CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
REGIME JURÍDICO
SINAL
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERPRETAÇÃO
DECLARAÇÃO ANTECIPADA DE NÃO CUMPRIMENTO
DECLARAÇÃO DE RESOLUÇÃO
Sumário

1. O contrato-promessa de compra e venda é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato e tem como objecto imediato, para os seus outorgantes, uma obrigação positiva, de facere, que se exprime no compromisso de emissão das declarações de vontade conducentes à celebração do contrato definitivo/prometido, formalizadas, ou não, consoante os requisitos legalmente estabelecidos, estando o seu regime jurídico regulado, especificamente, nos artigos 410.º a 413.º, 441.º, 442.º, 755.º, n.º 1, alínea f), e 830.º, todos do Código Civil.
2. Tendo as partes outorgado um contrato-promessa vinculam-se a cumpri-lo pontualmente, segundo a regra plasmada no artigo 406.º, n.º 1, sendo que, para além das suas normas próprias, ao mesmo são ainda aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato definitivo ou prometido celebrar – cf. artigos 790.º e ss., 798.º, 799.º, 801.º e 808.º do Código Civil.
3. A falta de cumprimento de contrato-promessa consiste na não realização do contrato prometido, com carácter definitivo, distinguindo-se da simples mora ou atraso nesse cumprimento, e só no caso de inadimplemento definitivo da promessa, o promitente lesado fica com o caminho aberto para a resolução do contrato-promessa, com as consequências previstas no artigo 442.º do Código Civil.
4. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (salvo no caso do declaratário conhecer a vontade real do declarante) devendo atender-se na sua interpretação à capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração e atender à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a sua celebração ou são contemporâneas destas, às negociações entabuladas, à finalidade prosseguida pelas partes, ao tipo negocial, à lei, aos usos e aos costumes por ela recebidos e à posição assumida pelas partes na concretização do negócio.
5. Um email dos promitentes compradores dirigido às mediadoras imobiliárias, e não aos promitentes vendedores, a dar conta de problemas de liquidez, em que são utilizadas as expressões “gostaríamos de vos pedir para que falassem com eles no sentido de encontrarmos uma solução definitiva para esta questão”, “gostaríamos de saber o que acham desta possibilidade e se estão disponíveis para abordar esta questão com os promitentes-vendedores” e “ficamos a aguardar as vossas notícias”, não pode ser interpretado como expressando uma intenção séria e consciente de incumprimento definitivo do contrato-promessa e, por isso, essa comunicação não releva juridicamente como declaração antecipada de não cumprimento ou recusa em cumprir o contrato-promessa.
6. A declaração de resolução, por banda dos promitentes vendedores, antes de esgotado o prazo para a celebração do contrato prometido e sem que tivesse sido feita qualquer interpelação admonitória aos promitentes compradores, não tendo os promitentes vendedores demonstrado ter perdido o interesse na prestação e que estivessem em condições de o cumprir, é infundada e ilegítima, correspondendo a uma recusa de execução do contrato-promessa de compra e venda da sua parte, pelo que o incumprimento definitivo apenas a eles é imputável.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]

AA e BB instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, sendo interveniente acessória A..., Lda.

Pedem os autores, a título principal, seja declarado o incumprimento definitivo do contrato-promessa celebrado entre as partes, no dia 02-03-2020, por motivo imputável aos réus, por via da declaração resolutiva infundada e ilícita emitida em 29-07-2020, recebida pelos autores em 13-08-2020 e a restituição da quantia de € 14 000,00, correspondente ao dobro da quantia entregue pelos autores a título de sinal.

Subsidiariamente, pedem:

a) Seja declarado o incumprimento definitivo do contrato-promessa celebrado entre as partes, no dia 02-03-2020, por impossibilidade culposa da realização da prestação dos réus, nos termos do art. 801.º, n.º 1, do Código Civil;

b) Sejam os réus obrigados a devolver aos autores o montante de € 14 000,00, correspondente ao dobro da quantia por aqueles entregue a título de sinal.

Ainda subsidiariamente, pedem:

a) Seja anulado o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes, no dia 02-03-2020, por erro sobre o objecto do negócio, devido a conduta dos réus violadora dos princípios da boa-fé, nos termos dos arts. 227.º, 247.º e 251.º do Código Civil.

Pedem, outrossim, a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização a título de ressarcimento por danos não patrimoniais, em montante não inferior a € 1500,00 para cada um dos autores e ainda pelos danos patrimoniais, em montante a apurar em liquidação de sentença, correspondente a:

a) Todos os encargos suportados pelos autores com a contracção do financiamento bancário no montante de € 33 000,00, junto do Banco 1..., no total de € 988,63;

b) Todas as despesas e encargos, judiciais e extrajudiciais, incluindo as com mandatários, que os autores hajam de fazer para fazer valer os seus direitos relativamente aos réus.

Para tanto alegaram, em síntese, que em finais do ano de 2019 pretendiam vender a sua casa e adquirir um terreno para construção, para o que contactaram uma empresa de mediação imobiliária que encontrasse comprador para a mesma, o que veio a acontecer, solicitando o interessado que apenas fosse realizado contrato-promessa quando obtivesse o financiamento bancário para o efeito.

Simultaneamente, pesquisaram terrenos para possível aquisição, e visualizaram um anúncio referente a um terreno urbano sito em ..., cujo preço de venda era de € 60 000,00. Em face das diferenças de área que o mesmo apresentava, na caderneta predial 370 m2 e na certidão do registo predial 362 m2, questionaram a agência em causa que os informou ser a última área a correspondente à real.

Mais invocam que, em face da existência de vários interessados na compra do terreno, primeiramente propuseram a sua aquisição por € 62 000,00 e posteriormente por € 65 000,00, o que formalizaram por proposta de 28-02-2020, tendo sido o contrato-promessa assinado no dia 02-03-2020, mediante entrega pelos autores do sinal no valor de € 7000,00, devendo o remanescente do preço ser pago aquando da outorga da escritura, aprazada para daí a 90 dias.

Aduzem, também, que o contrato-promessa relativo à venda da sua casa foi agendado para o dia 18-03-2020, mas posteriormente o promitente-comprador recusou o negócio em face da pandemia, entretanto surgida, o que obrigou os autores a procurarem financiamento bancário para aquisição do terreno. Na ausência de resposta definitiva do banco, no dia 25-06-2020 assinaram um aditamento ao contrato promessa, obrigando-se a celebrar a escritura pública até ao dia 31-07-2020.

Em Julho, os autores receberam a informação do banco de que apenas concederia financiamento no valor de € 33 000,00, pelo que solicitaram às agências imobiliárias envolvidas, aferindo da viabilidade de ser reduzido o preço do terreno para o valor já pago a título de sinal, acrescido de € 31 000,00 que eles teriam para entregar ou, em alternativa, caso surgisse alguém interessado em comprar o terreno, concordavam em abdicar da sua posição e apenas pediam que lhes fosse devolvido o sinal.

Invocam, ainda, que diligenciaram por encontrar um comprador para o prédio em causa, um dos quais os informou que o terreno nem 300 m2 teria, pelo que contrataram um topógrafo que efectivamente o atestou.

No dia 13-08-2020 receberam carta dos réus datada de 29-07-2020, comunicando que não aceitavam a proposta feita, assistindo-lhes o direito de fazerem sua a quantia entregue a título de sinal. Após missiva enviada pelo autor, ocorreu reunião no terreno no dia 07-09-2020, onde o réu admitiu que a área em causa era bastante inferior e que iria consultar a sua agência, após o que entraria em contacto com os autores, o que não sucedeu até à presente data.

Por último alegam que o terreno está presentemente anunciado pelo valor de € 60 000,00, e com uma área de 315 m2, e que sobre o mesmo continuam a impender os ónus que existiam à data da assinatura do contrato-promessa, nomeadamente hipoteca legal e restrição ao direito de propriedade.


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Regularmente citados contestaram os réus, arguindo a excepção de incompetência territorial e, quanto ao mais, alegaram desconhecer que informações foram prestadas aos autores pelas agências imobiliárias envolvidas no negócio, designadamente quanto a áreas. De todo o modo, nunca foi discutida a área do imóvel como condicionante do negócio, não demonstrando os autores que a redução da mesma os impedisse de fazerem a implantação que pretendiam.

Mais referiram que o desinteresse no negócio por parte dos autores prende-se apenas com a falta de liquidez necessária para liquidar o remanescente do valor do preço estabelecido, sendo que o facto de sobre o imóvel ainda penderem ónus não impede a realização da escritura, uma vez que o seu cancelamento pode ocorrer até à outorga do título definitivo da compra e venda.

Enunciam, ainda, que os autores não entraram em mora mas sim em incumprimento definitivo, a partir do momento em que comunicaram que não iriam liquidar o valor da segunda prestação e pretenderam reverter os pressupostos do negócio, com a invocação de que, se assim não fosse, pela perda do interessado na aquisição do seu apartamento, não teriam condições para celebrar a escritura de compra.

Os réus afirmam que observaram, integralmente, os princípios da boa-fé e estiveram disponíveis na execução do contrato até os autores comunicarem que pretendiam, unilateralmente, a redução do preço e, em caso de não aceitação, não cumpririam o contrato por falta de capacidade financeira.

Não aceitaram a redução do preço proposta pelos autores, o que, aliás, deduzido do valor da comissão, ficariam sem o imóvel e sem o valor do sinal, uma vez que entregaram à agência imobiliária A..., Lda., o valor de € 6150,00, aquando da outorga do contrato-promessa.

