Sumário (da responsabilidade da relatora):
I. Verifica-se a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide quando em virtude de novos factos verificados na pendência do processo, a decisão a proferir nele já não possa ter qualquer efeito útil, porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer ou porque o escopo visado com a ação foi atingido por outro meio.
II. Tendo a venda de bens do insolvente ocorrido, em processo executivo pendente, antes da declaração de insolvência do Executado é tal venda válida e eficaz, como se entendeu no Tribunal Recorrido.
Nos autos de ação executiva que são movidos pela Caixa Económica Montepio Geral, sendo credor reclamante o ISS - IP, e Executado AA, por despacho de 17.11.2023:
- Nos termos do artigo 757º, nº 4, ex vi artigo 861º, nº 1 ex vi artigo 828º todos do Código de Processo Civil, autorizou-se o auxílio da força pública de segurança, para efectivação da diligência de entrega de imóvel, conforme havia sido requerido;
- Mais se determinou que fosse observado o disposto no artigo 861º, nº 6 do Código Processo Civil pela Sra. Agente de Execução.
Em 21.12.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Vem o Sr. Administrador Judicial Provisório informar que o devedor recorreu ao PEAP, que o anúncio da nomeação do administrador judicial provisório foi em 30.10.2023 e que a entrega da casa importa que o PEAP deixa de fazer sentido, para além de que o devedor não tem outro local para viver.
Quanto ao último segmento, saliente-se, desde já, que os presentes autos de execução remontam ao ano de 2011, sendo certo que a iniciativa de regularização da quantia exequenda (que, inicialmente, era de € 8.271,38) e/ou de obtenção de outro local de habitação cabia, em primeira linha, e dado o tempo decorrido, ao Executado, não se tratando de qualquer situação com que o mesmo tenha sido surpreendido.
Mais se consigna que, após vários e exaustivos incidentes e oposições suscitados (todos já decididos) e recursos interpostos pelo Executado, o imóvel veio a ser adjudicado em 27.06.2022, tendo o proponente sido notificado para proceder ao depósito do devido preço em 12.10.2022, encontrando-se já devidamente registada a aquisição a favor de BB, do Prédio Urbano, destinado à habitação, Tipologia T-3, sito em ..., da freguesia do ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 4876, e descrito na Conservatória do Registo de ... sob descrição nº. 2649, aquisição essa devidamente registada pela AP. 2674 de 2022/09/23 da respectiva descrição predial.
Ora, dispõe o artigo 222.º-E, nº 1 do CIRE que “A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 222.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações executivas em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se as mesmas logo que seja aprovado e homologado acordo de pagamento, salvo quando este preveja a sua continuação”.
Por seu turno, o mencionado artigo 222º-C, nº 4 prevê que recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório.
No caso sub judice, verifica-se que, em 30.10.2023 foi publicado anúncio onde se faz constar que em 27.10.2023 proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do Processo nº 239/23.0..., o que implica a suspensão das diligências executivas nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 222º-E, nº 1 do CIRE.
Porém, o PEAP apenas suspende a execução no estado em que a mesma se encontra, não tendo o condão de anular os actos anteriormente concretizados.
Reportando-se a venda do imóvel ao ano de 2022 e o PEAP a Outubro de 2023, não se compreende o teor do requerimento apresentado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, o qual se adverte para o disposto no artigo 531º do Código de Processo Civil, cabendo-lhe das duas uma: não apresentar requerimento manifestamente infundado/improcedente ou agir com a diligência devida, inteirando-se do verdadeiro estado dos autos e da situação do devedor.
Com efeito, tendo a venda ocorrido muito antes do PEAP, está em causa, neste momento um mero acto executivo da venda já concretizada, ou seja, a entrega do imóvel à sua adquirente que procedeu ao pagamento do devido preço, vendo-se desembolsada, há mais de um ano do respectivo valor.
Assim e sem prejuízo da suspensão dos presentes autos nos termos do artigo 222º-E, nº 1 do CIRE, a mesma não prejudica a efectivação da entrega do imóvel à sua adquirente para cuja esfera patrimonial o bem já se transferiu há mais de um ano.
