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EXECUÇÃO
PENHORA
QUINHÃO
COMPROPRIEDADE
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
ADJUDICAÇÃO
INOPONIBILIDADE DO NEGÓCIO
EXEQUENTE
Sumário
I - O disposto no artigo 819 do Código Civil, ao proibir a disposição ou oneração dos bens penhorados, defende qualquer forma de alteração da penhora de que possa resultar, em termos práticos, diminuição das garantias do credor. II - Penhorado o quinhão do executado sobre um prédio em regime de compropriedade, a atribuição do direito de propriedade desse prédio a outro comproprietário, em acção de divisão de coisa comum, sem o acordo do exequente, é inoponível a este, devendo prosseguir a execução sem alteração da penhora efectuada.
Texto Integral
ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
Na -.ª Vara Cível do....., -.ª Secção corre termos uma execução de sentença sob o n.º..... do ano de 1994 em que é exequente Banco....., S. A. ( antes .....- Sociedade de Locação Financeira) e executados J......, L.da e outros (os sócios gerentes da empresa), sendo que aí fora transformada em penhora o arresto ocorrido (em 28 de Outubro de 1994) como providência cautelar antecipatória da acção respectiva dos seguintes imóveis:
- metade indivisa do prédio urbano sito na Travessa....., no lugar de......, freguesia de....., composto de casa de rés-do-chão e andar, com dependência e garagem, lavandaria e logradouro, descrito na -.ª Conservatória de Registo Predial de.....a sob o n.º 59857 e inscrito na matriz sob o n.º 1702;
- metade indivisa do prédio urbano sito na travessa......, no lugar de....., freguesia de....., descrito na -.ª Conservatória do Registo Predial respectiva sob o n.º 00374/201288 e inscrito na matriz sob o n.º 1343.
Chegados à fase da venda dos imóveis penhorados, vem o restante comproprietário Rosa..... apresentar requerimento em que pede se dê sem efeito as penhoras indicadas pelas inscrições F-1, F-2 e F-3 da certidão de fls. 182, ordenando-se o cancelamento de tais penhoras e dando-se sem efeito a venda do bem penhorado, alegando, em síntese, que por acção de divisão de coisa comum puseram, por acordo, fim à compropriedade, ficando o prédio art. 1343 da matriz a pertencer-lhe por inteiro.
É então proferido o despacho de fls. 193 e seguintes dos autos que decidiu:
- dar sem efeito a penhora do direito a metade indivisa do prédio urbano sito na Travessa..... no lugar de....., freguesia de.....;
- após trânsito, ordenar o cancelamento do respectivo registo predial da inscrição F-1- Av. 02 ap. 18/080699 relativa à ordenada conversão em penhora do arresto;
- dar sem efeito a venda ordenada, solicitando-se a devolução da carta precatória expedida.
Inconformada apresenta a exequente este recurso de agravo e nas suas alegações formula as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso do douto despacho de fls. 193 a fls. 197 da execução à margem identificada - pelo qual, em deferimento parcial do requerimento apresentado nos autos, em 19.11.2002, por Rosa....., foi dada sem efeito a penhora do direito a metade indivisa do prédio urbano sito na Travessa....., no Lugar de....., freguesia de....., concelho de......, e ordenado o cancelamento do registo predial dessa penhora, em prejuízo da venda desse bem que estava já ordenada.
2. Tal decisão não pode manter-se, pois pela mesma resultaria conferida eficácia plena à divisão de coisa comum operada entre todos os comproprietários do referido prédio, em detrimento de penhora anterior e registada - e isto ao abrigo de entendimento que enferma de um manifesto equívoco que, a "fazer carreira" jurisprudencial, abriria caminho para, doravante, facilmente esvaziar de sentido ou utilidade qualquer penhora de bens em compropriedade.
3. Sucede que a penhora posta em crise pela douta decisão recorrida não incide sobre um património comum, indiviso - antes foi efectuada sobre concretos bens, em situação de verdadeira compropriedade.
4. Os bens penhorados nos autos são, efectivamente, concretos direitos de compropriedade, pelo que, neste caso, não faz sentido falar em "concretização do direito" dos executados: ele já era concreto e definido quando penhorado, constava do registo nesses precisos termos, e como tal foi afecto às finalidades da execução.
5. Daí que, por força da oportuna penhora de cada um dos direitos de compropriedade em causa, se tenham como ineficazes relativamente ao exequente os actos de disposição ou oneração daqueles direitos - nos termos cristalinamente estatuídos no art. 819° do C. C.
