I - Sendo o despacho de não concessão de licença de saída jurisdicional um ato decisório do juiz, está sujeito ao dever geral de fundamentação previsto no artigo 97º, n.º 5, do Código de Processo Penal e no artigo 146.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (C.E.P.), impondo-se a especificação dos motivos de facto e de direito da decisão, de forma a permitir a sua impugnação e o reexame da causa pelo tribunal de recurso.
II - A decisão recorrida, por não concretizar, especificar ou densificar a análise dos requisitos materiais previstos no artigo 78º, do C.E.P., revelando-se omissa quanto à sua apreciação crítica e concreta, não permite ao tribunal de recurso aferir se a avaliação da não verificação desses pressupostos é ou não fundada.
III - A violação do dever de fundamentação constitui mera irregularidade, sujeita, em princípio, ao regime fixado no artigo 123º, nº 1, do Código de Processo Penal.
IV - Todavia, se, por força da falta de fundamentação da decisão recorrida, não puderem ser decididas as questões suscitadas no recurso, pode a referida irregularidade ser conhecida oficiosamente pelo tribunal ad quem, de acordo com o preceituado no artigo 123º, nº 2, do Código de Processo Penal.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Tribunal de Execução de Penas do Porto– ... – Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. A condenada AA veio interpor recurso da decisão proferida, 03.10.2024, no processo de Licença de Saída Jurisdicional, pela Senhora Juíza do Tribunal de Execução das Penas do Porto ..., que indeferiu o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional que a por si apresentado.
Este é, na parte aqui relevante, o texto da decisão recorrida [cujo formato se procurou reproduzir]:
«[…] Para além dos elementos já constantes dos autos, relativos à situação jurídico-penal/prisional e disciplinar da reclusa, que aqui se dão por reproduzidos (dos quais emerge mostrar-se cumprido o 1/4- 1/6 da pena ou da soma das penas com o mínimo de seis meses, a inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada a prisão preventiva, bem como a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos doze meses que antecederam o pedido em presença) [obtidos através do cumprimento, pela secção de reclusos do estabelecimento prisional, do previsto no artº 189º/3ª)b)CEP] com interesse para a decisão a proferir, apuraram-se, em resultado da análise e discussão ocorridas no decurso da reunião do Conselho Técnico, as circunstâncias que a seguir se enumeram.-
1 - A reclusa encontra-se presentemente em regime -x- comum -- aberto e mostra-se detida em estabelecimento prisional pela l. a vez, não tendo em anterior privação da liberdade beneficiado de liberdade condicional (regime que -- não foi -- objeto de revogação). -
2 - A reclusa no decurso da presente reclusão -x- não beneficiou -- já beneficiou de licença de saída (neste último caso, com avaliação -- positiva negativa -- ). -
3 - O comportamento da reclusa no âmbito do estabelecimento prisional tem-se revelado -x- estável ou regular -- instável ou irregular. —
4 - A reclusa nos últimos seis meses -x- não foi -- foi alvo da aplicação de medida(s) de natureza disciplinar,
5 - A reclusa, no que se refere a comportamentos aditivos, denota -- afastamento -- manutenção do consumo de estupefacientes/álcool. -
6 - A reclusa -x- desenvolve/participa -- não desenvolve/não participa, de forma empenhada, atividade laboral, de formação profissional ou escolar/em programa específico de aquisição ou reforço de competências pessoais e sociais. -
7 - A reclusa -x- revela -- não revela adequadas interiorização dos fundamentos da condenação e consciência crítica em relação aos factos ilícitos por si praticados. -
8 - A reclusa, em meio livre, -- não dispõe -x- dispõe de apojo familiar/social/institucional, revelando-se o mesmo neste último caso, -x- consistente -- inconsistente. -
9 - No meio social em que a reclusa está inserida/pretende gozar a licença de saída -x-não existe -- existe rejeição/resistência à sua presença. -
Tendo em conta todo o descrito circunstancialismo, considerados os pareceres emitidos [ponderado o disposto nos artºs 76º/1/2; 77º/6, 78º, 79º CEP], decido:
-x- Não conceder a requerida licença de saída jurisdicional por, dadas as evidenciadas circunstâncias do caso,
-- não se verificar fundada expectativa de que a reclusa não se subtrairá à execução da pena;
-- não se verificar fundada expectativa de que a reclusa se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, dados os conhecidos antecedentes da sua vida;
-x- a sua saída, nesta fase da execução da pena, não se mostrar compatível com a defesa da ordem e da paz social, nomeadamente em função das fortes necessidades de prevenção geral que concorrem no caso;
-x- a sua situação jurídico-penal não se mostrar ainda totalmente definida, em função da existência de processo(s) pendente(s) de decisão final;
-x- carecer de inverter/consolidar o seu percurso pessoal/prisional atenta a sua apurada evolução no decurso da execução da pena;
-- a sua problemática aditiva não se mostrar ultrapassada ou controlada;
-- não dispor de apoio familiar estruturante;
a medida em causa não se mostrar adequada nem útil no presente caso, em função da imposta pena acessória de expulsão do território nacional/medida judicial/administrativa de afastamento do território nacional;
Em função do indeferimento agora decidido [nos termos do preceituado no artº 84º CEP], a reclusa não poderá apresentar novo pedido de concessão de licença de saída jurisdicional antes de decorridos quatro meses sobre a presente data, não devendo a secretaria do estabelecimento prisional receber novo requerimento sem que tenha decorrido o mencionado prazo. —[…].
