INSTRUÇÃO REQUERIDA PELO ASSISTENTE
ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO
Sumário


1. O requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente pode ter por base um despacho de arquivamento expresso ou implícito.
2. A lei permite esta interpretação pois no artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, estatui que a abertura da instrução pode ser requerida (…) pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
3. Isto é, a lei não erige, em absoluto, o arquivamento como pressuposto da instrução requerida pelo assistente, pois, não obstante o mencionar no n.º 1 da norma citada, acaba por permitir a abertura dessa fase processual em relação também a factos pelos quais o Ministério Público não tenha deduzido acusação, e não apenas no concernente àqueles em relação aos quais o Ministério Público tenha expressa e formalmente arquivado o inquérito.

Texto Integral


I RELATÓRIO

1
No processo n.º 3049/21...., do Juízo de Instrução Criminal de Braga – J ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferido despacho de rejeição dos requerimentos de abertura da instrução apresentados pelos assistentes AA e BB.

2
Não se tendo conformado com a decisão, o assistente AA apresentou recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. O douto despacho impugnado rejeitou o requerimento de abertura de instrução formulado pelo Assistente e ora Recorrente, com o fundamento de que o MINISTÉRIO PÚBLICO “nada disse” no despacho de encerramento do inquérito sobre os factos descritos no RAI e que, por isso, não foram objeto, nesse despacho, de decisão de acusação ou de arquivamento.

2. A partir dessa omissão, considerou o douto despacho recorrido que tais factos não constituíram objeto do inquérito nem foram investigados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, pelo que não é admissível instrução quanto a eles, sob pena de o Juiz de Instrução usurpar a titularidade do inquérito, subvertendo a natureza acusatória do processo penal.

3. Estes pressupostos que alicerçam o douto despacho recorrido não são verdadeiros senão quanto à omissão do despacho de encerramento do inquérito.

4. Os factos de que se trata foram objeto da queixa que deu origem ao processo de inquérito nº 3187/21.... – que viria a ser integrado no presente processo como Apenso C – e de aditamento à mesma queixa (cfr fls 3 e segs e fls 15 e segs do Apenso C);

5. com base nessa queixa e dos factos nela descritos e imputados à Denunciada, o inquérito foi aberto, registado e autuado sob enquadramento do crime de difamação e denúncia caluniosa, e tais factos foram investigados no inquérito. Assim:

7. a Denunciada foi constituída  Arguida (cfr fls   858), prestou TIR (cfr fls 856) e foi interrogada, nessa qualidade, sobre tais factos (cfr fls 802 e 852);

7. foram inquiridas testemunhas sobre os reditos factos, designadamente CC (cfr fls 455 e 1020) e DD (cfr fls 487 e 1020-vº);

8. além dos documentos juntos pelo Recorrente, foi recolhida prova documental por iniciativa do titular da ação penal – cfr fls 810 e 838 e segs.

9. Não sendo, como não são, verdadeiros os pressupostos em que assenta o douto despacho, quanto ao objeto do inquérito e à investigação dos factos, claudica a razão invocada pelo douto despacho recorrido para rejeitar o requerimento de abertura de instrução.

10. O Recorrente não pediu nem pede que o JUIZ DE INSTRUÇÃO investigue factos, antes e apenas que analise os indícios recolhidos e que decida se não ou não suficientes para proferir despacho de pronúncia pelos crimes de denúncia caluniosa que foram objeto de queixa, determinaram a abertura de inquérito, a constituição e interrogatório da Denunciada como Arguida, a realização de diligências de diligência de prova (recolha de documentos, inquirição de testemunhas, etc).

11. Porque, no despacho de encerramento do inquérito, o MINISTÉRIO PÚBLICO não deduziu acusação nem decidiu o arquivamento por tais factos (ou, como nota o douto despacho recorrido, “nada disse” sobre eles), o Recorrente teve de optar entre a reclamação hierárquica visando determinar que fosse formulada acusação (artº 278º, CPP), e o requerimento de instrução (al. b) do nº 1 do artº 287º, CPP).

