PERÍCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
SEGUNDA PERÍCIA
Sumário

Sumário:
A parte não pode vir indicar um perito, escolha sua, para que este apresente um outro relatório de perícia efectuada. Permitir esse processado seria a violação dos mais elementares princípios do contraditório e da igualdade das partes.

Texto Integral

Recurso de Apelação n.º 563/22.0T8PTM.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

1 – Relatório

Nos autos de Inventário com o n.º 563/22.0..., em que é Requerente AA e cabeça de casal BB foi determinado oficiosamente a realização de perícia, procedendo-se a uma avaliação do bem imóvel indicado na verba 1 do ativo, constante da relação de bens.


Apresentado o relatório da perícia efectuada a Requerente formulou requerimento e que termina da forma seguinte:

“…A Requerente não se conforma com a peritagem apresentada.

Os valores não correspondem aos valores de mercado praticados no Algarve e especificadamente em Local 1, na zona onde se situa a moradia em causa nos autos.

E, por isso, para fundamentar o presente requerimento, requer a V. Exa, prazo não inferior a 30 dias para apresentar um outro relatório de peritagem, do Sr. Engº CC, inscrito na CMVM e inscrito na associação de avaliadores, a quem solicitou, um relatório pericial da moradia que juntará aos autos logo que completo.

Termos em que a Requerente se opõe ao relatório de peritagem apresentado, designadamente ao valor presumível valor transação da moradia em 257.000,00 €.

Mais requer a V. Exa prazo não inferior a 30 dias para juntar aos autos relatório de perito qualificado a quem já solicitou nova avaliação.

Em resposta foi proferido o seguinte despacho, onde consta além do mais o seguinte:


“… Considera a requerente que a Srª perita não atendeu ao valor de prédios urbanos, semelhantes ao imóvel em causa nos autos, mas tão só de prédios rúticos (terrenos), todavia, na página 11 do relatório a que a própria se refere, nele são considerados valores de moradias, sendo o restante, base de cálculos efetuados de acordo com os critérios elencados pela Srª Perita.


Ora, no requerimento apresentado pela requerente não foi invocado qualquer deficiência, obscuridade ou contradição ao relatório da Sra. Perita. O requerimento do interessado manifesta apenas a sua discordância, não concretamente fundamentada, quanto ao valor atribuído. Não basta uma mera alegação conclusiva que outros imóveis em idênticas circunstâncias têm valor superior, tem de tratar-se de invocação, clara e explícita, de sérias razões de discordância da parte, não porque o resultado alcançado contraria ou não satisfaz os seus interesses, mas por, nele e no relatório em que assenta, existir inexactidão (insuficiência, incoerência e incorrecção) dos respectivos termos, máxime quanto à forma como operaram os conhecimentos especiais requeridos sobre os factos inspeccionados e ilações daí extraídas, de modo a convencer que, podendo haver lugar à sua correcção técnica, esta implicará resultado susceptível de diversa e útil valoração para a boa decisão da causa – cfr. ATRG de 12.7.2016 disponível in www.dgsi.pt.


No que tange ao agendamento pela própria Interessado de uma perícia pelo perito por si indicado tal não tem qualquer cabimento legal. Ainda que se pudesse cogitar que a pretensão da Interessada seria a realização de uma segunda perícia à luz do art.º 487.º do Código de Processo Civil certo é que, também para efeito de tal disposição legal, é necessário que a parte alegue fundamentadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, o que, no caso, como supra se referiu, não se mostra minimamente verificado. Ademais, a expressão adverbial de modo “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios e isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.


Acresce ainda que a realização de perícia do âmbito do inventário tem norma especial (art.º 1114.º do Código de Processo Civil) não estando prevista a realização de nova perícia.


Atento o exposto, no que tange à reclamação apresentada pela Interessada/requerente, vai a mesma indeferida, bem assim, sendo indeferida a realização de nova perícia por falta de fundamento legal.” A Requerente interpôs recurso desta decisão.

Apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

“A. A FUNDAMENTAÇÃO DA OPOSIÇÃO AO RELATÓRIO PERICIAL APRESENTADA PELA REQUERENTE É CLARA QUANTO ÀS DEFICIÊNCIAS E INCORREÇÕES DO MESMO, NA PERSPETIVA DE UM LEIGO, POIS, TECNICAMENTE, NÃO PODERIA FAZÊ-LO, PORQUE NÃO O É.