-- Conceder ao recluso, em função do período de tempo de prisão já cumprido, do positivo trajecto pessoal/prisional evidenciado, da existência de condições compatíveis em meio livre e do seu consentimento, emergindo este último do pedido por si formulado, a requerida licença de saída jurisdicional, a gozar entre os próximos dias _______________, com o horário de saída e regresso a este estabelecimento prisional constante do mandado a emitir, mediante a imposição das seguintes condições, cujo incumprimento poderá dar origem a revogação:
A. Regressar a este estabelecimento prisional até ao termo do prazo determinado (dia e hora fixados);
B. Residir, durante o período da licença, na morada por si mencionada no requerimento ou naquela que for indicada pela DGRS, a constar do mandado a emitir;
C. Não consumir substâncias estupefacientes, nem efectuar consumos excessivos de bebidas alcoólicas;
D. Não frequentar zonas ou locais conotados com actividades delituosas, nem acompanhar pessoas conotadas com a prática de tais actividades;
E. Manter conduta social regular, com observância dos padrões normativos vigentes; […]».
Apresentou a recorrente a seguinte síntese conclusiva (transcrição):
«I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida nos presentes autos por Ata de 03OUT2024, que, de forma tabelar e por escolha de frases pré inscritas, seleccionou e assinalou: «Não conceder a requerida licença de saída jurisdicional por, dadas as evidenciadas circunstâncias do caso, (…) não se verificar fundada expectativa de que a reclusa se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, dados os conhecidos antecedentes da sua vida; a sua saída, nesta fase da execução de pena, não se mostrar compatível com a defesa da ordem e da paz social, nomeadamente em função das fortes necessidades de prevenção que concorrem no caso; a sua situação jurídico-penal não se mostrar ainda totalmente definida, em função da existência de processo(s) pendente(s) de decisão final; carecer de consolidar o seu percurso pessoal/prisional atenta a sua apurada evolução no decurso da execução da pena.»
II. Esta selecção de frases pré inscritas não descreve o caso concreto sob análise nem fundamenta o sentido da decisão judicial tomada pelo julgador.
III. Desta forma não é permitido ao intérprete compreender o percurso decisório efectuado pelo julgador para alcançar a decisão tomada.
IV. A Recorrente encontra-se em Regime Aberto há mais de 30 meses, ao contrário do que vem assinalado no ponto 1, cuja escolha foi assinada pela opção «A reclusa encontra-se presentemente em regime comum».
V. Tal escolha ter-se-á devido, certamente, a lapso.
VI. A não ter sido lapso, desde já se invoca a falsidade da caracterização da situação jurídico penal da Recorrente, conforme vem assinalada na Acta do Conselho Técnico.
VII. Da Acta elaborada em 04ABR2024 (Apenso H) não constam as mesmas opções como “motivo/causa/justificação da não concessão da licença de saída jurisdicional.
VIII. A escolha de cruzes aparenta ser aleatória aos olhos da Recorrente.
IX.O ponto 7 da Acta de 03OUT2024 encontra-se emendado, sem que seja vísivel qualquer ressalva de tal rasura, pelo que assim sendo é falso ou foi falsificado.
X. Pelo que se impõe o controlo desta decisão leviana e tabelar por Tribunal Superior.
DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS
• Artigo 78.º do CEPMPL
• Artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa».
«A reclusa AA, identificada nos autos, veio recorrer da decisão proferida em 4/4/2024, através da qual foi indeferido requerimento para concessão de licença de saída jurisdicional por si subscrito.
Cabe proferir despacho liminar nos termos do disposto no artigo 414.º do CPP, dispondo o artigo 235.º, n.º 1, do CEP, que das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei, princípio que constitui uma especialidade em relação ao consagrado na lei processual penal geral (artigo 399.º do CPP).
Das disposições conjugadas desse artigo e do artigo 196.º, n.º 1 e n.º 2, também do CEP, resulta que o recluso não pode interpor recurso da decisão em causa.
Sobre esta matéria, num primeiro momento, pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 560/14, de 15.07.2014, tendo então sido julgado que este regime legal não enferma de qualquer inconstitucionalidade material, remetendo-se para o então ali aduzido.[1]
Contudo, em sentido diferente, no que configura uma evolução jurisprudencial, pronunciou-se recentemente o mesmo Tribunal no Acórdão n.º 652/2023, de 10.10.2023, do qual se transcrevem os seguintes segmentos: Não é aceitável, à luz do direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição, que uma decisão que interfere diretamente com a (possibilidade de) liberdade do recluso (entendida essa interferência com a latitude decorrente da declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 560/2014, cujas razões aqui se dão por reproduzidas e se acolhem, designadamente ao salientar que para quem se encontra a cumprir uma pena de prisão, a liberdade, temporária mas não custodiada, inerente a uma saída de licença jurisdicional, não pode deixar de significar um bem de valor incomensurável, não só pela liberdade em si, como também pela relevância em termos de manutenção e promoção dos laços familiares e sociais cfr. item 2.2., supra e embora não tanto como as que se relacionam com a liberdade condicional), dependente de pressupostos objetivos que um tribunal superior pode controlar, conheça apenas um grau de jurisdição por impulso do recluso, menos ainda quando a lei prevê o acesso a um segundo grau de jurisdição pelo Ministério Público, que, embora esteja vinculado a critérios de legalidade, não é o principal afetado pela decisão que nega a concessão da licença. Se estas razões militariam já a favor do reconhecimento do direito ao recurso, em um grau, de qualquer decisão que indefira liminarmente o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional, a conclusão sai reforçada nas hipóteses de decisões com fundamento na verificação de que a situação jurídico-penal do recluso não se encontra estabilizada.
