bem se integra”.
Vejamos a questão.
A recorrente confunde a posição de herdeiro do titular de um direito com a própria titularidade desse direito e argumenta como se fosse a única herdeira da primitiva autora, o que, como já acima se referiu, não corresponde à realidade.
De acordo com o disposto no art. 2031º do CCivil, citado pela recorrente, “a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele”, dispondo o art. 2032º/1, do mesmo código que “aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade”.
Porém, no caso dos autos, a falecida autora deixou a suceder-lhe mais do que um herdeiro, algo que não é posto em causa pela recorrente, pelo que cada um dos herdeiros sucederá numa quota do património da falecida autora (cfr. art. 2030º/2, do CCivil).
De acordo com o disposto no art. 2119º do CCivil, “Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos”.
Ou seja, apenas com a realização da partilha, cada um dos herdeiros será titular de direito de propriedade dos bens que lhe forem atribuídos nessa partilha, retroagindo os efeitos dessa titularidade à data da abertura da sucessão.
Nos autos, não resulta que já tenha existido a partilha da herança da falecida autora, pelo que, como se afirma no acórdão do tribunal a quo, “sendo o imóvel bem próprio da falecida autora mulher, o imóvel, até à partilha [que, repete-se, não há notícia de já ter ocorrido] seria um imóvel da herança que pertencia a todos os herdeiros (…), não passaria a ser logo bem próprio de um qualquer herdeiro qualquer. Só feita a partilha é que cada um dos herdeiros é considerado, retroativamente, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos: art. 2119 do CC [note-se: que lhe forem atribuídos pela partilha, não no testamento]”.
Os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, mas apenas titulares de um direito à herança. É a partilha que faz cessar a comunhão, convertendo os vários direitos à herança em direito de propriedade, ou compropriedade, sobre os bens da herança33.
Com efeito, até à partilha, “os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota”34,35,36.
Temos, pois, como referido no acórdão de 21-04-2009: “Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um. Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança”.
Pires de Lima e Antunes Varela, a propósito do art. 2119.º do CCivil, que prevê a eficácia retroativa da partilha, e da natureza jurídica desta, afirmam expressamente que tal preceito legal não significa que o direito exclusivo do herdeiro sobre coisa certa e determinada da herança exista desde o momento da morte do de cujus.
Ao invés, afirmam que “se não é um negócio atributivo ou constitutivo, também é certo que a partilha não constitui um puro ato declarativo ou recognitivo, pois se trata de um verdadeiro ato modificativo ou de conversão, A partilha converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo a uma parcela determinada do todo. E são muito diferentes, sob vários aspetos, o direito do herdeiro antes da partilha e o direito do mesmo herdeiro posterior à partilha”37.
No mesmo sentido quanto à natureza jurídica da partilha, Oliveira Ascensão, qualifica a mesma como um ato modificativo, que altera situações jurídicas preexistentes, afirmando que “em lugar do direito não exclusivo sobre a totalidade da herança cada um dos herdeiros fica tendo um direito exclusivo sobre elementos determinados. O direito de cada herdeiro amplia-se qualitativamente e restringe-se quantitativamente. De facto, o herdeiro que tinha, como vimos, direito sobre a totalidade e sobre cada um dos elementos componentes, passa a ficar restringido a alguns desses elementos. Isto implica só por si que a partilha não seja título translativo da propriedade. Mas há uma redução quantitativa, uma vez que os elementos restantes passam a estar excluídos dos seus poderes. Por outro lado há uma ampliação qualitativa, uma vez que o herdeiro, como é próprio das situações de contitularidade em geral, estava limitado por deveres em relação aos outros herdeiros, que ou se integram na categoria das relações propter rem de comunhão, ou pelo menos são muito semelhantes a estas. Agora, fica liberto dessas vinculações”38.
Havendo dois ou mais herdeiros, como sucede no caso em apreço, Galvão Telles afirma que “a universalidade é adquirida por todos. O património torna-se comum a todos eles. Além, a um sucede um; aqui a um sucede uma pluralidade. A existência de uma pluralidade faz surgir a ideia de quota: quota do conjunto abstrato que é o património como universitas. A cada herdeiro toca uma parte desse conjunto. Digamos: o bolo é de vários e portanto cada um tem uma fatia39.
Reportando-nos agora aos autos, não existindo ainda partilha, a ré recorrente não é titular de qualquer direito real sobre o imóvel que é objeto da ação, mas apenas titular de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma, mas sem que se conheça se em tal quota se integra o bem imóvel em discussão.
