DIREITO DO CONSUMIDOR
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL
DEFEITOS DA COISA
INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DO PEDIDO
Sumário

I - Aos autores, na qualidade de consumidores, relativamente às Rés- recorrentes, nas qualidades de vendedoras de bens imóveis, assiste o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de bens defeituosos/desconformes, nas relações de consumo, conforme previsão do nº1 do artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor, com a redacção introduzida DL 67/2003, de 8 de Abril.)que estabelece: “1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.”
II - Este direito de indemnização, apesar de não estar incluído no regime de protecção estabelecido no DL 67/2003, de 8 de abril, assiste ao consumidor, conforme previsão no artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor, com a redacção introduzida DL 67/2003), direito que não deve ser encarado com a configuração meramente subsidiária ou residual, podendo ser exercido livremente pelo consumidor, tendo apenas os limites impostos pela figura geral do abuso de direito, não impondo a lei ao consumidor a observância de hierarquização de opções quanto aos direitos que lhe assistem.
III - No regime de compra e venda de bens de consumo faz-se recair sobre aquele que fornece (o vendedor, o empreiteiro, o prestador de serviço…) a responsabilidade por qualquer falta de conformidade que exista no momento da entrega, presumindo-se ainda que remontam a essa data as faltas de conformidade que se manifestem nos prazos de dois ou cinco anos a contar da entrega, consoante se trate de coisa móvel ou imóvel (ut art. 3.º, n.º1 e 2, do DL n.º67/2003, de 8 de Abril).
IV - Revelando que o regime da compra e venda de bem de consumo, afasta-se do regime civil tradicional que faz recair sobre o comprador o dever de se assegurar que a coisa não tem defeitos e é idónea ao fim a que a destina (caveat emptor).
V - Considerando o princípio da correspondência entre o pedido e a decisão- art 609º do CPC- considerando que o direito de indemnização por danos patrimoniais com fundamento nas desconformidades dos bens que são entregues aos consumidores é distinto do direito à redução do preço, apresentando formas distintas de cálculo na quantificação e consequências jurídicas diversas, está vedado ao tribunal, em razão do princípio do dispositivo, interpretar a pretensão indemnizatória por danos patrimoniais dirigida contra as rés- recorrentes, enquanto vendedoras, como uma redução do preço, e, prosseguindo, com fundamento nessa redução do preço, que não foi pedida, julgar a ação procedente nesta parte .
VI - Se o tribunal a quo, interpreta essa pretensão indemnizatória na vertente patrimonial, como sendo uma pretensão de redução parcial do preço pago pelos 1ºs e 2ºs Autores pelas fracções, e, reconfigura essa parte do pedido atribuindo aos 1º e 2º Autores direito substancialmente diverso daquele que os autores procuravam obter através da pretensão que efectivamente formularam na vertente de danos patrimoniais, está verificada a nulidade prevista na al.e) do nº1, do art 615º do CPC.
VII - Dispõe o art. 609º, nº 2, do CPC que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.
VIII - Essa disposição será aplicável a todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova.

Texto Integral

Processo: 625/22.3T8PRT.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível do Porto - ...

Relator.Francisca da Mota Vieira

1º Adjunto.João Maria Espinho Venade

2º Adjunto.Paulo Duarte Mesquita Teixeira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

Os autores, AA e BB, residentes na Rua ...., ..., Porto,CC e DD, residentes na Rua ..., Lugar ..., ..., ..., e EE, residente na Rua ..., ... fr., ..., Porto,instauraram a presente acção de processo comum contra

A..., Lda., com sede na Rua ...., ...,

B..., S.A., com sede na Estrada ..., ..., ..., e

FF, com domicílio na Rua ..., ..., ....

pedindo que estas sejam solidariamente condenadas a pagar 25.000,00 €, dos quais 15.000,00 € por danos patrimoniais e 10.000,00 € por danos não patrimoniais, aos 1.ºs, 2.ºs e 3.ª R. AA., respectivamente, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito, alegaram em suma que o espaço de circulação da garagem colectiva onde se situam os lugares de estacionamento que juntamente com a fracção destinada à habitação cada um dos 1.ºs, 2.ºs e 3.ª AA. compraram às 1.ª e 2.ª RR. não permite a fácil e livre manobra de estacionamento, causando-lhes danos patrimoniais e não patrimoniais .

Citados:

- o R. FF admitiu que, ao serviço da empresa C..., Lda., com quem mantinha um contrato de trabalho, elaborou o projecto de arquitectura do prédio em causa que foi aprovado pela Câmara Municipal do Porto, e cujas plantas assim como acompanhamento da obra foram facultados aos AA.. Invoca a prescrição do direito da 3.ª A. e termina pedindo a condenação dos AA. como litigantes de má-fé e invocando a prescrição do alegado direito dos AA.

- a R. A... defendeu que a garagem e lugares de garagem integradas no empreendimento ... com projecto inicialmente do Arq. GG e posteriormente do Arq. HH, cumprem com todas as exigências legais, e que aquando da celebração dos respectivos contratos promessa e das escrituras de compra e venda, as plantas das fracções e lugares de garagem/aparcamento foram disponibilizadas aos AA., que, assim, e porque puderam acompanhar a execução da obra sempre tiveram noção e conhecimento das dimensões da garagem e dos seus lugares de aparcamento.

- a R. B... considerou que a garagem e lugares de garagem foram inspecionados e aceites pelos AA. pelo que correspondem ao que estes quiseram comprar, de resto, devidamente aprovado e licenciado pela Câmara Municipal do Porto. Do mesmo passo, alegando ter entregue o projecto de demolição e construção do prédio em causa à empresa C..., Lda., cujo legal representante, HH, tratou do licenciamento da obra a executar, pediu a intervenção acessória de ambos.

Os AA. apresentaram resposta, mantendo a sua posição inicial.

Admitida a requerida intervenção acessória, os chamados apresentaram Contestação, dizendo que a chamada, de que o chamado, não sendo arquitecto, é o legal representante, a pedido e sob as ordens das RR. apresentou na Câmara Municipal do Porto uma proposta de aditamento ao projecto já existente que veio a ser aprovado e licenciado por esta entidade. Terminam pedindo a condenação dos AA. como litigantes de má-fé.

Em fase de pré-saneador, os AA. CC e DD, convidados pelo Tribunal, apresentaram novo articulado em que especificaram os danos morais que sofrem em virtude das características da garagem apesar de a proprietária e residente habitual da respectiva fracção, fracção G, ser a sua filha e não os próprios e, em simultâneo, responderam ao pedido de condenação formulados pelos chamados.

Proferido despacho saneador, no âmbito do qual o conhecimento da excepção da prescrição foi relegado para momento oportuno, identificado o objecto do processo e enunciados os temas de prova, houve reclamações que foram indeferidas.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento de acordo com o formalismo legal e foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a presente acção e, assim, condenou as 1.ª e 2.ª RR. a, solidariamente, pagarem aos 1.ºs AA. a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros) e aos 2.ºs AA. a quantia de 17.000,00 € (dezassete mil euros), acrescidas de juros de mora à taxa de 4% ao ano, sendo 15.000,00 € de uma e outra quantia desde a citação, e 5.000,00€ da primeira quantia assim como 2.000,00 € da segunda quantia, desde a data da presente sentença até integral pagamento, absolvendo-as dos restantes pedidos e absolvendo o 3.º R. de todos os pedidos.

A co –ré B..., S.A., com sede na Estrada ..., ..., ..., interpôs recurso de apelação cujas conclusões aqui se reproduzem.

I. Decidiu mal o Tribunal a quo em arbitrar aos Recorridos o direito à redução corresponde ao valor de desvalorização do bem, com base no Decreto-Lei nº 67/2003, uma vez que a actuação da Recorrente não cumpre os pressupostos para que se mostre verificado o seu incumprimento, ou cumprimento defeituoso.

II.É evidente que andou mal o Tribunal a quo ao condenar a Recorrente com base no pressuposto da culpa e, concomitantemente, considerar que a mesma não existe, uma vez que não são minimamente especificados os fundamentos de facto e de direito justificativos de tal decisão.

III.A sentença recorrida padece de uma clara contradição, atendendo a que se dão como provados e não provados factos manifestamente opostos e que deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão.

IV.É nula a sentença recorrida, pela oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615º, nº 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil.

V.Os factos nº 9, 15, 16, 20, 22 e 23 dados como assentes pelo Tribunal a quo não poderiam tê-lo sido, uma vez que não correspondem à verdade e contêm diversas inverdades e incongruências.

VI. Foi incorrectamente julgada a matéria de facto dada como não provada,nomeadamente no que respeita aos pontos nº 10, 11, 27, 35, 37, 40 e 41.

VII.Nunca a Recorrente ocultou ou omitiu as dimensões da garagem aos Recorridos, negou o acesso atempado à cave e à garagem por parte dos mesmos, nem omitiu ou encobriu as dificuldades no estacionamento e retirada de veículos.

VIII.Desde o início da relação contratual, os Recorridos estavam plenamente cientes de todos os espaços e dimensões das fracções, da garagem e dos respectivos lugares.

IX.Advém de toda a prova documental junta aos autos que, à data da celebração das escrituras de compra e venda, o acesso de veículos automóveis aos lugares de estacionamento era possível, face à dimensão do local, em cumprimento do licenciamento deferido, das normas legais e regulamentares aplicáveis, e após aprovação resultante das necessárias vistorias de inspeção às condições existentes.

X.Resulta dos depoimentos recolhidos em sede de audiência de julgamento, nomeadamente da Recorrida AA e da Testemunha II, que as visitas ao imóvel eram possíveis, mediante agendamento, e que nunca foram impedidas.

XI.Dos mesmos decorre, igualmente, que todos os Recorridos tiveram acesso a projecto, plantas e documentos técnicos, além de que visitaram e inspecionaram o edifício em construção, pelo que conheciam as suas dimensões e características.

XII.É possível alcançar com clareza e objectividade que os lugares de garagem, in fine, correspondem ao conhecido e adquirido pelos Recorridos e cumprem integralmente a sua finalidade.

XIII.Nunca os Recorridos fizeram valer o seu arrependimento na compra do imóvel, nem comunicaram ou agiram de modo a anular o contrato celebrado, optando por manter o negócio celebrado e conformar-se com as suas condições.

XIV.Os factos1 a 43 dados como assentes pelo Tribunal afiguram-se manifestamente insuficientes para fundamentar a decisão de que ora se recorre, sendo que os factos nº 9, 15, 16, 20, 22 e 23 não poderiam ter sido dados como provados nos termos em que o foram, tendo, além disso, sido incorrectamente julgada a matéria de facto dada como não provada, nomeadamente no que respeita aos números nº 10, 11, 27, 35, 37, 40 e 41.

XV.Assim sendo, são relevantes para a boa decisão da causa – tendo sido devidamente demonstrados pela Recorrente nos presentes autos e devendo considerar-se como provados – os seguintes factos:

41. Em momento algum foi negado aos AA. o acesso às suas fracções e à garagem.

42. Todos os AA., antes da celebração dos respectivos contratos de compra e venda dos seus imóveis, visitaram e inspecionaram não só a parte habitacional, mas também os lugares de aparcamento e seus acessos, na sua plenitude.

43. Os RR. nunca encobriram e/ou omitiram as dificuldades no estacionamento e retirada do veículo dos AA.

44. Os RR. permitiram o acesso atempado à garagem.

45. As RR. vendedoras nunca ocultaram nem omitiram as dimensões da garagem aos AA., tendo fornecido todos os elementos e documentos técnicos necessários à real percepção da mesma.

46. Os 1.ºs e 2.ºs AA. compraram as fracções conscientes da dimensão do espaço de que dispunham na garagem para guardar o respectivo veículo na garagem.

47. Os 1.ºs e 2.ºs AA., antes da celebração dos respectivos contratos de compra e venda das suas fracções, visitaram-nas e inspecionaram-nas.

48. Os 1.ºs e 2.ºs AA. conformaram-se e aceitaram as dimensões da garagem como adequadas para a realização das manobras de estacionamento e saída do respectivo veículo do seu lugar de garagem.

XVI.A decisão sobre a matéria de facto objecto da sentença de que se recorre deve ser alterada, removendo-se os factos nº 15, 16 e 23, modificando-se os factos nº 9, 20 e 22 e aditando-se a factualidade supra, com os (novos) números 41 a 48, o que implicará, necessariamente, uma decisão contrária à da sentença recorrida.

XVII. Deverá, portanto, ser proferida pelo Tribunal ad quem a seguinte decisão relativamente à matéria de facto a ser dada como provada:

1. Os 1.ºs AA e as 1ª e 2ª RR celebraram contrato promessa de compra e venda a 02 de Julho de 2019 em que aqueles prometeram comprar e estes prometem vender a fração autónoma B destinada à habitação de tipologia T2 localizada no R/Chão traseiras e lugar de estacionamento designado por B1 na cave, com acesso pela Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o numero ...73 e artigo urbano ...02 da freguesia ... concelho do Porto.

2. O contrato foi feito com base no último projeto aprovado, ainda em planta, não havia construção.

3. A 05 de Janeiro de 2021 foi outorgada entre os 1.ºs AA. e a 1.ª e 2.ª RR. a escritura de compra e venda da supra id. fracção, para habitação própria permanente daqueles, pelo preço de 240 000,00 euros, após a emissão da competente licença de habitabilidade n.º ...36/2020 emitida pela Câmara do Porto em 18/12/2020.

4. Aquando da realização da escritura acima mencionada foram entregues aos 1.ºs AA as chaves da habitação.

5. Os 2.º AA. são titulares da fração G mas não residem habitualmente na sua fração mas sim a sua filha II que reside e trabalha no Porto.

6. Outorgaram a escritura de compra e venda com a 1.ª e 2.ª RR. no dia 05 de Janeiro de 2021 relativamente à fração G de tipologia T3 duplex pelo preço de 227 500,00 euros localizada no terceiro e 4º andar frente com lugar de estacionamento designado por G1 do prédio melhor identificado supra no artigo 1º.

7. A 3.ª A. celebrou contrato promessa de compra e venda com as RR. a 20 de Dezembro de 2018 relativamente à fração C pelo preço de 165 000,00 euros também com projeto aprovado e com lugar de estacionamento designado por C1.

8. A 22 de Março de 2021 outorgou escritura de compra e venda com as RR. da mesma fracção de tipologia T1 + 1 localizada no primeiro andar frente do mesmo prédio melhor identificado supra no artigo 1º, para habitação própria permanente.

9. Aquando da celebração das supra ids. escrituras públicas de compra e venda, a dimensão da área da faixa de circulação da garagem permitia, ainda que com dificuldade, o acesso de um veículo automóvel ligeiro aos supra ids. lugares de estacionamento B1, G1 e C1.

10. Antes de 11/01/2021 os 1.ºs AA. reclamaram verbalmente junto de JJ, representante da 1.ª R., e experimentaram o estacionamento da sua viatura e tiveram dificuldades em fazê-lo, mesmo com a garagem completamente desocupada sem nenhum veículo aí estacionado.

11. De comum acordo com todos os AA, JJ e o fiscal da obra, foi marcada uma reunião na cave a 11 de Janeiro de 2021 e constatou-se, na presença dos mesmos e com os respetivos veículos estacionados, que, ocupando apenas a zona de circulação da garagem, não era possível fazer as manobras de estacionamento e retirada do veículo por falta de espaço de manobra.

12. Para estacionar o seu veículo no respetivo lugar, os AA. necessitavam de ocupar o espaço de estacionamento afecto a outras fracções que não a dos próprios e de articular as manobras.

13. Nessa mesma reunião, JJ propôs uma intervenção a fim de desbastar a parede e curvatura ao lado da rampa de acesso e desta forma aumentar a área de circulação na cave, o que uma vez feito se revelou insuficiente, porquanto: - utilizando-se apenas o espaço comum de circulação da garagem a manobra de entrada nos lugares B1, G1 e C1 com um veículo ligeiro, devido ao número de manobras necessárias para o efeito, é de difícil execução, o mesmo sucedendo com a manobra de retirada do mesmo tipo de veículo daqueles lugares, que, uma vez efectuada, e estando já o veículo de frente para a saída da garagem é impossível efectuar a curvatura para subir a rampa de saída para o exterior.

14. Perante esta situação os AA propuseram a eliminação no local dos dois lugares de estacionamento em frente à rampa que ao tempo ainda não estavam vendidos, de forma a aumentar a área de circulação, facilitando as manobras e desta forma minimizar este problema, o que não foi aceite.

15. Os 1.ºs AA são pais de uma criança.

16. Com o seu veículo estacionado no seu lugar de garagem, os 1.ºs AA. não podem abrir as portas do carro para retirar a criança e os seus pertences porque de um lado tem a parede a centímetros de distância e do outro tem um carro também a centímetros. 17. A II é enfermeira de profissão, trabalha por turnos, entra ao serviço e sai de madrugada.

18. Para entrar e sair da garagem e estacionar no lugar de garagem G1 a II depende dos vizinhos o que é um grande transtorno e aborrecimento para todos, e a deixa muito angustiada porque vive sozinha e os seus horários variam bastante.

19. Sendo para esta ainda mais difícil conciliar a sua vida pessoal e profissional com os demais vizinhos.

20. Os AA. CC e DD quiseram adquirir um apartamento, em pleno centro da cidade do Porto, para habitação dos seus três filhos.