12. Se optasse pela primeira alternativa e fosse indeferida a sua pretensão, o Recorrente não poderia recorrer e ficaria privado dum direito fundamental.

13. Daí o ter optado pela segunda alternativa, que está prevista na citada alínea b) do nº 1 do artº 287º, CPP, e cujos requisitos estão preenchidos pelo requerimento de abertura de instrução rejeitado.

14. Salienta-se que o quadro factual e jurídico que suporta o Acórdão do TRL de 30/12/2009 e a anotação de FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, invocados pelo douto acórdão recorrido, é profunda e radicalmente distinto do que delimita o caso vertente, desde logo porque neste a instrução foi requerida contra pessoa em relação à qual a investigação foi dirigida.

15. Ao decidir rejeitar o requerimento de instrução, o douto despacho recorrido violou o disposto, entre outros, nos artos 20º, 1 e 5, e 32º, 4 e 7, CRP, e 287º, 1, b), CPP, pelo que deve ser revogado.

3
(…)

4
O Ministério Público respondeu ao recurso apresentado pelo assistente AA, concluindo pelo modo seguinte:

1 – Os factos foram denunciados, investigados e a denunciada constituída arguida.
2 – O Ministério Público entendeu que estavam reunidos indícios da prática de crime de difamação e notificou o assistente para deduzir acusação particular.
3 – O assistente entende que os factos integram a prática de crime de difamação (e deduziu acusação particular) mas também de três crimes de denúncia caluniosa e requereu a abertura de instrução.
4 – O que se discute é, pois, a qualificação jurídica dos factos.
5 – Assim, entendeu que o RAI deveria ter sido admitido e aberta a instrução.
Nestes termos, deverá o recurso interposto pelo assistente ser procedente, revogado o despacho de rejeição da instrução e determinada a abertura de instrução.

5
(…)

6
A assistente BB respondeu ao recurso apresentado pelo assistente AA, propondo a sua improcedência.

7
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação de Guimarães, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso apresentado pelo assistente AA, e pela improcedência do recurso apresentado pela assistente BB.

8
Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, em relação ao qual a assistente BB veio responder.

9
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

II FUNDAMENTAÇÃO

1 Objeto dos recursos:

A
Do assistente AA:

O requerimento de abertura da instrução deve ser rejeitado porque os factos nele referidos não foram objeto da decisão do Ministério Público?

(…)

2 Decisões recorridas:
           
1. Requerimento de abertura da instrução (rai) de AA
Face ao despacho de arquivamento proferido pelo MP (fls. 1008 ss) ao abrigo do disposto no artigo 277.º/2 do CPP, vem AA na qualidade de assistente requerer a abertura da instrução (fls. 1066 e ss) contra a arguida EE com pretensão de pronúncia desta pela prática de três crimes de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.º/1 e 2 do Código Penal (CP).

