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MANDADO DE BUSCA
PRAZO DE VALIDADE
Sumário
I - O prazo de 30 dias previsto no art.º 174.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, visa, pois, conservar na esfera judicial o controlo da decisão proferida, maxime, garantindo a proporcionalidade e a atualidade do meio de obtenção de prova autorizado ou da medida imposta. II - É a ratio da norma que não pode resultar frustrada e que será determinante na interpretação da dimensão de proteção do n.º 4 do art.º 174.º do Código de Processo Penal. III - Independentemente do prazo que o Juiz de instrução fez constar no seu despacho e que veio a constar do mandado de busca, tendo sido, no presente caso, os mandados de busca emitidos e assinados pelo juiz de instrução criminal no dia 04 de dezembro de 2024, na sequência de despacho judicial proferido 02.12.2024, e a busca concretizada no dia 11 de dezembro de 2024, foi a mesma realizada dentro do prazo de 30 dias, ou seja, dentro do prazo de validade a que alude o art.º 174.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, razão bastante para não se verificar a apontada nulidade por violação do mencionado preceito legal.
(Sumário da inteira responsabilidade da relatora)
Texto Integral
Proc. n.º 23/22.9PEAVR-B.P1
Tribunal de origem: Juízo de Instrução Criminal de ... – J1 – Tribunal Judicial da Comarca de ...
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
No âmbito do Processo de Instrução n.º 23/22.9PEAVR a correr termos no Juízo de Instrução Criminal de ... (J1), por despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal foi indeferida a arguida nulidade do despacho que ordenou a busca e apreensão, do mandado de busca e apreensão e, consequentemente, da busca domiciliária realizada à residência do arguido e da prova recolhida através da referida diligência, por não se verificar a apontada violação do disposto no art.º 174.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
Desta decisão veio o arguido AA interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que agora aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
1 – De acordo com o disposto no art.º 174.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, o despacho proferido nos presentes autos que determinou a realização de buscas referentes ao arguido aqui recorrente é, ao prever para o seu cumprimento prazo superior a trinta dias, nulo.
2- O prazo de trinta dias referido no supracitado normativo legal não é prazo supletivo na falta de indicação no despacho de prazo para a realização das buscas e o facto de estas últimas terem sido efetuadas em prazo inferior a trinta dias não anula ou contende com a invalidade do despacho antecedente que as ordenou.
3 – Arguida pelo recorrente em sede de primeiro interrogatório judicial a nulidade do despacho que ordenou a realização de buscas a si referentes, ao não declarar a verificação da invocada nulidade violou o douto despacho recorrido o disposto nos arts.º 174.º, n,º 4, 118.º, n.º 1 e 120.º, n.º 1, 2 e 3 CPP.
4 – Termos em que, de acordo com os suprarreferidos dispositivos legais, deverá o despacho recorrido ser dado sem efeito e substituído por outro declarando, com as legais consequências, a nulidade do despacho proferido nos presentes autos que ordenou a realização de buscas no domicílio e locais utilizados pelo ora recorrente.
Termina pedindo seja dado provimento ao recurso e, em consequência seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine a nulidade do despacho que ordenou a realização de buscas no domicílio e locais utilizados pelo recorrente.
O Ministério Público veio apresentar a resposta ao recurso, com os fundamentos contantes dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, nos termos que sinteticamente aqui se expõem:
- O artigo 177.º, do Código de Processo Penal, não estipula prazo de validade para as buscas domiciliárias, sendo, por isso, de aplicar a norma geral prevista no artigo 174.º, n.º 4, do citado diploma legal, que define os pressupostos da busca.
- Tem, contudo, entendido a Jurisprudência que tal preceito legal – art.º 174.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, deverá ser interpretado no sentido de a diligência dever ser efetuada no prazo de 30 dias, prazo esse que deverá ser contado da emissão do mandado de busca e não do despacho que ordena ou autoriza a referida diligência de prova.
