ACÇÃO DE REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário


. Na ação de revisão e confirmação de sentença estrangeira, o juízo de incompatibilidade com a ordem pública internacional do Estado Português é aferido pelo resultado da aplicação da lei estrangeira ao caso concreto.

. Não está em causa decidir se a ação foi bem tramitada face ao direito estrangeiro, papel que não cumpre ao tribunal da revisão. O que interessa é decidir se aquela decisão, nos termos em que foi proferida, respeitou o princípio do contraditório e da igualdade das partes e não contem decisão que conduza a um resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

. Viola a ordem pública internacional do Estado Português a decisão que desconsiderou a personalidade jurídica de uma sociedade, sem que os seus sócios tivessem sido citados para se pronunciarem, antes da prolação da decisão.

. A dedução de nova ação de revisão, já julgada improcedente com base em falta de citação dos requeridos, postergando o princípio do contraditório e cujo reconhecimento por essa razão conduziria a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, por a parte ter entendido que já estariam reunidos os pressupostos necessários à confirmação, por entretanto, após a prolação da decisão que negou a confirmação, ter obtido a sua citação, não configura a dedução de uma pretensão cuja falta de fundamento se não desconhece, ainda que, de novo, a confirmação venha a ser recusada.

Texto Integral


Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

X - Participações, Ltda., com sede na Rua …, Estado de S.Paulo, Brasil veio requerer contra Y-Indústria de Caixilharia, S.A. com sede no Lugar …, Ribeirão e José, com domicílio profissional sito na Rua …, Ribeirão, ação especial de revisão de sentença estrangeira.

Alegou, em síntese, que é dona e legítima proprietária de um edifício industrial sito em S.Paulo, Brasil que deu de arrendamento à Y Indústria de Esquadrais, Ltda. com sede no município de …, Estado de São Paulo.

Sucede que a partir de novembro de 2008 a referida sociedade não mais logrou efectuar o pagamento das rendas devidas, pelo que instaurou ação reclamando o despejo do locado, bem como o pagamento das rendas e encargos, acrescidos de custas e de despesas processuais, honorários de 10%, bem como rendas e encargos vincendos.

Nessa ação que correu termos sob o nº 564.01.2009.002298-0/000000-000, da 7ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo, foi declarada a resolução do contrato de arrendamento e a R. condenada a despejar o imóvel e a pagar as rendas vencidas e vincendas até à desocupação do imóvel, acrescida de 10%, caso a sociedade devedora não procedesse ao pagamento da dívida no prazo de 15 dias a contar de 31 de março de 2011.

Apesar de ter entregue a chave e o imóvel, a sociedade devedora não procedeu ao pagamento da dívida nem no prazo fixado, nem em momento posterior e encerrou a sua actividade.

A requerente solicitou então a desconsideração da personalidade jurídica da Sociedade Y Indústria de Esquadrias, Ltda., por forma a que pudesse proceder à execução dos bens existentes em nome dos sócios desta, os ora requeridos, o que foi deferido, pelo que à luz do direito brasileiro, os ora requeridos vieram ingressar na posição jurídica anteriormente titulada pela sociedade devedora.
Os requeridos foram citados para deduzirem a sua defesa, tendo sido requerida a citação por carta rogatória, por se encontrarem domiciliados em Portugal e nada vieram dizer.
A requerente pretende que a sentença seja confirmada de forma a poder executar a mesma em Portugal.
À luz do direito brasileiro, o momento processualmente adequado, em matéria de desconsideração da personalidade jurídica para os ora requeridos se defenderem é subsequente ao decretamento pelo tribunal da desconsideração da personalidade jurídica.

Conclui pela confirmação da sentença proferida pelo Juiz de Direito da Sétima Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo.

Devidamente citados vieram os requeridos opor-se, por exceção, invocando a excepção de caso julgado. A revisão da sentença que decretou a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade Y Indústria de Esquadrias, Ltda. já foi objeto de pronúncia no processo nº 93/13.0YRGMR que correu termos no Tribunal da Relação de Guimarães, tendo sido recusada a confirmação e julgado improcedente o pedido de condenação do requerido José como litigante de má fé. Deste acórdão foi interposto pela requerente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a decisão.

As partes são as mesmas assim como a causa de pedir e o pedido, pelo que o Tribunal está impedido de se pronunciar sobre a mesma questão já decidida e transitada em julgado.