21. A A. EE quando adquiriu a sua fração tinha conhecimento que o seu lugar de aparcamento apresentava irregularidades que lhe foram comunicadas pelos restantes AA., seus vizinhos, no início de Janeiro, tendo solicitado a sua presença na reunião havida na cave do prédio em 11 de janeiro de 2021, altura em que foi confrontada pela primeira vez com a percepção da garagem.

22. Antes da escritura encetou vários contactos pessoais, telefónicos e via email apresentando as suas reservas na formalização do negócio, solicitando uma redução ao preço a pagar na escritura – o remanescente ainda a pagar, de forma a poder adquirir uma nova viatura de menor dimensão que lhe permitisse um acesso mais facilitado ao seu lugar.

23. Tal solução foi recusada pelas RR. vendedoras alegando que o projeto estava aprovado e que foram cumpridas as normas urbanísticas, recusando-se a reduzir o seu preço e o montante ainda a pagar.

24. A 3.ª A., que é farmacêutica de profissão e trabalha numa farmácia, tem horários rotativos e dependia dos vizinhos para poder entrar e sair da garagem, o que a deixava agastada e angustiada.

25. A área útil da garagem é de 151,49 m2.

26. Os lugares de estacionamento têm o C1 11,13 m2, o D1 11,50 m2, o E1 tem 11,68 m2, F1 tem 11,81 e G1 tem 11,14 m2.

27. Os 1ºs AA são titulares de um Peugeot ... e a II, filha dos 1.ºs AA., de uma Volvo ....

28. Do processo de licenciamento consta ainda que em junho de 2016 os RR. apresentaram um primeiro projeto com uma configuração e acesso à cave de forma a que este acesso fosse do lado exterior e com 5 lugares de estacionamento.

29. Em 2018 apresentaram aditamento a alterar o projeto de arquitetura para a Cave e R/C frente convertendo-o numa habitação e alterando a configuração da garagem com acesso pelo interior passando a existir 7 lugares de estacionamento, um por cada fracção de habitação, o que veio a ser aprovado a 27/03/2020.

30. Procedeu-se ao aumento da área de impermeabilização.

31. A cave entrou, a mais, cerca de 30 cm por baixo do terraço dos 1ºs AA.

32. O 3.º R. foi o autor do projecto de arquitectura do prédio em causa.

33. Os 1.ºs AA. sentem preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

34. Até 14/06/2023 a 3.ª A. sentiu preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e por constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

35. No Proc. .../16/CMP, foi a 20/11/2018 emitido o alvará de licenciamento de obras de construção n.º ALV/...26/18/DMU em nome da aqui 1.ª R que titulou o licenciamento das obras sobre o prédio sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...73/20170810 e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...77... da respectiva freguesia.

36. Com a conclusão da obra foi emitida, em Dezembro de 2022 a respectiva licença de utilização n.º NUD/...36/2020/CMP.

37. Com a celebração dos respectivos contratos-promessa foram fornecidos aos compradores plantas das fracções donde constava a área da respectiva fracção e do seu lugar de garagem/aparcamento.

38. Aquando da outorga do contrato prometido, as plantas constavam como anexo à escritura.

39. As RR. vendedoras concederam autorização para que os 1.ºs AA. realizassem visitas agendadas com as mesmas, para acompanhamento de obra.

40. A obra foi construída em conformidade com o supra referido alvará de licença de construção

41. Em momento algum foi negado aos AA. o acesso às suas fracções e à garagem.

42. Todos os AA., antes da celebração dos respectivos contratos de compra e venda dos seus imóveis, visitaram e inspecionaram não só a parte habitacional, mas também os lugares de aparcamento e seus acessos, na sua plenitude.

43. Os RR. nunca encobriram e/ou omitiram as dificuldades no estacionamento e retirada do veículo dos AA.

44. Os RR. permitiram o acesso atempado à garagem.

45. As RR. vendedoras nunca ocultaram nem omitiram as dimensões da garagem aos AA., tendo fornecido todos os elementos e documentos técnicos necessários à real percepção da mesma.

46. Os 1.ºs e 2.ºs AA. compraram as fracções conscientes da dimensão do espaço de que dispunham na garagem para guardar o respectivo veículo na garagem.

47. Os 1.ºs e 2.ºs AA., antes da celebração dos respectivos contratos de compra e venda das suas fracções, visitaram-nas e inspecionaram-nas.

48. Os 1.ºs e 2.ºs AA. conformaram-se e aceitaram as dimensões da garagem como adequadas para a realização das manobras de estacionamento e saída do respectivo veículo do seu lugar de garagem.

XVIII.Em cumprimento do princípio do dispositivo, às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, pelo que o Tribunal só pode fundar a sua decisão nos factos trazidos à lide pelas partes, não podendo proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade, quer no que respeita ao seu próprio objecto.

XIX.Os Recorridos vêm a juízo formular um pedido indemnizatório fundado na dificuldade de acesso automóvel ao seu lugar de aparcamento na cave do edifício, peticionando a quantia de 15.000€ (quinze mil euros) para aquisição de um outro lugar de garagem ou arrendamento a longo prazo numa garagem perto da sua residência ou, até, para aquisição de um outro veículo.

XX.Andou mal o Tribunal a quo ao entender que a pretensão dos Recorridos se relaciona com o valor do lugar de garagem de cada um deles, bem como com o valor do bem ferido da desconformidade e pelo qual pagaram o respectivo preço, uma vez que, em nenhum momento da sua alegação ou da formulação do seu pedido, os Recorridos mencionam qualquer redução do preço ou desvalorização do bem.

XXI. O Tribunal a quo alterou a qualificação jurídica dos factos e dos pedidos formulados pelos Recorridos, conduzindo a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do pretendido pelas partes, pelo que a decisão recorrida ultrapassa o pedido formulado, abrangendo matéria distinta, nunca suscitada pelos Recorridos.

XXIINão pode a Recorrente ser condenada com base em factos ou conceitos jurídicos dos quais nunca se pôde, efectivamente, defender, pelo que é nula, por vício de ultra petita, a sentença em crise, nos termos da alínea e) do artigo 615º do Código de Processo Civil.

XXIII.Não é plausível, nem adequado, o critério baseado na equidade utilizado pelo Tribunal a quo para fundar a atribuição do valor indemnizatório de 15.000€ (quinze mil euros).

XXIV.A equidade consubstancia uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio, encontrando-se sempre limitada pelos imperativos da justiça real – a justiça ajustada às circunstâncias.

XXV.O critério utilizado pelo Tribunal a quo é manifestamente arbitrário, uma vez que não foram explicados os pressupostos normativos do recurso à equidade, nem os limites dentro dos quais se situou tal juízo equitativo, face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto.

XXVI.O Tribunal não pode recorrer à equidade para determinar o valor dos lugares de estacionamento em apreço, uma vez que nenhum limite foi provado; ao invés, impunha-se a realização de uma perícia de avaliação, com recurso a juízos técnicos e científicos e não a meros juízos de equidade ou normalidade.

XXVII.Os lugares de garagem não padecem de defeitos, nem se verifica a inutilidade dos mesmos, cumprindo por completo o fim para que foram adquiridos, pelo que os Recorridos não têm direito a qualquer valor a título de indemnização ou redução do preço

XXVIII. In casu, não existe, realmente, um dano, pelo que qualquer valor atribuído aos Recorridos a título de indemnização configura uma vantagem injustificada.

XXIX.O entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo resulta num lucro ou vantagem desproporcional e indevido na esfera jurídica dos Recorridos, que passam a possuir não só um lugar de garagem perfeitamente funcional, mas também um valor equivalente ao mesmo.

XXX.Mesmo que se admitisse a existência de defeitos nos lugares de garagem, os mesmos nunca foram denunciados pelos Recorridos e, mesmo que se entendesse que o foram, tal não ocorreu atempadamente, com base no pressuposto da cognoscibilidade.

XXXI.Nunca os Recorridos emitiram – nem a Recorrente recebeu – qualquer declaração de denúncia dos alegados defeitos, válida e eficaz nos termos do artigo 224º, nº 1 e 2, do Código Civil.

XXXII.A não ser no âmbito da presente acção, nunca foram anteriormente denunciados à Recorrente os invocados defeitos, pelo que a decisão do Tribunal a quo desconsiderou por completo a necessidade da prévia denúncia de tais desconformidades.

XXXIII.A presente acção deu entrada em juízo no dia 11.01.2022, tendo a Recorrente sido citada a 18.02.2022, ou seja, já decorrido o prazo de um ano de que dispunham os Recorridos para denúncia dos defeitos, que, no limite, só conheceram a 05.01.2021, data em que celebraram a escritura de compra e venda das fracções em causa.

XXXIV.Os Recorridos não cumpriram com ónus que lhes é imposto, de denunciar atempada e adequadamente aqueles defeitos, pelo que caducou e extinguiu-se o direito de pedir a sua reparação.

XXXV.O objecto do presente processo prende-se com o pedido de condenação dos RR. em indemnização pelos danos causados aos AA. pela falta de espaço para estacionar nos lugares de garagem adquiridos.

XXXVI. A alegada angústia sentida pelos 2º Recorridos extravasa o objecto do processo, uma vez que o bem adquirido por estes cumpre devidamente todas as finalidades.

.XXXVII É a própria sentença recorrida que afirma inexistirem elementos suficientes para avaliar a gravidade do impacto directo da desconformidade da garagem na vida dos 2º Recorridos.

XXXVIII. Os danos não patrimoniais possuem natureza estritamente pessoal, não sendo possível “terceirizá-los”, pelo que qualquer dano decorrente da exiguidade do lugar de estacionamento seria sentido na esfera jurídica da filha dos 2º Recorridos, e não na destes.

XXXIX. A sentença recorrida desconsiderou o artigo 5º-A do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, e violou, entre outros, os artigos 496º, nº 1, 562º e 566º, nº 2 e 3, do Código Civil, e artigo 615º, nº 1, alíneas b), c) e e) do Código de Processo Civil.

Termina a pedir a revogação da sentença e respectiva substituição por outra que julgue a ação improcedente.

A co-ré A..., LDA.,interpôs também recurso de apelação cujas conclusões se reproduzem:

I.O Tribunal a quo no que respeita à decisão proferida no âmbito dos presentes autos procedeu a uma errada análise dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento nos termos do art.º607.ºdo CPC, designadamente, na apreciação da prova testemunhal.

II.Existe um erro de Julgamento na medida em que existe uma errada aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade normativa, não tendo o Tribunal a quo avaliado devidamente à luz dos corretos normativos legais a situação de facto alegada pelos Autores e,

III.Nulidade da sentença por violação do princípio do dispositivo e contraditório.

Da alteração da matéria de facto

IV.O Tribunal a quo deu como provados os factos 23., 36. e 37.,

V.No entanto, o Tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida, nomeadamente, o depoimento da Testemunha KK, isto porque, (… )

VIII.Atento a este concreto meio probatório, impõe-se alterar os factos 23., 36 e 37 dos factos provados, para os factos não provados e, como tal, não poderão ser as RR., condenadas no pagamento de danos morais, nos termos e pressupostos em que os foram.

IX.Porque neste aspeto, sempre terá de revogar-se a decisão recorrida.

Do erro de julgamento / da decisão surpresa

X.Entendeu o Tribunal a quo aplicar aos factos alegados pelos AA. o regime da venda de coisa defeituosa, não obstante ter dado como provado que ”15. Se tivessem sabido da supra descrita situação relativa à utilização do seu lugar de garagem, os 1.ºs AA. não teriam procedido à supra identificada aquisição da fracção B.”.

XI.Os Autores invocam que celebraram um negócio em que não tinham a consciência e/ou perceção orreta do negócio, nomeadamente, do espaço do lugar de garagem, mais alegando que as Rés agiram de má-fé, por, alegadamente (não provado) lhes ocultarem deliberadamente esta informação – quanto aos lugares de garagem – aplicando e peticionando a indemnização de acordo com o regime da responsabilidade civil contratual, na medida em que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da sua obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor”.

XII.É nessa ótica que os AA. peticionam o pagamento de danos patrimoniais. Peticionam, a quantia de 15.000€, a título de danos patrimoniais, para aquisição, ou arrendamento de um lugar de garagem, ou até para a aquisição de um outro veículo mais apropriado às condições do local.

XIII.Resulta da factualidade provada que no momento em que foi celebrado o negócio, os Recorridos sabiam integralmente das suas condições, nomeadamente, tinham conhecimento das dimensões da garagem por se encontrarem as plantas anexas aos contratos promessa de compra e venda, sendo correto afirmar-se que os Recorridos tinham e estavam na posse de todos os elementos que lhes permitiam ter consciência total do que estavam a prometer a adquirir e que vieram a adquirir.

XIV.Não resultou que a Recorrente tenha ocultado e omitido as dimensões da garagem aos AA.

XV.Perante este cenário, era espectável que o Tribunal a quo julgasse improcedente a ação e não viesse a condenar a Recorrente nos termos em que o fez.

XVI.Ora, estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporta uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito a qual gera nulidade processual nos termos do artigo 195.º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Da violação do princípio do dispositivo

XVII. Os AA. peticionaram uma indemnização por danos patrimoniais e danos morais, ao abrigo da responsabilidade civil contratual, por entenderem que as RR. e, portanto, a aqui Recorrida, não cumpriu com o contrato de compra e venda

XVIII. Conforme resulta da Petição Inicial, a causa de pedir e o pedido formulado pelos AA., assenta num vicio da vontade/ responsabilidade civil contratual e, não, na venda defeituosa.

XIX. Os AA. peticionam uma indemnização por violação do contrato de compra e venda, por defenderem que lhes foi vendido um bem desconforme com o prometido, tendo a recorrida, de forma deliberada, ocultado a dimensão das garagens.

XX.Resulta dos factos provados (40, 41 e 42) e não provados (As RR. vendedoras tenham ocultado e omitido as dimensões da garagem aos AA), que o contrato prometido, corresponde ao contrato definito, e como tal, nunca poderá verificar-se uma qualquer responsabilidade da Recorrente.

XXI.Até porque, o princípio da autorresponsabilização das partes impede que se possa deixar em claro um comportamento eventualmente negligente consubstanciado na ignorância voluntariamente exercida.

XXII. Nos presentes autos, os AA., perante o contrato promessa e as plantas a ele anexas, tiveram conhecimento das áreas do imóvel que prometeram comprar. Essas plantas, em nada divergiram das constantes do contrato definitivo de compra e venda, bem como do bem que compraram. Ou seja, a Recorrente vendeu aquilo que prometeu vender e, por sua vez, os AA. compraram aquilo que prometeram comprar, tendo conhecimento, aquando da promessa, das plantas dos respetivos lugares de garagem e, como tal, das dimensões do objeto.

XXIII. A responsabilidade civil contratual, no âmbito do qual terá assentado a causa de pedir dos AA. pressupõe, que por erro ou omissão de quem é parte num contrato se verifique o incumprimento do mesmo.

XXIV. No âmbito contratual nenhum incumprimento poderá ser imputado à Recorrida, na medida em que esta vendeu aquilo que prometeu vender, sem qualquer divergência ou alteração.

XXVI. Não se encontram, pois, preenchidos os requisitos da responsabilidade civil contratual, pelo que, desde logo, os pedidos dos AA. teriam de ser julgados improcedentes.

XXVII. Não obstante, ainda que se considerasse a venda defeituosa – que não se concede – é de considerar que os AA. nunca informaram a Recorrida da essencialidade de uma garagem espaçosa e nunca a Recorrida aceitou essa essencialidade.

XXVIII.De facto, o Tribunal não se encontra vinculado à matéria de direito exposta pelas partes. No entanto, perante a estrutura de facto e de direito da Petição Inicial, a Recorrente assentou a sua defesa nesses mesmos pressupostos, afastando a sua culpa e o seu incumprimento contratual – o que conseguiu demonstrar.

XXIX. As Recorridas não alicerçaram a sua pretensão no regime da venda defeituosa e/ou no DL n.º 67/2003 de 8 de Abril e nos pressupostos dos mesmos.

XXX. A Recorrente nunca pôde exercer o contraditório relativamente à matéria decorrente destes regimes, uma vez que a factualidade alegada pelos AA. sempre se cingiu à sua responsabilidade contratual, pelo facto de lhes ter sido, alegadamente, ocultadas as dimensões das garagens, sendo nesse âmbito que peticionam, como vimos, as respetivas indemnizações.

XXXI. Os Recorridos não peticionam os direitos conferidos ao consumidor por aquele decreto lei, nomeadamente a redução do preço.

XXXII. O tribunal não pode interpretar de forma abstrata e não condicente com o direito aplicável, a causa de pedir dos Autores e, bem assim, alterar o pedido formulado.

XXXIII. O Tribunal não pode substituir-se aos Recorridos e condenar a Recorrente em pedidos sem suporte normativo aplicável aos factos concretamente alegados na Petição Inicial. N«Não compete ao Tribunal sanar, em sentença, incongruências da petição inicial ou realizar uma espécie de justiça que a lei, em sentido estrito, não permite. Ainda quanto a este entendimento, leia-a o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 103355/17.8YIPRT.P1.S1.

XXXIV.Considerando os factos e a estrutura da causa de pedir dos Autores, perante a matéria de facto assente e não assente é forçoso concluir pela improcedência da ação (ainda que, dado como provado a existência de um diminuto espaço de garagem para a realização de manobras, a verdade é que, a Recorrente nunca agiu com culpa, nunca tendo de forma deliberada ocultado as dimensões dos lugares de garagem, tendo vendido aquilo que prometeu vender e que deu a conhecer aos Recorridos).