- É certo que no despacho que autorizou a referida busca domiciliária se fez constar o prazo de 45 dias para a sua efetivação, prazo esse que também constava do mandado de busca e apreensão emitido e assinado pela Mmª Juiz de Instrução Criminal no dia 04 de dezembro de 2024 – cf. fls.790 a 792-, sucede, porém, que a busca domiciliária se concretizou nos sete dias subsequentes à emissão e assinatura do referido mandado, portanto, dentro do prazo de 30 dias de validade, a que alude o artigo 174.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
- Assim, pese embora constasse do mandado de busca domiciliária prazo superior ao legalmente permitido, foi a diligência de busca executada dentro do prazo de 30 dias de validade, em conformidade com o preceituado no artigo 174.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, não estando, por isso, ferida de nulidade tal diligência de prova, nem as apreensões que através da mesma foram efetuadas.
- Ainda que assim não fosse, sempre se dirá, tal como decorre dos Autos de Buscas e Apreensão realizados no dia 11.12.2024, que o recorrente esteve presente e acompanhou as buscas domiciliárias – 897 a 899, 918 a 921-, tendo na altura, aquando da sua constituição como arguido (ocorrida em momento anterior à realização das buscas domiciliárias), assinado o Auto de Constituição de Arguido - onde se refere que tem o arguido o direito de ser assistido por defensor em todos os atos processuais em que participar – cf. fls.870 – sendo que aquele, no decurso da diligência, nada requereu nem manifestou intenção de arguir quaisquer nulidades.
- Assim, a considerar-se que padecia o mandado de busca domiciliária de nulidade, deveria a mesma ter sido arguida antes que o ato estivesse terminado, tratando-se de nulidade de ato a que o interessado tenha assistido –cf. artigo 120.º, n.º 3, do Código de Processo Penal-, o que não sucedeu, pelo que não tendo o recorrente, no decurso das diligências de busca realizadas à sua residência, invocado qualquer nulidade, não podia tê-lo feito em sede de 1.º Interrogatório Judicial, por ser intempestiva a arguição de tal nulidade.
Termina pedindo seja negado provimento ao recurso, mantendo-se, nos seus precisos termos, a decisão recorrida.
Neste Tribunal de recurso a Digna Procuradora-Geral Adjunta no parecer que emitiu e que se encontra nos autos, pugna pela improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no art.º 417.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, nada mais de relevante veio a ser acrescentado.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
II- Fundamentação:
Com interesse para a apreciação da questão enunciada importa ter presente os seguintes elementos factuais e ocorrências processuais que constam dos autos: 1) No âmbito dos presentes autos de inquérito, o arguido AA está fortemente indiciado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-B anexa ao citado diploma legal. 2) Por despacho datado de 02.12.2024, decidiu, para além do mais, a Mmª Juiz a quo: “autorizar a realização de buscas domiciliárias às residências e respetivos anexos, arrecadações e garagens, ou outras dependências, caso os haja, e com recurso a arrombamento, se necessário, de: - AA, sita na Rua ..., ... – ...; sita na Avenida ..., ..., ..., ... - ... – ...; e sita na Rotunda ..., ..., ... – ...; (…) ii. a efetuar no prazo de 45 dias, entre as 7h00m e as 21h00m, iii. e autorizo a apreensão dos objetos aí existentes que tenham servido ou estivessem destinados à prática do crime sob investigação. Passe e entregue os competentes mandados a cumprir pelo OPC competente. Após, devolva os autos ao Ministério Público.” – cf. fls.785 a 789. 3) Em 04.12.2014, os mandados de busca e apreensão foram emitidos de acordo com o determinado pelo despacho acima referido, constando do mesmo a referência ao prazo de 45 dias– cfr. 785 a 792, 897 a 899, 918 a 921, 964 e 965 dos autos. 4) Os mandados de busca e apreensão foram executado no dia 11.12.2024 – cf. fls. 785 a 792, 897 a 899, 918 a 921, 964 e 965. 5) Dos Autos de Buscas e Apreensão realizados no dia 11.12.2024, consta que o recorrente esteve presente e acompanhou as buscas domiciliárias – cf. fls. 897 a 899, 918 a 921 dos autos. 