Contudo e considerando o teor do Termo lavrado no dia 20.12.2023, temos que
“o recurso interposto do despacho que decidiu a arguição de nulidade da decisão de adjudicação da AE (Apenso F), foi confirmado por acórdão do TRE.
Deste acórdão foi interposto Recurso de Revista Excecional, que não foi admitido.
Da decisão de não admissão do recurso Reclamou o executado.
Remetida ao STJ a reclamação não foi admitida e foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que aguarda decisão.”
Afigura-se-nos, pois, encontrar-se para breve a decisão definitiva do recurso interposto, pelo que deverão os autos aguardar, por 20 dias, a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional por forma a se ver definitivamente esclarecidos os diferendos suscitados pelo Executado.
Em suma:
- os autos encontram-se suspensos nos termos do artigo 222º-E, nº 1 do CIRE, extinguindo-se caso seja aprovado e homologado acordo de pagamento, salvo se este prever a sua continuação;
- tal suspensão não prejudica a efectivação da entrega do imóvel à sua adquirente;
- todavia, deverão os autos aguardar, por 20 dias, a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional.
Notifique e dê conhecimento ao Sr. Administrador Judicial Provisório e à Sra. AE para os devidos efeitos.” (destacado nosso).
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Na sequência de requerimentos apresentados pelo Executado em 18.09.2024 e de 25.09.2024, veio a ser proferido o seguinte despacho de 30.10.2024:
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“Requerimentos do Executado de 18.09.2024 e de 25.09.2024: Ao contrário do alegado nos requerimentos em apreço, no despacho proferido em 21.12.2023, transitado em julgado, consignou-se que a suspensão da presente execução nos termos do CIRE não prejudica a efectivação da entrega do imóvel à sua adquirente e determinou-se que os autos aguardassem, por 20 dias, a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional.
Assim e tendo, há muito, decorrido o prazo indicado e sendo certo que o recurso interposto não tem efeito suspensivo, determina-se a entrega do imóvel à sua Adquirente, mantendo-se válida a autorização concedida por despacho de 17.11.2023, parte final.”
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Inconformado com este último despacho, veio o Executado do mesmo interpor recurso, apresentando, após alegações, a seguinte síntese conclusiva:
“I – A presente apelação visa a revogação com efeitos imediatos e indeterminados do despacho de 31/10/2024, que determinou a entrega do imóvel à Adquirente, pugnando pela manutenção da suspensão das diligências de execução, conforme previamente ordenado pelo despacho de 22/12/2023, por mor da pendência do recurso em sede constitucional.
II - O direito à suspensão das execuções nos casos de processo de insolvência encontra-se consagrado no artigo 88.º, n.º 1 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), onde o legislador previu, sem possibilidade de contra-interpretação, a suspensão automática das ações executivas intentadas contra o insolvente após a declaração de insolvência, visando a preservação dos bens e dos direitos do devedor.
III -O presente processo encontra-se abrangido pelo Plano Especial de Revitalização (PEAP) desde 27/10/2023, pelo que as diligências executivas devem ser suspensas até à decisão definitiva sobre o recurso pendente junto do Tribunal Constitucional, nos termos já anteriormente informados pelo Tribunal “a quo”, mas entretanto comprometido com o Despacho sob Recurso.
IV - O princípio da segurança jurídica, inscrito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, garante a estabilidade das relações jurídicas e a previsibilidade dos atos judiciais, assegurando que o Executado não será privado dos seus bens sem que todas as instâncias se tenham pronunciado.
V - A proteção da confiança e o respeito pelo efeito suspensivo dos recursos implicam que as diligências executivas devem aguardar pela decisão do Tribunal Constitucional, conforme ordenado pelo despacho de 22/12/2023, evitando a violação de direitos fundamentais do Executado.
VI - Nos termos do artigo 222.º-E do CIRE, as execuções devem permanecer suspensas enquanto decorrerem as negociações e até aprovação ou homologação do plano de recuperação.
VII - O recurso ao Tribunal Constitucional constitui uma via essencial de defesa dos direitos fundamentais, devendo as diligências executivas aguardar decisão, em conformidade com o artigo 80.º, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional.