Concluem, assim, que tendo os autores incumprido a promessa de compra, a sua pretensão de restituição do sinal em dobro e de outras despesas que não têm nexo causal com o contrato, constituem um abuso de direito

Suscitaram, por fim, a intervenção acessória da sociedade A..., Lda. – para a eventualidade de terem que devolver o sinal aos autores ou indemnizá-los –, a qual foi deferida, tendo a interveniente contestado, alegando que havia vários interessados na aquisição do móvel e que os autores manifestaram elevado interesse no mesmo, pelo que ofereceram um valor superior ao anunciado, não fazendo qualquer exigência quanto à área do prédio, tanto assim que, de forma transparente, aquando do início das negociações, os documentos referentes ao mesmo foram apresentados.

Alega, por último que, ainda que a acção seja julgada procedente, não tem que devolver qualquer quantia, uma vez que cumpriu todas as suas obrigações legais.


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Proferido despacho saneador foi definido o seguinte objecto do litígio:

“§ Declaração de incumprimento definitivo imputável aos RR. e relativo a contrato promessa celebrado com os AA, com a consequente devolução dos segundos aos primeiros do sinal em dobro (€ 14.000,00).

§§ Não se entendendo conforme § - declaração de incumprimento de contrato promessa de compra e venda por impossibilidade culposa da realização da prestação por parte dos RR, com a obrigação de devolver aos AA. a quantia de € 14.000,00 (sinal em dobro).

§§§ Não se entendendo conforme § ou §§ - declaração de anulação do contrato promessa de compra e venda por erro sobre o objecto, por conduta dos RR. violadora da boa-fé.

§§§§ Em qualquer dos casos condenação dos RR. a pagarem aos AA. Uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no montante global de € 3.988,63.”


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Realizada audiência final foi proferida sentença, em 01-08-2024, na qual se decidiu julgar a acção improcedente e consequentemente, absolver os réus dos pedidos formulados.

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            Inconformados com a decisão, recorreram os autores e, nas suas alegações de recurso, formularam as seguintes conclusões:[2]

“Em conclusão do que se desenvolve no corpo destas motivações de recurso:

1. Os Pontos 3, 9 e 25 dos Factos Provados devem ser complementados, alterando-se a sua redação nos seguintes termos:

Ponto 3

A certidão do registo predial anexa à petição inicial como Documento 3, revela que à data da celebração do contrato-promessa, incidia sobre o imóvel um ónus de restrição ao direito de propriedade, correspondente a “excesso de construção; construção e muro a demolir”, inscrita sob a apresentação 2309 de 2012/07/09.

Em face disso, o Ponto 3 dos Factos Provados deverá passar a ter a seguinte redação:

3- Sobre o prédio descrito em 1, encontra-se descrita hipoteca legal pela ap. ...12 a favor do Município ... com o descrito fundamento de caucionamento de boa execução das obras de urbanização referentes ao alvará nº ...11 de 18 de Novembro, no valor global de € 321.219,71, correspondendo ao lote 61 o valor de € 3.900,26, bem como restrição ao direito de propriedade que no Lote 61 corresponde a excesso de construção com construção e muro a demolir.

Ponto 9

Em face dos depoimentos prestados, pelas testemunhas EE, no dia 12.04.2024, entre os 00:31:05 e os 00:31:25 – e FF, no dia 03.06.2024, entre os 00:25:45 e os 00:26:05, o ponto 9 dos Factos Provados deverá passar a ter a seguinte redação:

9- Em data não concretamente apurada, mas que se situa em momento anterior à data de assinatura do contrato-promessa de compra e venda referido em 16, surgiu um interessado na aquisição da casa dos autores, que posteriormente desistiu da sua aquisição em consequência de impedimento decorrente da pandemia Covid-19.

Ponto 25

Em face do contrato de compra e venda junto aos autos com o requerimento sob a referência 41542737, de 07.03.2022, mais concretamente a sua cláusula terceira, o Ponto 25 dos Factos Provados deve passar a ter a seguinte redação.

25- Por documento particular autenticado, outorgado no dia 08.02.2021, os réus declararam vender a GG e HH, que declararam comprar, pelo preço de € 60.000,00, o prédio referido em 1, onerado com a hipoteca legal e restrição ao direito de propriedade mencionadas em 3.

2. Os Pontos 19, 20 e 22 dos Factos Provados devem ser corrigidos, alterando-se a sua redação nos seguintes termos:

Ponto 19

O Documento 11 anexo à petição inicial, verifica-se que missiva a que se refere este Ponto corresponde a um email que foi enviado do endereço eletrónico do Recorrente-Marido e apenas por ele subscrito.

Por consequência, o Ponto 19 dos Factos Provados deve ser corrigido, passando a ter a seguinte redação:

19- O autor enviou à agência Century 21 River e à agência Century 21 Tejo, email datado de 23.07.2020, entre o mais, do seguinte teor (...)

Ponto 20

Do Documento 12 anexo à petição inicial, correspondente a um email proveniente do endereço ..........@....., bem como do depoimento do representante legal da Interveniente, II, prestado no dia 03.06.2024, entre os 00:01:28 e os 00:02:11, resulta que o referido email, apesar de enviado pelo representante legal da Interveniente, não continha qualquer elemento que pudesse levar o Autor/Recorrente a identificá-lo como tal.

Por consequência, o Ponto 20 dos Factos Provados deve ser corrigido, passando a ter a seguinte redação:

20- No dia 28.07.2020, o representante legal da Interveniente, do endereço ..........@....., enviou um email ao autor, comunicando, entre o mais que fariam chegar à Century 21 River a decisão escrita dos promitentes compradores pois que apenas aos mesmos caberia decidir face ao exposto no email referido em 19, onde indicaram não ter condições para cumprir o contrato celebrado.

Ponto 22

O Documento 15 anexo à petição inicial, corresponde a uma carta registada enviada pelo Recorrente-Marido e apenas por ele subscrito.

Por consequência, o Ponto 22 dos Factos Provados deve ser corrigido, passando a ter a seguinte redação:

22- O autor enviou aos réus carta registada com aviso de recepção, recebida em 01.09.2020, na qual acusa a recepção da carta referida em 21, comunicando as circunstâncias referidas na missiva mencionada em 19 e referindo ter constatado que a área do terreno não alcança os 300 m2, mais comunicando: (…)

3. Devem ser aditados os Pontos 31, 32, 33, 34 e 35 aos Factos Provados, por serem relevantes para a boa decisão da causa:

Ponto 31

Do Documento 9 anexo à petição inicial, verifica-se que no contrato-promessa celebrado entre as Partes, mais concretamente na sua cláusula décima-terceira, foi estipulada a forma que as comunicações e notificações entre as partes deveriam revestir, devendo ser feitas por correio registado, enviado para as respetivas moradas.

Por consequência, deve ser aditado o ponto 31 aos factos Provados com a seguinte redação:

31- No documento referido em 16 ficou estipulado que as comunicações e notificações entre as Partes deveria ser feita por correio registado enviado para as respetivas moradas.

Pontos 32 e 33

O Ofício n.º Saída/2022/32976, de 07.11.2022, emitido pela Câmara Municipal ..., remetido aos autos por aquele Município em 09.11.2022, esclarece que só na Reunião Ordinária da Câmara Municipal ... que decorreu no dia 06.10.2021, foi deliberado aprovar a substituição da hipoteca legal que incidia sobre o imóvel por depósito de caução, sendo que, à data da emissão do referido Ofício – 07.11.2022 -, o imóvel continuava onerado com a restrição ao direito de propriedade, porquanto, só após o decurso das obras efetuadas ao abrigo de processo 133/20..., referente à legalização da construção efetuada no lote em causa, foi corrigida a situação subjacente à constituição do referido ónus.

Por consequência, devem ser aditados os pontos 32 e 33 aos Factos Provados, com a seguinte redação, respetivamente:

32 – Somente em Reunião Ordinária da Câmara Municipal Odivelas ocorrida em 06.10.2021 foi deliberado substituir a hipoteca legal referida em 3 incidente sobre o prédio referido em 1 por depósito de caução.

33 – Em 07.11.2022 incidia ainda sobre o prédio referido em 1 o ónus de restrição ao direito de propriedade referido em 3.

Ponto 34

Do depoimento prestado pela testemunha FF, prestado no dia 03.06.2024, entre os 00:35:35 e os 00:36:37, resulta que o Recorrente-Marido nunca expressou à agente imobiliária representante dos Recorridos vontade de desistir do negócio.

Assim, deve ser aditado o ponto 34 aos Factos Provados, com a seguinte redação:

34 – Em momento algum o Recorrente-Marido se expressou perante a agente imobiliária representante do vendedor no sentido de querer desistir do negócio, referindo apenas não ter liquidez.

Ponto 35

Do depoimento prestado pela testemunha FF, no dia 03.06.2024, entre os 00:18:36 e os 00:21:30, resulta que os Recorridos precisavam de vender o terreno para pagar uma dívida à Câmara Municipal ....

Deve, pois, ser aditado um Ponto 35 aos Factos Provados, com a seguinte redação:

35 – Os Recorridos precisavam de vender o prédio urbano melhor identificado em 1 e 2 para pagar uma dívida à Câmara Municipal ....

4. Em finais de 2019 os Recorrentes decidiram vender o apartamento onde viviam e comprar um terreno para construção de uma moradia com jardim e piscina para nela passarem a habitar com a sua filha.

5. Os Recorrentes celebraram contrato de mediação imobiliária com a agência Century21 River com vista à venda do seu apartamento.