6) Do Auto de Constituição de Arguido, assinado pelo arguido em momento anterior à realização das buscas domiciliárias, consta expressamente que tem o arguido o direito de ser assistido por defensor em todos os atos processuais em que participar – cf. fls.870 dos autos. 7) No âmbito do 1.º interrogatório de arguido, ocorrido em 13.12.2024, foi proferido pela Juiz de instrução criminal o seguinte despacho, ora em recurso: “Dispõe o artigo n.º 174.º, 4, do Código de Processo Penal que, além do mais, as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho da Autoridade judiciária competente que tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade. Salvo o devido respeito, considero que a “ratio legis” da norma enunciada tem como objetivo não fazer perdurar a validade de um mandado para além de um tempo razoável para a sua execução quando dele não conste o seu prazo de validade ficcionando, pois, o Legislador 30 dias para a razoabilidade da sua execução. Neste seguimento, tendo o Juiz de Instrução fixado no Despacho de fls. 787 a 789 a validade de execução de um mandado de buscas domiciliárias, enunciando-o, entendo que não se mostra beliscada a sua validade, razão pela qual não se encontra verificada a nulidade apontada. Mesmo que assim se não considerasse, os mandados de busca e apreensão aqui em discussão foram cumpridos em menos de 10 dias da sua emissão razão pela qual nunca se mostraria em concreto a apontada nulidade o que decido indeferindo a pretensão dos arguidos. (…)”. 8) Ainda no âmbito do 1.º interrogatório de arguido, ocorrido em 13.12.2024, foi proferido pela Sr.ª Juiz de instrução criminal o seguinte despacho:
“(…).2.3. Qualificação jurídica dos factos: Os factos supra descritos consubstanciam a prática: - pelos arguidos AA. BB E CC, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-B, anexa a este Diploma. No que concerne à qualificação jurídica dos factos ora aventada, não se poderá olvidar que, neste momento, nos encontramos numa fase embrionária da investigação dos factos acima descritos, sendo que aquela terá que tomar tal circunstância em consideração. 2.4. Das medidas de coação As medidas de coação são formas processuais de garantir a eficácia do processo penal enquanto meios cautelares de preservação da finalidade do processo. A sua aplicação obedece aos princípios da legalidade (artigo 191.º do CPP), da adequação e proporcionalidade (artigo 193.º do CPP), e representa um equacionar do equilíbrio entre a presunção constitucional de inocência e os direitos, liberdades e garantias do cidadão em relação ao qual o cometimento de condutas se não encontra ainda provado por intermédio de julgamento, por um lado, e, por outro lado, o próprio fim para o qual as próprias medidas se encontram previstas que é a salvaguarda do efeito útil do processo. Nenhuma medida de coação, à exceção do termo de identidade e residência – estabelece o artigo 204.º do CPP – pode ser aplicada se em concreto se não verificar: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas”. Vejamos. In casu, atenta a prova já coligida em sede de inquérito e acima enunciada estamos em crer que existem fortes indícios de que os arguidos tenham, de forma concertada e organizada, praticado os factos que acima se descreveram, na estrita medida da concreta intervenção de cada um, ainda que com dependência e autonomia sobre a sua concreta atuação. Ademais, a qualidade, a quantidade e o lapso temporal em que vêm prosseguindo a atividade de venda de produto de estupefaciente – o arguido AA, desde junho de 2022; o arguido BB desde agosto de 2024; e o arguido CC desde agosto de 2024 –, o número de consumidores com quem, cada um deles, de forma autónoma, transacionavam (aliás, vivificado no teor dos depoimentos de alguns deles, que já se mostram firmados no processo), permitem indiciar a prática pelos arguidos do crime acima enunciado, em autoria material e na sua conformação matricial. Da análise dos factos acima indiciados há uma atuação autónoma entre cada um dos arguidos, ainda que se verifique uma relação de ascendência do arguido AA relativamente aos demais arguidos, a quem vende produtos estupefacientes (por si previamente adquiridos