Desde já se adianta, salvo o devido respeito por diversa posição, que em face dos termos do concreto despacho de arquivamento não se vislumbra que o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo requerente/assistente possa ser admitido.
Na verdade, a factualidade o objecto do processo que importa ao caso decidido foi configurado pelo MP como enquadrando em abstracto a prática de um crime de violência doméstica e um crime de abuso de confiança e tendo por agente dos factos, no que aqui importa, AA.
Por isso mesmo, a final do seu despacho, o MP determinou a notificação do arquivamento à denunciante EE e ao arguido AA.
Ora, nos termos do artigo 287.º/1-b) do CPP, o assistente pode requerer a abertura da instrução relativamente a factos pelos quais o MP não tiver deduzido acusação, mas, adianta-se, relativamente a factos que tenham sido investigados e cobertos pelo caso decidido.
Acontece que o MP no despacho de arquivamento que proferiu nada disse quanto aos factos que ora o assistente pretende que configurem o objecto da instrução (aliás, segundo se percebe, alguns dos factos que o assistente verte no rai foram praticados no âmbito deste processo).
Ou seja, temos no requerimento de abertura da instrução a delimitação de um objecto do processo totalmente novo.
E se é assim, como se afigura ser, o MP não dirigiu a investigação relativamente a estes factos, pelo que a instrução requerida é legalmente inadmissível (cfr. RPCC, ano 19, n. 4, Outubro-Dezembro de 2009, com anotação concordante de Figueiredo Dias e Nuno Brandão ao acórdão do TRL de 30/12/2009).
Na verdade, é a decisão do MP – no caso de arquivamento – que é objecto imediato de apreciação judicial e só dentro dos seus limites se mostra legítimo o controlo respectivo (Comentário Judiciário do Código de Processo Penal Tomo III, p. 1194). Como tal por via da pretensão do assistente, a admitir-se o requerimento, estar-se-ia a transformar o JIC em “titular” da acção penal, substituído assim o MP, a quem a lei atribui competência para a realização do inquérito (artigo 263.º/1 do CPP).
Importa assim que os factos trazidos ao rai passem pelo crivo de investigação e de decisão final do MP. E como não passaram, estamos em presença de uma instrução que não pode ser aberta por a lei não o permitir (inadmissibilidade legal) – artigo 287.º/3 do CPP.
Chegados aqui, impõe-se a rejeição do requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente AA, o que decido.
Custas pelo assistente AA, fixando-se a taxa de justiça em mais 1 UC – artigo 8.º/1 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.

*
**
(…)

3 O direito.

A Do assistente AA:

O requerimento de abertura da instrução deve ser rejeitado porque os factos nele referidos não foram objeto da decisão do Ministério Público?

No que respeita ao aqui recorrente enquanto denunciante/assistente, o objeto do processo teve início com a denúncia que apresentou contra a ora recorrida, constante de fls. 3/6 do apenso C dos autos, da qual consta, no essencial, a factualidade que veio a integrar acusação particular por ele deduzida pela prática de cinco crimes de difamação agravada com publicidade e calúnia, p.p. pelos artigos 180.º e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal. Tal acusação foi acompanhada pelo Ministério Público, mas apenas pela prática de um crime – note-se que naquela denúncia o ora recorrente já atribuía à ora recorrida as atividades de divulgar e denunciar factos ofensivos da honra e consideração, imputando-lhe a prática de ilícitos criminais e disciplinares.
A referida acusação foi proferida na sequência de despacho do Ministério Público, prolatado após o termo do inquérito, com o seguinte teor:

Notifique a(o) assistente AA nos termos do disposto no artigo 285º, n.1 do Código de Processo Penal, com a indicação de que, em face das diligências probatórias realizadas e da conjugação dos elementos probatórios disponíveis, se considera suficientemente indiciado a prática, pelo(a/s) arguido (a/s) BB, em autoria imediata e na forma consumada de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo artigo 180.º, nº 1 do Código Penal e 183.º, n.º 2 do Código Penal.

Da aludida denúncia constam ainda os factos que o ora recorrente alinha agora no requerimento de abertura de instrução, através do qual pede que seja a ora recorrida pronunciada pela prática do crime de denúncia caluniosa.