6. Os Recorrentes visualizaram um anúncio publicado pela Century21 Tejo promovendo a venda do terreno dos Recorridos pelo preço de €60.000,00, com a indicação de que o mesmo estava localizado em ..., tinha a área total de 370m2, a área de implantação de 125m2 e a área de construção de 375m2.

7. Tendo em conta as informações prestadas sobre a área do terreno, quer no anúncio de venda, quer na documentação, sendo esta de, no mínimo, 362m2, e a área de implantação de construção de 125m2, significava que sobrariam, pelo menos, 237m2 para o jardim e a piscina.

8. Os Recorrentes solicitaram à Century21 River que entrasse em contacto com a Century21 Tejo a fim de manifestar o seu interesse na aquisição do terreno dos Recorridos.

9. Por email enviado pela Century21 River à Century21 Tejo, no dia 26.02.2020, foi confirmada a pretensão dos autores na aquisição do terreno dos Recorridos, mencionando expressamente a área bruta e útil de 362 m2.

10. No dia 28.02.2020 os Recorrentes formalizaram a sua proposta de aquisição do terreno pelo valor de € 65.000,00, após licitação com outro interessado no imóvel.

11. Os Recorrentes e Recorridos nunca falaram entre si antes da assinatura do contrato-promessa de compra e venda por tal não lhes ter sido permitido pelas agências imobiliárias.

12. Toda a negociação com vista à compra e venda do terreno dos Recorridos foi intermediada pelas duas agências imobiliárias, as quais fizeram a verificação da documentação e a preparação do contrato-promessa.

13. Em momento anterior à data de assinatura do contrato-promessa de compra e venda do terreno dos Recorridos, surgiu um interessado na aquisição da casa dos Recorrentes.

14. Os Recorrentes estavam a contar com o dinheiro proveniente da venda do seu apartamento para pagar o preço de aquisição do terreno dos Recorridos.

15. Por contrato-promessa com data de 02.03.2020, os Recorridos prometeram vender aos Recorrentes e estes prometeram comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos de pessoas e bens, o terreno de que os primeiros eram proprietários, correspondente ao Lote 61 sito em ..., pelo preço de € 65.000,00, estipulando que o contrato prometido deveria ser outorgado no prazo de 90 dias, prazo que, por aditamento de 25.06.2020 foi prorrogado para 31.07.2020.

16. No contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os Recorrentes e os Recorridos ficou estipulado que as comunicações e notificações entre as Partes deveriam ser feitas por escrito e enviadas por correio registado para as respetivas moradas.

17. À data da celebração do contrato-promessa de compra e venda, impediam sobre o terreno prometido vender dois ónus constituídos a favor da Câmara Municipal ..., inscritos ambos pela AP. ...09 de 09.07.2012, a saber: hipoteca legal em garantia da boa e regular execução das obras de urbanização tituladas pelo Alvará n.º ...11, no valor de € 3.900,26 e restrição ao direito de propriedade por “excesso de construção: construção e muro a demolir”.

18. O texto do contrato-promessa celebrado entre os Recorrentes e os Recorridos é de um contrato-tipo em que só foram mudados os elementos específicos daquele negócio, nomeadamente, a identificação das partes, o preço, a forma de pagamento do sinal e as moradas das partes, tendo o objeto sido descrito de forma mínima, omitindo-se, além das respetivas áreas, os ónus que sobre ele impediam.

19. No dia 18 de março de 2020 foi decretado o estado de emergência e determinado o confinamento obrigatório dos cidadãos, bem como o encerramento de estabelecimentos cuja atividade foi considerada não essencial.

20. Só entre Maio e Junho de 2020 começaram a ser levantadas as medidas de confinamento obrigatório e puderam reabrir os estabelecimentos comerciais não essenciais, apesar de se manterem fortes restrições quanto ao número de pessoas permitidas permanecer no mesmo espaço físico, tanto nesses estabelecimentos, como em todos os demais espaços e serviços, tanto públicos como privados.

21. A emergência da pandemia Covid-19, poucos dias depois da assinatura do contrato-promessa de compra do terreno dos Recorridos e toda a conjuntura por ela criada, nomeadamente, o confinamento obrigatório, os fortes constrangimentos na movimentação das pessoas e a priorização dada pelos Bancos à implementação dos apoios concedidos às famílias e empresas pelo Governo, em detrimento de outras operações bancárias como o crédito-habitação, acabaram por tornar a venda do apartamento dos Recorrentes muito mais difícil durante aquele período.

22. Devido a situação de desemprego decorrente da pandemia Covid-19, a pessoa interessada na compra do apartamento dos Recorrentes desistiu da sua aquisição.

23. A desistência do prospetivo comprador do seu apartamento conduziu os Recorrentes para uma situação de falta de liquidez para fazer o pagamento do preço acordado com os Recorridos na data estipulada para a outorga do contrato definitivo.

24. O Recorrente-Marido (e não os Autores/Recorrentes) enviou às agências imobiliárias, B... e Century21 Tejo, na pessoa das suas colaboradoras EE, JJ e FF, email datado de 23.07.2020, com o teor descrito no Ponto 19 dos Factos Provados, em que

• deu conta da sua situação de falta de liquidez, devido à situação que elas bem conheciam de frustração da venda da sua casa motivada pelo aparecimento da epidemia Covid-19 e todos os constrangimentos de dali advieram;

• deu conta das diligências efetuadas junto do seu Banco para tentar obter os fundos de que necessitava para fazer o pagamento do valor remanescente até 31.07.2020;

deu conta de que, naquela altura, só conseguiu o montante de € 31.000,00, valor inferior ao remanescente do preço que terá de pagar;

• reconheceu que os € 7.000,00 que já haviam sido pagos com mais € 31.000,00 não era um valor justo para o terreno, mas era o máximo a que ele podia chegar naquele momento;

• depois de ter pedido ajuda para encontrar uma solução, prosseguiu dizendo: «caso não estejam de acordo com a nossa solução e entretanto apareça outra pessoa interessada no terreno, nós abdicamos da sua compra e os senhores podem vender o terreno a essa pessoa, devolvendo-nos o sinal que nós entregámos. Dessa maneira ninguém ficaria prejudicado»;

• conclui, pedindo a ajuda das agentes imobiliárias: «gostaríamos de saber o que acham desta possibilidade e se estão disponíveis para abordar esta questão com os promitentes-vendedores».

25. Os Recorridos enviaram aos Recorrentes carta datada de 29.07.2020 em que comunicam que «em face de ter sido ultrapassado o prazo de 31 de Julho de 2020, contratualmente estipulado» entendem que «a promessa de compra e venda caducou», que perderam o interesse no negócio devido a incumprimentos dos Recorrentes, assistindo-lhes, como tal, o direito à apropriação da quantia paga a título de sinal e que consideram cessados «todos e quaisquer direitos provenientes do contrato promessa em causa e seu aditamento».

26. Somente em 06.10.2021 foi deliberado pela Câmara Municipal ... substituir a hipoteca legal referida no Ponto 3 dos Factos Provados incidente sobre o prédio prometido vender.

27. Em 07.11.2022 incidia ainda sobre o prédio prometido vender o ónus de restrição ao direito de propriedade referido no Ponto 3 dos Factos Provados.

28. Além do pagamento dos valores em dívida decorrentes do Alvará de Loteamento subjacente ao registo dos ónus, para a emissão da autorização de cancelamento da hipoteca, foi necessário uma deliberação da Câmara Municipal ... e a constituição de uma nova garantia para substituição daquela.

29. Para a emissão da autorização de cancelamento do ónus de restrição do direito de propriedade, a Câmara Municipal ... exigiu que fossem praticados actos materiais de construção civil de demolição da construção excessiva, bem como a fiscalização e verificação da correção efetuada.

30. À data de 29.07.2020 os Recorridos ainda nem tinham dado início às obras de demolição da construção excessiva existente no imóvel referido em 1.

31. Em 29.07.2020 a outorga do contrato prometido nas condições acordadas não era juridicamente possível, porquanto o prédio prometido vender continuava onerado, exigindo o cancelamento de tais ónus a prática de actos impossíveis de concretizar até à data estipulada para a outorga do contrato definitivo - ou mesmo nessa data -, ainda que fosse então feito o pagamento.

32. O email enviado em 23.07.2020 às agências imobiliárias não pode ser interpretado como declaração de recusa dos Recorrentes em contratar, porquanto:

a. não foi dirigido aos Recorridos;

b. foi subscrito e enviado somente pelo Recorrente-Marido;

c. não obedeceu à forma convencionalmente prescrita para as declarações a produzir entre as Partes ao abrigo do contrato-promessa;

d. as destinatárias sabiam que o Recorrente-Marido nunca se recusou a comprar o terreno, nem expressou qualquer vontade de desistir do negócio;

e. o Recorrente-Marido deixou claro que o problema que enfrentava era somente de falta de liquidez, de natureza temporária, que cessaria logo que conseguisse vender a sua fração;

f. o objetivo do referido email era, deste modo, estabilizar a situação em face da incerteza quanto ao momento em que estaria em condições de pagar o remanescente do preço de venda acordado.

33. A Recorrente-Mulher subscreveu em nome próprio, quer o contrato-promessa, quer o seu aditamento, adquirindo para a sua esfera jurídica, de forma autónoma e independente do seu marido, os direitos e obrigações daquele decorrentes.

34. A Recorrente-Mulher não emitiu qualquer declaração posteriormente à assinatura do aditamento ao contrato-promessa.

35. De acordo com os artigos 66º n.º 1 e 68º n.º 1 do Código Civil, a personalidade jurídica, uma vez adquirida, só cessa com a morte, não com o casamento.