Considerando que a concessão da licença depende dos requisitos previstos no artigo 78.º, n.º 1, do CEPMPL (fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social; e fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade), sendo ponderadas as circunstâncias indicadas no n.º 2 do mesmo artigo (a evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade; as necessidades de proteção da vítima; o ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar; as circunstâncias do caso; e os antecedentes conhecidos da vida do recluso), entende-se que a falta de estabilização da situação jurídico-penal do recluso situação que pode perdurar durante um período significativo não implica, sempre e só por si, a impossibilidade de apreciação das condições legalmente previstas. Poderá projetar-se nelas com maior ou menos intensidade, poderá até inviabilizá-las, mas trata-se de um juízo casuístico, a ponderar perante as incidências concretas, e não de forma a transformar a falta de estabilização da situação jurídico-penal do recluso numa cláusula geral de indeferimento (ainda que sob as vestes de a decisão de “ficar a aguardar” sem prazo) que a lei não previu, no que substancialmente se aproxima de uma abstenção de decisão, gerando uma situação de desproteção do recluso especialmente carecida de tutela por via de recurso”.
Também no recente Acórdão do Tribunal Constitucional 598/24, de 24/9/2024 se decidiu (com duas declarações de voto vencido): julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 196.º, n.os 1 e 2, e 235.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretados no sentido da irrecorribilidade da decisão que não conceda a licença de saída jurisdicional.
Neste Processo apenso H a (Vice-)Presidência do Tribunal da Relação do Porto deferiu a reclamação do despacho de não admissão do recurso de decisão anterior de não concessão da licença de saída jurisdicional
Em face do exposto, por violação do direito à tutela jurisdicional efectiva inscrito no artigo 20.º da CRP e do direito ao recurso estabelecido no artigo 32.º, n.º 1, da mesma lei fundamental, decido recusar a aplicação das normas contidas nos artigos 196.º, n.º 1 e n.º 2, e 235.º, n.º 1, ambos do CEP, interpretadas no sentido da irrecorribilidade do despacho decisório que, conhecendo do mérito da causa, indefira o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional.
Consequentemente, afigurando-se ser tempestivo e conter motivação e conclusões, admito o recurso interposto, o qual sobe imediatamente (artigo 238.º n.º 1, do CEP), nos próprios autos (à decisão recorrida não se seguirá, neste processo apenso e nesta instância, qualquer outra tendo por objecto a licença de saída jurisdicional requerida, pelo que assume o carácter de final no quadro da previsão do artigo 238.º, n.º 1, do CEP) e com efeito não suspensivo (ou meramente devolutivo artigo 196.º, n.º 3, a contrario sensu, e 238.º, n.º 3, ambos do CEP).
Notifique, cumprindo-se o disposto no artigo 411.º, n.º 6, do CPP.
Apresentada a resposta do Ministério Público, deverá ser observado o preceituado no artigo 413.º, n.º 3, do CPP.
Após, serão os autos remetidos ao Tribunal da Relação do Porto, com fornecimento de acesso ao programa Citius.»
*
«Em face do exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso de constitucionalidade e julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 196º, nº s 1 e 2, e 235º, nº 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n. 115/2009, de 12.1, interpretados no sentido da irrecorribilidade da decisão que, conhecendo do mérito da causa, indefira o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional.»
«[…] Do recurso para o Tribunal Constitucional
Considerando a recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, das normas contidas nos artigos 196.º, n.º 1 e n.º 2, e 235.º, n.º 1, ambos do CEP, o Ministério Público junto do Tribunal de Execução de Penas do Porto interpôs para o Tribunal Constitucional recurso (obrigatório) do despacho de admissão do presente recurso.
Por decisão sumária proferida em 06/12/2024, já transitada em julgado, o Tribunal Constitucional julgou improcedente o recurso de constitucionalidade e julgou inconstitucional a norma contida nos artigos 196.º, n.º 1 e n.º 2, e 235.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e medidas Privativas da Liberdade, interpretados no sentido da irrecorribilidade da decisão que, conhecendo do mérito da causa, indefira o pedido de concessão da licença de saída jurisdicional.
Por força do disposto no artigo 80º, nº 1 da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional) esta decisão faz caso julgado no processo quanto à questão da inconstitucionalidade suscitada.
Nestes termos, a decisão é recorrível, a recorrente tem legitimidade e interesse em agir e recorreu tempestivamente.