e transformados), com o fito de estes, por si mesmos, procederem à sua revenda aos consumidores finais, sendo o arguido BB com maior incidência na cidade de ..., e o arguido CC nas zonas de diversão noturna de .... Posto isto, havemos de concluir que dos autos resultam fortes indícios da prática pelos arguidos, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. Vejamos, então, se neste momento, existem prementes necessidades cautelares passíveis de aplicar aos arguidos, para além do TIR, outa medida de coação mais gravosa. In casu, afigura-se-nos evidente a verificação do perigo de perturbação do decurso de inquérito, por cada um dos arguidos, não só pela estrutura organizada que vivificam ter e já estabelecida nas suas concretas áreas de atuação, mas pela panóplia de contactos que, cada um deles e por si, vêm firmando, ao longo do tempo, no prosseguimento desta atividade. Na verdade e nesta fase embrionária, existem algumas diligências investigatórias que se imporão levar a cabo, havendo necessidade, ao que cremos, de proceder à inquirição de testemunhas, nomeadamente, consumidores, que com os arguidos tenham transacionado produtos estupefaciente, com o fito perceber a concreta dimensão e extensão da atuação de cada um dos arguidos. Neste passo, atenta a rede de contactos que os arguidos detêm – e, se apelarmos às mais elementares regras da experiência, à ascendência que, nos corredores da droga, o vendedor detém sobre o consumidor e, bem assim, o conhecida falta de vontade que manifestam em colaborar com o desenvolvimento da investigação, é razoável presumir existir perigo para a perturbação e veracidade da prova, podendo os arguidos vir a tentar influenciar tais consumidores, incitando-os a que, por exemplo, não prestem depoimento ou que o deturpem. No mais, é evidente o perigo de continuação da atividade criminosa quer pela natureza do crime de tráfico de estupefacientes quer pela forma como os arguidos desenvolveram essa atividade delituosa e que acima já descrevemos. Analisemos cada um deles: O arguido AA tem uma estrutura no desenvolvimento da sua atividade de tráfico de estupefacientes mais organizada e meticulosamente delimitada, permitindo uma maior extensão do seu desenvolvimento, repercutindo-se, como é por demais evidente, no incremento dos seus proventos. Com efeito, desenvolve a sua atividade de venda de produtos estupefacientes –especificamente, cocaína – desde junho de 2022; encontrando-se cristalizado, nesse mercado, não só procedendo à sua venda a consumidores finais – onde só dos factos acima descritos, se vislumbram mais de vinte –, como a revendedores, onde se incluem os arguidos BB e CC; procedia ao seu aprovisionamento nas cidades do Porto e de Lisboa, onde adquiria, essencialmente, cocaína, em elevado grau de pureza (sendo que é apreensível pela petrificação da cocaína apreendida, antes de ser adulterada), com o fito de posteriormente proceder à sua transformação, adicionando-lhe componentes, naturalmente para aumentar a sua rentabilidade; desde junho de 2024 que passou a fazer uso de uma garagem, onde passou a desenvolver a sua atividade, ali guardando, transformando e dividindo em doses individuais, para ulterior venda; tal garagem era afastada da sua residência, denotando um cuidado acrescido para se encontrar afastado dos olhares da polícia – e não para proteger a sua família, como fez crer a defesa –, tornando, pois, a sua atuação mais cuidadosa e insidiosa, prolongando-a, por isso, no tempo. Com vista a perspetivar a dimensão da atividade do arguido AA, não podermos olvidar que é arguido que abastece os arguidos BB e CC, que, posteriormente, por sua conta e risco, vendem aos consumidores finais que com ele contactam. É evidente – ainda que tendo sempre como pano de fundo a autonomia descrita –, verificamos um estreitamento do relacionamento entre cada um dos arguidos, obviamente, por aquilo que acreditamos ser o fornecimento/ abastecimento exclusivo que o arguido AA presta aos demais arguidos. Por último, a impressividade da natureza das detenções efetuadas ao arguido, sendo cerca de 400gr de cocaína – que segundo o seu estado de pureza serviriam para 2130 doses individuais, mas que tendo por