XXXV. Ao decidir como decidiu, é nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo por violação do princípio do dispositivo.

Sem prescindir, da violação do princípio ao contraditório

XXXVI.Ainda que se considere a aplicação do regime do DL 67/2003 de 8 de Abril, a verdade é que o mesmo consagra uma solução jurídica distinta daquela apresentada pelos Autores e pelos factos por si narrados e estruturados Ao condenar a Recorrente na redução do preço, o Tribunal também condenou a Recorrente num pedido diverso do formulado pelos AA.

XXXVIII. Como se não bastasse toda esta solução jurídica encontrada pelo Tribunal a quo, este entendeu ainda que os AA., embora não previsto no DL 67/2009 de 8 de Abril, teriam direito a ser indemnizados por danos patrimoniais e não patrimoniais alicerçando, neste caso, esse seu entendimento nos princípios gerais do cumprimento/incumprimento contratual.

XXXIX. A solução jurídica encontrada pelo Tribunal a quo e na qual assentou a decisão proferida, teve como efeito uma manifesta surpresa da Recorrente, pois perante o tipo ação intentada pelos Autores e, bem assim, pelos pedidos formulados e matéria assente, era-lhe absolutamente impossível prever este desfecho.

XL.De facto, esta alteração do quadro jurídico nunca foi dada a conhecer à Recorrente, na medida em que nunca lhe foi dada a oportunidade de se pronunciar quanto à possibilidade de aplicação aos autos do regime previsto no decreto lei 67/2003 de 8 de Abril, nomeadamente a possibilidade de ser condenada num pedido que não foi formulado (redução do preço).

XLI.A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico, mesmo que adjetivo.

XLII.Como refere o Professor Lebre de Freitas, o princípio do contraditório materializa (…)

XLIII.Não tendo as partes configurado a questão pela via adotada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumento, só estando dispensado de o fazer em caso de manifesta necessidade – Neste sentido, Acórdão do STJ de 27/9/2011, processo 2005/03.0TVLSB.L1.S1.

XLIV.A violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, constitui nulidade processual, prevista no nº1, do art. 195º, onde se consagra que (… )

XLV.A prolação de decisão desacompanhada de prévia auscultação das partes, constitui nulidade,impugnável por meio de recurso - Acórdão da Relação de Lisboa de 9/10/2014, processo nº2164/12.1TVLSB.L1-2 – nulidade que expressamente se invoca.

XLVI.A sentença recorrida violou, entre outros, o artigo 3º, n.º 1 do CPCiv., 609º, n.º 1 do CPCiv.; 607ºdo CPCiv.; 615º, n.º 1, alínea e) e 496º C.Civ.;

TERMOS em que deve o presente recurso declarado procedente, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que julgue a ação totalmente improcedente.

Os 1ºs e 2ºs Autores apresentaram contra-alegações relativamente ao recurso da recorrente B.... SA e responderam ao recurso da recorrente A..., LDA.

O tribunal a quo pronunciou-se sobre as nulidades invocadas.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS.

As questões colocadas nos dois recursos são as seguintes:

Das Nulidades da Sentença.

Da impugnação da decisão de facto.

Do Mérito da sentença recorrida.

III.FUNDAMENTAÇÃO:

3.1. Das Nulidades da Sentença.

A Ré, aqui Recorrente,B..., S.A veio suscitar a questão da nulidade da sentença recorrida nos seguintes termos:

§ 1º “pela oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do artigo 615º, nº1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil” (conclusão IV das suas alegações de recurso).

§2º - “é nula, por vício de ultra petita, a sentença em crise, nos termos da alínea e) doartigo 615º do Código de Processo Civil” . ” (conclusão XXII das suas alegações de recurso).

Também a Ré, aqui Recorrente A..., LDA veio suscitar a questão da nulidade da sentença recorrida nos seguintes termos:

§1º Nulidade da sentença por violação do princípio do dispositivo e contraditório(conclusão III das suas alegações de recurso).

§2º Estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporta uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspetivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela,ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito a qual gera nulidade processual nos termos do artigo 195.º, nº 1 do Código de Processo Civil, (conclusão XVI das suas alegações de recurso).

§3º Ao decidir como decidiu, é nula a sentença proferida pelo Tribunal a quo por violação do princípio do dispositivo (conclusão XXXV das suas alegações de recurso).

§4º A violação do princípio do contraditório, mediante a prolação de uma decisão-surpresa, constitui nulidade processual, prevista no nº1, do art. 195º, onde se consagra que a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” (conclusão XLIV das suas alegações de recurso).

§5º A prolação de decisão desacompanhada de prévia auscultação das partes, constitui nulidade, impugnável por meio de recurso - Acórdão da Relação de Lisboa de 9/10/2014, processo 2164/12.1TVLSB.L1-2 – nulidade que expressamente se invoca (conclusão XLV das suas alegações de recurso).

§6º A sentença recorrida violou, entre outros, o artigo 615º, n.º 1, alínea e) do CPC, ao condenar a Recorrente na redução do preço, o Tribunal também condenou a Recorrente num pedido diverso do formulado pelos AA. (conclusões XLVI e XXXVII das suas alegações de recurso).

Apreciando e Decidindo.

1.. Relativamente à invocada nulidade da sentença com fundamento nas alíneas b) c) e e) do nº1 do artº615º do CPC, importa atentar no estatuído em tais preceitos:

“1 - É nula a sentença quando:

a) (,,,)

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;(…)

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Assim, relativamente à nulidade prevista na al.b) do nº1 do artigo 615º do CPC “há nulidade (no sentido de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, sendo que o ac. do STJ de 17.10.90, Roberto Valente, AJ, 12, p. 20 decidiu que constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados).

Todavia, não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do TRP de 6.1.94,CJ, 1994, I. p 197: a simples indicação do preceito legal aplicável constitui fundamentação suficiente da decisão”, (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág.735).

Acresce que para que ocorra a invocada nulidade prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC é necessário que se verifique oposição entre os fundamentos e a decisão e não entre os factos e a decisão, caso em que ocorrerá erro de julgamento e não nulidade da sentença.

«A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento». A contradição geradora de nulidade verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente». Como escreve Amâncio Ferreira (Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 56)

«Na al. c) do nº 1 do art. 615º a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão», (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 690).

Quanto ao vício consagrado na al. e) do nº1 do artigo 615º do CPC: condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido diga-se que “É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância (…), não observe os limites impostos pelo art. 609-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido” (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág.737).

.Feitas estas considerações, compulsada e analisada a sentença recorrida, resulta que nesta consta a indicação dos fundamentos de facto e a indicação dos fundamentos de direito da decisão, sendo manifesto que a mesma sentença não padece da nulidade prevista na al.b) do nº1 do artigo 615º do CPC.

Por outro lado, os fundamentos referidos na sentença não conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, pelo que, também a sentença recorrida não enferma da nulidade prevista na al.c) do nº1 do artigo 615º do CPC.

.Relativamente à nulidade consagrada na al. e) do nº1 do artigo 615º do CPC diremos o seguinte:

Os Autores peticionaram, na procedência da presente acção, a condenação solidária dos RR a pagar aos AA:

a) Aos 1ºs AA a quantia de 15.000,00 euros a titulo de danos patrimoniais

b) E a titulo de danos morais ou não patrimoniais a quantia de 10 000, 00, no total de 25 000, euros

c) Aos 2ºs AA a quantia de 15.000,00 euros a titulo de danos patrimoniais

d) E a titulo de danos morais ou não patrimoniais a quantia de 10 000,00 euros, no total de 25 000,00 euros

e) A 3ª A. EE a quantia de 15 000,00 euros a titulo de danos patrimoniais

f) E a titulo de danos morais a quantia de 10 000,00 euros, no total de 25 000,00 euros.

A pretensão jurídica formulada pelos autores-recorridos relativamente às Rés- recorrentes, nas qualidades de vendedoras de bens imóveis, tem o seu fundamento no direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de bens defeituosos/desconformes, nas relações de consumo, conforme previsão do nº1 do artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor, com a redacção introduzida DL 67/2003, de 8 de Abril.)que estabelece: “1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.”

Este direito de indemnização, apesar de não estar incluído no regime de protecção estabelecido no DL 67/2003, de 8 de abril, assiste ao consumidor, conforme previsão no artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor, com a redacção introduzida DL 67/2003), direito que não deve ser encarado com a configuração meramente subsidiária ou residual, podendo ser exercido livremente pelo consumidor, tendo apenas os limites impostos pela figura geral do abuso de direito, não impondo a lei ao consumidor a observância de hierarquização de opções quanto aos direitos que lhe assistem.

E a sentença recorrida condenou as 1.ª e 2.ª RR. a, solidariamente, pagarem aos 1.ºs AA. a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros) e aos 2.ºs AA. a quantia de 17.000,00 € (dezassete mil euros), acrescidas de juros de mora à taxa de 4% ao ano, sendo 15.000,00 € de uma e outra quantia desde a citação, e 5.000,00€ da primeira quantia assim como 2.000,00 € da segunda quantia, desde a data da presente sentença até integral pagamento, absolvendo-as dos restantes pedidos e absolvendo o 3.º R. de todos os pedidos.

A sentença sob recurso entendeu que os bens imóveis vendidos aos autores- recorridos, na parte em que são compostas pelo respectivo lugar de garagem, apresentam desconformidades com os contratos no tocante aos respectivos lugares de garagem que faziam parte de cada uma das fracções vendidas e que essa circunstância permitia aos autores reduzir os preços dos negócios.

Assim, refere-se na fundamentação:

Em face do que se deixou dito, conclui-se, pois, que as características da garagem em apreço representam desconformidades com o contrato de compra e venda porquanto configuram a ausência das qualidades próprias de um bem do género com as quais um consumidor poderia razoavelmente contar.(… )

Assim, em face da falta de conformidade do bem com o contrato, de acordo com o art. 4.º do mencionado DL n.º 67/2003, o consumidor, no caso os 1.ºs e os 2.ºs AA., têm direito a que a conformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.(… )

No caso sub iudice, o que é pedida é uma indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais.

Relativamente aos primeiros, o valor pedido quer pelos 1.ºs RR. quer pelos 2.ºs AA. é de 15.000,00 € correspondente, segundo referem, ao valor do lugar de garagem de cada um deles, pelo que se verifica que o dano patrimonial invocado e cujo ressarcimento os AA. pretendem obter é o correspondente ao valor do bem ferido da desconformidade e pelo qual pagaram o respectivo preço.

Ora, o direito à redução corresponde ao valor de desvalorização do bem, justamente o que aqui é pedido como danos patrimoniais.

Assim, sem prejuízo do direito do consumidor a, independentemente do exercício de um dos direitos previsto no art. 4.º do DL n.º 67/2003, ser indemnizado pelos danos causados pela entrega de um bem desconforme com o contrato, a verdade é que, no caso, o valor peticionado de 15.000,00 € por 1.ºs e 2.ºs RR., respectivamente, correspondendo ao valor do lugar de garagem cuja utilização não é possível apenas com recurso ao respectivo espaço juntamente com espaço comum da garagem, mais do que a reparação de um dano à luz do cumprimento e incumprimento dos contratos, representa a vontade de exercer o direito à redução do preço.

Retomando os autos, os factos provados não fornecem o valor dos lugares de estacionamento em apreço, pelo que o Tribunal, à luz do art. 566.º, n.º 3 do CC, terá de recorrer à equidade para o determinar dentro dos limites que tiver por provados.

Pois bem, o prédio em discussão situa-se no centro da cidade do Porto, em zona residencial e turística, próxima dos mais variados serviços e acessos/saída da cidade, o que, no conjunto, se nos afigura poder valorizar cada um dos lugares de garagem no valor de 15.000,00 €, quantia que, como peticionado, as RR. têm de solidariamente entregar quer aos primeiros AA. quer aos 2.ºs RR., acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento (arts. 512.º e ss.; 804.º; 805.º, n.º 1, 806.º, n.ºs 1 e 2; 559.º do CC e Portaria n.º 291/03 de 8/04).

A par do direito à redução do preço, os 1.ºs e 2.ºs AA., enquanto consumidores, têm direito a ser indemnizados pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da entrega do bem desconforme com o contrato, (… )”

Resulta dos segmentos da sentença recorrida acima reproduzidos que o tribunal a quo interpretou a petição, como acto jurídico que é[1], na parte relativa à pretensão de indemnização por danos patrimoniais, como traduzindo um pedido de redução do preço pago pelos 1º e 2º Autores pelas frações que compraram, as quais, eram compostas pelo respectivo lugar de garagem.

E resulta da fundamentação convocada nessa parte que o tribunal convocou doutrina que aborda os critérios a invocar para a redução.

Assim, aí se escreveu.

“Explica Jorge Morais Carvalho que a “ redução do preço corresponde ao valor da desvalorização do bem. Deve ser feita uma avaliação da percentagem de desvalorização do bem, tendo em conta a desconformidade com o contrato, ou da utilidade patrimonial ainda assim retirada do que foi prestado. A aplicação da percentagem ao preço efectivamente pago (independentemente de esse preço corresponder ou não, nesse momento, ao preço de mercado) determina o valor da redução, devendo o vendedor restituir montante correspondente na consequência do exercício do direito pelo consumidor. Reequilibram-se por esta via as prestações. O valor do IVA é englobado proporcionalmente na redução do preço. A utilização do bem pelo consumidor é irrelevante para esta avaliação” (in loc. cit., pág. 337).

Posto isto, verificamos que pese embora na parte dispositiva da sentença relativa à condenação das Rés sociedades no pagamento de quantias aos autores recorridos a título de danos patrimoniais não seja esteja feita qualquer referência à redução do preço, certo é que, a parte da fundamentação jurídica que suporta essa parte da condenação convoca expressamente a redução do preço como tendo sido a opção ressarcitória dos autores recorridos, o que, não corresponde à realidade, sendo certo que os argumentos de facto e jurídicos vertidos na petição não permitem, de todo, concluir que os 1º e 2º Autores recorridos visem exercitar nesta ação o direito de redução que em abstrato assiste a qualquer consumidor que seja confrontado com desconformidades dos bens que lhe são entregues, conforme previsão do art. 4ºdo DL 67/2003, de 8/04.

Assim, considerando o princípio da correspondência entre o pedido e a decisão- art 609º do CPC- considerando que o direito de indemnização por danos patrimoniais com fundamento nas desconformidades dos bens que são entregues aos consumidores é distinto do direito à redução do preço, apresentando formas distintas de cálculo na quantificação e consequências jurídicas diversas, entendemos que estava vedado ao tribunal a quo, em razão do princípio do dispositivo, interpretar a pretensão indemnizatória por danos patrimoniais dirigida contra as rés- recorrentes como uma redução do preço, e, prosseguindo, com fundamento nessa redução do preço, que não foi pedida, julgar a ação procedente nesta parte .

Dito isto, porque é a causa de pedir (alegação do núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa.” – cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 31/1/2007, in www.dgsi.pt.),que determina o objeto da ação, porque o pedido do autor, conformando o objeto do processo, condiciona o conteúdo da decisão de mérito, com que o tribunal lhe responderá, no caso dos autos, o tribunal a quo, ao interpretar a pretensão indemnizatória na vertente patrimonial, como sendo uma pretensão de redução parcial do preço pago pelos 1ºs e 2ºs Autores,pelas fracções, reconfigurou essa parte do pedido atribuindo aos 1º e 2º Autores direito substancialmente diverso daquele que os autores procuravam obter através da pretensão queefectivamente formularam, na vertente de danos patrimoniais.

Destarte, está verificada a nulidade prevista na al.e) do nº1, do art 615º do CPC na parte em que a sentença recorrida condenou: “ as 1.ª e 2.ª RR. a, solidariamente, pagarem aos 1.ºs AA. a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros) e aos 2.ºs AA. a quantia de 17.000,00 € (dezassete mil euros), acrescidas de juros de mora à taxa de 4% ao ano, sendo 15.000,00 € de uma e outra quantia desde a citação”, o que, se declara para todos os efeitos legais, pelo que, fica prejudicada a apreciação e decisão da arguida nulidade da sentença com fundamento na violação do princípio do contraditório mediante a decisão surpresa, porque, uma vez reconhecida uma nulidade que afecta a estrutura da própria sentença, outras nulidades que possam depender dessa decisão tornam-se irrelevantes ou prejudicadas.

A significar que deve este Tribunal da Relação conhecer das apelações, conforme dispõe o nº1 do art 665º do CPC.

3.2. Decisão de facto proferida pela primeira instância:

Factos Provados.

“1. Os 1.ºs AA e as 1ª e 2ª RR celebraram contrato promessa de compra e venda a 02 de Julho de 2019 em que aqueles prometeram comprar e estes prometem vender a fração autónoma B destinada à habitação de tipologia T2 localizada no R/Chão traseiras e lugar de estacionamento designado por B1 na cave, com acesso pela Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o numero ...73 e artigo urbano ...02 da freguesia ... concelho do Porto.