À cautela, alegaram, que o Tribunal deferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica sem que estivessem reunidos os pressupostos para o fazer e sem que os sócios da sociedade Y, Indústria de Esquadrias, Ltda. tivessem sido ouvidos.
A citação deveria ter sido efectuada antes de ser declarada a desconsideração da personalidade jurídica e não depois. Quando foram citados por carta rogatória, em momento posterior à decisão do Supremo Tribunal de Justiça no processo nº 93/13.0YRGMR, não lhe deram relevância uma vez que os tribunais portugueses já se haviam pronunciado sobre a não confirmação da sentença.
Concluiram que foi violado o princípio do contraditório dos requeridos previsto no artº 3º do CPC bem como foi negado o acesso ao direito, consagrado nos artigos 20º e 207º do CRP, pelo que não deverá ser confirmada a sentença e pediram a condenação da requerente como litigante de má fé.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal pronunciou-se no sentido da não confirmação da decisão do tribunal brasileiro.
O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e da nacionalidade.
Não se verificam nulidades susceptíveis de anular todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.

Por admissão por acordo e por documentos mostram-se provados os seguintes factos:

. X - Participações, Ltda. instaurou ação contra Y Indústria de Esquadrias, Ltda - processo e 564.01.2009.002298-0/000000-000 – que correu termos na 7ª Vara Cível do Fórum de São Bernardo de Campo.
. A ré Y Indústria de Esquadrias, Ltda contestou a acção.
.Em 4 de Maio de 2010 foi proferida sentença com o seguinte teor (fls 402): “Ante o exposto, julgo procedente o pedido para decretar o despejo da ré, assinalando-lhe o prazo de 15 dias (quinze) dois para desocupação voluntária, ficando rescindido o contrato de locação e condená-la ao pagamento dos aluguéis e encargos vencidos no curso da ação até à desocupação. Corrigidos a partir do inadimplemento,a crescidos dos juros moratórios de 1% ao mês, contados da citação.

Expeça-se mandado de despejo.
O pagamento deverá ser feito no prazo de 15 dias, contado da publicação desta sentença pela imprensa, sob pena de acréscimo de multa no percentual de 10% (artº 475-J do CPC).
Por força do princípio da sucumbência, imponho à ré o ónus do pagamento das custas processuais e da verba advocatícia que, por força do disposto no artº 20º, parágrafo 4º do Código de Processo Civil fixo 10% sobre o valor da condenação, corrigida.
Não é o caso de fixação de caução (artº 64º da Lei 8245/91 com a redação da Lei 12.112, de 9/12/09).”

. A Y Indústria de Esquadrias, Ltda. entregou o imóvel (fls 406).
. Por requerimento datado de 19 de Julho de 2010, a X - Produções veio requerer a execução da sentença , tendo requerido a intimação da R. na pessoa do seu patrono, para efetuar o pagamento do valor, devido e constante na coordenação e, caso não o faça, requer desde já, a aplicação do disposto no artº 475º-J da Lei 11.232/05. Impugnando desde já a nomeação de outros bens eventualmente ofertados pela executada, prevalecendo assim, a ordem transcrita no artº 655º do CPC.”(fls 410-411).
. Por requerimento datado de 21 de Janeiro de 2011, a requerente veio requerer a citação do procurador dos sócios da Ré Manuel por via postal, para tomar conhecimento da execução (pag. 419).
.Em 31 de Março de 2011 foi proferido o seguinte despacho: “Intime-se ré executada, na pessoa do ex administrador mencionado a fls 134 para pagamento da importância apurada a fls 136, no prazo de 15 dias (artº 475-J), “caput” do Código de Processo Civil, sob pena de acréscimo de multa no percentual de 10%” (fls 429).
.Por requerimento de 27 de Junho de 2011 a exequente insistiu pela citação da executada, na pessoa do procurador Manuel e não na pessoa do ex administrador que deixou de exercer essas funções (fls 435), tendo a carta sido recebida e devolvido o aviso de receção (fls 439).
. São únicos sócios da sociedade X - Participações, Ltda., Y Indústria de Caixilharia, S.A. e José, ambos domiciliados em Portugal (fls 336 e ss ).
. Por requerimento datado de 2 de Dezembro de 2011, a ora requerente requereu a “desconsideração da personalidade jurídica da executada, pelo fato de encerrar suas actividades económicas irregularmente no Brasil e dilapidação total do seu património, com fulcro no artigo 50º do Código Civil, e ser possível atingir os bens particulares de seus sócios, que se encontram domiciliados em Portugal, para que cumpram os deveres legais assumidos aqui no Brasil, em especial ao pagamento do valor devido na presente execução, pois agiram como dolo e má fé, no intuito de fraudar os credores” (sic)- fls 443-446).