[…]
III. Cumpre apreciar nos termos e para os efeitos do disposto no art. 416º do CPP.
Nos termos do artigo 76º, nºs 1 e 2 do Código de Execução das Penas, podem ser concedidas ao recluso, com o seu consentimento, licenças de saída jurisdicionais ou administrativas. As licenças de saída jurisdicionais visam a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e a preparação para a vida em liberdade. Constituem requisitos e critérios gerais das licenças de saída os seguintes (art. 78º, nº 1 e 2 do CEPMPL):
a) Fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; b) Compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social; e c) Fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade. Tendo em conta as finalidades das licenças de saída, ponderam-se na sua concessão: a) A evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade; b) As necessidades de protecção da vítima; c) O ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar; d) As circunstâncias do caso; e e) Os antecedentes conhecidos da vida do recluso. E constituem requisitos específicos cumulativos das licenças de saída jurisdicionais: (art. 79º) a) O cumprimento de um sexto da pena e no mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos, ou o cumprimento de um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos; b) A execução da pena em regime comum ou aberto; c) A inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada prisão preventiva; d) A inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido. O Tribunal recorrido, depois de considerar que se encontram preenchidos os requisitos relativos ao mínimo de cumprimento de pena legalmente exigido, a inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada a prisão preventiva, bem como a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido em presença, mais concluiu, em resultado da análise e discussão ocorridas no decurso da reunião do Conselho Técnico, as seguintes circunstâncias: 1. A reclusa encontra-se presentemente em regime comum. 2. A reclusa no decurso da presente reclusão não beneficiou de licença de saída. 3. O comportamento da reclusa no âmbito do estabelecimento prisional tem-se revelado estável ou regular. 4. A reclusa nos últimos seis meses não foi alvo de aplicação de medida(s) de natureza disciplinar 5. … 6. A reclusa desenvolve/participa, de forma empenhada, atividade laboral de formação profissional ou escolar em programa especifico de aquisição ou reforço de competências pessoais e sociais. 7. A reclusa revela adequadas interiorização dos fundamentos da condenação e consciência critica em relação aos factos ilícitos por si praticados. 8. A reclusa, em meio livre dispõe de apoio familiar/social/institucional, revelando-se o mesmo, neste último caso consistente. 9. No meio social em que a reclusa está inserida/pretende gozar a licença de saída não existe rejeição/resistência à sua presença. Tendo em conta este descrito circunstancialismo e considerados os pareceres emitidos, o Tribunal recorrido decidiu não conceder a requerida licença de saída jurisdicional, por, dadas as evidenciadas circunstâncias do caso - não se verificar fundada expectativas de que a reclusa se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes, dados os conhecidos antecedentes da sua vida; - a sua saída, nesta fase da execução da pena, não se mostrar compatível com a defesa da ordem e da paz social, nomeadamente em função das fortes necessidades de prevenção geral que concorrem no caso; - a sua situação jurídico-penal não se mostrar ainda totalmente definida em função da existência de processo(s) pendente(s) de decisão final; - e carecer de consolidar o seu percurso pessoal/prisional, atenta a sua apurada evolução no decurso da execução da pena. Sustenta a recorrente que o método utilizado na decisão, “frases pré inscritas”, não permite compreender o percurso decisório efetuado pelo julgador para alcançar a decisão tomada. Analisada a decisão, temos para nós que inexiste qualquer obstáculo ao método utilizado na decisão recorrida - “frases pré inscritas” – uma vez que tais frases são claras e suficientemente explicativas e a sinalização com um “x” em cada uma das frases, numeradas de 1 a 9, permite perceber o circunstancialismo apurado. O que, contudo, se não logra entender é o segundo segmento da decisão supra transcrito, numa parte por ostensiva falta de fundamentação e noutra por contradição com o circunstancialismo inicialmente descrito. Concretizando: Afirma-se “não se verificar fundada expectativa de que a reclusa se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes, dados os conhecidos antecedentes da sua vida”, todavia não se concretizam quais os antecedentes de vida que não permitem a verificação da fundada expectativa de que a reclusa se comportará de modo socialmente responsável e sem cometer crimes. Mais se afirma que a sua saída, nesta fase da execução da pena, não se mostrar compatível com a defesa da ordem e da paz social, nomeadamente em função das fortes necessidades de prevenção geral que concorrem no caso, mas não se concretizam quais as fortes necessidades de prevenção geral que concorrem no caso. Igualmente se não concretiza a afirmada existência de processo(s) pendente(s) de decisão final que impedem a definição da situação jurídico-penal da reclusa. E, por fim, em oposição ao afirmado em 3., 6. e 7. afirma-se que carece de consolidação o seu percurso pessoal/prisional, atenta a sua apurada evolução no decurso da execução da pena. Nestes termos, parece-me manifestamente insuficiente a fundamentação da não concessão de licença de saída jurisdicional. Com efeito, a apreciação de pedido de licença de saída jurisdicional impõe a ponderação dos critérios e requisitos dos art.