referência a atuação do arguido que se prendia com a transformação e adulteração desse produto, permitiram, pois, para mais do dobro de doses –; o material de corte/ ou adulteração do produto estupefaciente, concretamente: drageias de cafeína; paracetamol; taurim; criatina; micronised; as prensas; as balanças de precisão; o liquidificador; o desumidificador; permite sem qualquer margem para dúvida concluir que o arguida tinha em pleno desenvolvimento uma já instalada atividade de tráfico de droga nesta cidade ..., com ramificações sedimentadas, sendo, por demais, evidente a verificação do perigo desta atividade criminosa. No que concerne ao arguido BB parece-nos também evidente a verificação deste perigo de continuação da atividade criminosa. É certo que em menor dimensão do que o arguido AA, a verdade é que o arguido BB vem exercendo esta atividade com plena ascendência e com crescente organização, sendo que desde agosto de 2024, vem procedendo à venda regular – senão diária, descredibilizando, pois, a sua apregoada inserção familiar – deste produto estupefaciente à generalidade das pessoas que o procuram, essencialmente, em .... É pois já evidente a sua carteira de clientes, que o contactam com regularidade, denotando fidelidade e confiança, sendo que, nesta particular, não poderemos esquecer que BB entre setembro e dezembro de 2024 vendeu a DD cerca de 180gr de cocaína, num valor proximidade de 10.800,00€, exacerbando a extensão da atividade por si já desenvolvida; acrescentando à circunstância de serem já conhecidos cerca de sete consumidores, mas que a ele recorrem para abastecimento regulares e em elevada escala… relembre, de cocaína. Acrescente-se que este arguido vinha desenvolvendo essa sua atividade com a colaboração da arguida EE, quem angariava os seus clientes e por eles distribuía o produto estupefaciente, sob a sua orientação. O que lhe confere, naturalmente, uma posição negocial e de domínio. Quanto ao arguido CC é também evidente o perigo de continuação da sua atividade criminosa, já que a desenvolvia nos locais de diversão noturna de ..., aproveitando a sua rede de contactos que foi firmando por ser porteiro e segurança de diversos espaços noturnos conhecidos, como o A... e o B..., vendendo a quem quer fosse e o procurasse para o efeito, em plena rua, a jovens adolescentes, jovens adultos e adultos; sendo que, nestas circunstâncias, foram já apurados cerca de dezoito consumidores, equacionando-se, pelos contornos descritos, muitos mais. Prosseguindo. Com efeito, estamos perante um crime, cuja realização se prolonga no tempo e é desenvolvida através de uma série de contactos pessoais que os arguidos já sedimentaram, com evidentes ramificações, vivificadas no destemido comportamento que a confiança e a fidelidade das transações encerram, permitindo-lhes um permanente contacto com o meio envolvente dos corredores da droga, o que o estimulará a prosseguir tal atividade. Acrescente-se também que a proximidade relacional entre os arguidos, a falta de desenvolvimento de uma atividade laboral regular e a detenção de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza relativamente ao arguido AA, potencia sobremaneira o prosseguimento desta atividade criminosa. Neste particular, cremos que a própria atuação de cada um dos arguidos encerra uma clara perturbação da tranquilidades públicas, concretamente: o arguido AA pela dimensão da sua atividade; a transformação e adulteração do produto estupefaciente vendido, alheio ao conhecido caráter nefasto e imprevisível da sua reação no corpo humano dos seus consumidores; o arguido BB conhecimento desta transformação e implementação num meio pequeno como ..., em elevadas quantidades, pretendendo a sua atuação monopolizada, até pela intervenção na sua atuação da arguida EE; e o CC pela desfaçatez em proceder à venda nas ruas da noite de ..., às portas de estabelecimentos comerciais, a quem quer fosse, independente da sua faixa etária, quer fossem adolescentes quer fossem adultos. Atuações que criam evidente repulsa na comunidade onde nos encontramos inseridos. Quanto às concretas medidas de coação a aplicar, diremos que, considerando tudo o que acima dissemos, a natureza e extensão da