Em 13.01.2012 foi preferido o seguinte despacho: “Fls 158: Defiro a desconsideração da personalidade jurídica , com fundamento no artº 50º do CC.
Regularize o polo activo para incluir o sócio no polo passivo.
Requeira o autor o quê de direito em relação ao sócio (Bacenjud, Infojud, Renajud) mediante o recolhimento das custas nos termos do CSM170/2011, no prazo de 5 dias, sob pena de arquivamento provisório”.
Intimem-se”.” (fls 453)

.Os requeridos não foram previamente ouvidos.
.Por requerimento de 9 de Maio de 2012 a requerente solicitou a expedição de carta rogatória para intimação de Y Indústria de Esquadrias, Ltda., sociedade constituída e existente de acordo com as leis de Portugal, com sede social no Lugar…, freguesia do …, Vila Nova de Famalicão, Portugal”., a fim de que mesma “seja intimada a cumprir a obrigação reclamada na ação, quitando a dívida existente, por ser a única alternativa nos autos de ver-se satisfeito o crédito da empresa autora”- pgs. 474-475.
.Por despacho de 1.08.2012 foi indeferido o requerido por desnecessidade de intimação pessoal para pagamento e ordenado, em substituição, a penhora das quotas da sociedade empresária – pag 480.
.Por requerimento datado de 14.08.2012 (pgs. 484.-488) a exequente veio informar que não aceita a penhora das quotas da sociedade e reitera o pedido de expedição de carta rogatória para Portugal, pois que no Brasil a executada e os seus sócios não possuem quaisquer bens passíveis de penhora, o que foi indeferido por despacho de 29.08.2012 (fls 502).
.A requerente interpôs recurso da decisão que indeferiu o pedido de expedição de carta rogatória bem como indeferiu a não aceitação pela exequente/agravante da não aceitação da penhora de quotas da sociedade executada.
.O Tribunal Superior não conheceu do recurso (fls 522).
.Por requerimento datado de 23 de Novembro de 2012, a requerente requereu a extracção, formação, autuação e expedição de carta de sentença, com translado de todas as peças processuais por pretender a homologação e execução da sentença brasileira transitada em julgado através de convenções com Portugal, o que foi deferido, por despacho de 3 de Dezembro de 2012 (fls 526), tendo sido emitida a certidão junta a fls 533 a 535.
.A requerente instaurou ação especial de revisão de sentença estrangeira contra os ora requeridos - processo nº 93/13.0YRGMR - e por Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 5/06/2014, foi negada a confirmação (pgs.606-611).
.A requerente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que por acórdão de 17.12.2014, confirmou o acórdão recorrido (pgs. 612 v- 616).
.Na sequência do acórdão do STJ, veio a requerente por requerimento datado de 23 de Janeiro de 2015, dirigido ao juiz da 7ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo, ao processo supra identificado, informar que não obteve a revisão e confirmação da sentença porque de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal “em face das Leis Portuguesa e, pelo princípio do contraditório, previsto no Código de Processo Civil de Portugal, um dos requisitos essenciais, é que os sócios da empresa executada, deveriam ter sido citados e, responder ao feito, o que não ocorreu, pelo fato de constar nos autos, Procurador legalmente nomeado além de advogados legalmente constituídos, onde foram devidamente citados para responder ao feito.
Isto posto e, para ser possível revisar e confirmar e, posteriormente executar a sentença transitada no Brasil em Portugal, é condição essencial daquele País, que os sócios sejam devidamente citados da presente acção, através de carta rogatória”, pelo que requereu a citação dos requeridos (pgs. 540 e 541).
.Por despacho de 24 de fevereiro de 2015 foi deferido o requerido.
.Em 18.03.2016 foi citado o 2º requerido e a 1ª requerida, na pessoa do 2º requerido, seu legal representante. (fls 576 a 582).
.Na carta rogatória consta o seguinte sob a denominação “

Finalidade”:
Citação dos executados abaixo relacionados para os termos da ação proposta, e para que no prazo legal de quinze dias, procedam o pagamento do valor executado 120.654,37 reais (em junho/2015), devidamente actualizado, conforme demonstrativo de cálculo apresentado pela parte exequente, sob pena de aplicação de multa no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor devido caso não efectuado o pagamento no prazo legal e prosseguimento dos atos executivos, a requerimento do credor, nos termos do disposto no artº 475-J, do Código do Processo Civil”.

Da exceção de caso julgado

A exceção do caso julgado está prevista na al. i) do art. 577º do CPC (1), é de conhecimento oficioso – art. 578º - e a sua procedência, de acordo com o nº 2 do art. 576º, dá lugar à absolvição da instância. Tem por fim “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer (…) uma decisão anterior”, ou seja, visa evitar o aparecimento de decisões contraditórias e as consequências negativas daí resultantes para a segurança jurídica e o prestígio dos tribunais – nº 2 do art. 580º do CPC. Pressupõe a repetição de uma causa depois de já haver decisão transitada em julgado na anterior (na primeira) – nº 1 do art. 580º
O art. 581º do CPC define o que deve entender-se por «repetição de uma causa». Esta pressupõe que seja instaurada uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (nº1 do artº 581º). Nos termos do nº 2 do citado preceito “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, independentemente da posição processual que cada uma delas ocupe em cada acção (2).
Por sua vez, dispõe o nº 3 do artº 581º do CPC que “há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e de acordo com o nº 4, “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”. O Código de Processo Civil adoptou a «teoria da substanciação» (em vez da “teoria da individualização” (3)) pelo que a causa de pedir é o facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido, abrangendo no caso julgado os factos invocados que eram determinantes para a procedência da anterior acção. “O que releva é a identidade de factos com relevância jurídica e não as qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento” (4).
Para que ocorra a excepção do caso julgado é necessário que se verifique a tríplice identidade que se referiu (de sujeitos, de causa de pedir e do pedido).
Diversamente a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade referida, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida (5).