ºs 78º e 79º do CEPMPL supra enunciados, o que, por isso, tem de resultar da decisão, não podendo o Juiz deixar de nela expressar os juízos “de índole valorativa” e as razões que levaram à denegação do pedido. O dever de fundamentação das decisões judiciais está consagrado no art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, em cujo n.º 1 se determina que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». Como afirma a recorrente, não é possível verificar o percurso que o Tribunal a quo seguiu até à decisão. As apontadas deficiências não permitem aos destinatários da decisão e ao tribunal de recurso fiscalizar o processo de decisão. E a tanto se destina a exigência legal e constitucional de fundamentação das decisões judiciais. Como se sabe, a jurisprudência divide-se sobre a qualificação do vício que inquina um despacho não fundamentado. Sustentam uns que o despacho é nulo por referência à norma que determina a nulidade da sentença (art. 379º, nº 1 al. c) do CPP), sustentam outros que se trata de mera irregularidade, nos termos do artigo 123º do CPP, porquanto no caso dos despachos a falta de fundamentação não é expressamente cominada como nulidade, como sucede, com as sentenças – cfr. artigos 118º e 379º CPP. Nos termos do artigo 97º, nº 1 do CPP «Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de: a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior.» E nos termos do nº 5 do mesmo normativo os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser sempre especificados os motivos de facto e de direito da decisão, imposição, de resto, com respaldo constitucional. Com a fundamentação garante-se a legitimação da administração, dá-se a conhecer aos sujeitos processuais as razões do sentido da decisão, faculta-se o exercício na sua plenitude do direito ao recurso e permite-se às instâncias superiores sindicar a bondade da decisão. Todavia, a falta de fundamentação das sentenças é tipificada como nulidade, mas para a falta de fundamentação dos despachos não está expressamente prevista idêntica solução, pelo que terá de concluir-se pela mera irregularidade do despacho, enquadrável no artigo 123º do CPP e determinante da sua invalidade. Irregularidade que, a nosso ver, impede a possibilidade de sindicar o mérito do despacho e que, por isso, deve ser oficiosamente declarada nos termos do art. 123º do CPP. (Neste sentido, o do conhecimento da irregularidade em sede de recurso e consequente determinação de reparação se pronuncia Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal - 2ª edição - págs. 314 e 315.) Nestes termos se conclui que o despacho recorrido é irregular, pelo que deverá ser ordenada a sua substituição por outro devidamente fundamentado em conformidade com o que dispõe o art. 97º do CPP.» |
* Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2, do CPP, não tendo o recorrente apresentado resposta ao parecer do Ministério Público. * Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. *** II. Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões, são as seguintes as questões a tratar: a) determinar se a decisão recorrida padece de invalidade; b) verificar o preenchimento dos pressupostos de que depende a concessão da licença de saída jurisdicional. ** |
Apreciemos a primeira questão.
Apresentados os dados da questão, impõe-se, desde já, afirmar que a decisão recorrida não se mostra fáctica e juridicamente fundamentada, o que acarreta a sua própria invalidade.
Senão vejamos.
Como resulta do artigo 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Esta exigência de fundamentação das decisões judiciais serve vários propósitos, repetidamente afirmados. Tal exigência, de natureza constitucional e configurando um direito fundamental - decorrente de um processo equitativo, consagrado no nº 4 do artigoº 20º da CRP -, relaciona-se com a possibilidade efetiva de sindicância das decisões judiciais, bem como com a necessidade de convencer os destinatários e os cidadãos em geral da sua correção e justiça. Além disso, encontra fundamento no artigo 374º, nº 2, do CPP, no que à sentença se refere.
Sucede que, no que se refere aos despachos (que não sejam de mero expediente, isto é, que não se limitam a regular os termos e o andamento do processo), a lei ordinária não estabelece requisitos específicos e integradores daquela exigência constitucional. Tal exigência deve ser aferida casuisticamente considerando o enquadramento jurídico-legal do objeto da questão controvertida, mas respeitando sempre o conteúdo mínimo imposto pela Constituição.
Com efeito, o nº 5 do artigo 97º do CPP limita-se a dispor que «Os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»
Sendo o despacho de não concessão de licença de saída jurisdicional um ato decisório do juiz, este está sujeito ao dever geral de fundamentação previsto no artigo 97º, n.º 5, do CPP, impondo-se a especificação dos motivos de facto e de direito da decisão, de forma a permitir a sua impugnação e o reexame da causa pelo tribunal de recurso.
Acresce que a necessária fundamentação da decisão recorrida é igualmente imposta, de forma inequívoca, pelo artigo 146.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante C.E.P.), que estabelece: «[o]s atos decisórios do juiz de execução das penas são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão».
O núcleo essencial da questão submetida a apreciação, com a interposição do presente recurso, cinge-se em determinar se a reclusa recorrente reúne as condições para lhe ser concedida a requerida saída jurisdicional.
O que vem colocado em crise pela recorrente é, tão só, a afirmada não verificação dos requisitos materiais de que depende a concessão da saída jurisdicional.
Isto porque, manifestamente, os requisitos de ordem formal estão verificados.
A divergência entre a posição da condenada e a expressa no despacho recorrido, surge, então, a propósito dos requisitos materiais.
Apreciemos então.