Tal bem pertence à herança no seu conjunto, ou seja, a todos os herdeiros. Também a posse do bem pertence a todos os herdeiros que sucedem na posse desde o momento da morte (art. 1255.º do CCivil). Mas mais uma vez, é expressa a referência a todos os herdeiros e não a algum em particular.
Como a própria recorrente afirma nas suas alegações, nos termos do disposto no art. 2091º do CCivil (indica nas suas alegações, certamente por lapso, o art. 2019º), os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 2075º/1, do CCivil, o herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.
Se a ré recorrente não é a única herdeira, não pode a mesma deter em seu poder, de forma exclusiva, o bem imóvel identificado nos autos e que integra a herança, uma vez que não é titular de qualquer direito real sobre tal bem específico, nem o possui a qualquer título legítimo, não existindo acordo dos demais sucessores da falecida autora, e não sendo a ré recorrente a cabeça-de-casal da referida herança.
Não resultando assente nos autos quem exerce esse cargo, a quem cabe a administração da herança, até à sua liquidação e partilha (cfr. art. 2079º do CCivil), o mesmo é deferido, de acordo com a ordem prevista no art. 2080º/1/a, do CCivil, em primeiro lugar, ao cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal, ou seja, ao autor, BB.
Concluindo, não se vislumbrando, assim, a violação de qualquer preceito legal pelo tribunal a quo quando condenou a ré recorrente a restituir o imóvel aos demais herdeiros, improcedendo, também nesta parte, a revista.
Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de revista, há que confirmar o acórdão recorrido.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento à revista e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido.
3.2. REGIME DE CUSTAS40
Custas pela recorrente (na vertente de custas de parte, por outras não haver41), porquanto a elas deu causa por ter ficado vencida42.
(Nelson Borges Carneiro) – Relator
(Henrique Antunes) – 1º adjunto
(Jorge Leal) – 2º adjunto
_____________________________________________
2. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎
3. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎
4. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎
5. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
6. Cf. p. 17, 2º §º, do acórdão.↩︎
7. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎
8. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
9. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎
10. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎
11. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 139.↩︎
12. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎
13. A omissão de pronúncia implica, caso se verifique, de harmonia com o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, a nulidade do acórdão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-12, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
14. Se o acórdão recorrido conheceu das questões suscitadas na apelação – embora remetendo para a motivação da sentença e sem explicitar, formalmente, a improcedência dessa apelação –, não incorre em nulidade, por omissão de pronúncia – art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2016-05-17, Relator: PINTO DE ALMEIDA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
15. A nulidade do Acórdão pressupõe a verificação de alguma das hipóteses no artigo 615.º, n.º 1, do CPC. A nulidade por omissão de pronúncia advém da falta de resposta a questões que o Tribunal tenha o dever de responder – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-03-16, Relatora: CATARINA SERRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
16. O direito adjetivo civil enuncia, imperativamente, no n.º 1, do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º, 679º e 685º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão. Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa, nomeadamente, a ininteligibilidade do discurso decisório, em razão do uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-03-07, Relator: OLIVEIRA ABREU, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
17. O tribunal só tem que se pronunciar sobre questões (artigo 660, nº2 do CPC), entendendo-se como tal as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres, ou doutrinas expendidas pelas partes – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-05-13, Relator: FERREIRA GIRÃO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
18. A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais suscitadas pelos litigantes (ou de que se deva conhecer oficiosamente), cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras, não se considerando como tal os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados, até porque o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-03-08, Relator: MÁRIO BELO MORGADO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
19. A nulidade das decisões judiciais por omissão de pronúncia, prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código de Processo Civil "quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar" - aplicável aos acórdãos das Relações por força do artigo 716.º, n.º 1, e aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça por força do artigo 732.º, ambos do mesmo Código - constitui cominação ao incumprimento do disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º do citado Código, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-10-16, Relator: MÁRIO TORRES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
20. Verifica-se o vício da omissão de pronúncia, previsto no art. 615.º n.º 1 d), do C.P.C., gerador da nulidade da decisão, quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes ou que seja do conhecimento oficioso – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-06-01, Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