Os efeitos do caso julgado material desdobram-se em duas vertentes:

. efeito negativo da inadmissibilidade duma 2ª acção (proibição de repetição: excepção do caso julgado); e,
. efeito positivo da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade do caso julgado) (6). Deste modo o já decidido não pode ser contraditado ou apontado por alguma das partes em acção posterior.
A excepção do caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado, pois enquanto naquela se visa o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, nesta tem-se em vista o efeito positivo de impor a primeira decisão transitada em julgado, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito, assentando, portanto, a autoridade do caso julgado numa relação de prejudicialidade, por o objecto da primeira decisão constituir pressuposto necessário da decisão de mérito a proferir na segunda acção, não podendo a decisão de determinada questão voltar a ser discutida nos termos do artº 621º do CPC.
Tanto na excepção do caso julgado como na autoridade do caso julgado na determinação dos seus limites e eficácia deve atender-se não só à parte decisória mas também aos respectivos fundamentos (7).
Assim ao “intérprete caberá verificar que comando ficou a constar da sentença ou despacho judicial, reconstituindo, se necessário, os diversos elementos do silogismo judiciário plasmados na decisão, não podendo, contudo, ir além disto sob pena de violar os limites objectivos do caso julgado legalmente consagrados e frustrar, por essa via, o objectivo fulcral que preside a este instituto jurídico, ou seja, a salvaguarda da segurança e certeza do direito” (8).
A extensão do caso julgado abrange não só os fundamentos invocados pelo autor, mas também os meios de defesa invocados pelo réu (9), as excepções invocadas e até as que poderia ter invocado e não invocou, pois toda a defesa deve ser deduzida na contestação, contra o pedido deduzido, desde que relativos à relação controvertida, tal como ela existia à data da sentença (10). Se a nova acção ou a defesa na nova acção se fundamentarem em factos novos ocorridos após a data do trânsito em julgado da sentença, já não colide com o efeito do caso julgado.

Vejamos agora o caso:
Dúvidas não há que as partes são as mesmas, assim como o pedido. E relativamente à causa de pedir?
Como se referiu, a nossa lei consagrou a teoria da substanciação. A causa de pedir são os factos concretos em que o autor alicerça a sua pretensão.
No caso, na primeira ação a requerente invocou como causa de pedir ter sido proferida sentença transitada em julgado que declarou a resolução do contrato de arrendamento que tinha celebrado com a Y Indústria de Esquadrias, Ltda. e que lhe fixou o prazo de 15 dias para desocupação voluntária e condenou-a pagar-lhe os alugueres e encargos vencidos no decurso da ação até desocupação, corrigidos a partir do incumprimento, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês, contados desde a citação, ordenando-se o despejo e o pagamento, no prazo de 15 dias contados da publicação da sentença pela imprensa, sob pena de acréscimo e multa no percentual de 10% (fls 116 a 118). Como a R., na ação que correu termos no tribunal brasileiro, não procedeu ao pagamento das quantias em dívida, a A. instaurou execução, tendo sido intimada a executada, na pessoa do seu procurador, a pagar. E como não logrou obter pagamento e a executada encontrava-se inactiva, requereu a desconsideração da personalidade jurídica da executada, o que foi deferido.
No caso presente, os factos são idênticos aos invocados na ação de revisão de sentença estrangeira que correu termos sob o nº 93/13, mas a estes factos, acrescem factos novos: a citação por carta rogatória dos sócios da sociedade Y Indústrias de Esquadrais, Ltda., os ora requeridos, nos termos da documentação junta aos autos, citação que ocorreu em momento posterior à prolação do acórdão do STJ que confirmou a recusa de confirmação.
Ora, a alegação de factos novos que acrescem aos que já tinham sido invocados, obsta à procedência da excepção de caso julgado, pois que não se pode entender que a causa de pedir seja idêntica.
Trata-se, aliás, de situação expressamente salvaguardada pelo artº 673º do CPC. Além deste caso muitos outros podem ser dados de exemplo em que não se verifica obstáculo à renovação do pedido. Por exemplo é negada a confirmação porque dos autos resulta que a sentença a rever não transitou em julgado. O requerente poderá voltar a instaurar nova ação e obter a confirmação, alegando e provando os factos que já tinha alegado e ainda alegando e demonstrando que a sentença transitou em julgado.
No acórdão do TRG não se confirmou a decisão por se ter entendido que não ocorreu qualquer contraditório prévio como se impunha, nem sequer se exerceu qualquer contraditório à posteriori, porque a decisão revidenda não foi notificada aos requeridos, pelo que não estava preenchido o requisito a que alude a alínea e) do artº 980º do CPC.