36. Nos termos do artigo 223º do Código Civil, quando as partes tenham estipulado uma forma especial para a declaração, presume-se que as mesmas não se querem vincular senão pela forma convencionada.

37. Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 218º do Código Civil, o silêncio só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.

38. Assim, ainda que o Recorrente-Marido tivesse, com a sua missiva de 23.07.2020, expressado uma recusa inequívoca em contratar, os efeitos de tal declaração não se podiam estender automaticamente à esfera jurídica da Recorrente-Mulher.

39. Nada tendo sido dito pela Recorrente-Mulher, os Recorridos sempre teriam de converter a sua eventual mora em incumprimento definitivo, nos termos do artigo 808º do Código Civil.

40. Com efeito, a falta de respeito pelo prazo de cumprimento da obrigação, que se presume estabelecido a favor do devedor (artigo 779º do Código Civil), origina uma situação de mora (artigo 805º nº 2, alínea a), do Código Civil) que apenas se transforma em incumprimento definitivo por uma das duas vias previstas no artigo 808º do Código Civil: perda do interesse do credor apreciada objetivamente ou decurso de um prazo adicional razoável fixado pelo credor, via também denominada como interpelação admonitória.

41. A determinação da perda do interesse do credor exige a perda absoluta, completa, desse interesse, o que só ocorrerá no caso de desaparecimento objetivo da necessidade a que a prestação visava responder.

42. A decisão dos Recorrentes de subscrever o contrato-promessa «sub judice», antes de assegurarem a venda do seu apartamento foi precedida da convicção de que a dita venda seria concretizada dali a poucos dias e da pressão exercida pela licitação com outro interessado no terreno que, no espaço de muito poucos dias, os obrigaram a suportar um aumento do preço de compra de €5.000,00, correndo, pois, o risco de, ou subir ainda mais a sua oferta ou perder a oportunidade de adquirir o terreno.

43. Não era exigível que os Recorrentes tivessem previsto a emergência de uma calamidade global nunca antes vista, apenas alguns dias após terem firmado o contrato-promessa com os Recorridos.

44. A relevância da declaração antecipada de não cumprimento exige que a mesma seja consciente, séria, categórica, inequívoca, definitiva, perentória e juridicamente possível.

45. A declaração de não-cumprimento não deve equivaler à manifestação de dúvidas sobre a exequibilidade do contrato, à decorrência de diversos entendimentos quanto ao mesmo ou à ponderação de dificuldades exteriores.

46. Não pode considerar-se relevante uma pretensa declaração de não cumprimento da obrigação de contratar juridicamente impossível, por não ser possível cumprir a obrigação de contratar no prazo previsto por causa que se situa na esfera jurídica do declaratário.

47. A declaração de não-cumprimento terá de exprimir a intenção consciente e definitiva do declarante de trocar o contrato pelas consequências da sua execução.

48. A missiva de 23.07.2020 do Recorrente-Marido não pode ser interpretada como uma recusa inequívoca em contratar por banda dos Requerentes, porquanto, além das razões já apontadas na conclusão 32 supra, não traduz qualquer intenção consciente e definitiva de trocar o contrato pelas consequências da sua execução.

49. Não podendo a missiva do Recorrente-Marido relevar como declaração antecipada de não cumprimento, por um lado, e, por outro lado, considerando que a declaração resolutiva dos Recorridos foi produzida (i) antes de esgotado o prazo para a celebração do contrato prometido; (ii) sem que fosse feita qualquer interpelação admonitória a qualquer um dos Recorrentes; (iii) sem que os Recorridos tivessem perdido o interesse na prestação, ainda possível, dos Recorrentes; e (iv) sem que eles próprios estivessem em condições de cum-prir o contrato por facto a eles atinente, teremos de concluir que a declaração resolutiva dos Recorridos é manifestamente infundada e ilícita.

50. Segundo doutrina e jurisprudência quase unânimes, só o incumprimento definitivo justifica a resolução do contrato-promessa bem como a exigência do sinal em dobro ou a perda do sinal passado, pois a simples mora não pode ter tal consequência.

51. A declaração de resolução, mesmo que infundada e ilegítima, corresponde a uma recusa de execução do contrato, equivalendo a uma declaração séria e firme de não cumprir.

52. Tal declaração deve ser equiparada a uma declaração antecipada e irreversível de incumprimento, uma vez que, ao fazê-la, o declarante afirma em termos categóricos e definitivos que não outorgará o contrato definitivo; ou, pelo menos, tem implícita uma declaração inequívoca de não cumprimento do contrato, colocando o declarante em situação de incumprimento definitivo.

53. Chegada ao conhecimento do devedor declaração resolutiva do contrato, esta opera seus efeitos, independentemente de ser lícita ou ilícita, pelo que esse mesmo devedor já não pode cumprir e o próprio credor deixa de poder exigir o cumprimento.

54. A declaração resolutiva dos Recorridos revela, essa sim, um claro propósito de não querer cumprir o contrato-promessa celebrado entre eles e os Recorrentes, como, de resto, decorre da sua própria afirmação de que consideravam cessados todos e quaisquer direitos provenientes do contrato prometido e seu aditamento.

55. Os Pontos 23 a 25 dos Factos Provados corroboram tal interpretação, porquanto, tendo o Recorrente-Marido enviado a carta a que se refere o Ponto 22 dos Factos Provados e tendo havido uma reunião no terreno entre as partes na sequência da referida carta do Recorrente-Marido, não houve mais nenhuma resposta dos Recorridos, que, simplesmente, colocaram o terreno de novo à venda e o alienaram posteriormente a terceiros.

56. Tudo considerado, não restam dúvidas de que a comunicação emitida pelos Recorridos em 29 de julho de 2020 reveste a natureza de declaração resolutiva.

57. Por outro lado, tal como se demonstrou, tal declaração resolutiva é totalmente infundada, ilícita e corresponde a uma recusa de execução do contrato promessa de compra e venda por parte dos Recorridos.

58. Tal declaração resolutiva, nos termos em que foi feita, determina o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dos Recorridos.

59. Os Recorrentes assinaram o contrato-promessa de compra e venda do terreno «sub judice» convencidos de que o mesmo tinha uma área bruta entre 370/362m2, que permitiria a construção de uma moradia com jardim e piscina.

60. A área real do terreno, de apenas 318m2, inviabilizava o projeto dos Recorrentes.

61. Além disso, tendo em conta o preço por metro quadrado que os Recorrente se disponibilizaram a pagar, a diferença entre a área anunciada e a área real do terreno traduz-se num prejuízo para os Recorrentes de € 7.900,00.

62. Nos termos do artigo 251º do Código Civil, o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º, também do Código Civil, condicionando esta disposição legal a anulabilidade ao facto de o declaratário conhecer ou não dever ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.

63. É um facto do conhecimento geral que a área de um terreno, a sua localização, natureza (urbano ou rústico) e preço, são os elementos essenciais para a decisão de compra, razão pela qual são sempre colocados nos anúncios de venda deste tipo de imóveis.

64. A área do terreno, a sua localização, configuração - duas frentes e facilidade de acesso para a rua – e preço, foram aspetos essenciais para a determinação de compra pelos Recorrentes.

65. Nos termos do disposto no artigo 442º n.º 2 do Código Civil, deixando aquele que recebeu o sinal de cumprir a obrigação, tem o outro contraente a faculdade de exigir o dobro do que foi prestado.

66. A apropriação, pelos Recorridos, manifestamente incumpridores, do sinal prestado pelos Recorrentes, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé.

67. É tanto mais assim quanto o facto de os Recorridos nem sequer terem iniciado as obras de demolição da construção excessiva subjacente ao ónus de restrição ao direito de propriedade que impendia sobre o terreno prometido e, enquanto isso, terem resolvido o contrato, imputando incumprimento definitivo aos Recorrentes.

68. Deste modo, a sentença recorrida viola as disposições dos artigos 66º n.º 1, 68º n.º 1, 218º, 223º, 236º, 237º, 334º, 442º,779º, 805º n.º 2 al. a) e 808º, todos do Código Civil.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas doutamente suprirão as insuficiências do patrocínio, deverá o presente recurso merecer integral provimento, determinando, em conformidade:

- a alteração da resposta dada à matéria de facto pelo Tribunal «a quo» sob os pontos 3, 9, 19, 20, 22 e 25 dos Factos Provados;

- o aditamento dos Pontos 31 a 35 aos Factos Provados;

- a declaração do incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os Recorrentes e os Recorridos em 02.03.2020, por motivo imputável a estes últimos

- a condenação dos Recorridos a pagar aos Recorrentes a quantia de € 14.000,00, correspondente ao dobro do sinal por estes prestado, nos termos do disposto no artigo 442º n.º 2 do Código Civil

ou, sem prescindir, quando assim não se entenda,

- ser anulado o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 02.03.2020, entre os Recorrentes e os Recorridos, por erro sobre o objeto do negócio, condenando os Recorridos a devolver aos Recorrentes o valor recebido a título de sinal;

ou ainda, sem igualmente prescindir, quando assim não se entenda,

- serem os Recorridos condenados a devolver aos Recorrentes o valor de € 7.000,00 recebido a título de sinal, a título de compensação pela conduta violadora do disposto no artigo 334º do Código Civil.

Deste modo se fará a desejada e costumada Justiça!”


*

            Os réus/recorridos contra-alegaram nos seguintes termos:

“1ª. Não se, verificam os erros de julgamento da matéria de facto apontados pela Recorrente no recurso interposto.

2ª. Os meios de prova concretamente indicados pela Recorrente foram sindicados e, sujeito a escrutínio pelo Tribunal recorrido e, são contrários à interpretação pretendida conferir pela Recorrente.