2. O contrato foi feito com base no último projeto aprovado, ainda em planta, não havia construção.

3. A 05 de Janeiro de 2021 foi outorgada entre os 1.ºs AA. e a 1.ª e 2.ª RR. a escritura de compra e venda da supra id. fracção, para habitação própria permanente daqueles, pelo preço de 240 000,00 euros, após a emissão da competente licença de habitabilidade n.º ...36/2020 emitida pela Câmara do Porto em 18/12/2020.

4. Aquando da realização da escritura acima mencionada foram entregues aos 1.ºs AA as chaves da habitação.

5. Os 2.º AA. são titulares da fração G mas não residem habitualmente na sua fração mas sim a sua filha II que reside e trabalha no Porto.

6. Outorgaram a escritura de compra e venda com a 1.ª e 2.ª RR. no dia 05 de Janeiro de 2021 relativamente à fração G de tipologia T3 duplex pelo preço de 227 500,00 euros localizada no terceiro e 4º andar frente com lugar de estacionamento designado por G1 do prédio melhor identificado supra no artigo 1º.

7. A 3.ª A. celebrou contrato promessa de compra e venda com as RR. a 20 de Dezembro de 2018 relativamente à fração C pelo preço de 165 000,00 euros também com projeto aprovado e com lugar de estacionamento designado por C1.

8. A 22 de Março de 2021 outorgou escritura de compra e venda com as RR. da mesma fracção de tipologia T1 + 1 localizada no primeiro andar frente do mesmo prédio melhor identificado supra no artigo 1º, para habitação própria permanente.

9. Aquando da celebração das supra ids. escrituras públicas de compra e venda, a dimensão da área da faixa de circulação da garagem não permitia o acesso de um veículo automóvel ligeiro aos supra ids. lugares de estacionamento B1, G1 e C1.

10. Antes de 11/01/2021 os 1.ºs AA. reclamaram verbalmente junto de JJ, representante da 1.ª R., e experimentaram o estacionamento da sua viatura e tiveram dificuldades em fazê-lo, mesmo com a garagem completamente desocupada sem nenhum veículo aí estacionado.

11. De comum acordo com todos os AA, JJ e o fiscal da obra, foi marcada uma reunião na cave a 11 de Janeiro de 2021 e constatou-se, na presença dos mesmos e com os respetivos veículos estacionados, que, ocupando apenas a zona de circulação da garagem, não era possível fazer as manobras de estacionamento e retirada do veículo por falta de espaço de manobra.

12. Para estacionar o seu veículo no respetivo lugar, os AA. necessitavam de ocupar o espaço de estacionamento afecto a outras fracções que não a dos próprios e de articular as manobras.

13. Nessa mesma reunião, JJ propôs uma intervenção a fim de desbastar a parede e curvatura ao lado da rampa de acesso e desta forma aumentar a área de circulação na cave, o que uma vez feito se revelou insuficiente, porquanto:

- utilizando-se apenas o espaço comum de circulação da garagem a manobra de entrada nos lugares B1, G1 e C1 com um veículo ligeiro, devido ao número de manobras necessárias para o efeito, é de difícil execução, o mesmo sucedendo com a manobra de retirada do mesmo tipo de veículo daqueles lugares, que, uma vez efectuada, e estando já o veículo de frente para a saída da garagem é impossível efectuar a curvatura para subir a rampa de saída para o exterior.

14. Perante esta situação os AA propuseram a eliminação no local dos dois lugares de estacionamento em frente à rampa que ao tempo ainda não estavam vendidos, de forma a aumentar a área de circulação, facilitando as manobras e desta forma minimizar este problema, o que não foi aceite.

15. Se tivessem sabido da supra descrita situação relativa à utilização do seu lugar de garagem, os 1.ºs AA. não teriam procedido à supra identificada aquisição da fracção B.

16. Os 1.ºs AA. adquiriram esta fracção, além do mais, por a mesma dispor de estacionamento.

17. Os 1.ºs AA são pais de uma criança.

18. Com o seu veículo estacionado no seu lugar de garagem, os 1.ºs AA. não podem abrir as portas do carro para retirar a criança e os seus pertences porque de um lado tem a parede a centímetros de distância e do outro tem um carro também a centímetros.

19. A II é enfermeira de profissão, trabalha por turnos, entra ao serviço e sai de madrugada.

20. Para entrar e sair da garagem e estacionar no lugar de garagem G1 a II depende dos vizinhos o que é um grande transtorno e aborrecimento para todos, e a deixa muito angustiada porque vive sozinha e os seus horários variam bastante.

21. Sendo para esta ainda mais difícil conciliar a sua vida pessoal e profissional com os demais vizinhos.

22. Os AA. CC e DD quiseram adquirir um apartamento para facilitar a sua vida e a da sua filha, em pleno centro da cidade do Porto, proporcionar-lhe um dia a dia mais prático e confortável, bem como aos próprios AA. CC e DD aquando das suas deslocações e permanências no Porto, o que não se concretiza por não disporem de um estacionamento viável e funcional.

23. Esta situação causa angústia e desgosto aos 2.ºs AA.

24. A A. EE quando adquiriu a sua fração tinha conhecimento que o seu lugar de aparcamento apresentava irregularidades que lhe foram comunicadas pelos restantes AA., seus vizinhos, no início de Janeiro, tendo solicitado a sua presença na reunião havida na cave do prédio em 11 de janeiro de 2021, altura em que foi confrontada pela primeira vez com a percepção da garagem.

25. Antes da escritura encetou vários contactos pessoais, telefónicos e via email apresentando as suas reservas na formalização do negócio, solicitando uma redução ao preço a pagar na escritura – o remanescente ainda a pagar, de forma a poder adquirir uma nova viatura de menor dimensão que lhe permitisse um acesso mais facilitado ao seu lugar.

26. Tal solução foi recusada pelas RR. vendedoras alegando que o projeto estava aprovado e que foram cumpridas as normas urbanísticas, recusando-se a reduzir o seu preço e o montante ainda a pagar.

27. A 3.ª A., que é farmacêutica de profissão e trabalha numa farmácia, tem horários rotativos e dependia dos vizinhos para poder entrar e sair da garagem, o que a deixava agastada e angustiada.

28. A área útil da garagem é de 151,49 m2.

29. Os lugares de estacionamento têm o C1 11,13 m2, o D1 11,50 m2, o E1 tem 11,68 m2, F1 tem 11,81 e G1 tem 11,14 m2.

30. Os 1ºs AA são titulares de um Peugeot ... e a II, filha dos 1.ºs AA., de uma Volvo ....

31. Do processo de licenciamento consta ainda que em junho de 2016 os RR. apresentaram um primeiro projeto com uma configuração e acesso à cave de forma a que este acesso fosse do lado exterior e com 5 lugares de estacionamento.

32. Em 2018 apresentaram aditamento a alterar o projeto de arquitetura para a Cave e R/C frente convertendo-o numa habitação e alterando a configuração da garagem com acesso pelo interior passando a existir 7 lugares de estacionamento, um por cada fracção de habitação, o que veio a ser aprovado a 27/03/2020.

33. Procedeu-se ao aumento da área de impermeabilização.

34. A cave entrou, a mais, cerca de 30 cm por baixo do terraço dos 1ºs AA.. 35. O 3.º R. foi o autor do projecto de arquitectura do prédio em causa.

36. Os 1.ºs AA. sentem preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

37. Até 14/06/2023 a 3.ª A. sentiu preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e por constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

38. No Proc. .../16/CMP, foi a 20/11/2018 emitido o alvará de licenciamento de obras de construção n.º ALV/...26/18/DMU em nome da aqui 1.ª R que titulou o licenciamento das obras sobre o prédio sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...73/20170810 e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...77... da respectiva freguesia.

39. Com a conclusão da obra foi emitida, em Dezembro de 2022 a respectiva licença de utilização n.º NUD/...36/2020/CMP.

40. Com a celebração dos respectivos contratos-promessa foram fornecidos aos compradores plantas das fracções donde constava a área da respectiva fracção e do seu lugar de garagem/aparcamento.

41. Aquando da outorga do contrato prometido, as plantas constavam como anexo à escritura.

42. As RR. vendedoras concederam autorização para que os 1.ºs AA. realizassem visitas agendadas com as mesmas, para acompanhamento de obra.

43. A obra foi construída em conformidade com o supra referido alvará de licença de construção.”

Por seu turno, o Tribunal a quo não considerou provados os factos que se mostrem em contradição com os supra referidos, designadamente e ainda que:

•“As chaves e o comando da garagem só tenham sido entregues aos 1.ºs AA. no dia 9/01/2021.

•Os 1.ºs AA. só tenham tido acesso à cave a 9/01/2021.

•Anteriormente os 1.ºs AA. tenham solicitado acesso à cave. • Tal lhe tenha sido negado pelo Sr. JJ.

•Só no dia 9/01/2021 os 1.ºs AA. tenham visto a garagem e o seu lugar de garagem.

•Em 12 de Março de 2021, os 1.ºs AA. tenham enviado aos 1.ºs RR. uma carta em que denunciavam vários defeitos de construção no seu apartamento e que reforçava o problema da garagem.

•Tenham acrescentado que foram ver a cave com a aí residente II e com a A. EE no dia 11 de Janeiro e que constataram que não era possível fazer as manobras de estacionamento e retirada dos veículos por falta de espaço.

•Os 1.ºs AA. tenham contraído um empréstimo de 240.000,00 €.

•Antes desta aquisição os 1.ºs AA. se tenham deparado com apartamentos com melhores áreas a preços inferiores.

•Os RR. tenham encoberto e omitido as dificuldades no estacionamento e retirada do veículo dos AA.

•Os RR. não tenham permitido o acesso atempado à garagem.

•A dificuldade de estacionar e retirar os veículos da garagem se deva à alteração do projecto inicial.

•Os 2.ºs AA. tenham celebrado contrato promessa.

•A II tenha muitas vezes de ligar a horas impróprias aos vizinhos para poder estacionar ou retirar o seu veículo.

•Os 2.ºs AA. e a sua filha tenham sido privados de ter acesso à cave e à garagem.

•Até à reunião de 11/01/2021 a 3.ª A. não tenha tido acesso à garagem.

•A 3.ª A. tivesse vendido a sua anterior habitação.

•O prazo para reinvestir as mais valias terminasse no final de Abril de 2021. • O seu processo de empréstimo bancário fosse caducar no final de Março. • Precisasse de uma casa para viver.

•Os RR. tivessem conhecimento destes factos.

•Se tenham aproveitado destes factos para celebrar o negócio com a 3.ª A.

•Na zona da rampa da garagem a distância entre o pavimento e o tecto seja de 2m.

•A alteração do projecto de arquitectura tenha prejudicado a qualidade e funcionalidade das fracções.

•O aumento dos lugares de garagem tenha causado o encolhimento dos lugares da faixa de circulação.

•O 3.º R. não tenha tido em atenção os raios de curvatura e as manobras de entrada e saída do lugar de estacionamento de cada condómino.

•As RR. vendedoras tenham ocultado e omitido as dimensões da garagem aos AA.

•Os 2.ºs AA. sintam preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

•Depois de 14/06/2023, a 3.ª A. tenha sentido preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

•Nos anos de 2016 a 2018 o 3.º R. tivesse um contrato de trabalho com a empresa C..., Lda.

•Neste período prestasse serviços a esta empresa.

.Os AA. tenham acompanhado a obra.

•O projecto seja do conhecimento dos AA. desde a data da outorga dos contratos promessa.

•Durante a execução da obra, a 1.ª R. tenha mostrado a fração, a garagem e o respectivo lugar de aparcamento aos AA.

I•Em momento algum tenha sido negado aos AA. o acesso às suas fracções e à garagem. •

.A garagem sempre tenha estado disponível para visita.

•Os 1.ºs e 2.ºs AA. tenham comprado as fracções conscientes da dimensão do espaço de que dispunham na garagem para guardar o respectivo veículo na garagem.

•Os AA tenham efectuado visitas à obra, sem qualquer restrição.

•Os 1.ºs e 2.ºs AA. tenham podido ver a garagem e os respectivos lugares de garagem. • Os 1.ºs e 2.ºs AA., antes da celebração dos respectivos contratos de compra e venda das suas fracções, visitaram-nas e inspeccionaram-as.

•Os 1.ºs e 2.ºs AA. se tenham conformado e tenham aceitado as dimensões da garagem como adequadas para a realização das manobras de estacionamento e saída do respectivo veículo do seu lugar de garagem.”

3.3 . Da Impugnação da Decisão de Facto.

A co -ré recorrente B..., S.A., impugna os factos nº 9, 15, 16, 20, 22 e 23 dados como provados pelo Tribunal a quo, por não serem verdadeiros, conterem diversas incongruências e contrassensos e não terem qualquer aderência à prova produzida.

De igual modo, impugna a matéria de facto dada como não provada, nomeadamente no que respeita aos pontos nº 10, 11, 27, 35, 37, 40 e 41.

Assim, não aceita que sejam dados como assentes os factos nº 15 e 16, que se reproduzem:

“15. Se tivessem sabido da supra descrita situação relativa à utilização do seu lugar de garagem, os 1.ºs AA. não teriam procedido à supra identificada aquisição da fracção B.

16. Os 1.ºs AA. adquiriram esta fracção, além do mais, por a mesma dispor de estacionamento.”

Alega que estes factos são, por si só, conclusivos, meras considerações ou juízos de valor, que não possuem qualquer substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma boa e justa decisão da causa.

Alega que os factos nº 20, 22 e 23 contêm inverdades e incongruências.

Convoca:Depoimento de parte de AA e depoimento da Testemunha II.

Conclui, pedindo:

. a remoção dos factos nº 15, 16 e 23;

. modificação dos factos provados nº 9, 20 e 22 nos seguintes termos:

“9. Aquando da celebração das supra ids. escrituras públicas de compra e venda, a dimensão da área da faixa de circulação da garagem permitia, ainda que com dificuldade, o acesso de um veículo automóvel ligeiro aos supra ids. lugares de estacionamento B1, G1 e C1.

18. Para entrar e sair da garagem e estacionar no lugar de garagem G1 a II depende dos vizinhos o que é um grande transtorno e aborrecimento para todos, e a deixa muito angustiada porque vive sozinha e os seus horários variam bastante.

20.Os AA. CC e DD quiseram adquirir um apartamento, em pleno centro da cidade do Porto, para habitação dos seus três filhos.

e aditamento à factualidade provada dos seguintes factos que constavam dos factos provados:

I•Em momento algum tenha sido negado aos AA. o acesso às suas fracções e à garagem. •

.A garagem sempre tenha estado disponível para visita.

•Os 1.ºs e 2.ºs AA. tenham comprado as fracções conscientes da dimensão do espaço de que dispunham na garagem para guardar o respectivo veículo na garagem.

•Os AA tenham efectuado visitas à obra, sem qualquer restrição.

•Os 1.ºs e 2.ºs AA. tenham podido ver a garagem e os respectivos lugares de garagem. • Os 1.ºs e 2.ºs AA., antes da celebração dos respectivos contratos de compra e venda das suas fracções, visitaram-nas e inspeccionaram-as.

•Os 1.ºs e 2.ºs AA. se tenham conformado e tenham aceitado as dimensões da garagem como adequadas para a realização das manobras de estacionamento e saída do respectivo veículo do seu lugar de garagem.”

“O processo de licenciamento das fracções e da garagem, contendo todas as peças/documentos técnicos necessários à sua obtenção, foi apresentado na Câmara Municipal do Porto, que atestou, certificou e, definitivamente, aprovou a conformidade da edificação – na qual se inclui a garagem per se, acessos, áreas de circulação, respectivos lugares e dimensões.

E quanto ao facto nº9 dado como provado –(“Aquando da celebração das supra ids. escrituras públicas de compra e venda, a dimensão da área da faixa de circulação da garagem não permitia o acesso de um veículo automóvel ligeiro aos supra ids. lugares de estacionamento B1, G1 e C1)”, alega:

“ à data da celebração das escrituras, tal acesso era possível, face à dimensão do local, em cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis e após aprovação resultante das necessárias vistorias de inspeção às condições existentes, pelo que os lugares de garagem sempre cumpriram a função para que foram concebidos – o aparcamento de veículos automóveis.”

Nas contra-alegações os AA convocam para reapreciação as declarações de AA e depoimento de LL.

Consideramos minimamente cumpridos os ónus de impugnação do art 640º do CPC.

.Da Impugnação da decisão de facto feita pela recorrente A..., Lda.,

A recorrente impugna os itens 23º, 36º e 37ª dos factos provados.

Para tanto, convoca a reapreciação de um pequeno segmento do depoimento da testemunha KK.

Na resposta os AA convocam depoimentos das testemunhas LL, mediador do contrato celebrado entre os 2.ºs AA. e as RR., MM, Engenheiro Civil da empresa construtora .

Oficiosamente, procedemos à reprodução do depoimento de NN, arquitecto, que a pedido dos AA. visitou a garagem em causa.

Consideramos minimamente cumpridos os ónus de impugnação do art 640º do CPC.

Apreciando e decidindo:

Por questões de oportunidade e de lógica na apreciação das questões suscitadas pelos dois recursos apreciaremos de seguida as duas impugnações da decisão de facto vertidas nos recursos:

1..Relativamente ao item 9º dos factos provados, nesta parte, é manifesto que a convocação da aprovação do processo de licenciamento das fracções e da garagem pela Câmara Municipal do Porto, atestando e certificando a edificação, não garante, por si só, que a construção esteja isenta de defeitos ou que os contratos celebrados entre as artes sejam cumpridos.