Ora, como acertadamente se refere na resposta e parecer do Ministério Público ao recurso que ora se decide, os factos que agora se elencam como integrando a prática do imputado crime de denúncia caluniosa constituíram, igualmente, objeto do inquérito, sendo certo que, contudo, o detentor da ação penal, finda a investigação, entendeu que toda essa factualidade indiciada era subsumível apenas à prática de um crime de difamação agravada com publicidade e calúnia, p.p. pelos artigos 180.º e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal – não o diz expressamente, é certo, e designadamente não se refere ao crime de denúncia caluniosa, embora na parte final do despacho de arquivamento aluda ao tratamento disciplinar dado pela Ordem dos Médicos em relação às imputações factuais dirigidas pela recorrida ao recorrido a este respeito, cuja decisão final se traduziu num arquivamento, mas pode deduzir-se esse pensamento da decisão de notificação para deduzir acusação pelo crime de difamação, acima transcrita, querendo com isso subsumir-se a factualidade indiciada apenas ao crime de difamação.
Por outro lado, no que concerne ao crime de denúncia caluniosa, falta ao assistente a legitimidade para a promoção do processo penal respetivo. Assim, uma das possibilidades que se lhe depara para reagir contra esta decisão do Ministério Público é, precisamente, requerer a abertura da instrução, e pedir ao tribunal competente que considere indiciada a referida factualidade desde sempre denunciada, e que pronuncie a arguida nos termos pretendidos, determinando a sua sujeição a julgamento pela prática do aludido crime de denúncia caluniosa.
É certo que também se afigura possível que o aqui recorrente tivesse apresentado a sua pretensão através do mecanismo da intervenção hierárquica, previsto no artigo 278.º do Código de Processo Penal, pedindo que se proferisse a ordem para acusar também por denúncia caluniosa.

Todavia, para se espoletar o mecanismo em causa, necessário é que, ou esteja já ultrapassado o prazo para requerer a abertura da instrução (n.º 1 da norma citada), ou que o interessado tenha optado por não requerer a abertura da instrução (n.º 2 da norma citada). Ou seja, são direitos processuais que mutuamente se excluem – ou se opta pela intervenção hierárquica ou se opta pela instrução. O recorrente optou pela instrução. Disso nos dá conta o recorrente na sua motivação, esclarecendo que decididamente opta pela instrução e não pela via hierárquica, o que é um direito seu, indubitavelmente.

Estatui o artigo 286.º do Código de Processo Penal que:

Finalidade e âmbito da instrução
1 - A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
2 - A instrução tem carácter facultativo.
3 - Não há lugar a instrução nas formas de processo especiais.

Por seu turno, o artigo 287.º do mesmo diploma legal prevê que:

Requerimento para abertura da instrução
1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas.
3 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
4 - No despacho de abertura de instrução o juiz nomeia defensor ao arguido que não tenha advogado constituído nem defensor nomeado.
5 - O despacho de abertura de instrução é notificado ao Ministério Público, ao assistente, ao arguido e ao seu defensor.
6 - É aplicável o disposto no n.º 14 do artigo 113.º

Como se vê, em ambos os casos a lei refere o arquivamento como pressuposto do requerimento da abertura da instrução por parte do assistente.
Todavia, nos presentes autos não consta, pelo menos de modo expresso, qualquer despacho de arquivamento em relação ao acervo factual aos autos aportado pelo assistente.
A decisão recorrida funda-se, essencialmente, no seguinte:

Acontece que o MP no despacho de arquivamento que proferiu nada disse quanto aos factos que ora o assistente pretende que configurem o objecto da instrução (aliás, segundo se percebe, alguns dos factos que o assistente verte no rai foram praticados no âmbito deste processo).
Ou seja, temos no requerimento de abertura da instrução a delimitação de um objecto do processo totalmente novo.
Em nosso entender, não é acertada esta posição.
Na resposta ao recurso, o Ministério Público afirma que o que se discute é, pois, a qualificação jurídica dos factos, e propõe que o requerimento de abertura da instrução seja recebido. Em nosso entender, não será apenas isso que está em causa nos autos. A questão é discutida, mas afigura-se que, em regra (exceção: arquivamento com o fundamento de que os factos não constituem crime), não é admissível a abertura da instrução com o fim exclusivo da qualificação jurídica dos factos – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 2.ª Edição atualizada, pag. 751, nota 6.
Tal como se reconhece no parecer junto aos autos nesta instância:
 “Não obstante não ter subsumido criminalmente a factualidade denunciada, é pacífico que, em abstrato, a investigação a realizar teria de incidir sobre a recolha de indícios suficientes da verificação, ou tão somente do(s) crime(s) de difamação com publicidade e calúnia, ou deste em concurso efetivo com o(s) crime(s) de denúncia caluniosa. Ora, tal inquérito foi mandado apensar ao inquérito 3049/21...., ou seja, o processo aqui em causa, pelo que, consequentemente, passou a constituir também o seu objeto. E efetivamente foi o que aconteceu, porquanto o titular procedeu às pertinentes diligências de investigação, nomeadamente a constituição de arguida da denunciada, a inquirição de testemunhas indicadas, e a recolha de documentação.”