imputação criminal descrita – a circunstância do arguido AA ser detentor de antecedentes criminais –, as exigências cautelares só se mostrarão acauteladas se os mesmos, para além do TIR e fiquem proibidos de contactar entre si e sujeitos a medida de coação de natureza detentiva. Neste passo e esbarrando frontalmente com o entendimento da defesa, cremos que a medida de coação de permanência em habitação, neste concreto momento, deverá ser afastada, pelas seguintes ordens de razão: - por decorrer dos atos de investigação que o arguido AA e BB desenvolviam a sua atividade a partir da sua residência, ou ali combinando encontros para entregas ou aí guardando produto estupefaciente; - pela evidência – ao contrário do que quis fazer crer no seu interrogatório – de o arguido CC não deter a apregoada qualquer inserção familiar. - pela circunstância de, mesmo com controlo de vigilância eletrónica, a permanência em habitação não permitir garantir que os arguidos, não promovam todas as diligências – p. ex. por via telefónica ou por internet – com vista a impedir a aquisição de prova de inquérito ou mesmo que não prossigam a atividade criminosa, continuando a vender produtos estupefacientes na sua residência, tornando-o um modo habitual de atuação; - a dissimulação e o núcleo de contactos que os arguidos já têm no seio deste mundo do tráfico de estupefacientes afasta a possibilidade de esta ser sujeito à medida de coação de permanência em habitação; - o apontado perigo de perturbação da tranquilidade pública também a afastará. Deverão, então, os arguidos AA, BB e CC aguardar os ulteriores termos do processo, para além do TIR, sujeitos à medida de coação de prisão preventiva e de proibição de contactar entre si – cfr.: artigos 191.º a 193.º, 196.º, 198.º, 204.º, 200.º, n.º 1, al. d) e 202.º do CPP. O que se decidirá. 3. Pelo exposto, decido determinar que: - o arguido AA aguarde os ulteriores termos do processo, para além da prestação de TIR, sujeito à medida de coação de prisão preventiva e de proibição de contactar com os demais arguidos do processo. - o arguido BB aguarde os ulteriores termos do processo, para além da prestação de TIR, sujeito à medida de coação de prisão preventiva e de proibição de contactar com os demais arguidos do processo. - o arguido CC aguarde os ulteriores termos do processo, para além da prestação de TIR, sujeito à medida de coação de prisão preventiva e de proibição de contactar com os demais arguidos do processo. (…)”.
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Fundamentos do recurso: Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).
A questão que cumpre apreciar é a de saber se padece de nulidade, por violação do disposto no art.º 174.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, o despacho que ordenou a realização da busca e apreensão nos presentes autos e, por consequência, os respetivos mandados.
Vejamos.
Para fundamentar o seu recurso o arguido recorrente alega que, por constar do mandado de busca e apreensão emitido nos autos pela Mm.ª Juiz a quo – bem como do despacho que ordenou a realização das buscas domiciliárias - um prazo superior ao legalmente
permitido, se verifica a sua nulidade e, consequentemente, a nulidade da busca domiciliária realizada à sua residência e a nulidade da prova recolhida através da referida diligência.
O regime de obtenção de prova por meio de buscas e revistas encontra-se previsto no art.º 174.º e segs. do Código de Processo Penal. “A busca é um meio de obtenção de prova tipificado no Código de Processo Penal, que tem lugar quando existam indícios de que quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público (art.º 174.º, n.º 2 do referido código). A busca visa, portanto, a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova no processo.” - cf. Ac. da RC de 8/02/2017, relator, Juiz Desembargador Vasques Osório, processo 360/16.1GASEI-A.C1, in www.dgsi.pt.
Tal como decorre do disposto no n.º 2 do art.º 174.º do Código de Processo Penal, é requisito do ordenamento ou da autorização da busca que existam indícios de que o arguido, outra pessoa que deva ser detida ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, se encontram em lugar reservado.