No acórdão do STJ que confirmou o acórdão do TRG, escreveu-se a propósito:

“6. No presente caso, a própria requerente autonomiza, dentro da tramitação processual, a decisão de desconsideração da personalidade colectiva. É desta que pretende a revisão.
O decretamento de tal desconsideração constitui uma decisão de extrema importância, por permitir que o processo executivo atinja os sócios, encerrando uma verdadeira modificação subjectiva da instância.
Face à lei portuguesa nunca poderia ser tomada sem que as partes, mormente o sócio (sublinhado nosso), fosse ouvido. Conforme estatui o artigo 3º do Código de Processo Civil, só em casos excepcionais previstos na lei – e este não se integra em qualquer deles – se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida. Precisa mesmo o nº 3 do artigo que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
(…)
Do mesmo face ao artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, as partes têm direito a um processo equitativo, que se desdobra nos princípios relativos à igualdade de e armas e do contraditório.
Está, por aqui, consignada a valência internacional da ordem pública a que alude a alínea f) do mencionado artº 980º do CPC.
À parte a vertente internacional, o conceito de ordem pública aparece-nos no nº 2 do artº 280º do CC. É definido por Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 504) como o “complexo dos princípios e dos valores que informam a organização política, económica e social da Sociedade e que são, por isso e como tal, tidos como imanentes ao respectivo ordenamento jurídico” E por Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., 558) como “o conjunto de princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas”.
Por isso, a inobservância dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, não só afasta a exigência da alínea e), como conduz ao resultado incompatível previsto na alínea f), ambas do artº 980º do CPC.
7. Conforme se referiu no início do número anterior, a desconsideração da personalidade colectiva é-nos trazida como decisão autónoma, de sorte que a citação dos réus para a ação não cumpre as formalidades específicas desta decisão, que se acabam de referir. Repare-se que a mencionada alínea e) não exige apenas que o réu tenha sido citado para a ação, mas também que “no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes”.
É, pois, de confirmar a decisão da Relação que recusou a revisão”.
Como resulta da decisão que parcialmente se transcreveu, foi recusada a confirmação por se ter entendido que a confirmação da decisão que declarou a desconsideração da personalidade jurídica sem previamente ter ouvido os sócios da executada, conduziria a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português por o direito ao contraditório e o direito de igualdade de armas em que se desdobra o princípio do processo equitativo terem essa valência.
O facto da norma ser dotada de imperatividade na ordem interna não significa que a mesma faça parte do conjunto dos princípios que integram a ordem pública internacional do Estado Português. A ordem pública internacional é restrita aos valores essenciais do Estado Português que constitui um núcleo mais limitado do que aqueles que estão na base da denominada ordem pública de Direito material, referida designadamente nos artigos 271º, nº 1, 280º, nº2 e 281º, todos do Código Civil (a propósito do conceito de ordem pública internacional, ver designadamente, o Ac. do TRL de 14.04.2016, onde são citados diversos autores e as suas interpretações do conceito).
Na ação de revisão e confirmação de sentença estrangeira, o juízo de incompatibilidade com a ordem pública internacional do Estado Português é aferido pelo resultado da aplicação da lei estrangeira ao caso concreto.
Poder-se-à considerar que com a citação posterior à decisão que se pretende rever, se pode considerar ultrapassado o impedimento à revisão?
Desde logo se constata que os requeridos não foram citados expressamente para se oporem ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica, mas sim para, conforme consta da finalidade aposta na carta rogatória “ para os termos da ação proposta, e para que no prazo legal de quinze dias, procedam o pagamento do valor executado 120.654,37 reais (em junho/2015), devidamente actualizado, conforme demonstrativo de cálculo apresentado pela parte exequente, sob pena de aplicação de multa no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor devido caso não efectuado o pagamento no prazo legal e prosseguimento dos atos executivos, a requerimento do credor, nos termos do disposto no artº 475-J, do Código do Processo Civil”, ou seja, foram citados para pagarem, sob pena do montante da condenação ser acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no artº 614º, inciso II, desta Lei, ser expedido mandado de penhora e avaliação.