VIII - A decisão recorrida viola o de uma assentada, ao interpretar as normas do Processo Civil relacionadas à entrega do imóvel, após venda executiva civil, os princípios da proibição do excesso, da proteção da família, bem como a confiança e segurança jurídicas, ao determinar a entrega prematura do imóvel, causando um prejuízo irreversível ao Executado enquanto a Adquirente não sofre um dano irreparável pela suspensão temporária, tanto mais que a sua aquisição ocorreu em contexto de verdadeiro negócio “usurário”, com exploração da situação de fragilidade económica pontual do RECORRENTE.
IX - A jurisprudência do Tribunal Constitucional e dos tribunais superiores reitera a obrigatoriedade da suspensão das execuções em casos de insolvência e pendência de recurso, conforme os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/03/2019 e do Supremo Tribunal de Justiça de 10/10/2017.
X - A doutrina sustenta a obrigatoriedade da suspensão das diligências enquanto pendente recurso em sede de insolvência, entendendo que tal suspensão é imperativa para a proteção do devedor, evitando a execução prematura e a desintegração do seu património.
XI - Face ao exposto, requer-se a V. Ex.ª que julgue procedente o presente recurso, revogando o Douto Despacho de 31/10/2024 e determinando a manutenção da suspensão das diligências até trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional, conforme ordenado no Douto Despacho de 22/12/2023.
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I – ADMITIR O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO, COM EFEITO SUSPENSIVO E DE SUBIDA IMEDIATA, EM SEPARADO, DEVIDAMENTE INSTRUÍDO COM AS PEÇAS PROCESSUAIS ALVO DE RECURSO, CONSIDERANDO-O PROCEDENTE POR PROVADO, NOS TERMOS PETICIONADOS; E, CONSEQUENTEMENTE,
II – MANTER A SUSPENSÃO DAS DILIGÊNCIAS ATÉ DECISÃO FINAL DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ASSEGURANDO-SE A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO EXECUTADO EM SEDE DE INSOLVÊNCIA.
NESSE SENTIDO, VOSSA EXCELÊNCIA RELIZARÁ A MAIS LÍDIMA JUSTIÇA!”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Remetidos os autos a este Tribunal apurou-se, junto do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional relativamente ao apenso “F” o seguinte:
- mediante requerimento entrado em juízo em 20 de Maio de 2022 (Refª 42320815), veio o ora Executado arguir a nulidade de acto praticado pela Srª AE, alegando ter verificado com surpresa que o imóvel penhorado se encontrava publicitado na plataforma E-leilões, tendo o leilão tido o seu início no dia 17 de Maio, sem que tivesse sido notificado pela Srª AE de que tinha promovido a venda na aludida plataforma, conforme imposto pelo art.s 837º, nº2 do CPC;
- Tendo os autos prosseguido, encerrado o leilão, proferiu a Srª AE a decisão de 27/6/2022 julgando verificadas as condições para que, logo que se mostrasse depositado o preço e cumpridas as obrigações fiscais, fosse o bem adjudicado à proponente com a oferta mais elevada, no valor de €410 000,00, superior a 85% do valor base fixado;
- Notificado, veio o executado impugnar judicialmente a referida decisão em sucessivos requerimentos (Refªs 42800906 e 42804107), requerendo a final que: i. fosse o requerimento admitido; ii. Se aguardasse pela pronúncia sobre a invocada nulidade por preterição de formalidades essenciais para o exercício dos seus direitos; iii. se considerasse existir violação de regras processuais civis com projecção ético-deontológica, com cometimento [por banda da Sr.ã AE] de infracção disciplinar típica e configurando ilícito disciplinar; iv. Se notificasse, após extracção de certidões dos actos praticados sem a devida notificação e formalidades ao executado, à comissão de disciplina da CAAJ e ao Conselho Superior da OSAE para, querendo, e havendo matéria para o efeito, proceder disciplinarmente; v. se procedesse, cautelarmente, à remoção imediata da AE e anulação dos actos de venda por si praticados em infracção a normas processuais civis e ético-deontológicas e, consequentemente, vi. Fosse dada sem efeito a decisão de adjudicação do bem, devendo os autos aguardar a prolação de decisão sobre a nulidade arguida em 20 de maio;