3ª Não existe fundamento para a pretendida modificabilidade da matéria de facto dos pontos: 9 e 25; 19; 20 e 22 dados como provados e aditados factos sob os pontos 31; 32; 33; 34 e 35 e, subsequente alteração da aplicação do direito.

4ª. O Tribunal recorrido fez uma correta aplicação da mens legis e, dos critérios da distribuição do ônus da prova sobre os factos constitutivos do direito invocado, relativos aos pressupostos da responsabilidade civil decorrente do incumprimento contratual. E,

5ª. As negociações estabelecidas entre as partes e, as vicissitudes ocorridas durante o contrato promessa de compra e venda.

6ª. O Tribunal recorrido concluiu corretamente não ter existido qualquer incumprimento definitivo e culposo pelo Recorridos não sendo assim admissível a pretendia resolução e as consequências daí decorrentes pretendidas pelos Recorrentes.

7ª. O Tribunal pronunciou-se, sobre todas as questões colocadas e, que mereciam a tutela jurídica.

Pelo exposto,

Deve, o recurso interposto, pelos Recorrentes quanto, à impugnação da matéria de facto e, do direito aplicável ser julgado totalmente, improcedente por não se, verificar erro no julgamento da matéria de facto nos pontos indicados nem qualquer vicio na subsunção dos factos ao direito aplicável.”

E nas conclusões aperfeiçoadas, aditaram:

“a) Quanto à conclusão ponto 3:

1 – Os recorrentes, baseiam-se em pretensos documentos, designadamente em certidão de registo predial anexa à petição inicial, como documento nº. 3 e, o ónus de restrição de direito de propriedade, cuja força probatória dos factos a que, os mesmos, pretendem demonstrar.

b) Quanto ao ponto 9:

2 – Incidem sobre depoimento das testemunhas a que faz alusão e, salvo o devido respeito, também, sobre o mesmo, já, se toma posição na resposta, está segmentado e descontextualizado e, não merece crédito pelo Tribunal a quo. Pelo que, se impugna.

c) Quanto ao ponto 25:

3 – Escudam-se em contrato de promessa de compra e venda, junto aos autos. Idem.

d) Quanto à conclusão ponto 2:

5 – É sob o documento nº. 11 junta à PI; idem.

e) Quanto à conclusão ponto 20:

6 – É sob o documento nº. 12 junto à PI, idem.

7 – Em suma, quanto às conclusões aperfeiçoadas, os recorridos mantêm o conteúdo da sua resposta, agora para impugnação quanto à matéria de facto e; não haver erro de julgamento cometido pela primeira instância; pelo que, com o devido respeito e melhor entendimento, deverá improceder.”.


*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, sendo as seguintes as questões a dirimir:

1. Impugnação da matéria de facto:

1-a) Alteração das respostas dadas à matéria de facto pelo tribunal a quo sob os números 3, 9, 19, 20, 22 e 25 dos Factos Provados;

1-b) Aditamento dos números 31, 32, 33, 34 e 35 aos Factos Provados.

2. Julgamento da matéria de direito:

2-a) Interpretação do email enviado pelo autor/recorrente em 23-07-2020.

2-b) Interpretação da comunicação dos réus/recorridos de 29-07-2020.

2-c) Consequência da diferença de área do imóvel objecto do contrato-promessa.


*

A. Fundamentação de facto.

Na 1ª instância consignou-se o seguinte no que tange à factualidade provada e não provada:

1. Encontra-se descrito a favor dos réus, pela ap. ...4 de 03-05-2005, na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...14, o prédio urbano com a área de 370 m2, composto de lote de terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo nº ...67.

2. O prédio referido em 1 encontra-se inscrito na matriz sob o artigo nº ...54, com origem no artigo nº ...67, sito em ..., ..., composto de lote de terreno para construção, com a área total de 362 m2, área de implantação de 125 m2 e área bruta de construção de 375 m2.

3. Sobre o prédio descrito em 1, encontra-se descrita hipoteca legal pela ap. ...12 a favor do Município ... com o descrito fundamento de caucionamento de boa execução das obras de urbanização referentes ao alvará nº ...11 de 18 de Novembro, no valor global de € 321 219,71, correspondendo ao lote 61 o valor de € 3900,26.

4. O lote 61, titulado pelo alvará referido em 3 foi desanexado do prédio descrito sob o nº ...03, com a área de 370 m2, sendo os remanescentes 45 m2 cedidos para arruamentos e zonas verdes integrantes do referido loteamento, dando origem à descrição ...14.

5. Por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ..., no dia 09-03-2005, os réus declararam comprar a KK e mulher, que declararam vender, pelo preço de € 64 866, 34, um lote de terreno destinado a construção, com a área de 370 m2, sito no ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...03 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...67.

6. Os AA. são casados entre si e têm uma filha menor de idade.

7. Em finais do ano de 2019, os AA decidiram vender a casa onde residiam, sita na Rua ...-A, ..., em ..., e comprar um terreno para construção de uma moradia com jardim e piscina, para nela passarem a habitar com a sua filha.

8. Com o fim de vender a sua casa, logo nos primeiros dias de Janeiro de 2020 falaram com EE, agente imobiliária, funcionária da sociedade C... - Unipessoal, Lda. que colaborava com a agência Century 21 River e celebraram o respectivo contrato de mediação imobiliária.

9. Em data não concretamente apurada, surgiu um interessado na aquisição da casa dos autores, que posteriormente desistiu da sua aquisição.

10. Na sequência das diligências efectuadas para aquisição de um terreno para construção, os autores visualizaram um anúncio, proveniente da Century 21 Tejo, publicitando um terreno urbano, localizado em ..., com a área total de 370 m2, área de implantação de 125 m2 e área de construção de 375 m2, pelo preço de € 60 000,00.

11. Os autores solicitaram à agência referida em 8 que contactasse a mencionada em 10, a fim de manifestar o seu interesse na aquisição do terreno em causa.

12. Quando os autores comunicaram a sua intenção de compra foi-lhes dito que havia um outro interessado na aquisição do terreno, pelo que, se queriam ficar com ele teriam de fazer uma oferta por um valor superior ao que havia sido anunciado.

13. Por email enviado pela Century 21 River à Century 21 Tejo, no dia 26-02-2020, foi confirmada a pretensão dos autores na aquisição do terreno referido em 10, com a área bruta e útil de 362 m2, pelo valor de € 62 000,00, a efectuar contrato-promessa de imediato, mediante entrega de sinal no valor de € 7000,00 e escritura a efectuar até ao final de Abril.

14. Após a comunicação referida em 13, foi novamente transmitido aos autores que outro interessado havia subido a sua oferta e, sendo assim, só conseguiriam ficar com o terreno se apresentassem uma nova proposta de valor mais elevado, pelo que propuseram-se adquirir o terreno pelo valor de € 65 000,00.

15. No dia 28-02-2020 os autores formalizaram a proposta de aquisição nas condições referidas em 13 e 14.

16. Por contrato-promessa com data de 02-03-2020, os autores prometeram comprar e os réus prometeram vender, livre de quaisquer ónus ou encargos de pessoas e bens, o prédio urbano – terreno para construção, sito em ..., ..., Bairro ..., da união de freguesias ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo nº ...54, pelo preço de € 65 000,00, sendo entregue a título de sinal a quantia de € 7000,00 e o remanescente do preço pago na data da celebração da escritura.

17. No documento referido em 16 mais ficou consignado que a escritura pública seria realizada no prazo máximo de 90 dias, a ser agendada pelos promitentes compradores, devendo estes comunicar a data e local aos promitentes vendedores com a antecedência mínima de 10 dias, sendo que a falta de comparência de qualquer deles implicaria o seu agendamento automático para o 12.º dia útil seguinte à mesma hora e local, sem necessidade de qualquer interpelação, constituindo a falta de comparência de qualquer das partes, incumprimento definitivo do contrato.

18. No dia 25-06-2020 foi feito um aditamento ao contrato referido em 16 e 17, por meio do qual foi alterada a cláusula 6ª, prorrogando o prazo para a realização da escritura pública até 31-07-2020.

19. Os autores enviaram à agência Century 21 River e à agência Century 21 Tejo, email datado de 23-07-2020, entre o mais, do seguinte teor:

“(…) A aquisição do referido terreno esteve sempre dependente a venda da fração autónoma de que somos proprietários no ..., a qual, por isso mesmo, vos entregámos para venda no âmbito da vossa atividade de mediação imobiliária.

Infelizmente, fruto do entusiasmo com o terreno, assinámos o respetivo contrato-promessa de compra e venda no dia imediatamente anterior ao dia em que iríamos assinar o contrato-promessa de compra e venda da nossa fração autónoma, jamais imaginando que o interessado na sua aquisição iria voltar com a sua palavra atrás e, à última da hora, recusar-se a assinar o CPCV, com o argumento da incerteza decorrente da crise Covid-19.

Esta situação inesperada criou-nos um problema muito complicado de liquidez, visto que entretanto ainda não conseguimos uma oferta firme para aquisição da nossa casa.

Para ver se conseguíamos ultrapassar esta dificuldade, pedimos ao nosso Banco o financiamento do valor em falta para pagar o terreno, sendo que temos condições para pagar a prestação que daí resultaria.

Contudo, dados os cada vez mais apertados critérios de concessão de crédito, apesar de nós termos condições de suportar a prestação que resultaria do dito financiamento, o facto de termos ainda a prestação da casa – porque ainda não foi vendida – determina que a nossa taxa de esforço, só suporte um financiamento até € 33.000,00, dos quais € 2.000,00 seriam para pagar despesas relacionadas, ficando disponível apenas a quantia de € 31.000,00.