21. Somente se poderá concluir pela verificação de uma omissão de pronúncia suscetível de integrar a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615º do atual CPC, quando uma determinada questão (que não seja mero argumento, consideração ou razão de fundamento) que haja sido suscitada pelas partes, não tenha sido objeto de qualquer apreciação e/ou decisão por parte do juiz – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-10-28, Relator: JOSÉ FEITEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
22. Não integra omissão de pronúncia o facto de não se ter conhecido de questão cuja apreciação ficara prejudicada pela decisão dada a outra questão – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2002-04-17, Relator: MÁRIO TORRES, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
23. A nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia não deriva de omissão de análise de motivação ou argumentação fáctico-jurídica desenvolvida pelas partes, mas de omissão de apreciação de questões propriamente ditas, ou seja, de pontos essenciais de facto ou de direito em que aquelas centralizaram o litígio, incluindo as exceções – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2004-07-01, Relator: SALVADOR DA COSTA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
24. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-09-29, Relator: FERNANDO BAPTISTA, Processo: 605/17.0T8PVZ.P1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎
25. É o pedido formulado pelo autor na petição que baliza a intervenção do tribunal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-22, Relatora: GRAÇA AMARAL, Processo: 351/20.8T8ORM.E1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
26. É o pedido formulado pelo autor na petição que baliza a intervenção do tribunal – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-02-22, Relatora: GRAÇA AMARAL, Processo: 351/20.8T8ORM.E1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
27. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2024-01-09, Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES, Processo: 5766/20.9T8GMR.G1.S1 https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
28. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-04-19, Relator: ABRANTES GERALDES, Processo: 2467/13.8TBCSC.L1.S1 - 2.ª Secção, inédito, sumário publicado em www.stj.pt.↩︎
29. Tendo esse aresto sido proferido numa ação especial de prestação de contas, no que respeita à administração do património pertença de um casal formado por um dos autores nessa ação e a respetiva esposa, entretanto falecida, afirmou-se na respetiva fundamentação do acórdão do STJ, citando o acórdão da Relação proferido nesses autos, que “sejam dois ou vinte os herdeiros, subsiste a pertinência da questão da prestação de contas: em conformidade com o disposto no artigo 2093º, nº 1, do Código Civil, o cabeça-de-casal está obrigado a prestar contas. Se na pendência da administração dos bens pelo cabeça-de-casal falecer um ou vários herdeiros, desde que a totalidade dos interesses administrados não se reúnam subjetivamente numa única pessoa, o cabeça-de-casal continua obrigado a prestar contas perante o herdeiro não administrador - Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, Processo: 391/17.4T8GMR.G1.S1, https:// www.dgsi.pt/jstj.↩︎
30. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-01-31, Relator: PINTO DE ALMEIDA, Processo: 7981/09.7T2SNT-B.L1.S1, inédito, sumário em www.stj.pt.↩︎
31. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2015-04-14, Relator: HÉLDER ROQUE, Processo: 1837/10.8TBCTB.C1.S1 - 1.ª Secção, sumário em www.stj.pt.↩︎
32. Vejam-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2009-12-10, Relator: GARCIA CALEJO, Processo: 2648/08 - 1.ª Secção e, de 2007-05-08, Relator: GARCIA CALEJO, Processo: 1107/07 - 6.ª Secção, ambos inéditos, encontrando-se os sumários em www.stj.pt.↩︎
33. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2020-07-02, Relator: FERREIRA LOPES, Processo: 24726/17.0T8PRT.P1.S1, https://juris.stj.pt/.↩︎
34. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2013-01-30, Relator: ÁLVARO RODRIGUES, Processo: 1100/11.7TBABT.E1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
35. A comunhão hereditária constitui coisa diversa da compropriedade, com a qual não se pode confundir, já que os herdeiros não são titulares simultâneos de uma mesma coisa, mas antes titulares de um direito à herança, como universalidade, não se sabendo, contudo, sobre qual dos bens em concreto o respetivo direito ficará a pertencer, não comportando assim uma declaração de propriedade sobre uma realidade não determinada – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2012-03-29, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, Processo: 680/2002.L1.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
36. Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um “. Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-04-21, Relator: AZEVEDO RAMOS, Processo: 635/09, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
37. Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, 1998, pp. 195/96.↩︎
38. Direito Civil, Sucessões, 4ª ed. Revista, Coimbra editora, 1989, pp. 558/59.↩︎
39. Direito das Sucessões: Noções Fundamentais, 6.ª ed. Reimpressa, Coimbra editora, 1996, p. 187.↩︎
40. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/2010, de 2010-07-14 e, nº 708, de 2013-10-15, https://www.tribunalconstitucional.↩︎
41. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎
42. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎
43. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎
44. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