- Por despacho proferido em 30 de Julho considerou-se não ter sido cometida qualquer nulidade, desatendendo a respectiva arguição e indeferindo, em consequência, a reclamação da decisão da Sr.ª AE relativa à adjudicação do bem;
Inconformado, interpôs o executado recurso de apelação, tendo esta Relação de Évora, por Acórdão proferido em 02.03.2023, decidido julgar improcedente o recurso interposto pelo executado, confirmando a decisão recorrida;
- De novo inconformado com este Acórdão da Relação (que julgou improcedente o recurso de apelação por si interposto e confirmou - sem voto discordante e sem divergências de fundamentação - o despacho que desatendera a arguição de nulidade de acto praticado pela Srª AE, a afectar a venda judicial em curso), o Executado interpôs recurso de revista excepcional ( invocando os "arts 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, 49º, 627.º a 643º, 672º nºs 1, alínea. a), e 2, alínea. a) e 3, do Código de Processo Civil”), alegando “estar em causa questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – artº 672º, nºs 1, alínea a), e 2, alínea a), 3 e 5, do CPC)";
- A Exma. Sra. Desembargadora Relatora naqueles autos de apenso “F” Relator na Relação proferiu despacho de não admissão da revista excepcional apresentada, por a considerar legalmente inadmissível;
- Desta decisão da Exma Sra. Desembargadora Relatora veio o Executado/ Recorrente apresentar reclamação, nos termos e ao abrigo do artº 643º do CPC, rematando, “Em conclusão”, que “o Recurso de Revista Excecional interposto é admissível e deverá ser ordenada a subida dos presentes autos ao Supremo Tribunal de Justiça para a apreciação dos fundamentos do Recurso de Revista Excecional interposto pelo RECORRENTE”;
- Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por decisão do Exmo Sr. Conselheiro Relator de 07.07.2023, foi indeferida a reclamação;
- Uma vez mais inconformado, o Executado interpôs recurso para o Tribunal Constitucional;
- Por decisão do Exmo. Sr. Conselheiro Relator do Tribunal Constitucional de 23.04.2024 foi decidido não tomar conhecimento do recurso interposto:
- O Recorrente requereu a reforma da decisão, que foi indeferida por decisão do Exmo Sr. Conselheiro Relator de 28.06.2024;
- O Recorrente reclamou da decisão singular que indeferiu a reclamação apresentada, reclamação que, por Acórdão do Tribunal Constitucional de 24.09.2024 foi confirmada, com o consequente indeferimento da reclamação apresentada;
- Notificado, o Recorrente apresentou requerimento de Reclamação/Reforma do aludido Acórdão, que foi indeferido por Acórdão do Tribunal Constitucional de 21.01.2025;
- Tal Acórdão transitou em julgado em 13 de Fevereiro de 2025.
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Em face de tais informações, por despacho da Relatora de 17.02.2025 determinou-se a notificação das partes para, em face da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional se pronunciarem acerca da eventual inutilidade, ao menos parcial, da presente lide recursiva.
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Apenas o Executado, por requerimento de 20.02.2025 a que as demais partes não responderam, se pronunciou pela utilidade do recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso.
Considerando que o objeto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), para enunciação das questões a decidir, em face dos variados requerimentos que nos autos foram já apresentados para suspender a entrega do imóvel, com diversos fundamentos, como se salientou designadamente no Acórdão desta Relação proferido no âmbito do apenso “G” importa proceder a uma análise criteriosa das alegações de recurso apresentadas.
Ora, realizada tal análise, não pode validamente duvidar-se de que o Recorrente se insurge contra a decisão na parte em que entendeu que a entrega do imóvel não deveria ser suspensa em face da pendência de Plano Especial de Revitalização e das normas do CIRE que prevêem a suspensão automática das ações executivas intentadas contra o insolvente, designadamente os artigos 88º e 222ºE do CIRE, e bem assim, na parte em que não determinou a suspensão das diligências de entrega até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional, conforme ordenado no despacho de 22.12.2023 (será 21, pois 22 é a data de notificação do despacho).