Nos termos do artigo 76.º, nº 2, do C.E.P., as licenças de saída jurisdicionais têm como finalidade a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais, bem como a preparação para a vida em liberdade. Em conformidade, o n.º 3 do mesmo artigo prevê as licenças para saídas de curta duração, com o objetivo específico de manter e promover esses laços.
Como é consabido, a concessão das licenças de saída jurisdicional está subordinada ao cumprimento de determinados pressupostos. Estes dividem-se em duas categorias:
- Pressupostos de natureza objetiva, definidos nos nºs 2 e 5, do artigo 79º do C.E.P.;
- Pressupostos de natureza subjetiva ou material, estabelecidos no artigo 78º do mesmo diploma.
Apenas a resposta positiva a estas duas vertentes, permitirá o deferimento da pretensão da recorrente.
Nos termos do artigo 78.º, nº 1, as licenças de saída podem ser concedidas quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) fundada expectativa de que o recluso se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer crimes;
b) compatibilidade da saída com a defesa da ordem e da paz social e,
c) fundada expectativa de que o recluso não se subtrairá à execução da pena ou medida privativa da liberdade.
Por sua vez, o n.º 2 da mesma norma estabelece que, tendo em conta as finalidades das licenças de saída, devem ser ponderados na sua concessão:
a) a evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade;
b) as necessidades de proteção da vítima;
c) o ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar;
d) as circunstâncias do caso e,
e) os antecedentes conhecidos da vida do recluso.
Nos termos do n.º 3, na concessão de licenças de saída podem ser fixadas condições, adequadas ao caso concreto, que o recluso deverá observar.
Por fim, o artigo 79.º do C.E.P., sob a epígrafe de «licenças de saída jurisdicionais», dispõe o seguinte:
«1. As licenças de saída jurisdicionais são concedidas e revogadas pelo tribunal de execução das penas;
2. As licenças de saída jurisdicionais podem ser concedidas quando cumulativamente se verifique:
a) o cumprimento de um sexto da pena e n mínimo seis meses, tratando-se de pena não superior a cinco anos, ou o cumprimento de um quarto da pena, tratando-se de pena superior a cinco anos;
b) a execução da pena em regime comum ou aberto;
c) a inexistência de outro processo pendente em que esteja determinada prisão preventiva;
d) a inexistência de evasão, ausência ilegítima ou revogação da liberdade condicional nos 12 meses que antecederem o pedido; […]».
A avaliação da verificação dos requisitos formais e substanciais dependerá, inevitavelmente, dos elementos de facto constantes dos autos. No presente caso, esses elementos não foram integrados na decisão recorrida, que negou à recorrente a concessão da licença de saída jurisdicional.
A este respeito, conforme salientado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 23.06.2023, no processo n.º 764/12.9TXPRT-U.P1, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Pedro M. Menezes (disponível em www.dgsi.pt), e cujo entendimento acompanhamos, e seguiremos de perto, admite-se que, quanto à verificação dos pressupostos formais ou requisitos de índole objetiva, «[…] o preenchimento de quadrículas num formulário pré-criado poderá revelar-se perfeitamente suficiente para cumprir a exigência de fundamentação que recai sobre o julgador […]».
Ora, é precisamente a este modelo que, em última instância, se reconduz o despacho recorrido.
Mas deixemos os pressupostos formais e atentemos, então, na outra vertente do despacho recorrido.
A decisão recorrida não concretiza, especifica ou densifica a análise dos requisitos materiais previstos no artigo 78º, do C.E.P., revelando-se omissa quanto à sua apreciação crítica e concreta. Assim, não se expõe de forma fundamentada as razões que levaram à conclusão de que tais requisitos não se encontram verificados, resultando na decisão de não concessão da requerida saída jurisdicional.
Neste ponto, seguimos também o entendimento expresso no citado acórdão. Com efeito, estando verificados os referidos requisitos objetivos, «[…] exige-se que o Tribunal proceda então a uma ponderação concreta, «[t]endo em conta as finalidades das licenças de saída», de vários fatores (sc. «[a] evolução da execução da pena ou medida privativa da liberdade», «[a]s necessidades de protecção da vítima», «[o] ambiente social ou familiar em que o recluso se vai integrar», «[a]s circunstâncias do caso» e «[o]s antecedentes conhecidos da vida do recluso»: citado artigo 78.º, n.º 2, alíneas a) a e), respetivamente, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade), de modo a aferir se, no caso, se verificam ou não os requisitos substanciais previstos no artigo 78.º, n.º 1, do corpo de normas citado. […]».
Ora, da decisão recorrida, não consta qualquer análise dirigida a demonstrar por que se considerou «não se verificar fundada expectativa de que a reclusa se comportará de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes, dados os conhecidos antecedentes da sua vida» e de que a sua saída, nesta fase da execução da pena, não se mostra compatível com a defesa da ordem e da paz social, nomeadamente em função das fortes necessidades de prevenção geral que concorrem no caso.
O teor da decisão recorrida, por si só e sem concretização de qualquer outra factualidade - como aqui acontece -, não permite extrair a ilação de que a concessão de autorização para uma saída jurisdicional se revela incompatível com a defesa da ordem e da paz social. Fica por demonstrar a incompatibilidade da requerida saída com a defesa da ordem e da paz social.