6. E isto porque a divisão de coisa comum - para mais lograda por acordo efectuado em acção especial de divisão de coisa comum - é um inequívoco acto de disposição, a que o exequente não foi chamado e em que não pôde, nem podia, intervir a qualquer título.
7. De resto, os executados e os outros comproprietários dos prédios estavam todos cientes da penhora antes operada sobre os direitos dos primeiros, através das formalidades dessa, e por via dos respectivos registos - pelo que só podem ter-se conformado com a existência desse ónus, fazendo cessar a compropriedade dos dois prédios em questão mesmo sabendo-os onerados pelas penhoras operadas nesta execução.
8. Daí que haja a execução de prosseguir os seus termos, com vista à venda, adjudicação ou remição dos direitos de compropriedade penhorados - pois penhorados estavam eles quando os executados e os demais comproprietários entenderam deles dispor, bem sabendo da existência daquela penhora, oportunamente notificada e objecto de registo predial.
9. A não ser assim, e a julgar-se, como fez a douta decisão recorrida, que a penhora da compropriedade haveria de transferir-se para um qualquer outro direito dos executados, nomeadamente as voláteis tornas - estará a fazer-se tábua rasa da garantia que o credor logrou obter através da penhora, para a transferir para uma mão cheia de nada,
10. Pois essa hipotética transferência não tem cabimento no caso concreto, e nunca seria o Tribunal a, pelo menos em tempo útil, suprir eficazmente os obstáculos e reservas, registrais e substantivas, que - perante o critério do competente Conservador do Registo Predial, e/ou eventuais direitos de terceiros de boa-fé - não deixariam de validamente colocar-se no transe.
11. Face ao exposto, porque na douta decisão recorrida se viu uma "partilha" onde apenas existe uma alienação de uma parte de um imóvel - tipificando como património comum o que é simples compropriedade - não se aplica, ao caso dos autos, a doutrina e a jurisprudência naquela citadas, já que aqui estão em causa direitos sobre parte de bens certos e determinados, já como tal inscritos registralmente à data da sua penhora.
12. Assim, porque a douta decisão recorrida, para além do mais, violou flagrantemente, o disposto nos arts. 819° do C. C. e 862° do C. P. C.,
Pugna pela revogação do despacho posto em crise, proferindo-se, em seu lugar, acórdão que, indeferindo "in totum", o requerimento apresentado na execução, em 19.11.2002, por Rosa....., ordene o prosseguimento dos autos, com vista à venda, adjudicação ou remição dos direitos de compropriedade nessa há muito penhorados - por ser ineficaz em relação ao exequente qualquer acto de disposição daqueles direitos.
O despacho foi mantido tabelarmente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os factos a ter em consideração para a decisão já resultam do antecedente, mas para melhor entendimento vão aqui sumariados.
Factos:
- Em 28 de Outubro de 1994 foi ordenado o arresto do direito a metade indivisa de dois imóveis, arts. 1702 e 1343 da matriz urbana de..... e inscritos da Conservatória de Registo Predial em nome de Rui...... e outro, o qual foi devidamente registado.
- Tal arresto foi convertido em penhora e devidamente registada pela inscrição F-1- AV.02. Ap.18/080699.
- A outra comproprietária, Rosa....., moveu ao executado Riu..... acção de divisão de coisa comum que veio a culminar com decisão homologatória de 14 de Janeiro de 2000, que homologou o acordo das partes segundo o qual o art. 1343 antes referido ficou a pertencer em exclusivo à Rosa..... e o art. 1702 em exclusivo ao executado, que ainda paga à comproprietária 2.000 contos de tornas.
- Em tal processo não teve intervenção a aqui exequente.
- A aquisição pela comproprietária relativamente ao prédio do artigo matricial 1343, foi registada na Conservatória de Registo Predial- Ap. 49/170300.
Sendo estes os factos tidos como assentes, cumpre conhecer do âmbito do recurso, delimitado como está pelas conclusões das respectivas alegações (arts. 684.º n.º3 e 690.º n.º1 do CPC).
A única questão que cumpre decidir é a da influência para a execução em que se encontrava penhorado e registado o direito de compropriedade de imóvel, da posterior acção de divisão de coisa comum entre os comproprietários.
Entendeu o despacho posto em crise que o exequente se terá de conformar com o que for decidido pelos comproprietários, adequando a sua conduta ao que estes decidirem, agindo de acordo com o estabelecido, perseguindo o que aos executados couber, sejam tornas, sejam imóveis sujeitos a registo, procedendo em conformidade. No essencial baseia a sua ideia na posição defendida por J. P. Remédio Marques, no seu livro “Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto”, págs. 213 a 219.