Vejamos então se deve a decisão ser revogada com estes dois fundamentos.
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III. Fundamentação.
III.1. Os factos com relevância para as questões a decidir são os relativos ao processamento dos autos, que constam do relatório que antecede.
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III.2. Da suspensão das diligências de entrega do imóvel até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional, conforme ordenado no despacho de 21.12.2023.
Recordemos que no despacho em causa se ponderou o seguinte:
“Contudo e considerando o teor do Termo lavrado no dia 20.12.2023, temos que
“o recurso interposto do despacho que decidiu a arguição de nulidade da decisão de adjudicação da AE (Apenso F), foi confirmado por acórdão do TRE.
Deste acórdão foi interposto Recurso de Revista Excecional, que não foi admitido.
Da decisão de não admissão do recurso Reclamou o executado.
Remetida ao STJ a reclamação não foi admitida e foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que aguarda decisão.”
Afigura-se-nos, pois, encontrar-se para breve a decisão definitiva do recurso interposto, pelo que deverão os autos aguardar, por 20 dias, a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional por forma a se ver definitivamente esclarecidos os diferendos suscitados pelo Executado.
Em suma:
- os autos encontram-se suspensos nos termos do artigo 222º-E, nº 1 do CIRE, extinguindo-se caso seja aprovado e homologado acordo de pagamento, salvo se este prever a sua continuação;
- tal suspensão não prejudica a efectivação da entrega do imóvel à sua adquirente;
- todavia, deverão os autos aguardar, por 20 dias, a decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional.
Notifique e dê conhecimento ao Sr. Administrador Judicial Provisório e à Sra. AE para os devidos efeitos.”
A interpretação de tal decisão não deixa dúvidas sobre qual a decisão que se deveria aguardar por vinte dias – trata-se da decisão a proferir no Apenso F relativo ao o recurso interposto do despacho que decidiu a arguição de nulidade da decisão de adjudicação da Sra. Agente de Execução.
Ora, como resulta do que se expôs supra, pese embora os diversos requerimentos e decisões formulados no âmbito de tais autos de apenso F, o certo é que a decisão ali proferida transitou já em julgado.
O nosso ordenamento jurídico, ao tratar das causas de extinção da instância estabelece, no artigo 277.º do Código Processo Civil que a instância se extingue, nomeadamente, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (alínea e)).
Verifica-se a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide quando em virtude de novos factos verificados na pendência do processo, a decisão a proferir nele já não possa ter qualquer efeito útil, porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer ou porque o escopo visado com a ação foi atingido por outro meio - a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da pretensão deduzida.
Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar, além por impossibilidade de atingir o resultado visado, aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.
A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, como causa de extinção da instância, dá-se ainda quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objeto do processo - quando uma ocorrência processual torna a instância desnecessária, como ocorre quando o fim pretendido com a demanda é alcançado, na pendência da causa, independentemente ou antes da decisão judicial.
Verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
Ora, no caso, em face do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal Constitucional no âmbito do apenso F já referido, verifica-se a inutilidade do recurso, pois ainda que fosse de dar procedência ao mesmo, o evento que o Recorrente pretendia que determinasse a suspensão da entrega ocorreu já, pelo que não a pode mais determinar.
Cumpre, pois, sem necessidade de maiores considerações, declarar a inutilidade superveniente da lide recursiva neste ponto.
Nesse sentido se decidirá.
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III.3. Da suspensão da entrega do imóvel com fundamento nas normas do CIRE a que o Recorrente faz referência.
Como se referiu, o Apelante insurge-se contra a decisão recorrida, na parte em que entendeu não determinar a suspensão das diligências de entrega do imóvel com fundamento na pendência do PEAP.
Sucede que não foi o despacho de 31.10.2024 que tal decidiu, pois o prosseguimento da entrega mesma em face da pendência de tal processo havia já sido decidido por despacho de 21.12.2023, contra o qual o ora Apelante não reagiu, no qual se entendeu e determinou que:
“No caso sub judice, verifica-se que, em 30.10.2023 foi publicado anúncio onde se faz constar que em 27.10.2023 proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do Processo nº 239/23.0..., o que implica a suspensão das diligências executivas nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 222º-E, nº 1 do CIRE.