B. NESTA RECLAMAÇÃO A REQUERENTE DEFENDEU QUE O RELATÓRIO TEM FALHAS GRAVES E QUE O VALOR PRESUMIVEL DE TRANSAÇÃO APRESENTADO NO RELATÓRIO DE SETEMBRO DE 2024 DE 257.000,00 € PARA O IMÓVEL OBJETO DE PARTILHA NOS AUTOS NÃO TEVE EM CONTA OS VALORES DE MERCADO PRATICADOS E É, NOTORIAMENTE, MUITO MAIS BAIXO.


C. OS VALORES APRESENTADOS PELA PERITA FIXAM EM 951,85 € O VALOR M2 (257.000,00 € / 270 M2) SENDO QUE, OS IMÓVEIS SEMELHANTES À VENDA NA ZONA, CONFORME IDENTIFICADOS NO REQUERIMENTO, TÊM OS VALORES POR M2 DE: 2.568,00 €, 2.966,00 €, 1406,00 €, 3020,00 € e 1438,00 €.

D. TAMBÉM NO RELATÓRIO SE DIZ QUE NÃO FOI POSSIVEL AFERIR DAS “CONDIÇÕES DE HABILITABILIDADE” O QUE NOS PARECE GRAVISSIMO, UMA VEZ QUE TAMBÉM DIZ QUE O VISITOU!

E. FOI PEDIDO PRAZO, DE 30 DIAS, PARA JUNTAR RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO QUE VIESSE A CONSOLIDAR TECNICAMENTE O ALEGADO PELA REQUERENTE, QUE É A PROVA EXIGIDA PARA PODER FAZÊ-LO, DESCONHECENDO, CONTUDO, A REQUERENTE, SE ESTE RELATÓRIO SERIA OU NÃO A SEU FAVOR, POIS UMA SEGUNDA PERICIA PODE NÃO SUBSTITUIR OU INVALIDAR A PRIMEIRA, MAS PRETENDE-SE COM A MESMA A VERDADE MATERIAL.

F. A IDENTIFICAÇÃO DO TECNICO PARA FAZER A AVALIAÇÃO FOI INFORMADA AO TRIBUNAL, ENGENHEIRO CIVIL, DURVAL CHAVECA, A QUEM, DESDE HÁ MUITOS ANOS, TAMBÉM O TRIBUNAL RECORRE PARA PROMOVER AVALIAÇÕES.

G. A SEGUNDA PERICIA TEM COMO OBJETIVO SANAR DEFICIÊNCIAS, ERROS, INCORREÇÕES, OU INCOERÊNCIAS DE QUE A PRIMEIRA POSSA ESTAR FERIDA.

H. O PROCESSO DE INVENTÁRIO É UM PROCESSO ESPECIAL, O QUE NÃO INVIABILIZA A APLICAÇÃO DAS NORMAS COMUNS, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTº 549º, Nº 1 DO CC, EM TUDO O QUE NÃO ESTIVER PREVISTO NUMA E NOUTRAS.

I. A DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA RECENTES PARTILHAM DA POSIÇÃO DE QUE O DISPOSTO NOS ARTIGOS 487 º A 489º DO CC SE APLICAM AO PROECSSO DE INVENTÁRIO (CFR SE IDENTIFICOU NAS ALEGAÇÕES), VIOLANDO A DECISÃO DA MMA. JUIZ A QUO ESTAS DISPOSIÇÕES LEGAIS.

J. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA VERDADE MATERIAL FORAM TAMBÉM VIOLADOS NO DESPACHO DE QUE SE RECORRE, AO INDEFERIR O PEDIDO DE RELATÓRIO PERICIAL SOBRE O IMÓVEL OBJETO DOS PRESENTES AUTOS, CUJA DETERMINAÇÃO DO VALOR É CRUCIAL PARA O PRESENTE PROCESSO OBTER UMA JUSTA DECISÃO.

K. FACE AO EXPOSTO DEVERÁ O DESPACHO RECORRIDO SER SUBSTITUIDO POR DECISÃO QUE ADMITA A RECLAMAÇÃO DA REQUERENTE E A SEGUNDA AVALIAÇÃO DO IMÓVEL, OBJETO DOS PRESENTES AUTOS DE INVENTÁRIO.


NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO, QUE V. EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER DECIDIDO TOTALMENTE PROCEDENTE E PROMOVIDO O DEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO APRESENTADA PELA REQUERENTE, COM A JUNÇÃO DE UMA SEGUNDA AVALIAÇÃO, COMO PROVA PERICIAL DO IMOVEL OBJETO DE PARTILHA, A JUNTAR AOS AUTOS, PARA DETERMINAR O VALOR DO IMÓVEL OBJETO DO PRESENTE INVENTÁRIO, COMO É DE JUSTIÇA”.


Foram juntas contra-alegações, pugnando-se pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

II – Os Factos

Os factos são os que constam do relatório antecedente e dão-se aqui por reproduzidos.


III – O Direito

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4, 639.º e 608.º, n.º 2, in fine, todos do Código de Processo Civil.


A questão a decidir na apelação consiste apenas em saber da bondade da decisão proferida, concretamente, na não admissão do requerido, quer em relação à reclamação, quer em relação à segunda perícia.

Vejamos:

Pouco cumpre acrescentar ao bem fundamentado e ao acerto do despacho em apreciação.


Ainda assim, sempre se dirá que a recorrente quando recebeu o Relatório da Peritagem da avaliação do imóvel a partilhar com o qual discordou, não pediu esclarecimentos junto da Senhora Perita responsável pelo mesmo.


Apresentou requerimento em que teceu considerações acerca da forma como a Senhora Perita efectuou essa mesma peritagem, mas sem qualquer pedido de esclarecimento, ou pedido de fundamentação/melhor fundamentação em relação ao teor do mesmo.


Não cumpriu o disposto no artigo 485º nº 2, do Código Processo Civil, ou seja, não pediu esclarecimentos para que a Senhora Juiz pudesse junto da perita solicitar esses esclarecimentos.


Discorda da conclusão do relatório e pretende demonstrar que o valor da avaliação está incorrecto, invocando links, onde existirão valores de venda superiores (?).

Nada mais.

Apresentada fundamentada discordância, o que não aconteceu, poderia pedir, ao Tribunal, segunda perícia (que entendemos ser possível em processo de inventário).


Como resulta do transcrito nº 1, do art. 487º, do CPC, qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia que, na verdade, não é uma nova perícia.


Com efeito, tendo por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destinando-se a corrigir eventuais inexatidões dos resultados a que esta chegou, trata-se de uma repetição, estando uma e outra sujeitas à livre apreciação do julgador, regime este que decorre do preceituado nos arts. 488º e 489º do CPC.


A segunda perícia visa fornecer ao tribunal novo elemento de prova relativo aos factos que foram objeto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicial.


A lei é, no entanto, clara ao expressar que não se trata de uma faculdade discricionária, sendo condição essencial ao deferimento do requerimento de realização de segunda perícia a respetiva fundamentação, cabendo naturalmente ao requerente invocar, de modo fundamentado e concludente, as razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado.


Na verdade, é da apreciação da valia dos fundamentos invocados que dependerá o atendimento da pretensão formulada, ou antes o seu indeferimento, caso o juiz conclua pelo carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia (vd. Acórdão deste Tribunal de 28.06.2017, visitável in www.dgsi.pt) Ora, já se viu que a Recorrente não requereu segunda perícia.


Mesmo que se entendesse que assim seria, a verdade é que não se afigura existir fundamento para essa diligência.


É claro que não pode a parte vir indicar um perito, escolha sua, para que este apresente um outro relatório!


Não tem qualquer cabimento legal e violaria os mais elementares princípios do contraditório e da igualdade das partes.


Nada cumpre censurar ao despacho que indeferiu a reclamação apresentada, mas sem fundamento e não cumprindo o legalmente exigido, ou seja, pedidos de esclarecimento, mas pedido prazo para apresentação de relatório de uma segunda perícia que a parte se propõe realizar.

Sumário:

(…)


IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante, sem prejuízo do apoio de que beneficia.

Évora, 09 de Abril de 2025

Rosa Barroso


Maria Beatriz Marques Borges

Carla Francisco