(…)

Ora, € 7.000,00 que já foram pagos com mais € 31.000,00, não é um valor justo para o terreno, mas é o máximo que pudemos chegar neste momento.

(…)

Assim porque são vocês quem faz a intermediação com os promitentes vendedores que sabemos serem pessoas de idade avançada, gostaríamos e vos pedir que falassem com eles no sentido de encontrarmos uma solução definitiva para esta questão.

Caso não estejam de acordo com a nossa solução e entretanto apareça outra pessoa interessada no terreno, nós abdicamos da sua compra e os senhores podem vender o terreno a essa pessoa, devolvendo-nos o sinal que nós entregámos. (…).”

20. No dia 28-07-2020, a interveniente enviou aos autores email, comunicando, entre o mais, que fariam chegar à Century 21 River a decisão escrita dos promitentes compradores pois que apenas aos mesmos caberia decidir face ao exposto no email referido em 19, onde indicaram não ter condições para cumprir o contrato celebrado.

21. Os réus enviaram aos autores carta datada de 29-07-2020, entre o mais do seguinte teor:

Pela presente vimos comunicar que não aceitamos os motivos invocados por V.Exas, com vista à desistência do negócio e a proposta de compra por € 31.000,00.

É nosso entender que não foi aposta cláusula que condicione o negócio da compra do terreno, à venda do apartamento de V. Exas. Note-se que os senhores licitaram com terceiros a promessa de compra, tendo celebrado negócio por valor superior ao inicialmente anunciado, por sua exclusiva vontade. Relativamente à questão da pandemia, a mesma dificuldade que terão em vender o vosso apartamento, teremos nós, em vender o terreno.

Assim, em face de ter sido ultrapassado o prazo de 31 de Julho de 2020, contratualmente estipulado, entendemos que a promessa de compra e venda caducou. Nestes termos, perdemos o interesse no negócio, devido a incumprimento por parte de V. Exas e nos termos da cláusula nona, ponto 2 do contrato promessa, assiste-nos o direito a fazer nossa a quantia paga a título de sinal. (…).”.

22. Os autores enviaram aos réus carta registada com aviso de recepção, recebida em 01-09-2020, na qual acusam a recepção da carta referida em 21, comunicando as circunstâncias referidas na missiva mencionada em 19 e referindo terem constatado que a área do terreno não alcança os 300 m2, mais comunicando:

Tendo em atenção a área do terreno publicitada no anúncio da venda (370 m2) e a que consta dos documentos que me foram entregues (370 m2 na certidão predial e 362 m2 na caderneta predial) quando aceitei celebrar o contrato promessa de compra e venda com V. Exa estava convencido de que a área do terreno podia variar um pouco, mas sempre se situaria entre os 362 m 2 e os 370 m2.

Uma vez que esses números não correspondem de todo à área efetiva do terreno, não só não estou disponível para pagar pelo terreno o preço estipulado no contrato-promessa, como perdi o interesse neste negócio, porque, não obstante a área de implantação da casa a construir se manter, as possibilidades de aproveitamento do espaço são completamente diferentes.

Não sendo possível a prestação a que se obrigou por causa que lhe é imputável, está V. Exa obrigado a devolver-me o valor correspondente ao dobro do sinal recebido.

Assim sendo, solicito a V. Exa que no prazo de 8 (oito) dias a contar da data da receção da presente carta, proceda à restituição do sinal que lhe prestei em dobro, no montante de € 14.000,00 (…)

Findo esse prazo sem que o pagamento acima referido se encontre efetuado, darei início às diligências necessárias à obtenção da realização coerciva daquela prestação.”.

23. Após a carta referida em 22, foi agendada uma reunião no prédio referido em 1, que teve lugar com a presença de autores e réus.

24. Em 11-11-2020, o prédio referido em 1 estava anunciado para venda no site da Century 21 Tejo, pelo valor de € 60 000,00, com a área bruta de 315 m2.

25. Por documento particular autenticado, outorgado no dia 08-02-2021, os réus declararam vender a GG e HH, que declararam comprar, pelo preço de € 60 000,00, o prédio referido em 1.

26. Antes da outorga do documento referido em 16, os autores e os réus não se conheciam, nem haviam estabelecido qualquer tipo de negociação.

27. Em 11-03-2020, os réus pagaram à interveniente a quantia de € 6150,00, a título de comissão pela venda do prédio referido em 1, a fim de liquidarem a factura por esta apresentada em 03-03-2020.

28. Entre os autores e os réus, até à carta referida em 22, nunca foi discutida a área do prédio referido em 1 como condicionante do negócio, assim como não foi a venda da casa em que os autores residiam;

29. À data referida em 16 e 17, o lote 61 tinha 318 m2.

30. Os autores ficaram tristes e desgostosos por não terem adquirido o prédio referido em 1.


*

Para além de factos manifestamente conclusivos, contrários aos dados como provados ou que contenham matéria de direito, não se provou:

a) O contrato referido em 9 tenha sido assinado no dia 05-02-2020;

b) O interessado referido em 9 tenha surgido em finais de Fevereiro de 2020;

c) O interessado referido em 20 informou os autores de que pretendia adquirir a casa mas que iria recorrer a financiamento bancário, cuja concessão era quase certa e o processo muito rápido, pedindo-lhes que o contrato-promessa de compra e venda fosse assinado quando ele tivesse assegurada a aprovação do crédito;

d) Com vista à formalização de uma eventual proposta de aquisição mencionada em 11, foram entregues aos autores a caderneta predial, planta dos lotes, quadro das áreas de construção dos lotes e certidão do registo predial;

e) Os autores questionaram as agências sobre a área total efectiva do terreno, tendo sido informados de que era de 362 m2 e não os 370 m2 que haviam sido anunciados;

f) À data referida em 15, os autores tinham indicação do interessado na aquisição da sua casa de que o crédito bancário estava prestes a ser aprovado;

g) Antes da assinatura do documento referido em 16, os autores foram bastante pressionados pelas agências imobiliárias com a ameaça de os vendedores se decidirem pelo outro interessado;

h) A pessoa interessada na aquisição da casa dos autores informou-os de que o seu crédito havia sido aprovado e, em face disso, acordaram fazer a assinatura do respetivo contrato-promessa de compra e venda no dia 18 de Março de 2020;

i) Três dias antes da data referida em h), o interessado na compra da casa dos autores comunicou que, não obstante ter o empréstimo aprovado, estava muito apreensivo com a situação de pandemia, tendo receio de vir a perder o seu emprego, pelo que não iria prosseguir com o negócio;

j) Em consequência do facto referido em i), os autores solicitaram ao seu Banco financiamento bancário, não tendo até Maio nenhuma resposta do mesmo;

l) A resposta do Banco só chegou em meados de Julho, limitando o valor do crédito a conceder ao montante de € 33.000,00;

m) Os autores encontraram um potencial interessado na aquisição do terreno, experiente na área imobiliária, tendo em conta a área do mesmo, que referiram ser a que constava dos documentos, e o preço de aquisição – € 65 000,00;

n) O interessado referido em m) quando viu o terreno disse aos autores que área do mesmo nem seria de 300 m2 e desinteressou-se imediatamente do negócio;

o) Após o facto referido em n), os autores indagaram as agências imobiliárias quanto à área, as quais nada mais acrescentaram;

p) Os autores recorreram a um topógrafo conhecido deles que, através do Google Earth, lhes forneceu as medições do terreno, de acordo com as quais a área do imóvel é de 292,12 m2;

q) Os autores receberam a carta referida em 21 no dia 13-08-2020;

r) A reunião referida em 23 ocorreu no dia 07-09-2020 e após terem feito uma medição em conjunto, concluíram que a área era bastante inferior aos 370m2 ou 362m2, ficando o réu marido de pensar no assunto, consultar a sua agência e que entraria posteriormente em contacto com os autores para apresentar uma proposta de solução.

s) Os autores nunca foram informados dos ónus referidos em 3;

t) A reunião referida em 23 foi agendada pelos autores transmitindo aos réus que tinham uma proposta a apresentar, designadamente a indicação de um terceiro que assumisse a sua posição no contrato;

u) Em consequência do facto referido em 27 os autores não poderiam implantar o conjunto que haviam projectado e determinou a decisão de vender a sua casa actual e comprar um terreno, o qual inclui o espaço para a construção de uma zona de lazer com piscina e área de refeições ao ar livre onde possam receber os seus muitos amigos;

v) A área do prédio referido em 1 foi determinante para os autores decidirem adquirir o mesmo;

x) Os autores, em consequência do pedido de financiamento bancário tiveram despesas no valor de € 988,63.


*

B. Fundamentação de Direito.

Analisado o recurso apresentado verifica-se que o mesmo cumpre com os requisitos legais, mormente os estabelecidos nos arts. 639.º e 640.º do CPC.

Vejamos, per se, as questões a decidir, começando, naturalmente, pela impugnação sobre a matéria de facto.

1-a) Alteração das respostas dadas à matéria de facto pelo tribunal a quo sob os números 3, 9, 19, 20, 22 e 25 dos Factos Provados.

Segundo o estatuído no art. 662.º, n.º 1, do CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

O preceito legal em apreço abrange quer as situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material – v.g., regras substantivas atinentes ao ónus de prova, admissibilidade dos meios de prova e sua força probatória –, quer, evidentemente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Posto isto analisemos os factos provados que os recorrentes pretendem ver alterados:

(i) Número 3

O tribunal a quo deu por provado (facto provado n.º 3): “Sobre o prédio descrito em 1, encontra-se descrita hipoteca legal pela ap. ...12 a favor do Município ... com o descrito fundamento de caucionamento de boa execução das obras de urbanização referentes ao alvará nº ...11 de 18 de Novembro, no valor global de € 321 219,71, correspondendo ao lote 61 o valor de € 3900,26”.