Assim temos uma denúncia, um inquérito (apensado ao principal, recorde-se), e uma decisão final, a qual, expressamente, apenas se refere o seguinte:
Em abstracto, a factualidade descrita é susceptível de integrar a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.°, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal, e um crime de abuso de confiança, p. e p.  pelo artigo 205.º, n.º 1 do Código Penal.
Em relação a estes crimes foi proferida decisão expressa de arquivamento.
Quanto ao processo apensado (originado com a queixa do ora recorrente), apenas se proferiu a ordem de notificação ao assistente para acusar por difamação, acima transcrita.
Nada se disse no que concerne à factualidade que, em abstrato, se poderia subsumir ao crime de denúncia caluniosa.

No já mencionado parecer, o Ministério Público defende que ao entender desta forma, não estava legalmente obrigado a fundamentar o seu entendimento de não existirem indícios suficientes da prática do crime de denúncia caluniosa.
Nos diríamos que estava, e que, não o tendo feito, algo de anómalo impregna esta decisão.
Nesta situação, entendemos que “está em causa a impugnação de uma espécie de arquivamento implícito” – cfr. João Conde Correia, in Questões Relativas ao Arquivamento e à Acusação e à sua Impugnação, Publicações Universidade Católica, Porto 2007, pag. 161.

A lei permite esta interpretação pois no artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, acima transcrito, estatui que a abertura da instrução pode ser requerida (…) pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. Isto é, a lei não erige, em absoluto, o arquivamento como pressuposto da instrução requerida pelo assistente, pois, não obstante o mencionar no n.º 1 da norma citada, acaba por permitir a abertura dessa fase processual em relação também a factos pelos quais o Ministério Público não tenha deduzido acusação, e não apenas em relação àqueles em relação aos quais o Ministério Público tenha expressa e formalmente arquivado o inquérito.
Assim, verifica-se que houve denúncia e inquérito (cfr. conclusões 4 a 8, que fielmente reproduzem o processado), e decisão implícita de arquivamento em relação aos crimes de denúncia caluniosa que o ora recorrente inseriu no objeto da instrução por si apresentada nos autos, ao requerer ao tribunal competente que comprove o referido arquivamento implícito, se entender ser essa a decisão correta, ou que pronuncie a arguida ora recorrida, nos termos pretendidos, se entender que existem indícios suficientes para tal. É na verdade essa a finalidade da comprovação, uma vez que a instrução é uma garantia – ou seja, os sujeitos processuais têm a garantia de que a decisão do Ministério Público possa ser comprovada pelo juiz de instrução para se tornar definitiva, ou alterada, se essa comprovação não for cabida segundo o critério do poder jurisdicional.

Assim sendo, o recurso deve proceder, revogando-se o despacho recorrido nesta parte.

(…)

III DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:
A) Julgar procedente o recurso interposto pelo assistente AA, e, em consequência, revogar a decisão recorrida na parte em que rejeitou o requerimento de abertura da instrução por este apresentado;
(…)
Guimarães, 25 de Março de 2025,

Os Juízes Desembargadores           

Bráulio Martins
Pedro Freitas Pinto
Florbela Sebastião e Silva