O licenciamento verifica se o projeto cumpre as normas urbanísticas e ambientais e de segurança, mas não assegura que a execução seja feita sem falhas.

A fiscalização municipal durante a construção pode ser limitada e não cobre todos os aspectos da construção.

A conformidade da obra com o projeto a+rovado depende do empreiteiro e do director de fiscalização da obra, sendo que os defeitos de construção podem resular de má execução, inadequada escolha de materiais ou mesmo desvios ao projeto aprovado,.

Assim, o referido licenciamento não interfere com a qualidade dos trabalhos de execução da obra.

Destarte, relativamente ao item 9º dos factos provados, improcede a impugnação da decisão de facto.

2.Quanto aos itens 15º, 16º, 20º, 22º, 23º dos factos provados e itens impugnados dos factos não provados a recorrente Concreto convoca declarações- depoimento de parte de AA e depoimento da testemunha II.

Procedemos à reprodução desses depoimentos.

Do Depoimento de parte da Autora AA resulta que esta referiu que aquando da promessa de compra e venda, a obra já estava em curso e o documento a que tiveram acesso na assinatura do contrato promessa e venda foi uma planta, onde está desenhado um carro a fazer uma manobra de saída. Referiu que depois a autora AA e marido, antes de fazer a escritura, não tiveram acesso à garagem, que durante execução da obra não era seguro aceder à zona das garagens, o acesso de escadaria não era possível, a rampa não estava construída, o acesso era só para pessoas autorizadas da obra .Referiu que nos dias seguintes à escritura, após lhe ter sido dada a chave do apartamento, foram entregar-lhe o comando, da garagem, entrou com o carro e percebeu que estava a invadir os lugares de garagem dos outros, marcados.

Do depoimento da testemunha II,.para nós que esta testemunha vive com os dois irmãos, num apartamento de tipologia T3 Duplex, sendo, aparentemente, esta a única que possui um veículo automóvel. Deste depoimento resulta que os Autores CC e DD quiseram adquirir um apartamento que os seus três filhos pudessem habitar confortavelmente, numa cidade movimentada, de modo a fazer face às suas necessidades da vida diária e corrente e que a filha II possui veículo automóvel.

E resulta deste depoimento, que tanto os Autores CC como a filha II, aqueles aquando das suas deslocações e permanências no Porto e esta quando os pais não se encontram no Porto, não dispõem de um estacionamento viável e funcional, sendo certo que, dos factos apurados retira-se que a fracção pertencente a cada grupo de autores, é compostas por um lugar de estacionamento próprio, isto é, são zonas privadas de cada condómino que sobre elas detém o respectivo direito de propriedade.

Logo, se a área do espaço de estacionamento privado pertencente a um determinado condómino é exígua e só permite estacionar um veículo se cada condómino ocupar o espaço de estacionamento afecto a outras fracções que não as dos próprios e articular várias manobras, é forçoso concluir que os 2ºAA, na qualidade de proprietários, estão incomodados e sofrem desgosto com essa situação.

A testemunha II ainda referiu que os elevadores só começaram a funcionar muito depois de já lá viverem, que foram dos primeiros condóminos a residir no edifício e que ainda estavam a fazer acabamentos nas outras. Referiu que na data da escritura não podiam entrar nas garagens porque era muito perigoso e porque não nos deixavam entrar, que só deram as chaves da habitação. A chave da garagem foi dada mais tarde e que, (…), entretanto, tiveram uma reunião lá na garagem para formar condomínio e, portanto, nessa altura foi a primeira altura em que tiveram contacto com a garagem. Refere que foi nessa altura, mais ou menos, que entregaram o comando aos pais e foi nessa altura que começaram a perceber que, efetivamente, os lugares de garagem não funcionavam, “começamos a experimentar e a perceber que tínhamos de passar por cima dos outros para conseguir aceder.”

A recorrente retira destes depoimentos que nunca existiu, por parte da Recorrente, qualquer intenção de ocultar a garagem ou impedir, sem motivo justificativo, o acesso dos Recorridos à mesma.

Todavia, para este tribunal destes depoimentos, apenas resulta que as obras não podiam ser visitadas em todos os momentos pelos promitentes – compradores que tiveram acesso às plantas.

Reapreciamos ainda o depoimento de LL, mediador do contrato celebrado entre os 2ºs AA e as RR. Esta testemunha referiu-se a uma reunião ocorrida entre os AA e o Sr JJ, legal representante, das RR, referiu que as RR executaram obras na caixa de escadas para permitir o aumento do espaço de circulação na garagem - a revelar que ocorreu uma denúncia da falta de espaço da garagem por parte dos AA, defeito que foi reconhecido pelas Rés.

De resto, reapreciado por nós o depoimento da testemunha MM, Engenheiro Civil da empresa construtora, verificamos que confirmou a falta de espaço na garagem para os AA acederem e saírem das respectivas garagens, que igualmente atestou a conformidade da construção, vistoriada a fiscalizada, com o projecto aprovado, cujas dimensões da garagem são próximas das medidas mínimas regulamentares.

Oficiosamente, porque revelado na motivação da decisão de facto, procedemos à reprodução do depoimento da testemunha NN, arquitecto, que a pedido dos AA. visitou a garagem em causa. Revelou ter constatado a sua conformidade com o processo camarário de licenciamento,. Todavia, reconheceu a exiguidade do espaço respectivo que corresponde ao levantamento topográfico que, nesse âmbito solicitou (fls. 32 e ss.).

Posto isto, destes depoimentos, contrariamente ao alegado pela recorrente Concreto, não retira este Tribunal a conclusão que por parte dos Recorridos, estes tiveram sempre conhecimento das características reais das garagens, designadamente, relativamente à dificuldade de entrar e sair das garagens.

Pelo contrário, destes depoimentos, relativamente aos AA resulta que estes só após a escrituras de compra e venda tiveram conhecimento e percecionaram a deficiente conceção dos lugares de garagens, no tocante a acessos e áreas respectivas. E a instauração desta ação revela manifestamente que os Autores não aceitam a falta de conformidade das garagens . De resto, a prova reapreciada não revela que desde o início da relação contratual os autores estavam plenamente cientes de todos os espaços e dimensões disponíveis das garagens.

Nesta parte, formamos a firme convicção que as medidas, as plantas da fracção e da garagem não se nos afiguram serem bastantes para o consumidor comum avaliar da suficiência e adequação do espaço disponível para a realização das manobras necessárias à utilização funcional da garagem para o fim a que se destina que inevitavelmente além do estacionamento implica a entrada e saída da garagem apenas com recurso ao espaço próprio de cada condómino a ao espaço comum.

E nem as eventuais visitas à garagem, que não resulta terem sido feitas ou estarem na disponibilidade exclusiva dos AA., durante a construção, atentos os constrangimentos decorrentes do decorrer dos trabalhos no local, inclusive com materiais e sem os acabamentos terminados, podem ser considerados suficientes para alertar os AA. para a dificuldade de estacionamento e para a impossibilidade de saída dos veículos da garagem com recurso exclusivo ao espaço comum e ao espaço do próprio condómino.

Assim, tal como o tribunal a quo, afigura-se-nos que “ não era exigível aos 1.ºs e 2.ºs AA. que não ignorassem a desconformidade contratual em discussão “

Destarte, relativamente, relativamente aos itens 9º, 15º e 16º dos factos provados não concedemos provimento à impugnação da decisão de facto.

Relativamente ao item 20º dos factos provados, concedemos parcial provimento á requerida alteração, passando esse item a ter a redacção seguinte:

20º Para entrar e sair da garagem e estacionar no lugar de garagem G1 a II depende dos vizinhos o que é um grande transtorno e aborrecimento para todos, e a deixa muito angustiada porque os seus horários variam bastante.

Relativamente aos 22º e 23º dos factos provados a recorrente convoca também os depoimentos de AA e da testemunha II.

Da reapreciação destes depoimentos, relativamente aos itens “22 e 23º não se retira em que medida estes depoimentos possam alterar significativamente a redacção daqueles itens, sendo que o facto por nós apurado, concretizado no facto dos segundos autores terem três filhos a viver na fracção comprada às rés sociedades agrava ainda mais o sentimentos de causa angústia e desgosto aos 2.ºs AA.

Assim, alteramos a redacção do item 22º dos factos provados que passa a ser a seguinte:

”22º- Os AA. CC e DD quiseram adquirir um apartamento para facilitar a sua vida e a dos seus três filhos, em pleno centro da cidade do Porto, proporcionando -lhes um dia a dia mais prático e confortável, designadamente à filha II que possui veículo Automóvel, bem como, aos próprios AA. CC e DD aquando das suas deslocações e permanências no Porto, o que não se concretiza por que a garagem que compõe a fração comprada não dispor de um estacionamento viável e funcional.

Mantendo a redacção do item 23º dos factos provados:23º - Esta situação causa angústia e desgosto aos 2.ºs AA.”

.Relativamente à pretensão da recorrente de aditar aos factos provados os factos que foram julgados não provados nos itens 10º, 11º, 27º,35º a 41º reapreciada a prova convocada este colectivo de juízes não formou convicção distinta daquela que foi alcançada pelo tribunal a quo, revelando a reapreciação da prova que os meios de prova convocados não servem para alterar a decisão de facto no tocante aos itens dos factos não provados que foram impugnados.

Relativamente à impugnação da decisão de facto vertida no recurso da co -ré A..., Lda., diremos o seguinte:

Como referido a recorrente impugna os itens 23º, 36º e 37ª dos factos provados.

Para tanto, convoca a reapreciação de um pequeno segmento do depoimento da testemunha KK e na resposta os AA convocam depoimentos das testemunhas LL, mediador do contrato celebrado entre os 2.ºs AA. e as RR., MM, Engenheiro Civil da empresa construtora, Oficiosamente, procedemos à reprodução do depoimento de NN, arquitecto, que a pedido dos AA. visitou a garagem em causa.

Posto isto, reapreciamos o depoimento da testemunha KK, morador no mesmo edifício. Esta testemunha revelou que comprou uma fracção no edifício em causa, apesar de ter tomado conhecimento da exiguidade do espaço da garagem atribuída à sua fracção, porque o seu lugar de garagem está localizado à entrada da garagem e permite as manobras de entrada e saída do respectivo veículo. Mas referiu que o seu carro é pequeno, que tem uma fita de esferovite encostada, colada na parede ao nível do carro e que encosta o carro o máximo a tocar nessa parede, porque as pessoas a fazer a manobra, vêm também para cima do seu lugar de garagem. Referiu que entre a linha de limite e o seu carro é capaz de distar 20, 30cm que são usados nas manobras do dia-a-dia. Referiu que os outros precisam de um bocadinho do espaço do seu lugar para conseguirem entrar e sair, que tem de haver aí alguma articulação entre todos os residentes para se conseguir entrar e sair da garagem.

Poto isto, da reapreciação deste depoimento por si só, se depreende que o mesmo não serve para alterar a decisão de facto relativamente aos itens impugnados.

Destarte, não merece provimento a impugnação da decisão de facto relativa aos itens 23º, 36º e 37ª dos factos provados.

3.4. Decisão definitiva sobre a matéria de facto julgada provada e não provada:

1. Os 1.ºs AA e as 1ª e 2ª RR celebraram contrato promessa de compra e venda a 02 de Julho de 2019 em que aqueles prometeram comprar e estes prometem vender a fração autónoma B destinada à habitação de tipologia T2 localizada no R/Chão traseiras e lugar de estacionamento designado por B1 na cave, com acesso pela Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o numero ...73 e artigo urbano ...02 da freguesia ... concelho do Porto.

2. O contrato foi feito com base no último projeto aprovado, ainda em planta, não havia construção.

3. A 05 de Janeiro de 2021 foi outorgada entre os 1.ºs AA. e a 1.ª e 2.ª RR. a escritura de compra e venda da supra id. fracção, para habitação própria permanente daqueles, pelo preço de 240 000,00 euros, após a emissão da competente licença de habitabilidade n.º ...36/2020 emitida pela Câmara do Porto em 18/12/2020.

4. Aquando da realização da escritura acima mencionada foram entregues aos 1.ºs AA as chaves da habitação.

5. Os 2.º AA. são titulares da fração G mas não residem habitualmente na sua fração mas sim a sua filha II que reside e trabalha no Porto.

6. Outorgaram a escritura de compra e venda com a 1.ª e 2.ª RR. no dia 05 de Janeiro de 2021 relativamente à fração G de tipologia T3 duplex pelo preço de 227 500,00 euros localizada no terceiro e 4º andar frente com lugar de estacionamento designado por G1 do prédio melhor identificado supra no artigo 1º.

7. A 3.ª A. celebrou contrato promessa de compra e venda com as RR. a 20 de Dezembro de 2018 relativamente à fração C pelo preço de 165 000,00 euros também com projeto aprovado e com lugar de estacionamento designado por C1.

8. A 22 de Março de 2021 outorgou escritura de compra e venda com as RR. da mesma fracção de tipologia T1 + 1 localizada no primeiro andar frente do mesmo prédio melhor identificado supra no artigo 1º, para habitação própria permanente.

9. Aquando da celebração das supra ids. escrituras públicas de compra e venda, a dimensão da área da faixa de circulação da garagem não permitia o acesso de um veículo automóvel ligeiro aos supra ids. lugares de estacionamento B1, G1 e C1.

10. Antes de 11/01/2021 os 1.ºs AA. reclamaram verbalmente junto de JJ, representante da 1.ª R., e experimentaram o estacionamento da sua viatura e tiveram dificuldades em fazê-lo, mesmo com a garagem completamente desocupada sem nenhum veículo aí estacionado.

11. De comum acordo com todos os AA, JJ e o fiscal da obra, foi marcada uma reunião na cave a 11 de Janeiro de 2021 e constatou-se, na presença dos mesmos e com os respetivos veículos estacionados, que, ocupando apenas a zona de circulação da garagem, não era possível fazer as manobras de estacionamento e retirada do veículo por falta de espaço de manobra.

12. Para estacionar o seu veículo no respetivo lugar, os AA. necessitavam de ocupar o espaço de estacionamento afecto a outras fracções que não a dos próprios e de articular as manobras.

13. Nessa mesma reunião, JJ propôs uma intervenção a fim de desbastar a parede e curvatura ao lado da rampa de acesso e desta forma aumentar a área de circulação na cave, o que uma vez feito se revelou insuficiente, porquanto: - utilizando-se apenas o espaço comum de circulação da garagem a manobra de entrada nos lugares B1, G1 e C1 com um veículo ligeiro, devido ao número de manobras necessárias para o efeito, é de difícil execução, o mesmo sucedendo com a manobra de retirada do mesmo tipo de veículo daqueles lugares, que, uma vez efectuada, e estando já o veículo de frente para a saída da garagem é impossível efectuar a curvatura para subir a rampa de saída para o exterior.

14. Perante esta situação os AA propuseram a eliminação no local dos dois lugares de estacionamento em frente à rampa que ao tempo ainda não estavam vendidos, de forma a aumentar a área de circulação, facilitando as manobras e desta forma minimizar este problema, o que não foi aceite.

15. Os 1.ºs AA são pais de uma criança.

16. Os 1.ºs AA. adquiriram esta fracção, além do mais, por a mesma dispor de estacionamento.

17. Os 1.ºs AA são pais de uma criança.

18. Com o seu veículo estacionado no seu lugar de garagem, os 1.ºs AA. não podem abrir as portas do carro para retirar a criança e os seus pertences porque de um lado tem a parede a centímetros de distância e do outro tem um carro também a centímetros.

19. A II é enfermeira de profissão, trabalha por turnos, entra ao serviço e sai de madrugada.

20. Para entrar e sair da garagem e estacionar no lugar de garagem G1 a II depende dos vizinhos o que é um grande transtorno e aborrecimento para todos, e a deixa muito angustiada porque os seus horários variam bastante.

21. Sendo para esta ainda mais difícil conciliar a sua vida pessoal e profissional com os demais vizinhos.

22º- Os AA. CC e DD quiseram adquirir um apartamento para facilitar a sua vida e a dos seus três filhos, em pleno centro da cidade do Porto, proporcionando -lhes um dia a dia mais prático e confortável, designadamente à filha II que possui veículo Automóvel, bem como, aos próprios AA. CC e DD aquando das suas deslocações e permanências no Porto, o que não se concretiza por que a garagem que compõe a farcção comprada não dispõe de um estacionamento viável e funcional.

23º - Esta situação causa angústia e desgosto aos 2.ºs AA.

24. A A. EE quando adquiriu a sua fração tinha conhecimento que o seu lugar de aparcamento apresentava irregularidades que lhe foram comunicadas pelos restantes AA., seus vizinhos, no início de Janeiro, tendo solicitado a sua presença na reunião havida na cave do prédio em 11 de janeiro de 2021, altura em que foi confrontada pela primeira vez com a percepção da garagem.

25. Antes da escritura encetou vários contactos pessoais, telefónicos e via email apresentando as suas reservas na formalização do negócio, solicitando uma redução ao preço a pagar na escritura – o remanescente ainda a pagar, de forma a poder adquirir uma nova viatura de menor dimensão que lhe permitisse um acesso mais facilitado ao seu lugar.

26. Tal solução foi recusada pelas RR. vendedoras alegando que o projeto estava aprovado e que foram cumpridas as normas urbanísticas, recusando-se a reduzir o seu preço e o montante ainda a pagar.