Por outro, embora os agora requeridos pudessem ter interposto recurso das decisões que os afectavam na sequência da citação que lhes foi feita, não vislumbramos como é com esta citação se possa ultrapassar o que se nos afigura incontornável, a falta de citação em momento anterior à decisão que declarou a desconsideração da personalidade jurídica.

Defende a apelante nas alegações que apresentou à luz do artº 982º do CPC que para o direito brasileiro, o momento processualmente adequado, em matéria de desconsideração da personalidade jurídica, para os requeridos exercerem o direito ao contraditório é posterior ao decretamento por parte do Tribunal da desconsideração da personalidade jurídica, citando a favor da sua tese duas posições doutrinárias. Em sentido contrário, indicaram os requeridos duas decisões jurisprudenciais, onde se defende a audição prévia dos sócios. Da consulta limitada que fizemos da jurisprudência brasileira, afigura-se-nos que não é pacífico qual o momento em que a citação deverá ser efectuada: se antes, se após a declaração de desconsideração.
Mas ainda que se entendesse como mais correcta a interpretação de que a decisão que declara a desconsideração da personalidade, face ao direito brasileiro, pode ser proferida sem audição da parte contrária, tal não obstaria à não confirmação da decisão.
Não está em causa decidir se a ação foi bem tramitada face ao direito brasileiro, papel que não cumpre ao tribunal da revisão. O que interessa é decidir se aquela decisão, nos termos em que foi proferida, respeitou o princípio do contraditório e da igualdade das partes e não contem decisão que conduza a um resultado incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.
A decisão a rever, em princípio, estará de acordo com o direito do estado que a emitiu. Se o direito estrangeiro não exigir a citação, a decisão está conforme ao direito do país de origem, mas, no entanto, não poderá ser confirmada em Portugal.
Pela sua clareza não pode deixar de se transcrever o Ac. do STJ de 19.02.2008, proc. nº 07A4790 que bem esclarece que a decisão de não confirmar uma decisão estrangeira não constitui qualquer juízo de censura da lei estrangeira. Assim escreveu-se no referido acórdão: “Assim, por exemplo, são leis de ordem pública internacional a expropriação sem indemnização (confisco), as leis que proíbem a poligamia e que impedem um segundo casamento sem que o primeiro tenha sido dissolvido (editada por razões morais), e também teria de intervir a reserva de ordem pública internacional se a aplicação do direito estrangeiro atropelasse grosseiramente a concepção de justiça material como o Estado do foro a entende, abalando os próprios fundamentos da ordem jurídica interna, pondo em causa interesses da maior transcendência e dignidade, que choquem a consciência, como seria o caso de lei estrangeira que admitisse a morte civil ou a escravidão, ou a norma estrangeira que estabelecesse como impedimento à celebração do casamento a diversidade de raça ou de religião, ou a aceitação do repúdio por um marido muçulmano de uma esposa portuguesa, sem que esta tenha prestado o seu consentimento.
Mas já não é uma lei de ordem pública internacional, mas de ordem pública interna, a lei que exige a forma escrita para o contrato de arrendamento urbano que, de acordo com o princípio locus regit actum admitido pelo nosso direito, só interessa aos arrendamentos celebrados em Portugal, e cujo fim a que obedeceu a dita norma em nada é comprometido ou atraiçoado pelo facto de em Portugal ser reconhecido como válido um arrendamento urbano celebrado verbalmente.
Estão fora do âmbito da ordem pública internacional as leis políticas, as leis penais, as leis de polícia e de segurança, e todas as leis de direito público, visto que as leis de ordem pública internacional que interessam ao direito internacional privado, não podem deixar de ser o direito privado (civil ou comercial) do país do tribunal onde a questão se coloca, porque o recurso ao conceito de ordem pública internacional significa precisamente que se está em presença de um caso de competência normal da lei estrangeira designada pelo DIP da lex fori.