Porém, o PEAP apenas suspende a execução no estado em que a mesma se encontra, não tendo o condão de anular os actos anteriormente concretizados.
Reportando-se a venda do imóvel ao ano de 2022 e o PEAP a Outubro de 2023, não se compreende o teor do requerimento apresentado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, o qual se adverte para o disposto no artigo 531º do Código de Processo Civil, cabendo-lhe das duas uma: não apresentar requerimento manifestamente infundado/improcedente ou agir com a diligência devida, inteirando-se do verdadeiro estado dos autos e da situação do devedor.
Com efeito, tendo a venda ocorrido muito antes do PEAP, está em causa, neste momento um mero acto executivo da venda já concretizada, ou seja, a entrega do imóvel à sua adquirente que procedeu ao pagamento do devido preço, vendo-se desembolsada, há mais de um ano do respectivo valor.
Assim e sem prejuízo da suspensão dos presentes autos nos termos do artigo 222º-E, nº 1 do CIRE, a mesma não prejudica a efectivação da entrega do imóvel à sua adquirente para cuja esfera patrimonial o bem já se transferiu há mais de um ano.(…)
Em suma:
- os autos encontram-se suspensos nos termos do artigo 222º-E, nº 1 do CIRE, extinguindo-se caso seja aprovado e homologado acordo de pagamento, salvo se este prever a sua continuação;
- tal suspensão não prejudica a efectivação da entrega do imóvel à sua adquirente; (…)”
Tal despacho, pois, esgotou o poder jurisdicional quanto a tal questão, pelo que não podia o despacho recorrido de 30.10.2024, decidir coisa diversa.
Sempre se dirá que, como se decidiu no Acórdão desta Relação de 07.11.20241, que aqui seguimos de perto:
“Ainda que, como se referiu, o AUJ n.º 4/2024 não se tenha pronunciado concretamente sobre a questão que aqui nos ocupa, dele podemos colher argumentos que confortam a solução adoptada.
Ali se refere, a propósito do n.º 2 do artigo 149.º que:
“O preceito tem em vista os casos em que, aquando da sentença declaratória de insolvência, os bens do devedor já tenham sido vendidos em processo de execução ou no âmbito da cessão de bens aos credores e responde à questão de saber qual o destino do produto da venda. A resposta que dá é a seguinte:
• Se, quando é proferida a sentença declaratória de insolvência, o produto da venda ainda não tiver sido pago aos credores ou entre eles repartido, o produto será apreendido para a massa insolvente;
• Se já tiver sido pago ou repartido entre os credores, não há lugar à apreensão para a massa insolvente.”
E conclui mais à frente:
“Daí que seja de afirmar que, na hipótese de o produto da venda ainda não ter sido transferido para os credores, no momento em que é declarada a insolvência do devedor/executado, tal produto integra a massa insolvente, por aplicação do n.º 1 do artigo 46.º do CIRE. E fazendo parte da massa insolvente é de apreender, agora por aplicação do n.º 2 do artigo 149.º do CIRE”.
É assim o momento em que é proferida a sentença de declaração de insolvência que define o universo dos bens a apreender para a massa, e que são, nos termos do art.º 46.º antes citado, “todo o património do devedor à data”, bem como aqueles bens e direitos que adquira no decurso do processo, salvo os exceptuados por lei.”
Tendo a venda de bens da insolvente ocorrido, em processo executivo pendente, antes da declaração de insolvência de uma das executadas, é tal venda válida e eficaz, como se entendeu no Tribunal Recorrido.
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IV. Decisão.
Em face do exposto acordam em:
a) julgar extinta por inutilidade superveniente da lide a instância recursiva na parte respeitante à suspensão das diligências de entrega do imóvel até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal Constitucional, conforme ordenado no despacho de 21.12.2023;
b) julgar, no mais, improcedente a apelação.
Custas pelo Apelante, nos termos do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.
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Évora,
Ana Pessoa
José António Moita
Manuel Bargado
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1. Proferido no âmbito do processo n.º 1350/17.2 T8ENT-C.E1↩︎