27. A 3.ª A., que é farmacêutica de profissão e trabalha numa farmácia, tem horários rotativos e dependia dos vizinhos para poder entrar e sair da garagem, o que a deixava agastada e angustiada.

28. A área útil da garagem é de 151,49 m2.

29. Os lugares de estacionamento têm o C1 11,13 m2, o D1 11,50 m2, o E1 tem 11,68 m2, F1 tem 11,81 e G1 tem 11,14 m2.

30. Os 1ºs AA são titulares de um Peugeot ... e a II, filha dos 1.ºs AA., de uma Volvo ....

31. Do processo de licenciamento consta ainda que em junho de 2016 os RR. apresentaram um primeiro projeto com uma configuração e acesso à cave de forma a que este acesso fosse do lado exterior e com 5 lugares de estacionamento.

32. Em 2018 apresentaram aditamento a alterar o projeto de arquitetura para a Cave e R/C frente convertendo-o numa habitação e alterando a configuração da garagem com acesso pelo interior passando a existir 7 lugares de estacionamento, um por cada fracção de habitação, o que veio a ser aprovado a 27/03/2020.

33. Procedeu-se ao aumento da área de impermeabilização.

34. A cave entrou, a mais, cerca de 30 cm por baixo do terraço dos 1ºs AA.. 35. O 3.º R. foi o autor do projecto de arquitectura do prédio em causa.

36. Os 1.ºs AA. sentem preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

37. Até 14/06/2023 a 3.ª A. sentiu preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e por constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

38. No Proc. .../16/CMP, foi a 20/11/2018 emitido o alvará de licenciamento de obras de construção n.º ALV/...26/18/DMU em nome da aqui 1.ª R que titulou o licenciamento das obras sobre o prédio sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...73/20170810 e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...77... da respectiva freguesia.

39. Com a conclusão da obra foi emitida, em Dezembro de 2022 a respectiva licença de utilização n.º NUD/...36/2020/CMP.

40. Com a celebração dos respectivos contratos-promessa foram fornecidos aos compradores plantas das fracções donde constava a área da respectiva fracção e do seu lugar de garagem/aparcamento.

41. Aquando da outorga do contrato prometido, as plantas constavam como anexo à escritura.

42. As RR. vendedoras concederam autorização para que os 1.ºs AA. realizassem visitas agendadas com as mesmas, para acompanhamento de obra.43. A obra foi construída em conformidade com o supra referido alvará de licença de construção.”

Factos Não Provados.

•“As chaves e o comando da garagem só tenham sido entregues aos 1.ºs AA. no dia 9/01/2021.

•Os 1.ºs AA. só tenham tido acesso à cave a 9/01/2021.

•Anteriormente os 1.ºs AA. tenham solicitado acesso à cave. • Tal lhe tenha sido negado pelo Sr. JJ.

•Só no dia 9/01/2021 os 1.ºs AA. tenham visto a garagem e o seu lugar de garagem.

•Em 12 de Março de 2021, os 1.ºs AA. tenham enviado aos 1.ºs RR. uma carta em que denunciavam vários defeitos de construção no seu apartamento e que reforçava o problema da garagem.

•Tenham acrescentado que foram ver a cave com a aí residente II e com a A. EE no dia 11 de Janeiro e que constataram que não era possível fazer as manobras de estacionamento e retirada dos veículos por falta de espaço.

•Os 1.ºs AA. tenham contraído um empréstimo de 240.000,00 €.

•Antes desta aquisição os 1.ºs AA. se tenham deparado com apartamentos com melhores áreas a preços inferiores.

•Os RR. tenham encoberto e omitido as dificuldades no estacionamento e retirada do veículo dos AA.

•Os RR. não tenham permitido o acesso atempado à garagem.

•A dificuldade de estacionar e retirar os veículos da garagem se deva à alteração do projecto inicial.

•Os 2.ºs AA. tenham celebrado contrato promessa.

•A II tenha muitas vezes de ligar a horas impróprias aos vizinhos para poder estacionar ou retirar o seu veículo.

•Os 2.ºs AA. e a sua filha tenham sido privados de ter acesso à cave e à garagem. • Até à reunião de 11/01/2021 a 3.ª A. não tenha tido acesso à garagem.

•A 3.ª A. tivesse vendido a sua anterior habitação.

•O prazo para reinvestir as mais valias terminasse no final de Abril de 2021. • O seu processo de empréstimo bancário fosse caducar no final de Março. • Precisasse de uma casa para viver.

•Os RR. tivessem conhecimento destes factos.

•Se tenham aproveitado destes factos para celebrar o negócio com a 3.ª A.

•Na zona da rampa da garagem a distância entre o pavimento e o tecto seja de 2m.

•A alteração do projecto de arquitectura tenha prejudicado a qualidade e funcionalidade das fracções.

•O aumento dos lugares de garagem tenha causado o encolhimento dos lugares da faixa de circulação.

•O 3.º R. não tenha tido em atenção os raios de curvatura e as manobras de entrada e saída do lugar de estacionamento de cada condómino.

•As RR. vendedoras tenham ocultado e omitido as dimensões da garagem aos AA.

•Os 2.ºs AA. sintam preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

•Depois de 14/06/2023, a 3.ª A. tenha sentido preocupação, ansiedade e frustração diariamente com as manobras para entrar e sair do seu lugar e da garagem e constantemente dependerem uns dos outros para o efeito.

•Nos anos de 2016 a 2018 o 3.º R. tivesse um contrato de trabalho com a empresa C..., Lda.

•Neste período prestasse serviços a esta empresa.

.Os AA. tenham acompanhado a obra.

•O projecto seja do conhecimento dos AA. desde a data da outorga dos contratos promessa.

•Durante a execução da obra, a 1.ª R. tenha mostrado a fração, a garagem e o respectivo lugar de aparcamento aos AA.

I•Em momento algum tenha sido negado aos AA. o acesso às suas fracções e à garagem. •

.A garagem sempre tenha estado disponível para visita.

•Os 1.ºs e 2.ºs AA. tenham comprado as fracções conscientes da dimensão do espaço de que dispunham na garagem para guardar o respectivo veículo na garagem.

•Os AA tenham efectuado visitas à obra, sem qualquer restrição.

•Os 1.ºs e 2.ºs AA. tenham podido ver a garagem e os respectivos lugares de garagem. • Os 1.ºs e 2.ºs AA., antes da celebração dos respectivos contratos de compra e venda das suas fracções, visitaram-nas e inspeccionaram-as.

•Os 1.ºs e 2.ºs AA. se tenham conformado e tenham aceitado as dimensões da garagem como adequadas para a realização das manobras de estacionamento e saída do respectivo veículo do seu lugar de garagem.”

3.3 Fundamentação Jurídica

1.Da análise da sentença recorrida resulta que o tribunal a quo assumiu, e bem, que o contrato celebrado entre as partes é um contrato de compra e venda .

O artigo 874º do Código Civil define a compra e venda como o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou direito, mediante um preço, estabelecendo o artigo 879.º do mesmo diploma que a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço.

Trata-se, pois, de um contrato com efeitos reais (determina a transferência da propriedade de uma coisa ou direito), bilateral ou sinalagmático (pressupõe a existência de, pelo menos, dois contraentes, que reciprocamente se vinculam, sendo ambos sujeitos de direitos e obrigações), oneroso (pressupõe atribuições patrimoniais de ambos os contraentes), em regra comutativo (as duas prestações patrimoniais são certas e tendencialmente equivalentes).

A sentença recorrida assumiu também que estamos perante uma venda de um bem de consumo, subtipo do contrato de compra e venda, a que se aplica, além das regras gerais do Código Civil, da Lei nº 24/96, de 31 de julho (que estabelece o regime geral aplicável à defesa dos consumidores), e de outros diplomas de proteção dos consumidores, o regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08-04, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, alterado alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21/05[47], pelo Dec. Lei n.º 9/2021, de 29/01, e pelo Dec. Lei n.º 84/2021, de 18/10, que «procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores» (cfr. art. 1º do Dec. Lei n.º 67/2003).

E porque releva, importa referir que o Dec. Lei n.º 84/2021, de 18/10, entre o mais, reforçou “os direitos dos consumidores na compra e venda de bens de consumo, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/771, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens, que alterou o Regulamento (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE e que revoga a Diretiva 1999/44/CE”, e estabeleceu, além do mais, o regime aplicável à compra e venda de bens imóveis em caso de falta de conformidade [(art. 1º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a)], revogou o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, na sua redação atual [art. 54º, al. b)].

Todavia, o citado diploma, no tocante à aplicação no tempo, estatui no n.º 1 do seu art. 53º que «as disposições do presente decreto-lei em matéria de contratos de compra e venda de bens móveis e de bens imóveis aplicam-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor».

Por conseguinte, o regime do Decreto-Lei n.º 84/2021 não é aplicável ao caso dos autos por o contrato ter sido celebrado no ano de 2020, e a entrada em vigor do mencionado diploma ocorreu em 01.01.2022 – v. art. 55º).

Por isso, a situação dos autos, deve ser analisada no âmbito do Decreto-Lei n.º 67/2003, na versão aplicável que se encontrava em vigor em 23.09.2020, que é a decorrente do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio.

Designa-se por compra e venda de bens de consumo o contrato de compra e venda celebrado entre um empresário/profissional e um consumidor (art. 1º-A, n.º 1, do Dec. Lei n.º 67/2003) que tenha por objecto um bem imóvel ou móvel corpóreo[1]

No que concerne à referida figura contratual importa distinguir os requisitos relativos aos seus sujeitos (requisitos subjetivos) e ao seu objeto (requisitos objetivos).

Nos termos do respectivo artigo 1.º-A, este regime jurídico é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, sendo que nos termos do artigo 1.º-B, para esse efeito se entende por consumidor, «aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios». Neste conceito de consumidor figura, entre outros, o chamado elemento teleológico: é necessário que o bem adquirido se destine a um uso não profissional.

Quanto aos seus requisitos subjetivos, estão aqui abrangidos os contratos celebrados entre empresários/profissionais e consumidores, ou seja, os contratos pelos quais uma pessoa singular ou colectiva (“vendedora”), no exercício profissional da respetiva actividade económica e lucrativa, vende bens (ou celebra outros negócios equiparados) a outra pessoa (“consumidor”) para uso privado ou não profissional desta última[50] (art. 1º-B, a) e c) do Dec. Lei n.º 67/2003). Excluídas estão assim as compras e vendas puramente civis (entre consumidores: vg. venda de um bem usado entre meros particulares), puramente comerciais (venda entre comerciantes ou empresas ou entre profissionais) ou de venda de bens de consumo invertidas (em que um profissional compra um objeto a um consumidor.

E importa referir que cabe ao interessado em beneficiar das disposições de tutela do consumidor fazer a prova dos factos constitutivos que sustentam a sua qualidade de consumidor, nomeadamente o “uso não profissional” (art. 342º, n.º 1, do CC), sem embargo de recair sobre o réu-fornecedor do bem ou prestador do serviço o encargo de demonstrar que não reveste a qualidade de empresário ou profissional.

Não se pode perder de vista que a razão de ser da consagração do regime normativo do direito do consumo “reside na constatação de que, nas modernas sociedades de consumo, os destinatários ordinários dos bens e serviços constituem a parte economicamente mais débil ou tecnicamente leiga ou profana das relações juseconómicas estabelecidas com os empresários e profissionais dotados de superior capacidade financeira e conhecimentos técnicos”[2]

Destarte, tendo presentes as considerações expostas, afigura-se-nos acertado o mencionado enquadramento jurídico na medida em que estamos perante a compra de bens imóveis destinados a habitação própria dos autores., destinando-se por isso a uso não profissional, sendo que a venda foi realizada por duas sociedades comerciais que exercem com carácter profissional uma actividade comercial onde se inclui a venda de produtos da natureza do bem vendido aos autores-recorridos.

E das questões suscitadas nos recursos, importa desde já afirmar que apenas em sede recursória a ré-recorrente Concreto, suscita a questão da alegada falta de denúncia de defeitos, conforme conclusões 30ª a 34ª e, sem todavia, excecionar a caducidade da acção.Destarte, nesta parte, por ser questão nova, está vedado a este tribunal da Relação, apreciar a referida questão.

2. Analisar e decidir se o bem vendido apresenta desconformidades.

Entendeu de seguida a sentença que os lugares de estacionamento que fazem parte da fracção que foi vendido aos 1ºs e 2º Autores apresentam desconformidades com o contrato e que essa circunstância permite aos autores reduzir o preço do negócio, enquadramento que não é aceite pela recorrente.

Importa assim analisar e decidir sobre se os lugares de estacionamento apresentam desconformidades.

E nesta tarefa, acompanhando de perto as considerações feitas no Ac deste Tribunal da Relação do Porto, de 20.02.2020, in processo nº 1902/17.0T8AMT.P1, importa referir o seguinte:

Nos termos do artigo 406º do Código Civil, «o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contratantes ou nos casos admitidos na lei» - pacta sunt servanda. Por sua vez o artigo 762º do Código Civil, estabelece que «o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado».

A obrigação do vendedor de entregar a coisa vendida, não é uma obrigação simples, cujo cumprimento se baste com a entrega de uma coisa qualquer. O vendedor está obrigado, juridicamente, a entregar ao comprador uma coisa isenta de defeitos, em conformidade com o contratado, com as características e qualidades acordadas, já que só dessa forma opera o cumprimento exacto e pontual da prestação, satisfazendo, como é sua obrigação, o direito do comprador.

E em termos gerais, o dever de entrega de coisa sem defeitos, cumpre-se quando a coisa entregue não sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada e tem as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.

É o que resulta do artigo 913.º do Código Civil que se refere às coisas defeituosas, às coisas com defeitos, e de entre estas apenas às coisas com defeitos essenciais.

Na previsão do preceito compreendem-se mais concretamente os seguintes vícios: a) vício que desvalorize a coisa; b) vício que impeça a realização do fim a que a coisa é destinada; c) falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; d) falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.

Não se tratando de um dos vícios compreendidos na enumeração deste preceito, a anulação não é possível, nem serão aplicáveis as disposições desta secção ou da secção anterior, que concedem outros direitos ao comprador; tais vícios serão irrelevantes”.[3] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 3ª edição revista e actualizada, pág. 211, a propósito do artigo 913.º do Código Civil,

Cabe referir que nos termos do nº 2 do preceito, na dúvida quanto ao fim a que a coisa se destina, deve recorrer-se ao critério da normalidade: o fim da coisa é o fim a que normalmente são destinadas as coisas da mesma categoria. Tal como deve considerar-se que as qualidades asseguradas pelo vendedor são apenas aquelas cuja existência ele garantiu, por cuja existência ele se responsabilizou perante o comprador independentemente das qualidades que sejam ou possam ser usuais ou normalmente supostas.

Este preceito não contém uma definição de coisas defeituosas, contém apenas a delimitação das situações em que os defeitos apresentados pela coisa são juridicamente relevantes, em que a existência do defeito se torna intolerável para o sistema jurídico legitimando a reacção do comprador.

Os defeitos são assim aquelas manifestações ou exteriorizações na coisa que resultam de violações das boas práticas e técnicas de execução da mesma e que consistem na exteriorização na coisa de algo que lá não deveria estar ou da falta de algo que lá deveria estar, num caso ou no outro em prejuízo da funcionalidade, da durabilidade e da qualidade da coisa contratada.

E ao adquirente da coisa cabe fazer a prova da existência de defeitos na coisa e a prova de que tais defeitos assumem características ou um grau de gravidade tais que os integram na previsão do artigo 913º do Código Civil. Não basta, portanto, alegar que se verifica determinada anomalia ou imperfeição.

Se não for possível, de acordo com um critério puramente objectivo, extrair da própria configuração da anomalia ou imperfeição a conclusão de que a mesma é um defeito, o adquirente terá de alegar e demonstrar os factos necessários para suportar essa conclusão. A presunção de culpa que onera o contraente em sede de responsabilidade contratual é apenas uma presunção de culpa, ou seja, da imputação subjectiva ao autor do facto do resultado da sua actuação, não é, cremos, uma presunção do facto que constitui o ilícito contratual.

A propósito esclarece Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5ª ed., págs. 44 e 49, na compra e venda comum a lei posterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera, pelo que, a lei dá especial enfoque à idoneidade e aptidão do bem para o fim a que se destinaante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera.

Por isso diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente - função negocial concreta programada pelas partes - ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913º, nº 2)”, acrescentando ainda o mesmo Autor: «a “venda de coisa defeituosa” respeita à falta de conformidade ou qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado.

E na premissa de que parte o Código Civil para considerar a coisa defeituosa, só é directamente contemplado o interesse do comprador/consumidor no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme do contrato».

Perante os defeitos da coisa vendida o comprador tem os seguintes direitos: i) anulação do contrato por erro ou por dolo verificados os respectivos requisitos; ii) redução do preço se as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, ele teria adquirido a coisa por preço inferior; iii) indemnização relativa ao prejuízo decorrente da celebração do contrato, cumulável com a referida anulação e com a redução do preço; iv) reparação da coisa ou, se for necessário e ela tiver natureza fungível, a sua substituição se o vendedor não desconhecia, sem culpa, o vício ou a sua falta de qualidade; v) reparação da coisa ou da sua substituição se necessária e a coisa for de natureza fungível se o vendedor estiver obrigado, designadamente por convenção das partes, a garantir o seu bom funcionamento, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador (cf. artigos 247º, 251º, 254º, 905º, 908º, 909º, 911º, 913º, nº. 1, 914º, nº. 1 e 921º, nº. 1, do Código Civil).