Resta aditar, ao que vem dito, que são características da ordem pública internacional, para além da feição nacional – as exigências da ordem pública internacional variam de Estado para Estado, segundo os conceitos dominantes em cada um deles – a excepcionalidade, a imprecisão e actualidade. A excepcionalidade e a imprecisão já resultam do que ficou dito; as leis de ordem pública internacional são um limite à aplicação da lei normalmente competente para regular as relações jurídicas, consistindo a sua função em desviar a aplicação dessa lei, substituindo-a pela lex fori, a imprecisão da sua noção é um mal sem remédio, e a sua actualidade ou mobilidade, mostra que as leis de ordem pública internacional têm um cunho nacional, são função das concepções no tempo e no espaço do País onde a questão se põe, hão-de vigorar na ocasião do julgamento, e podem deixar de o ser e vice-versa, visto que podem variar de acordo com a variação das exigências do interesse geral (V. FERRER CORREIA, obra cit., p. 409 e ss.)
Obtido assim um critério de orientação para o juiz, mas não uma definição, repete-se, do que seja a ordem pública internacional, a excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública, implícita em toda a remissão que o DIP opera para os direitos estrangeiros, visa impedir que a aplicação de uma norma estrangeira, pela via indirecta da execução de sentença estrangeira, conduza, no caso concreto, a um resultado intolerável.
O domínio operacional desta excepção ou reserva de ordem pública situa-se ao nível dos casos concretos sub judice e não comporta qualquer juízo de desvalor sobre a própria norma estrangeira cuja aplicação é recusada, nem muito menos, sobre o ordenamento jurídico estrangeiro.
Toda a acção preclusiva da ordem pública internacional incide directa e unicamente sobre os efeitos jurídicos que, para o caso, defluem da lei estrangeira e não sobre a lei em si (V. BAPTISTA MACHADO, opus cit., p. 269).
Não é, portanto, a decisão propriamente que conta, nem os seus fundamentos, mas o resultado a que conduziria o seu reconhecimento (A. MARQUES DOS SANTOS, Aspectos do novo Código de Processo Civil, “Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras”, Lex, Lisboa, 1997, p. 140 e FERRER CORREIA, cit., p. 483).
E o que está aqui em causa são, não apenas os princípios mas os princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa, “que de tão decisivos que são, não podem ceder, nem sequer nas relações jurídico-privadas plurilocalizadas (…).” (MARQUES DOS SANTOS, opus cit., p. 139) “
Acresce que tendo em conta a fundamentação do acórdão proferido pelo STJ, ao considerar não reunidos os requisitos previstos nas alíneas e) e f), afigura-se-nos que a confirmação da sentença que decretou a desconsideração da personalidade jurídica, iria contrariar a autoridade do caso julgado, pois que no acórdão do STJ foi entendido e constituiu pressuposto da decisão que a decisão a rever “face à lei portuguesa nunca poderia ser tomada sem que as partes, mormente o sócio, fosse ouvido”.
Quando a lei consagra no artº 980º alínea e) do CPC que, para que a sentença seja confirmada, o réu teve de ser regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, não significa que a citação possa ser dispensada se a lei do país de origem o dispensar. A citação há-de ser feita segundo a lei do país de origem, mas é necessário que haja citação.
E não se diga que a entender-se assim nunca uma decisão proferida por um tribunal brasileiro sobre o pedido de desconsideração da personalidade jurídica poderá ser confirmada, quando tenha sido entendido por esse tribunal não ser necessária a audição prévia dos visados pela desconsideração. Em primeiro lugar, tal não é argumento para se prescindir da exigência constante da alínea e) e f), havendo sentenças que nunca poderão ser confirmadas, por outro, porque a parte que pretende vir a obter a confirmação, deverá provocar a citação anteriormente à decisão, para que possa vir a ter sucesso no pedido de confirmação. A requerente já sabia que os sócios da Y Indústria de Esquadrias, Ltda. eram portugueses e que para os executar em Portugal necessitaria de obter a confirmação da sentença. É certo que os autos demonstram que a requerente tentou obter a sua citação, mas requereu a sua citação por carta rogatória posteriormente à decisão, tendo a sua pretensão sido indeferida. Sabe-se que recorreu da decisão e que o recurso não foi conhecido, mas desconhece-se a razão, pois que a decisão não se mostra junta aos autos.
Alberto dos Reis, a propósito da exigência de citação do réu, escreveu a propósito (Processos especiais, volume II reimpressão, Coimbra editora, 1982, p. 172, : “objecta-se que não pode saber-se previamente onde vai executar-se a sentença e que não é lícito impor a um país formas de processo que a sua lei desconhece.
Não se trata de impor a um país formas de processo diversas das suas; trata-se de exigir uma garantia que nenhuma legislação pode razoavelmente negar. É claro que a citação há-de ser feita segundo a lei do país em que se efectua; mas é necessário que haja citação e que esta seja pessoal no caso da revelia”.