Os recorrentes sustentam que a certidão do registo predial anexa à petição inicial como documento n.º 3, revela que, à data da celebração do contrato-promessa, incidia sobre o imóvel um ónus de restrição ao direito de propriedade, correspondente a “excesso de construção; construção e muro a demolir”, inscrito sob a apresentação 2309 de 2012/07/09.

Em face disso, sustentam que o n.º 3 dos Factos Provados deverá passar a ter a seguinte redação: “Sobre o prédio descrito em 1, encontra-se descrita hipoteca legal pela ap. ...12 a favor do Município ... com o descrito fundamento de caucionamento de boa execução das obras de urbanização referentes ao alvará nº ...11 de 18 de Novembro, no valor global de € 321.219,71, correspondendo ao lote 61 o valor de € 3.900,26, bem como restrição ao direito de propriedade que no Lote 61 corresponde a excesso de construção com construção e muro a demolir.”.

Os recorridos contrapõem que “os recorrentes baseiam-se em pretensos documentos”, “cuja força probatória dos factos (…) pretendem demonstrar”.

Vejamos.

O registo predial é o documento que comprova a situação jurídica de um imóvel, incluindo os ónus e encargos que lhe estão associados[3], e tem como finalidade essencial conferir publicidade à situação jurídica imobiliária, de modo a garantir a segurança nas operações de natureza predial e, salvo demonstração em contrário, faz presumir a situação jurídica de um imóvel no momento em que é emitida a certidão ao reunir e descrever os registos em vigor que dizem respeito àquele imóvel.[4]

In casu, da leitura dos documentos n.ºs 6 e 20 da petição inicial – certidões do registo predial, emitidas em 23-01-2020 e em 14-11-2020, relativas ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...03 – alcança-se que, de facto, sobre aquele imóvel, além da hipoteca legal a favor do Município ..., a que corresponde a AP. ...09 de 2012/07/09, também recai, pela mesma apresentação, “Restrição o direito de propriedade”, que, no que se refere ao lote 61, consiste em “Excesso de construção; construção e muro a demolir” (cf., fls. 46, 48, 60, 93, 104 e 106 do suporte físico do processo).

De harmonia, o facto n.º 3 passará a ter a seguinte redacção:

Sobre o prédio descrito em 1, encontra-se descrita hipoteca legal pela ap. ...12 a favor do Município ... com o descrito fundamento de caucionamento de boa execução das obras de urbanização referentes ao alvará nº ...11 de 18 de Novembro, no valor global de € 321.219,71, correspondendo ao lote 61 o valor de € 3.900,26, bem como restrição ao direito de propriedade que no Lote 61 corresponde a excesso de construção com construção e muro a demolir.”.

(ii) Número 9

O tribunal a quo deu por provado (facto provado n.º 9): “Em data não concretamente apurada, surgiu um interessado na aquisição da casa dos autores, que posteriormente desistiu da sua aquisição.”.

Porém considerou não provado que:

“a) O contrato referido em 9 tenha sido assinado no dia 05.02.2020;

b) O interessado referido em 9 tenha surgido em finais de Fevereiro de 2020.”.

Na fundamentação exarou-se: “No que concerne aos factos relacionados com as diligências encetadas para venda da habitação dos autores, e resultado das mesmas (factos 8 e 9), os mesmos fundamentam-se no contrato de mediação imobiliária, bem como no depoimento de EE que teve intervenção directa em tais negociações. No entanto, porque não resultou deste depoimento, nem sequer do documento supra aludido, que não se encontra datado, deu-se por não provada a factualidade descrita em a) e b).”.

Os recorrentes consideram que em face dos depoimentos prestados pelas testemunhas EE, no dia 12.04.2024, entre os 00:31:05 e os 00:31:25 – e FF, no dia 03.06.2024, entre os 00:25:45 e os 00:26:05, este facto deverá passar a ter a seguinte redacção: “Em data não concretamente apurada, mas que se situa em momento anterior à data de assinatura do contrato-promessa de compra e venda referido em 16, surgiu um interessado na aquisição da casa dos autores, que posteriormente desistiu da sua aquisição em consequência de impedimento decorrente da pandemia Covid-19.”.

Os recorridos responderam que o depoimento das sobreditas testemunhas não permitiu concluir qualquer data como os recorrentes pretendem inferir do seu depoimento.

Apreciando.

O facto em causa está relacionado, fundamentalmente, com a matéria alegada no art. 5.º da petição inicial: “Em resultado das visitas à casa levadas a efeito pela agência imobiliária, em meados de fevereiro de 2020 surgiu uma pessoa efetivamente interessada na sua compra”.

Procedendo, nesta sede, à audição integral da prova testemunhal indicada pelos recorrentes não se alcança que os depoimentos das testemunhas EE e FF, mormente os momentos da gravação indicados, sejam suficientes para dilucidar e/ou concretizar em que data é que surgiu um interessado na compra da casa e em que o mesmo desistiu.

A testemunha EE disse que estava à procura de interessado para a venda do apartamento dos autores, tendo referido que face ao covid o interessado teve de desistir, porém, quanto à data em que tal se verificou, acrescentou “não me recordo dos timings”, afirmando, também, que não se recordava de ter recebido o email correspondente ao doc. n.º 11 junto à petição inicial. Por sua vez, a testemunha FF, não obstante ter afirmado que o autor falou consigo para a compra do terreno por ter vendido a sua casa, acabou por dizer que não acompanhou o processo da casa, desconhecendo o que aconteceu.

Nesta consonância, não se vislumbra qualquer motivo para alterar a redacção do facto n.º 9 que se mantém.

 (iii) Número 19

O tribunal a quo deu por provado (facto provado n.º 19): “Os autores enviaram à agência Century 21 River e à agência Century 21 Tejo, email datado de 23-07-2020, entre o mais, do seguinte teor: “(…)”.

Sob o prisma dos recorrentes, o documento n.º 11 anexo à petição inicial corresponde a um email que foi enviado do endereço electrónico do recorrente-marido e apenas por ele subscrito, razão pela qual o número 19 dos Factos Provados deve ser corrigido, passando a ter a seguinte redação: “O autor enviou à agência Century 21 River e à agência Century 21 Tejo, email datado de 23.07.2020, entre o mais, do seguinte teor (...)”.

Apreciando.

O facto em apreço corresponde à matéria de facto que foi alegada pelos autores nos arts. 34.º e 35.º da petição inicial, em que os autores mencionam, expressamente, “o A. marido”.

Não obstante, verificado o documento n.º 11 da petição inicial – cf. fls. 72-74 do suporte físico do processo –, regista-se que a mensagem de correio electrónico que foi enviada do endereço de email ..........@....., subscrita pelo autor marido, foi remetida com conhecimento para o endereço de email de LL, isto é, da autora mulher.

Por outro lado, na decisão recorrida optou-se por narrar o que consta dessa comunicação de forma truncada, devendo reproduzir-se o teor integral do documento, atendendo à sua relevância para a boa decisão da causa.

Em consonância, a redacção do facto n.º 19 passará a ser a seguinte:

O autor marido enviou à agência Century 21 River e à agência Century 21 Tejo, email datado de 23.07.2020 – com conhecimento para o endereço electrónico da autora mulher –, entre o mais, do seguinte teor (...) [dá-se por reproduzido o teor integral do texto]”.

(iv) Número 20

O tribunal a quo deu por provado (facto provado n.º 20): “No dia 28-07-2020, a interveniente enviou aos autores email, comunicando, entre o mais, que fariam chegar à Century 21 River a decisão escrita dos promitentes compradores pois que apenas aos mesmos caberia decidir face ao exposto no email referido em 19, onde indicaram não ter condições para cumprir o contrato celebrado.”.

Na fundamentação escreveu-se: “O facto 20 fundamenta-se nas declarações de parte de II, conjugadas com o documento 12 da p.i., o qual enferma de lapso, porquanto referindo-se a promitente comprador, quereria referir-se a promitentes vendedores, que eram os seus clientes.”.

Os recorrentes explanam que do documento n.º 12 anexo à petição inicial, correspondente a um email proveniente do endereço ..........@....., em conjugação com o depoimento do representante legal da Interveniente, II, prestado no dia 03-06-2024, entre os 00:01:28 e os 00:02:11, resulta que o referido email, apesar de enviado pelo representante legal da Interveniente, não continha qualquer elemento que pudesse levar o autor/recorrente a identificá-lo como tal.

Sendo assim, reputam que o número 20 dos Factos Provados deve ser corrigido, passando a ter a seguinte redação: “No dia 28-07-2020, o representante legal da Interveniente, do endereço ..........@....., enviou um email ao autor, comunicando, entre o mais que fariam chegar à Century 21 River a decisão escrita dos promitentes compradores pois que apenas aos mesmos caberia decidir face ao exposto no email referido em 19, onde indicaram não ter condições para cumprir o contrato celebrado.”.

Apreciando.

No art. 36.º da petição inicial os autores alegaram: “No dia 28 de Julho de 2020 o A. marido recebeu o email que corresponde ao documento n.º 12 que juntam e aqui se dá por integralmente reproduzido.”.