Igualmente não se concretiza a afirmada existência de processo(s) pendentes (s) de decisão final que implicam a definição da situação jurídico-penal da reclusa.
Por outro lado, desconhecem-se também as razões que sustentam a afirmação conclusiva, vaga e genérica de que a reclusa carece de consolidar o seu percurso pessoal/prisional, atenta a sua apurada evolução no decurso da execução da pena, apesar de, em oposição e afinal, a própria decisão recorrida reconhecer indicadores positivos presentes no caso em apreço. A saber:
- o comportamento da reclusa no âmbito do estabelecimento prisional tem-se revelado estável ou regular;
- a reclusa nos últimos seis meses não foi alvo da aplicação de medida(s) de natureza disciplinar;
- a reclusa desenvolve/participa de forma empenhada, atividade laboral, de formação profissional ou escolar/em programa específico de aquisição ou reforço de competências pessoais e sociais;
- a reclusa revela adequadas interiorização dos fundamentos da condenação e consciência crítica em relação aos factos ilícitos por si praticados;
- a reclusa, em meio livre dispõe de apoio familiar/social/institucional, revelando-se o mesmo neste último caso, consistente;
- no meio social em que a reclusa está inserida/pretende gozar a licença de saída não existe rejeição/resistência à sua presença.
Assim, porque conclui a Sr.a Juíza a quo que a reclusa carece de consolidar o seu percurso pessoal/prisional, atenta a sua apurada evolução no decurso da execução da pena? Esta questão não encontra, na decisão recorrida, resposta.
A decisão recorrida não explicita, de forma apreensível para este tribunal, os motivos pelos quais o tribunal a quo concluiu pela inexistência dos referidos requisitos no caso concreto. Por conseguinte, não é possível aferir se a avaliação da não verificação desses pressupostos é ou não fundada. Além disso, tal conclusão não pode ser deduzida, de forma inequívoca, das circunstâncias ou fatores cujas quadrículas se encontram assinaladas, dado o seu teor genérico, vago e sem tradução na realidade do caso concreto.
No caso dos autos, perante as insuficiências de fundamentação do despacho recorrido, desconhecem-se, com o necessário detalhe, os factos que foram considerados assentes, e, pelo menos quanto à factualidade supra mencionada, as razões pelas quais foram tidos como tais. Para além disso, a decisão recorrida também não cumpre o dever de fundamentação em matéria de direito, pois limita-se a invocar, sem mais, o disposto nos artigos 76º, nºs 1 e 2, 77º, nº 6, 78º e 79º do C.E.P.. Ou seja, perante o texto não é possível compreender as razões que levaram o julgador a, com base na matéria factual assente, extrair as suas consequências jurídicas.
Assim, como se pode ler no citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto: «Não assegurando, a fundamentação da decisão recorrida, a «função de controlo» que lhe cabe garantir, não pode deixar de concluir-se que ocorre, no caso, a irregularidade prevista no n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal (aplicável ex vi do artigo 154.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade; vd., ainda, o preceituado no artigo 118.º, n.ºs 1 e 2, do primeiro dos corpos de normas citados). […]»
Esta irregularidade, tanto quanto resulta dos autos, não foi arguida pela recorrente junto do Tribunal recorrido, e em circunstâncias normais, teria de considerar-se sanada.
«[…] No entanto, dada a magnitude das deficiências de fundamentação aqui em causa, que tolham integralmente o exercício, por parte desta Relação, dos seus poderes de controlo sobre a decisão recorrida, não pode deixar de reconhecer-se que a irregularidade praticada pelo Tribunal a quo afeta indubitavelmente o valor do ato praticado, e, como tal, pode e deve ser excecionalmente conhecida, ex officio, por este Tribunal, em sede de recurso (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
33. Desta forma, e contrariamente ao que defende alguma jurisprudência (assim, vd. o acórdão desta mesma Relação de 28/10/2020, tirado no processo n.º 5460/18.0T9PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt), não se transforma uma mera irregularidade numa nulidade insanável, mas apenas se exercita a faculdade prevista na norma legal citada, nas condições aí também fixadas («no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado»: ou seja, quando o Tribunal Superior, chamado a rever o decidido, constata estar impedido de exercer adequadamente os seus poderes de controlo por ausência dos elementos minimamente necessários para tanto). […]»
Notifique.