No âmbito dos presentes autos de inquérito, o arguido recorrente AA está fortemente indiciado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-B anexa ao citado diploma legal.
À semelhança do que sucede com qualquer diligência de prova que colida com direitos fundamentais, “a realização de busca domiciliária deve obedecer a um juízo de proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) e respeitar o regime de controlo previsto no art. 177° do CPP” (Ana Rita Fidalgo, Autorização Judicial e Legalidade nas Buscas Domiciliárias, Prova Criminal e Direito de Defesa, Org. Teresa Pizarro Beleza e Frederico Costa Pinto, 2011, p. 166).
Considerando o regime legal, deve recorrer-se a busca quando se verificam indícios com alguma consistência (mas que a lei não exige que sejam fortes) de que no local buscado se encontram objetos que interessam à prova, objetos que dificilmente se conseguiriam obter sem a busca, e a busca domiciliária só pode ser ordenada ou autorizada por um juiz (art.º 177.º do CPP). É ao juiz que compete proceder a essa avaliação, compatibilizando os interesses e as necessidades da investigação criminal com a proteção da inviolabilidade do domicílio dos cidadãos.
É certo que o art.º 177.º do Código de Processo Penal, que trata da busca domiciliária, nada determina quanto a prazos de validade, mas é incontroverso que o n.º 4 do art.º 174.º se lhe aplica. Para além de se tratar de uma norma (geral) que trata dos pressupostos da busca, seria um contrassenso considerar que esse prazo não se aplicaria no caso da busca domiciliária, precisamente quando o controlo judicial (ex ante e ex post) é (e deve ser) mais apertado.
Determina então o art.º 174.º, n.º 4, que o despacho que ordena ou autoriza a busca “tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade”.
Como nos recorda o acórdão do TRE de 11.09.2018, relatado pela Juiz Desembargadora Ana Barata Brito, consultável in www.dgsi.pt., Trata-se de um aditamento (ao art. 174º) introduzido pela reforma de 2007 ao CPP (lei nº 48/2007), inexistindo anteriormente qualquer regra sobre prazos. As Atas da Unidade de Missão e a Exposição de Motivos (Proposta de Lei nº 109/X) não fazem referência ao novo aditamento, mas resulta evidente que o legislador quis contrariar práticas anteriores de morosidade na execução dos mandados de busca. (…). A então inexistência de prazo legal para cumprimento dos mandados frustrava, na prática, o controlo judicial, sendo certo que o controlo judicial de medidas restritivas de direitos fundamentais nunca se esgota na decisão proferida ex ante. Exige, sim, um acompanhamento próximo, pelo juiz que autoriza ou ordena a medida, até esgotamento dos efeitos da decisão, já que estão sempre em causa compressões a direitos fundamentais, de tutela constitucional. Assim sucede, por exemplo, no tratamento legal das escutas telefónicas, com um apertado controlo ex ante e ex post. (v. arts. 187º e 188º do CPP). Foi na coerência deste regime de acompanhamento, e face aos problemas de constitucionalidade que já então suscitava a ausência de controlo legal ex post, que o legislador de 2007 se sentiu na necessidade de estabelecer um prazo para efetivação da busca ordenada ou autorizada pela autoridade judiciária competente (o juiz, no caso da busca domiciliária). O prazo visa, pois, conservar na esfera judicial o controlo da decisão proferida, máxime, garantindo a proporcionalidade e a atualidade do meio de obtenção de prova autorizado ou da medida imposta. É a ratio da norma que não pode resultar frustrada e que será determinante na interpretação da dimensão de proteção do nº. 4 do art.º 174.º do CPP. Na verdade, não só a letra da lei não é absolutamente clara - Maia Gonçalves chama precisamente a atenção para que “o texto deste n.º 4 não parece estruturado dentro das boas regras gramaticais e da semântica” (pois não é o despacho que perde validade, mas a busca efetuada para além dos 30 dias - v. CPP anotado, 17.ª ed., p. 435) – como não obsta à interpretação de que o prazo de 30 dias (do n.