Com esta posição não se conforma a agravante, nem será por nós aceite.
Como refere Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 639 e seguintes, na acção executiva confrontam-se, com particular intensidade, os interesses do exequente e do executado, dando a lei prevalência aos direitos do exequente sobre o executado. A hierarquização dos interesses conflituantes é, por vezes, melindrosa e nem sempre mereceu resposta em diferentes épocas históricas e em vários ordenamentos jurídicos.
Não se pode perder de vista que o exequente desde 1994 tenta cobrar uma dívida de cerca de três mil contos; que chega ao ano de 2003 e nada recebeu, apesar de arresto que data do ano de 1994.
Ora dúvidas não existem que o arresto se transformou em penhora e que foi cumprido o disposto no art. 862.º do CPC. Assim, desde 1994 que os comproprietários sabem da existência do arresto e posteriormente da penhora dos autos.
Tal não significará que a penhora abranja parte certa dos bens ou fracção deles, como claramente determina o art. 826.º do CPC.
A penhora engloba só o direito e de penhora de direitos sempre se tratou.
Na pendência da execução e com a penhora em vigor, entendem os comproprietários por fim à comunhão. É um direito seu- art. 1412.º do CC.
Mas a questão será da conjugação deste direito com o direito do penhorante.
Desde logo, nem todas as comunhões de direitos terão necessariamente tratamento idêntico. Não se pode equiparar o grau de indeterminação de uma penhora de quinhão hereditário à indeterminação de percentagem de um mesmo imóvel.
A máxima expendida no despacho de que a penhora se converte “ipso iure” nos bens com que a quota foi preenchida, só será válida para o exequente se a tal este der o seu aval ou consentimento. Tal resulta do disposto no art. 819.º do CC. Ao proibir-se a disposição ou oneração dos bens penhorados, está-se a defender qualquer forma de alteração da penhora de que possa resultar, em termos práticos, diminuição das garantias do credor.
Defender-se, como se defende na doutrina citada (fls. 218) a penhora das tornas, representa a distinção entre a teoria e a prática. E se o devedor receber tornas, declarando que já as recebeu, como consegue o credor proceder à sua penhora?
Não tendo o exequente, beneficiário da penhora, tido intervenção na acção de divisão de coisa comum, são-lhe ineficazes todos os acordos ou decisões em que a acção venha a terminar, exactamente por imposição do disposto no art. 819.º citado.
E o mesmo se diga, se se tratar de penhora de quota hereditária.- Ac. da RC de 19/7/74, in BMJ, 239.º-269-Rec.23031 (erradamente citado no despacho impugnado).
Não se pode impor ao exequente todos os jogos que a situação propicia, por parte dos executados.
Havendo o acordo do exequente, então é possível adequar os termos da penhora à situação resultante e processualmente pô-la de acordo com a nova realidade.
Esta é também a posição defendida por Vaz Serra, in RLJ, ano 109-173 e seguintes; Anselmo de Castro, in Acção Executiva, 2.ª ed.-159; Lebre de Freitas in A Acção Executiva, pág. 218, nota 13.; Ac. do STJ de 28/4/75 in BMJ, 246.º-114.
Também não é certo que a situação preconizada no despacho receba o apoio dos arts. 860.º-A n.º3 e 842.º-A n.º2 do CPC.
A primeira situação diz respeito à penhora de “direitos ou expectativas de aquisição”, que a concretizarem-se, se transformam da “penhora do bem transmitido”. Não é mais do que a transformação lógica e normal da penhora antecedente. É uma inovação, cuja aplicação prática gostaríamos de ver. Mas fica-se por aqui. Não dia mais do que isso.
A segunda situação diz respeito a divisão do prédio penhorado, mas parece-nos que o argumento é em sentido contrário. A alteração da penhora só é permitida com a audição de todos os intervenientes e desde que estejam assegurados os direitos dos credores.
Temos, assim, que não devia ter sido sustada a venda requerida do prédio em causa, como foi ordenado, muito menos dando-se sem efeito a penhora em vigor nos autos, devidamente registada.
DECISÃO:
Nestes termos se decide dar provimento ao presente agravo, revogando-se o despacho posto em crise, prosseguindo os autos a sua normal tramitação, como vinha a acontecer.
Custas pela agravada/reclamante.
PORTO, 13 de Maio de 2003
Cândido Pelágio Castro de Lemos
Armindo Costa
Durval dos Anjos Morais