*
Porto, 09.04.2025
(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)
Os Juízes Desembargadores,
Amélia Carolina Teixeira
Maria Ângela Reguengo da Luz
Nuno Pires Salpico
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[1] Transcrevem-se os seguintes segmentos o grau de afetação subjetiva comportado na decisão que nega a libertação condicional e na decisão que nega a licença de saída jurisdicional ambas as situações, o arguido condenado preso continua sempre em prisão, mas em diferente comporta alteração substancial do estatuto jurídico do recluso e não assume a natureza de o ou eficácia da insuscetível de fundar por si só um novo sentido de orientação social -, não extravasa a condição de medida de flexibilização do cumprimento da pena privativa da liberdade, que se reconduz à compatibilização da modelação da vida do recluso em ambiente prisional com a manutenção e promoção dos laços familiares e sociais e à sua preparação para que conduzir a vida em ambiente livre de modo socialmente responsável, sem cometer crimes (artigos 42.º do expressamente consignado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, entre as garantias de defesa do arguido, não exige a possibilidade de impugnação de toda e qualquer decisão proferida ao longo do processo, impondo apenas que necessariamente se assegure um segundo grau de jurisdição relativamente às decisões condenatórias e àquelas que afetem direitos fundamentais do arguido, designadamente a sua liberdade (v., entre muitos, os Acórdãos n.º 265/94, 387/99, 430/2010, 153/2012 e 848/2013, este com proximidade com o problema em análise). Ora, sempre seria de entender que a decisão de não concessão de licença de saída, que aqui se discute, não atinge diretamente o direito à liberdade, pois a sua restrição resulta do título judiciário de execução ínsito na decisão condenatória transitada em julgado e, em todo o caso, como se viu, não altera substancialmente o estatuto do rec Esta asserção comporta igualmente resposta à questão do direito ao recurso por parte do recluso quanto a tais decisões, perante os parâmetros de controlo do direito à liberdade (artigo 27.º, n.º 1) e do direito de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1), os quais, aliás, o recorrente não aponta expressamente como violados no requerimento de interposição de recurso (cfr. supra ponto 3) ou em alegações (cfr. supra ponto 4, 86.º e 87.º). Aqui, tal como aconteceu no caso decidido pelo Acórdão n.º 150/2013, o recluso viu assegurado o acesso ao direito e aos tribunais em virtude da decisão proferida ter natureza judicial, emitida pelo juiz do Tribunal de Execução das Penas, mantendo-se na sua essência inalterado o modo de cumprimento da pena privativa da liberdade, ínsita na condenação, e as restrições jusfundamentais inerentes ao seu sentido e às exigências próprias da sua execução (artigo 30.º, n.º 5, da Constituição), qualquer que seja o sentido da decisão em matéria de licença de saída j
suma, não se encontra na decisão judicial denegatória da sua saída por um período de dias do estabelecimento prisional em que o condenado se encontre a cumprir reação criminal privativa da liberdade, cujo recurso é regulado pela normação questionada, afetação do bem jurídico essencial que é o direito à liberdade, em termos de fundar a imposição constitucional A possibilidade do Ministério Público recorrer
amplamente de decisões em matéria de saída jurisdicional carece de ser compreendida neste contexto. Por um lado, o legislador configurou o sistema de recursos no domínio da execução das penas e medidas privativas de modo a reservar as vias de recurso para os Tribunais da Relação às decisões que, pelo seu grau de afetação, considerou merecedoras de reapreciação, de forma a racionalizar o âmbito de intervenção dos tribunais de recurso e evitar o respetivo congestionamento. Mas, por outro, no exercício da sua liberdade de conformação, o legislador optou por conferir apenas ao Ministério Público vinculado por um poder-dever de promoção - legitimidade para suscitar o controle da legalidade das decisões negativas, agindo aí em benefício da pretensão do recluso, encontrando em tais poderes de intervenção adstritos a regras estritas um ponto de equilíbrio, capaz de, a um tempo, assegurar adequada tutela dos direitos dos reclusos e prevenir o afluxo excessivo de recursos em matéria de saídas jurisdicionais (cfr. A Reinserção Social dos Reclusos. Um contributo para o Debate sobre a Reforma do Sistema Prisional, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, 2003, pp. 285-292, denotando o elevado número de pedidos formulados e objeto de apreciação jurisdicional, ainda que no regime anterior ao CEP). Ou seja, entre a radical proibição do recurso das decisões judiciais que neguem ao recluso a pretensão de saída e a irrestrita possibilidade de impugnação por parte dos sujeitos da relação processual de execução quanto a tais decisões, o legislador escolheu uma via intermédia, reputada capaz de assegurar a reponderação das decisões negativas por tribunal distinto e superior nos casos em que tal se justifique: confiou essa iniciativa a órgão de justiça dotado de autonomia, constitucionalmente vinculado pelo princípio da legalidade (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição), designadamente, face ao artigo 2.º do CEP, a promover a socialização do recluso durante a execução das penas e a norma do artigo 196.º, n.ºs 1 e 2 do CEP mereça censura face aos parâmetros de controlo do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1) ou à garantia do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4). A apontada diferenciação opera entre sujeitos que não se encontram em posições comparáveis e não se pode considerar desrazoável, nem desproporcionada, face às finalidades que persegue. Também não se vê que se opere na relação jurídica da execução da pena privativa da liberdade um desequilíbrio em desfavor do recluso e que se possa reconduzir à promoção da estabilização - e renovação - de decisão modeladora do iter de cumprimento da pena que o prejudique - para além do que decorre do sentido da condenação - ou que o simples reconhecimento do recurso ao Ministério Público (negando semelhante possibilidade ao recluso em caso simétrico) comprometa a sua pretensão não o direito subjetivo - à ressocialização, assente no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição; cfr. Anabela Miranda Rodrigues, A posição jurídica ..., cit., pp. 82-83). O recluso preserva os instrumentos que lhe permitem exercer o contraditório e fazer valer a sua posição jurídica perante o Tribunal superior nos casos em que uma decisão positiva seja objeto de recurso interposto pelo Ministério Público”.