Todavia, as coisas passam-se de modo diferente no âmbito da venda de bens de consumo e do regime jurídico do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.

Neste, em lugar da noção de defeito, o legislador elegeu como conceito nuclear o conceito de desconformidade do bem com o contrato.

Para o efeito, são tidos como desconformes com o contrato os bens em relação aos quais se dê uma das seguintes situações: a) não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c) não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem (artigo 2.º, n.º 2).

Convocando Jorge Morais Carvalho, in Manual de Direito do Consumo, 2020, pág. 283, «A grande vantagem da adopção da noção de conformidade (ou de desconformidade) consiste em, através de uma fórmula simples.., conseguir reunir-se num mesmo grupo (o do incumprimento da obrigação) uma série de situações que tinham um tratamento distinto: o vício ou defeito, a falta de qualidade do bem, a diferença de identidade e a diferença de quantidade.. . A noção de desconformidade abrange quer os vícios na própria coisa objecto do contrato quer os vícios de direito.. . A lei não faz qualquer distinção, pelo que só é conforme com o contrato o objecto que seja entregue ao consumidor sem qualquer limitação, física ou jurídica.».

A propósito das desconformidades em relação às utilizações habituais, o mesmo autor, loc. cit., pág. 294 e seg., sublinha que «A análise da conformidade, para efeitos desta alínea, é feita objectivamente .., tendo em conta as utilizações habituais dadas ao bem. Não releva aqui que o consumidor tenha referido apenas uma utilização ou até que tenha indicado que não ia utilizar o bem num determinado sentido. Este deve ser apto para as utilizações habituais. Como resulta da letra do preceito, o bem tem de ser adequado a todas as utilizações habituais, não sendo suficiente a adequação à utilização mais habitual .. . O critério definido para aferir quais são as utilizações habituais deve ser objectivo, uma vez que não relevam utilizações específicas de um consumidor em concreto, mas não pode abstrair-se dos termos do contrato celebrado.»

Já quanto às desconformidades em relação às qualidades e o desempenho habituais, aquele autor, loc. cit., pág. 297, assinala que o critério são as qualidades e o desempenho dos bens do mesmo tipo, as próprias características do bem objecto do contrato.

«Com efeito, o bem deve apresentar todas as particularidades – quer ao nível da sua essência quer no que respeita à sua performance – que o consumidor possa razoavelmente esperar, dentro dos limites da norma (a natureza do bem e as declarações públicas do vendedor, do produtor ou do seu representante). No conceito de desempenho do bem também deve ser incluída uma referência temporal .. . Com efeito, o bem tem de ter o desempenho habitual durante um período de tempo adaptado aos bens da mesma categoria. Assim, o vendedor responde perante uma falta de conformidade do bem com o contrato no momento da entrega, mas esta falta de conformidade pode surgir de um mau funcionamento posterior. Com efeito, se o bem deixa de funcionar normalmente por causa não imputável ao consumidor, tem de entender-se que existe desconformidade, uma vez que esse facto não corresponde ao seu desempenho habitual.»

Mais à frente, (ob citada pag 299) este autor afirma que «Para a determinação das qualidades e do desempenho que o consumidor pode razoavelmente esperar, deve ter-se em conta, em primeiro lugar, a natureza do bem. […] Está aqui em causa a natureza do bem e não o seu preço .., pelo que não deve relevar, neste âmbito, se aquilo que se pode esperar do bem é mais ou menos tendo em conta a contraprestação. A ideia de que, se o preço for baixo, o consumidor deve ter menos expectativas no que respeita às qualidades do bem, não pode ser acolhida, uma vez que este critério, para além de não ter base na letra da lei, contraria o espírito do diploma. Com efeito, pretende instituir-se um regime avançado na protecção dos consumidores, que afaste no essencial a ideia de que o comprador se deve acautelar e que imponha ao vendedor o cumprimento das promessas feitas (o caveat emptor deu lugar ao caveat venditor)».

E porque releva, importa assinalar que: « o regime assenta na consagração do direito à qualidade dos bens e serviços destinados ao consumo umo (art. 4.º da Lei n.º24/96, de 31 de Julho) que se torna efectivo pela imposição da obrigação de entrega dos bens de consumo em conformidade com o contrato, presumindo-se a não conformidade nas hipóteses elencadas nas alíneas do n.º2 do art. 2.º do DL n.º67/2003, de 8 de Abril.

A razão de ser da introdução desta regulamentação específica, mais protectora do comprador consumidor, consiste em haver o legislador considerado o comprador – que seja consumidor – a parte mais fraca no respetivo negócio de compra e venda, e, por isso, carecido de uma maior proteção legal.

Posto isto, como assianlamos, a sentença recorrida entendeu que os lugares de garagem que faziam parte de cada fracção vendida aos 1ºs e 2º s autores-ecorridos apresentam desconformidades com os contratos e que essa circunstância permitia aos autores optar por reduzir pela redução dos preços dos negócios, o que, não é aceite pelas recorrentes e que mereceu por parte deste Tribunal da Relação um juízo de censura, nos termos supra referidos, no sentido de declarar nula a sentença recorrida e prosseguir para apreciação do objecto das apelações.

No regime de compra e venda de bens de consumo faz-se recair sobre aquele que fornece (o vendedor, o empreiteiro, o prestador de serviço…) a responsabilidade por qualquer falta de conformidade que exista no momento da entrega, presumindo-se ainda que remontam a essa data as faltas de conformidade que se manifestem nos prazos de dois ou cinco anos a contar da entrega, consoante se trate de coisa móvel ou imóvel (ut art. 3.º, n.º1 e 2, do DL n.º67/2003, de 8 de Abril).

Revelando que regime da compra e venda de bem de consumo, afasta-se do regime civil tradicional que faz recair sobre o comprador o dever de se assegurar que a coisa não tem defeitos e é idónea ao fim a que a destina (caveat emptor).

Tal passa a estar-lhe garantido, de tal forma que, perante a constatação de um defeito, recai sobre o fornecedor o ónus da prova de ter cumprido tal garantia, isto é, de que o bem foi entregue em conformidade com o contrato, ressalvada a hipótese prevista no art. 2.º, n.º3, do DL n.º67/2003, de 8 de Abril[4]

As conformidades são sempre avaliadas pela operação que consiste em comparar a prestação estipulada (explícita ou implicitamente) e a prestação efectuada.

E o art 2º, nº2 do DL 67/2003 faz uma enunciação dos factos integrantes da previsão da norma que estatui a desconformidade do bem com o contrato[5].

Acresce que o art. 4.º do DL n.º67/2003, de 8 de Abril, na redacção anterior ao DL nº 84/2021, ao contrário do regime do art. 914.º do Código Civil, não impõe ao consumidor qualquer observância da hierarquização de opções quanto aos direitos que lhe assistem perante o vendedor – de reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato (para além do direito a ser indemnizado conforme consagrado no art. 12.º da Lei n.º24/96, de 31 de Julho) –, sendo a única ressalva assente no exercício abusivo do direito.

E importa assinalar, porque foi esta a pretensão jurídica formulada pelos autores-recorridos, que apesar de não estar incluído no regime de protecção estabelecido no DL 67/2003, de 8 de abril, certo é que não está excluído ao consumidor o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de bens defeituosos/desconformes, nas relações de consumo, conforme previsão no artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor, com a redacção introduzida DL 67/2003, direito que não deve mesmo ser encarado com a configuração meramente subsidiária ou residual, podendo ser exercido livremente pelo consumidor, tendo apenas os limites impostos pela figura geral do abuso de direito, não impondo a lei ao consumidor a observância de hierarquização de opções quanto aos direitos que lhe assistem.[6]

E a maior favorabilidade deste regime para o consumidor resulta ainda dos prazos mais longos de denúncia e de garantia previstos nos arts. 3.º, n.º2, 4.º, 5.º e 5.º-A do DL n.º67/2003, de 8 de Abril.

Por último, assinale-se que com o DL 67/2003 está ultrapassada a sujeição da desconformidade à verificação dos requisitos legais do erro, ao contrário do que acontece no regime de compra e venda de coisas defeituosas do CC[7].

3.Feitas estas considerações e reportando-nos ao caso em apreço, resulta que ficaram provadas as desconformidades das garagens adquiridas pelos recorridos, acolhendo-se nesta parte a fundamentação da sentença recorrida:

Na situação em causa, embora cumprindo com os requisitos exigidos para o licenciamento da sua utilização, a garagem do prédio em que se situam as fracções adquiridas pelos 1ºs e 2ºs AA., pelas suas reduzidas dimensões, quer dos respectivos lugares de aparcamento individuais quer da zona de circulação comum, não só não permite uma cómoda e funcional utilização do espaço para a finalidade a que se destina, o estacionamento de um veículo automóvel ligeiro, o mais comum entre as famílias portuguesas, como não permite de todo a saída do mesmo tipo de veículo para o exterior, o que só é conseguido por cada um dos condóminos, inclusive pelos AA., com recurso ao espaço afecto ao lugar individual de outro condómino.

Nesta parte, reproduz-se aqui o auto de inspecção ao local realizado no dia 15 de maio de 2024 é elucidativo.

Na verdade, da matéria assente resulta claro que o espaço da garagem afecto à sua utilização dos 1ºs e 2ºs Autores, o espaço de circulação e o espaço individual de cada um dos lugares de estacionamento é insuficiente para proceder de forma adequada e apropriada ao dia a dia de uma família comum ao simples acto de estacionar e de retirar de forma autónoma e independente dos demais condóminos um veículo automóvel no lugar de aparcamento que lhe cabe.

Ora, esta circunstância, em face da natureza do bem, uma fracção destinada a habitação, com aparcamento, compromete indelevelmente a finalidade a que se destina uma garagem que faz parte da habitação adquirida por um agregado familiar, qual seja a de guardar o veículo automóvel durante os períodos em que o mesmo não está a ser utilizado, para o que se torna indispensável poder fazê-lo de forma prática, independente de terceiros, e sem prejuízos para funcionalidade e dos tempos actuais.

Assim, no caso dos autos, estando comprometida seriamente a finalidade a que se destina uma garagem, é forçoso reconhecer a frustração das expectativas razoáveis dos Autores, enquanto consumidores, que naturalmente esperavam poder utilizar a garagem, estacionando e retirando os respectivos veículos sem os constrangimentos verificados.

Em face do que se deixou dito, conclui-se, pois, que as características das garagens em apreço representam desconformidades com os contratos de compra e venda porquanto configuram a ausência das qualidades próprias de um bem do género com as quais um consumidor poderia razoavelmente contar.

Assim, nos termos do art. 3.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, as rés - recorrentes, vendedoras, respondem perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, altura em que o risco se transfere do primeiro para o segundo, por força do art. 9.º- C da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor- LDC), aditado pela Lei n.º 47/2014, de 28/07, e a partir da qual, de acordo com o n.º 2 do supra referido art. 3.º, se contam os prazos, cinco anos no caso de imóveis, da garantia e da dispensa ou liberação legal do ónus da prova da contemporaneidade ou da anterioridade da falta de conformidade

Prosseguindo,.

A questão que também é suscitada nos recursos relativamente aos 1ºs e 2º s autores-recorridos, e que foi apreciada e decidida na sentença recorrida, traduz-se, em apreciar e decidir se aqueles, quando em 05.01.2021 adquiriram as respectivas fracçoes, B e G, respectivamente, conheciam as apontadas limitações e desconformidades contratuais das garagens de que os transmitidos lugares de garagem, B2 e G1, fazem parte.

Quando assim, o art. 2.º, n.º 3 do citado DL n.º 67/2003 impõe a inexistência de falta de conformidade, porquanto determina que não se considera existir falta de conformidade, na acepção do mesmo artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade, o que, claramente sucedeu no caso da 3.ª R.

E considerando o mesmo preceito legal igualmente inexistente a falta de conformidade no caso de o consumidor não poder razoavelmente ignorá-la quando celebra o contrato, é legítimo primeiro perguntar se os 1ºs e 2º AA. tinham como saber da desconformidade em causa e, depois, consoante a resposta seja positiva ou negativa, concluir ou não pela desconsideração de tal desconformidade também em relação aos 1.ºs e 2.ºs AA.

Ora, como refere a sentença recorrida, que nesta parte acolhemos, “ da matéria assente colhe-se que aquando da celebração do contrato de compra e venda foram fornecidos aos AA. as plantas da respectiva fracção e seu lugar de garagem, o que, de resto, já tinha acontecido com o contrato promessa celebrado pelos 1.ºs AA. em 2019, embora sem certeza de que a planta da garagem fornecida nesta altura correspondesse ao novo projecto que veio a ser aprovado a 27/03/2020.

Sucede que, ainda que com as medidas, as plantas da fracção e da garagem não se nos afiguram serem bastantes para o consumidor comum avaliar da suficiência e adequação do espaço disponível para a realização das manobras necessárias à utilização funcional da garagem para o fim a que se destina que inevitavelmente além do estacionamento implica a entrada e saída da garagem apenas com recurso ao espaço próprio de cada condómino a ao espaço comum.

E nem as eventuais visitas à garagem, que não resulta terem sido feitas ou estarem na disponibilidade exclusiva dos AA., durante a construção, atentos os constrangimentos decorrentes do decorrer dos trabalhos no local, inclusive com materiais e sem os acabamentos terminados, podem ser considerados suficientes para alertar os AA. para a dificuldade de estacionamento e para a impossibilidade de saída dos veículos da garagem com recurso exclusivo ao espaço comum e ao espaço do próprio condómino.

De onde, não era exigível aos 1.ºs e 2.ºs AA. que não ignorassem a desconformidade contratual em discussão cuja existência não pode assim ser desconsiderada em relação aos mesmos.”

Assim, em face da falta de conformidade dos bens com os contratos, de acordo com o art. 4.º do mencionado DL n.º 67/2003, os consumidores, no caso os 1.ºs e os 2.ºs AA., eram titulares do direito a que a conformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.

E como já assinalado supra, aos consumidores assiste ainda o direito de indemnização, conforme princípios gerais do cumprimento e não cumprimento ds contratos e, em especial, o já referido nº1 do art 12º da Lei de Defesa do Consumidor, que estabelece. “ o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais,, resultantes de bens …defeituosos, sendo que nesta parte deve entender-se que a lei se refere a bens desconformes com o contrato, atento o teor do art 4º da Lei de Defesa do Consumidor.

E tratando-se de responsabilidade contratual, a culpa presume-se, nos termos do art 799º do CCivil, cabendo ao consumidor provar a desconformidade, o dano e o nexo de causalidade, revelando os autos que as rés – recorrentes não lograram ilidir essa presunção.

Acresce, que o nº1 do art 12º da LDC, remete para os termos gerais da indemnização, afastando-se do regime da indemnização previsto no C. Civil (artigos 908º a 910º, 913º, e 915) para a venda de coisas defeituosas.

Acresce que a indemnização concernente a prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos do bem, que impliquem uma responsabilidade contratual do vendedor ou do dono da obra, estará em princípio sujeita apenas às regras gerais do direito de indemnização, não se lhe aplicando também as regras especiais da compra e venda ou da empreitada, nomeadamente as que estabelecem prazos de caducidade, sendo aplicável ao direito de indemnização por tais danos o prazo de prescrição geral [8]

Trata-se, nestas situações, de indemnizações destinadas a ressarcir outros danos que não a reparação/ressarcimento dos defeitos em si, ainda que a estes ligados por nexo de causalidade (e cuja responsabilidade, como fonte da obrigação de indemnizar, os tem como pressuposto fáctico).

Inseridos no âmbito dos danos colaterais constitutivos do direito de indemnização regulados apenas pelas regras gerais da obrigação de indemnizar, e por isso a coberto da aplicação das regras especiais da compra e venda (incluindo os prazos de caducidade), encontram-se os danos não patrimoniais que o consumidor possa ter sofrido com o cumprimento defeituoso da prestação [9].

São danos pessoais do adquirente do bem/dono da obra, que se não circunscrevem ao defeito e a eles acrescem, ainda que a ele ligados por nexo de causalidade – a indemnização não tem então em vista a reparação do defeito, antes o ressarcimento de danos sofridos além da própria existência do defeito.

Posto isto, a pretensão indemnizatória pela qual os autores -recorridos optaram respeita aos danos patrimoniais e não patrimoniais, que constituam consequência adequada da existência dos defeitos no mesmo imóvel.

E na parte em que os autores pretendem indemnização por danos patrimoniais resultantes dos defeitos da garagem que faz parte da fracção que compraram, temos de considerar que essa pretensão, atenta a alegação vertida na petição inicial, concretamente, o artigo 72º desse articulado,[10] se circunscreve ao dano da privação de uso e fruição plena da garagem que faz parte da fracção adquirida pelos 1ºs e 2ºs Autores, respectivamente.