º 4 do art.º 174.º do CPP) se deve contar da emissão do mandado de busca e, não, do despacho que ordena ou autoriza a busca. Pois se o mandado representa, nos termos do art.º 11.º, n.º 3, al. a), do CPP, o modo de comunicação de uma ordem e decisão judicial ao órgão de polícia criminal que a vai executar e cumprir, se o mandado é emitido na sequência do despacho judicial e é também obrigatoriamente assinado pelo juiz subscritor desse despacho, o mandado de busca consubstancia um prolongamento da própria decisão e é condição do seu cumprimento. Assim, até à emissão e assinatura do mandado de busca (no tribunal, pelo juiz, repete-se) não faz sentido falar no início de um prazo (de 30 dias) que existe precisamente para garantir a relação de proximidade e de controlo pelo juiz numa altura em que essa proximidade “física” já não existe. Deve, pois, considerar-se que o prazo de 30 dias de validade (das buscas efetuadas e não do despacho – v. Maia Gonçalves, loc. cit) se conta a partir da emissão e entrega dos mandados de busca. Pois só a partir desse momento o juiz abre mão da sua decisão, para cumprimento por órgão de polícia criminal, e a execução da busca tem então de processar-se em 30 dias, sob pena de perda de validade da(s) diligência(s) efetuada(s). (…)”.
Independentemente do prazo que o Juiz de instrução fez constar no seu despacho e que veio a constar do mandado de busca, tendo sido, no presente caso, os mandados de busca emitidos e assinados pelo juiz de instrução criminal no dia 04 de dezembro de 2024, na sequência de despacho judicial proferido 02.12.2024, e a busca concretizada no dia 11 de dezembro de 2024, foi a mesma realizada dentro do prazo de 30 dias, ou seja, dentro do prazo de validade a que alude o art.º 174.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, razão bastante para não se verificara apontada nulidade por violação do mencionado preceito legal.
No presente caso está, assim, assegurado o cumprimento da ratio da norma, pois tendo a diligência sido realizada dentro do prazo de 30 dias a que alude o art.º 174.º, n.º 4, do Código Processo Penal, ficou conservado na esfera judicial o controlo da decisão proferida maxime, garantindo[-se] a proporcionalidade e a atualidade do meio de obtenção de prova autorizado ou da medida imposta.
Pelo exposto, é manifesto que não está ferida de nulidade tal diligência de prova, nem as apreensões que através da mesma foram efetuadas.
Mas, mesmo que assim não entendessemos, não poderemos deixar de concordar com o Ministério Público quando recorda que, tal como decorre dos Autos de Buscas e Apreensão realizados no dia 11.12.2024, o recorrente esteve presente e acompanhou as buscas domiciliárias, tendo na altura, aquando da sua constituição como arguido (ocorrida em momento anterior à realização das buscas domiciliárias), assinado o Auto de Constituição de Arguido - onde se refere que tem o arguido o direito de ser assistido por defensor em todos os atos processuais em que participar, sendo que aquele, no decurso da diligência, nada requereu nem manifestou intenção de arguir quaisquer nulidades.
Assim, a considerar-se que padecia o mandado de busca domiciliária de nulidade, deveria a mesma ter sido arguida antes que o ato estivesse terminado, tratando-se de nulidade de ato a que o interessado tenha assistido – cf. artigo 120.º, n.º 3, do Código de Processo Penal-, o que não sucedeu, pelo que não tendo o recorrente, no decurso das diligências de busca realizadas à sua residência, invocado qualquer nulidade, não podia tê-lo feito em sede de 1.º interrogatório judicial, por ser intempestiva a arguição de tal nulidade.
Nestes termos, entendemos que o recurso não merece provimento, devendo a decisão recorrida manter-se na sua integralidade.
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, manter a decisão recorrida na sua integralidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 (três) Ucs a taxa de Justiça.
Porto, 09 de abril de 2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelas suas signatárias)