Assim, a sentença que desconsiderou a personalidade jurídica não pode ser confirmada, porque conduziria a um resultado manifestamente incompatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado Português.

Da litigância da má fé da requerente

De acordo com o n.º 2 do artº 542º do CPC, na parte que aqui pode interessar, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar”.
Diversamente do que se verificava anteriormente à reforma processual civil introduzida pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, passou a ser sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, como dela se diz quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro (11).
Na apreciação da conduta da parte deverá atender-se ao princípio da cooperação consagrado no art.º 7º, nº 1 do CPC que recai sobre as partes com vista à descoberta da verdade (nº 1 do art.º. 417º do CPC).
Conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, a conclusão no sentido da litigância de má fé não pode ser extraída automaticamente da verificação de comportamento processual subsumível à tipicidade das várias alíneas do n.º 2 do art.º 542º do Cód. Proc. Civil. A condenação nesse sentido exige uma apreciação casuística, (12).

Entendem os requeridos que a apelante ao insistir na confirmação da sentença deduz, dolosamente, pretensão cuja falta de fundamento não desconhece, pelo que litiga com má fé, devendo ser condenada em multa e indemnização nunca inferior a 5.000,00, nos termos dos artigos 456º e 457º do CPC.
Ora, a dedução de nova ação de revisão julgada improcedente com base em falta de citação dos requeridos, postergando o princípio do contraditório e cujo reconhecimento por essa razão conduziria a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português, por a parte ter entendido que já estariam reunidos os pressupostos necessários à confirmação, por entretanto, após a prolação da decisão que negou a confirmação, ter obtido a sua citação, não configura a dedução de uma pretensão cuja falta de fundamento se não desconhece, ainda que, de novo, a confirmação venha a ser recusada.
A mera sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correcta interpretação da lei não implica, em regra, por si só, a litigância de má fé por quem as sustenta (13).
Os factos não permitem concluir no sentido da intencionalidade (ou inconsciência grosseira) da ilegitimidade da respectiva pretensão, tendo presente que os contornos desta acção divergem da anterior, no que diz respeito à citação dos requeridos. Neste sentido, igualmente se defendeu no Ac. do TRL de 09.12.2015, proc.nº 347/15, onde se colocou a questão de litigância de má fé, num processo de revisão de sentença estrangeira, cuja confirmação foi recusada pela 2ª vez, com o fundamento de que a sentença a rever não tinha transitado em julgado e onde se escreveu: “Com efeito, a circunstância de terem instaurado a presente acção de revisão estrangeira (e bem assim toda a intervenção processual desenvolvida nos autos, nomeadamente a junção intempestiva de documentos tendentes a justificar o respectivo entendimento acerca da eficácia executiva da sentença a rever), não obstante a decisão que já havia sido proferida no âmbito do processo n.º , não permite concluir no sentido da intencionalidade (ou inconsciência grosseira) da ilegitimidade da respectiva pretensão, tendo presente que os contornos desta acção divergem da anterior quer no que toca à identidade das partes, quer no que se refere ao entendimento respeitante à eficácia da sentença objecto de revisão tendo em linha de conta o desenvolvimento posterior dos processos pendentes nos tribunais de S. Tomé e Príncipe que opõem as partes aqui em questão (evidenciado nos elementos fácticos consignados sob os n.ºs 12, 13 e 14 da presente decisão)”.
Não se verifica assim litigância de má fé.

Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em negar a confirmação da sentença que declarou a desconsideração da personalidade jurídica.
Não há indícios de má fé.
Custas pela requerente.
Registe e notifique.

Guimarães, 18 de Dezembro de 2017


1. Até à Reforma de 1995/1996 o caso julgado integrava o elenco das excepções peremptórias e constava da al. a) do art. 496º do CPC.
2. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 1985, p. 101-103 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, 1981, p. 199-201].
3. Sobre a diferença entre uma e outra, Anselmo de Castro, obra e vol. cit., p. 204-211.
4. Conforme se defende no Ac. do TRP de 14.01.2010, proferido no proc. nº 195/08, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados.
5. Conforme se defende no Ac. do STJ de 06.03.2008, proferido no proc. nº 08B402 e no Ac. do TRG de 15.03.2011, proferido no proc. 1292/10.
6. Conforme se defende nos arestos referidos na nota de rodapé antecedente e Ac. do TRG de 26.05.2011, proferido no proc. nº 236/11.
7. Conforme se defende nos Ac. do TRP de 13.01.2011, proferido no proc. 2171/09 e Ac. do TRG de 29.03.2011, proferido no proc. nº 994/03, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
8. Ac. do TRG de 29.03.2011, citado na nota de rodapé antecedente.
9. Em anotação ao artº 96º do CPC, José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil anotado, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, vol. 1º, p. 171 e 172, parecem defender uma posição diferente, embora se aproxime, em determinadas situações.
10. Ac. do TRG de 26.05.2011, proferido no proc. nº 236/11, disponível em www.dgsi.pt. Igualmente no sentido de que a força e a autoridade do caso julgado se impõe quer a decisão tenha recaído sobre questão suscitada a título principal, quer a título prejudicial e independentemente de aproveitar ao autor ou ao réu, Ac. do TRG de 17.09.2009, proferido no proc. 434/07.
11. Neste sentido, José Lebre de Freitas. A. Montalvão Machado. Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 194.
12. Conforme se defende no Acórdão do STJ de 18.12.97, proferido no processo 98A819.
13. Cfr. ac. S.T.J. de 21/09/2006.