Na verdade, nada mais alegaram os autores como fundamento dessa pretensão, sendo que a alegação vertida no artigo 73º da petição é conclusiva, (“ certamente, num futuro próximo, os AA terão de despender essa quantia na aquisição de um outro lugar de garagem ou no arrendamento a longo prazo numa garagem perto da residência ou até na aquisição de um outro veículo”), não sendo fundamento bastante para daí se afirmar a existência de danos futuros, previsíveis, conforme nº2 do art 564º do CCivil, isto é, não apresenta essa alegação referida qualquer consistência traduzida na alegação de factos concretos que revelem aquela previsibilidade e a certeza exigida por lei relativamente à conclusão aí vertida

De concreto, temos que relativamente aos danos patrimoniais, o valor pedido quer pelos 1.ºs AA. quer pelos 2.ºs AA. é de 15.000,00 €, correspondente, segundo referem, ao valor de mercado que um lugar de estacionamento representa no Porto.

Todavia, como já afirmado, interpretando a petição inicial[11]e pedidos formulados,, não está nela incluída qualquer pretensão de redução de preço pago pela aquisição das fracções e subsequente restituição, proporcional à diminuição do valor dos bens que foram recebidos pelos 1º e 2ºs AA-consumidores, em comparação com o valor que esses bens teriam se estivessem em conformidade.

Destarte, uma vez que os AA- recorridos não formularam pedido de redução do preço pago na proporção da desvalorização da fracção resultante da deficiente acessibilidade aos respectivos lugares de garagem e da exiguidade destes lugares para fazer manobras de estacionamento- conforme itens - 9º, 12º, 22º, 23º, 28º a 34º dos factos provados- segue-se que o dano patrimonial cujo ressarcimento é pedido pelos Autores em resultado do cumprimento defeituoso das compras e vendas de consumo realizadas se traduz no Dano da Privação de Uso das respectivas garagens

4.A outra questão que importa decidir relaciona-se com uma questão de direito substantivo, mais concretamente, a problemática do direito à indemnização pela Privação do uso.

Existem diferentes posições na doutrina e na jurisprudência em relação ao direito de indemnização do dano decorrente da privação do uso .

Na verdade, enquanto uns entendem que a atribuição de uma tal indemnização depende da prova do dano concreto, ou seja, para a determinação do dano deve o lesado concretizar e demonstrar a situação hipotética que existiria se não fosse a lesão (ocupação ou privação do uso), o que quer dizer, por outras palavras, que há-de provar-se qual teria sido a situação vantajosa concreta que saiu frustrada pela privação da coisa (o que se reconduz à aplicação da teoria da diferença), outros defendem que a simples privação do uso de certa coisa constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça ou não faça do bem em causa durante o período da privação.

Quanto a nós, a posição que merece o nosso acolhimento é a de que «a mera privação do uso de uma coisa é já «uma agressão às faculdades de uso, disposição e disponibilidade do bem pertencente ao lesado e, como tal, uma lesão do respectivo direito de propriedade, consubstanciada numa privação ou limitação daquelas faculdades (neste sentido, Abrantes Geraldes, in Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág. 30, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. I, pág. 317)».

Assim, se em resultado dos danos sofridos pela coisa, o seu proprietário fica privado daquelas faculdades, ele sofre «um dano, isto é, uma afectação do seu património - em sentido amplo, constituído não apenas pelos bens que o compõem, como pelas utilidades que os bens proporcionam ao seu titular .

«O dano tem por isso natureza patrimonial, no sentido de que afecta directamente o património do lesado e não o corpo, a saúde ou o intelecto do lesado. A sua repercussão pode ser (directamente) económica, como quando o lesado se vê obrigado a suportar despesas para substituir o veículo sinistrado e continuar a poder deslocar-se como até aí fazia com aquele, caso em que o valor da indemnização corresponde à despesa acrescida que o lesado suportou nessa substituição (dano mediato ou indirecto). Mas também pode ser apenas pessoal, como quando o lesado se priva das deslocações que de outro modo faria, recorre a outro veículo emprestado gratuitamente por familiares ou amigos ou mesmo seu ou recorre a transportes públicos para se deslocar com as limitações inerentes. Neste caso, a indemnização deve ser atribuída ainda que o lesado não haja suportado imediatamente um custo com a substituição, uma vez que apesar disso ele viu mesmo as suas faculdades sobre o bem afectadas ilegitimamente (dano imediato ou directo)». (Ac. Tribunal da Relação do Porto, de 31-01-2018, proferido no recurso de apelação- processo n.º 1623/16.1T8STS.P1, relator: Aristides de Almeida).

De resto, não haverá dúvidas sérias de que a privação injustificada do uso de uma coisa pelo respectivo titular constitui um ilícito susceptível de gerar a obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o seu proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, impede-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, enfim, impede-o de dela dispor como melhor lhe aprouver (Art. 1305ºdo C.C.).

Se a coisa em questão for, por exemplo, um prédio urbano, será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se se pudesse dispor dele em condições de normalidade.

Mas, será já dispensável a prova efectiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respectiva renda acordada ou os prejuízos efectivos decorrentes de o não poder, desde logo, habitar.

No primeiro caso, a indemnização pela privação do uso corresponderá ao valor locativo que o A. indicará por mera aproximação com os preços praticados no mercado, valor que poderá vir a ser apurado em execução de sentença.

No segundo caso, se não estiver disponível factualidade que permita determinar, com exactidão o valor do dano, nem for possível relegar a sua quantificação para execução de sentença, nem por isso deve ser negada uma indemnização a calcular segundo juízos de equidade.

No caso dos autos, temos pois, em síntese, que os 1ºs e 2ºs Autores recorridos estão impedidos de usar e fruir plenamente como proprietários que são, os lugares de estacionamento que adquiriram juntamente com a fracção autónoma descrita nos factos provados que adquiriram.

A revelar que o dano sofrido pelos autores nesta parte, apesar de não ser recondutível em termos dogmáticos e rigorosos ao dano de privação de uso de bem, (enquanto dano que concetualmente e em abstracto assume caracter temporário ) deve ser valorado como um dano patrimonial autónomo.

Assim, uma vez que está provado o dano, tem que ser concedida uma indemnização e a solução passa ou pela fixação da indemnização com recurso à equidade (o art. 566.º/3 do C. Civil diz que, “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provado”) ou pela prolação duma condenação genérica, tendo em vista a sua posterior liquidação (em incidente de liquidação, previsto no art. 358.º/2 do CPC, previsão esta em linha com o disposto no art. 609.º/2 do CPC, segundo o qual “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado (…)”).

Sendo que, no caso, entendemos ser preferível e mais adequada a opção pela condenação genérica.

Dispõe o art. 609º, nº 2, do CPC que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

A previsão da norma em questão reporta-se à falta de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação sem fazer qualquer distinção entre as situações em que esses elementos não existem por ainda não terem ocorrido os factos que permitiriam fixar o objecto ou a quantidade da obrigação e as situações em que esses factos já ocorreram, já são conhecidos e até foram alegados, sucedendo apenas que não foram provados.

Em qualquer uma dessas situações, o Tribunal – no momento em que profere a sentença – não dispõe desses elementos e, portanto, está impossibilitado de fixar o objecto ou a quantidade da prestação e, ao que nos parece, é apenas essa circunstância que está subjacente à norma em questão.

Essa disposição será aplicável a todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova.

Neste sentido se pronunciam José Lebre de Freitas[12]e Alberto dos Reis.[13]

Todavia, resulta dos autos que o objecto da compra e venda de uma fracção incluiu não só o valor da área útil de habitação, mas o valor do lugar de estacionamento e o valor das partes comuns, não existindo elementos disponíveis que revelem qual a parte do preço por m2 que corresponde aos lugares de estacionamento na data da celebração das escrituras.

Assim, no caso dos autos, o preço pago por cada um dos autores não corresponde só à parte habitacional da fracção mas também à parte não habitacional e a tudo o que é comum no edifício, a revelar que não temos elementos de facto disponíveis nos autos que permitam fixar o valor exacto do dano sofrido pelos autores.

A revelar que os elementos de facto são insuficientes para a quantificação do dano de privação de fruição e uso pleno das garagens, traduzido no impedimento natural, (resultante da configuração e dimensão das garagens) de usar e fruir plenamente, como proprietários que são, os lugares de garagem, e que deve ser proferida condenação a ressarcir os autores de todos os danos que constituem a consequência adequada da existência das desconformidades verificadas no lugares de garagem das fracções dos autores-recorridos.”

Todavia, é previsível, reconhece-se, que se consiga, com a prova complementar (a efetuar em incidente de liquidação, circunscrita a apurar qual o valor locativo de garagem semelhante na mesma zona, o valor estimativo de cada garagem dentro do preço total da fração em causa por comparação com imóveis semelhantes, qual a percentagem atribuída à garagem em fracções equivalentes,) ajustar o mais possível a fixação da indemnização à realidade.

Assim, no tocante aos danos patrimoniais sofridos pelos Autores-recorridos, traduzidos no dano de privação de fruição e uso pleno das garagens, entendemos ser preferível e mais adequada a opção pela condenação genérica a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no art. 609.º/2 do CPC.

5. Dos Danos Não Patrimoniais.

Nesta parte, é corrente afirmar-se que os prejuízos não patrimoniais são aqueles que se verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária, interesses de ordem espiritual (Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, 373 e ss).

Por outro lado, o dano que releva, segundo o já referenciado artº496º, CC, é aquele que, pela sua gravidade, merece a tutela do direito e o montante ressarcitório que lhe há-de corresponder deve ser encontrado por recurso a critérios de equidade, nos termos do nº3 deste último dispositivo, entrando-se em linha de conta com a gravidade do dano, o grau de culpa do agente, a situação económica de lesante e lesado, bem como outras circunstâncias que forem pertinentes – cfr o artº494º do mesmo Código – o que segundo alguns atesta o cariz punitivo de tais danos, estabelecido no interesse da vítima – cfr Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 299.

E como é sabido, a apreciação da gravidade dos danos desta natureza reclama o recurso a “um critério o mais objectivo possível e em que o juiz se possa desprender da atribuição de reparações a casos em que o sofrimento ou a dor dependam, exclusivamente, de sensibilidades particularmente requintadas, portanto, anormais” (cfr Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, I,491).

“Dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade de uma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação[14]

Feitas estas breves considerações, reportando-nos ao caso dos autos, resulta manifesto, que desde a data da aquisição das frações autónomas, que incluem lugar de garagem, os primeiros e segundos autores viram comprometidas até agora, durante quatro anos, o uso e fruição dos respectivos lugares de garagem, em consequência das desconformidades verificadas nesses lugares de garagem.

Pelo que, a situação descrita tem contornos de melindre e incomodidade que qualificam a gravidade do dano sofrido e obrigam à sua ressarcibilidade.

Assim, a falta de espaço da garagem para os 1.ºs AA. estacionarem e retirarem o veículo do seu lugar de garagem e da própria garagem é uma circunstância que, naturalmente, os incomoda e perturba diariamente, gerando-lhes preocupação stress e angústia, agravada pelo facto de dependerem e de terem de incomodar outros condóminos para efectuarem aquelas manobras.

E este impacto no bem-estar emocional e psicológico dos 1.ºs AA. afigura-se-nos ser suficientemente significativo e grave para merecer o previsto ressarcimento,.

Todavia, porque este Tribunal afirmou que assiste aos autores -recorridos uma indemnização pelo dano de privação do uso pleno das garagens, afigura-se-nos que a quantia fixada pela primeira instância em sede de equidade para compensar os danos morais, concretamente, €2.500,00, para cada um dos primeiros AA. é excessiva.

Assim, dentro do circunstancialismo apurado afigura-se-nos adequado fixar, em sede de equidade, o valor de € 2 000,00 para estes primeiros autores para os compensar pelos danos patrimoniais sofridos em consequência das referidas desconformidades verificadas no lugar de garagem, acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a data do presente acórdão até integral pagamento (arts. 804.º, 806.º, n.º 1 e 2 e 559.º, n.ºs 1 e 2, todos do CC e da Portaria n.º 291/03 de 8/04).

Relativamente aos segundos Autores, como resulta dos factos apurados, estes não moram na fracção.

Todavia, resulta dos factos provados que também a utilizam quando se deslocam ao Porto. Desconhece-se, porém, com que frequência o fazem.

Todavia, a situação descrita, proprietários que viram comprometidas, durante quatro anos, o uso e fruição do respectivo lugar de garagem, em consequência das desconformidades verificadas nesses lugares de garagem, tem contornos de melindre e incomodidade que qualificam a gravidade do dano sofrido e obrigam à sua ressarcibilidade.

Com base na equidade, fixa-se assim a título de ressarcimento deste dano de natureza não patrimonial o valor de 1.000,00 € para cada um dos AA., acrescido de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a data da presente sentença até integral pagamento (arts. 804.º; 806.º, n.º 1 e 2 e 559.º, n.ºs 1 e 2, todos do CC e da Portaria n.º 291/03 de 8/04), mantendo-se nesta parte a sentença recorrida.

Sumário.

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IV – DELIBERAÇÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a nulidade invocada, declarando-se a nulidade da sentença recorrida na parte em que o tribunal a quo condenou “as 1.ª e 2.ª RR. a, solidariamente, pagarem aos 1.ºs AA. a quantia de 20.000,00 € (vinte mil euros) e aos 2.ºs AA. a quantia de 17.000,00 € (dezassete mil euros), acrescidas de juros de mora à taxa de 4% ao ano, sendo 15.000,00 € de uma e outra quantia desde a citação”

E, ao abrigo do disposto no art 665º do CPC, substituindo a parte da decisão anulada por nova e conhecendo do mérito do recurso, julgamos parcialmente procedentes as apelações e, assim, no tocante aos danos patrimoniais sofridos pelos Autores-recorridos, traduzidos no dano de privação de fruição e uso pleno das garagens, condenamos solidariamente a 1ª e 2º Rés- recorrentes, a pagarem aos 1ºs e 2º s autores recorridos a quantia a liquidar posteriormente em incidente declarativo de liquidação de sentença, nos termos dos artigos 359º, nº 1 e 609.º/2 do CPC - com respeito pelo limite máximo dos valores peticionados na petição inicial - e condenamos solidariamente a 1ª e 2º Rés- recorrentes, a pagarem aos 1ºs autores recorridos, com base em juízos de equidade, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 2.000,00 € para cada um daqueles AA., acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a data do presente acórdão até integral pagamento (arts. 804.º, 806.º, n.º 1 e 2 e 559.º, n.ºs 1 e 2, todos do CC e da Portaria n.º 291/03 de 8/04), bem como, condenamos solidariamente a 1ª e 2º Rés- recorrentes, a pagarem aos 2ºs autores recorridos, com base em juízos de equidade, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 1.000,00 €, para cada um daqueles AA., acrescidos de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a data do presente acórdão até integral pagamento (arts. 804.º, 806.º, n.º 1 e 2 e 559.º, n.ºs 1 e 2, todos do CC e da Portaria n.º 291/03 de 8/04).

Custas dos recursos, na parte da condenação ilíquida, pelos rés- recorrentes e autores-recorridos, em partes iguais, por não estar liquidada ainda a quantia em dívida – artigos 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Custas dos recursos, na parte da condenação liquida, a cargo de recorrentes e recorridos, na proporção dos respectivos decaimentos.

Porto, 10.04.2025

Francisca da Mota Vieira

João Maria Espinho Venade

Paulo Duarte Mesquita Teixeira

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[1] Os articulados/requerimentos das partes, enquanto actos jurídicos, devem ser objecto de interpretação (art.295º do Cód. Civil), ..
[2] Como se refere na fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2019, de 12.02.2019, in D.R., n.º 141/2019, Série I, de 25/07/2019, no quadro normativo das relações jurídico-económicas de consumo o legislador não deixou a composição dos interesses das partes no puro domínio da liberdade contratual (art. 405º, n.º 1, do CC). Estabeleceu (antes) “regras de tutela de um dos contratantes - aquele que tiver a qualidade de consumidor - tomando como padrão o adquirente médio e atendendo à típica inferioridade do seu poder negocial, decorrente da inferioridade económica, informacional ou técnica, bem como à tipicamente menor experiência contratual”, dessa forma reequilibrando as posições negociais e tendo em vista “também um funcionamento mais saudável, porque menos litigioso, das relações contratuais em geral”.
[3] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 3ª edição revista e actualizada, pág. 211, a propósito do artigo 913.º do Código Civil,
[4] Estabelecem os nº2 a nº4 do art 2º do citado diploma:
«2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
3 - Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.
4 - A falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem.
[5] Sobre o alcance das presunções de não conformidade, cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, 11.ª Edição, pps. 141 a 150).
[6] João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição revista e aumentada, p. 259-261. No mesmo sentido o douto acórdão do STJ de 7/03/2019 (Rosa Ribeiro Coelho), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
[7] Carlos Ferreira de Almeidas, Direito do Consumo, 2005, p. 564
[8] João Cura Mariano, obra citada, p. 144.
[9] João Cura Mariano, obra citada.
[10] Artigo 72º da petição inicial:
“ Dos danos patrimoniais ressalta que os AA efectuaram o pagamento total das fracções que compraram, o que inclui os lugares de estacionamento que estão impedidos de usar e fruir plenamente como proprietários que são ….”
[11] A petição inicial ,  à semelhança de outros articulados, reveste a natureza de acto jurídico, devendo ser interpretada, por força do disposto no art. 295º do C.Civil, em conformidade com as regras atinentes à interpretação da declaração negocial.[12] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2ª ed., pág. 682
[13] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 71., Vol. V, pág. 71 e Vol. I, 3ª ed., Reimpressão, pág. 615
[14] Acórdão Do STJ  de 25.05.2007, pº nº07A1187 ( base de dados do ITIJ).