Procedendo à audição do depoimento testemunhal de II este disse que foi uma consultora da empresa que contactou com os autores e que apenas interveio na feitura do email. Verificando o documento em causa, junto a fls. 75/76 do suporte físico do processo, anota-se que, diversamente do exposto pelos recorrentes – que aduzem que apesar de enviado pelo representante legal da Interveniente, o email não continha qualquer elemento que pudesse levar o autor/recorrente a identificá-lo como tal –, aquele email menciona no item “Assunto”: “Resposta ao vosso email: Lote terreno ...”.

Por outro lado, essa “resposta”  foi remetida para o endereço de correio electrónico do autor com conhecimento de vários endereços de correio electrónico  que identificam a Century 21: ..........@....., ..........@....., ..........@....., ..........@....., ..........@......

Assim, a redacção do facto n.º 20 passará a ser a seguinte:

No dia 28-07-2020, o representante legal da Interveniente, do endereço ..........@....., enviou um email ao autor, com conhecimento para os endereços de email ..........@.....,..........@.....,..........@.....,..........@....., ..........@....., sob o assunto: “Resposta ao vosso email: Lote terreno ...”, comunicando, entre o mais que fariam chegar à Century 21 River a decisão escrita dos promitentes compradores pois que apenas aos mesmos caberia decidir face ao exposto no email referido em 19, onde indicaram não ter condições para cumprir o contrato celebrado.”.

(v) Número 22

O tribunal a quo deu por provado (facto provado n.º 22): “Os autores enviaram aos réus carta registada com aviso de recepção, recebida em 01-09-2020, na qual acusam a recepção da carta referida em 21, comunicando as circunstâncias referidas na missiva mencionada em 19 e referindo terem constatado que a área do terreno não alcança os 300 m2, mais comunicando: (…).”.

Os recorrentes defendem que o documento n.º 15 anexo à petição inicial, corresponde a uma carta registada enviada pelo recorrente-marido e apenas por ele subscrita.

Por consequência, o número 22 dos Factos Provados deve ser corrigido, passando a ter a seguinte redação: “O autor enviou aos réus carta registada com aviso de recepção, recebida em 01.09.2020, na qual acusa a recepção da carta referida em 21, comunicando as circunstâncias referidas na missiva mencionada em 19 e referindo ter constatado que a área do terreno não alcança os 300 m2, mais comunicando: (…).”.

Aquilatando.

O facto em apreço corresponde ao alegado no art. 46.º da petição inicial: “Em 28 de Agosto de 2020, o A. marido enviou aos RR. as cartas que se juntam como documentos n.ºs 15 e 16 e aqui se dão por integramente reproduzidos”.

Por outro lado, lendo o documento n.º 15 junto com a petição inicial – cf. fls. 79 a 83 do suporte físico do processo – realça-se que a carta datada de “28 de Agosto de 2020” sob o assunto: “Contrato-promessa de Compra e Venda celebrado em 02-03-2020 respeitante ao prédio urbano correspondente ao terreno para construção sito em ..., ..., Bairro .... V/Carta datada de 29 de Julho de 2020, recebida em 8.08.2020”, apenas foi subscrita pelo autor marido.

A esta luz, o facto n.º 22 passará a ter a seguinte redacção:

O autor marido enviou aos réus carta registada com aviso de recepção, recebida em 01-09-2020, na qual acusa a recepção da carta referida em 21, comunicando as circunstâncias referidas na missiva mencionada em 19 e referindo ter constatado que a área do terreno não alcança os 300 m2, mais comunicando: (…).”.

(vi) Número 25

O tribunal a quo deu por provado (facto provado n.º 25): “Por documento particular autenticado, outorgado no dia 08-02-2021, os réus declararam vender a GG e HH, que declararam comprar, pelo preço de € 60 000,00, o prédio referido em 1.”.

Os recorrentes consideram que em face do contrato de compra e venda junto aos autos com o requerimento sob a referência 41542737, de 07-03-2022, mais concretamente a sua cláusula terceira, o n.º 25 dos Factos Provados deve passar a ter a seguinte redação:

“Por documento particular autenticado, outorgado no dia 08-02-2021, os réus declararam vender a GG e HH, que declararam comprar, pelo preço de € 60.000,00, o prédio referido em 1, onerado com a hipoteca legal e restrição ao direito de propriedade mencionadas em 3.

Apreciando.

No que tange a este facto está em causa a análise do documento intitulado “Compra e Venda” que foi junto pelos autores com o requerimento de 07-03-2022 e que faz fls. 184- 189 do suporte físico do processo.

Na verdade, extrai-se da sua leitura – cf. fls. 186 – que na cláusula “Terceira” ficou exarado: “O imóvel é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos, com exceção da hipoteca legal registada predialmente pela inscrição AP. ...09 de 2012/07/09 e com exceção da restrição ao direito de propriedade registada predialmente pela inscrição AP. ...09 de 2012/07/09”.

Em consonância, o facto n.º 25 passa a ter a seguinte redacção: “Por documento particular autenticado, outorgado no dia 08-02-2021, os réus declararam vender a GG e HH, que declararam comprar, pelo preço de € 60.000,00, o prédio referido em 1, onerado com a hipoteca legal e restrição ao direito de propriedade mencionadas em 3.”.

1-b) Aditamento dos números 31, 32, 33, 34 e 35 aos Factos Provados.

Os recorrentes, pretendem, também, que sejam aditados à matéria de facto provada os seguintes factos, por serem relevantes para a boa decisão da causa:

(vii) Número 31

Na perspectiva dos recorrentes, do documento n.º 9 anexo à petição verifica-se que no contrato-promessa celebrado entre as partes, mais concretamente na sua cláusula décima-terceira, foi estipulada a forma que as comunicações e notificações entre as partes deveria revestir, devendo ser feitas por correio registado, enviado para as respectivas moradas.

Por consequência, entendem que deve ser aditado o ponto 31 aos factos Provados com a seguinte redacção: “No documento referido em 16 ficou estipulado que as comunicações e notificações entre as Partes deveria ser feita por correio registado enviado para as respetivas moradas.”.

Apreciando.

Está em causa a análise do documento n.º 9 junto à petição inicial, que corresponde a fls. 65 e segs. do suporte físico do processo.

Lendo a cláusula 13.ª, sob a epígrafe “Comunicações e notificações”, no seu n.º 1 consignou-se: “Todas as comunicações e notificações que venham a ser necessárias efetuar na vigência do presente contrato serão feitas por correio registado para as moradas das partes indicadas (…)”.

Pelo exposto, adita-se o facto n.º 31 aos factos provados, com a seguinte redacção:

No contrato-promessa referido em 16 as partes acordaram que as comunicações e notificações entre as Partes deveriam ser feitas por correio registado enviado para as respectivas moradas.”.

(viii) Números 32 e 33

Referem os recorrentes que o Ofício n.º Saída/2022/32976, de 07-11-2022, emitido pela Câmara Municipal ..., remetido ao processo por aquele Município em 09-11-2022, esclarece que só na Reunião Ordinária da Câmara Municipal ... que decorreu no dia 06-10-2021, foi deliberado aprovar a substituição da hipoteca legal que incidia sobre o imóvel por depósito de caução, sendo que, à data da emissão do referido Ofício – 07-11-2022 –, o imóvel continuava onerado com a restrição ao direito de propriedade, porquanto, só após o decurso das obras efectuadas ao abrigo de processo 133/20..., referente à legalização da construção realizada no lote em causa, foi corrigida a situação subjacente à constituição do referido ónus.

De harmonia, entendem que devem ser aditados aos Factos Provados os números 32 e 33, com a redacção seguinte, respectivamente:

“32. Somente em Reunião Ordinária da Câmara Municipal Odivelas ocorrida em 06-10-2021 foi deliberado substituir a hipoteca legal referida em 3 incidente sobre o prédio referido em 1 por depósito de caução.

33. Em 07-11-2022 incidia ainda sobre o prédio referido em 1 o ónus de restrição ao direito de propriedade referido em 3.”.

Apreciando.

O ofício em causa, junto ao suporte físico do processo a fls. 245/246, foi apresentado pela Câmara Municipal ... na sequência do despacho sobre os meios probatórios lavrado em 10 de Outubro de 2022.

Entende-se que, ao invés de aditar os dois novos factos mencionados pelos recorrentes, deve aditar-se o facto n.º 32, com a seguinte redacção:

“Por ofício de 07-11-2022, a Câmara Municipal ... informou:

«O Lote 61 da ... – Bairro ..., com a área de 325 m2, foi titulado pelo alvará de loteamento n.º ...11 de 18 de Novembro, tendo, para tal, sido desanexado do prédio com a descrição n.º ...03 de ..., com 370 m2, sendo que os remanescentes 45m2 foram cedidos para arruamentos e zonas verdes integrantes daquele loteamento.

Face ao exposto, ao referido Lote 61 foi atribuída a descrição n.º ...03 na Conservatória do Registo Predial ... e a inscrição na matriz n.º ...54/....

Sobre o mesmo foi ainda constituída hipoteca legal a favor do Município, em garantia da boa e regular execução das Obras de Urbanização tituladas pelo alvará n.º ...11, no valor de 3.900,26€ (AP. ...09 de 09/07/2012 registado a 30/08/2021).

Na 18ª reunião Ordinária da Câmara Municipal ... de 06 de Outubro de 2021 foi deliberado aprovar a substituição da garantia, constituída através da hipoteca legal, por depósito de caução, conforme consta da certidão n.º ...21, emitida a ../../2021, que se anexa, concluindo-se que se encontravam reunidas as condições para cancelamento da referida hipoteca.

Sobre o identificado Lote 61 incide igualmente um ónus “Excesso de construção; construção e muro a demolir” registado através da AP. ...09, de 09/07/2021, o qual impõe ao proprietário a sua resolução no prazo de 3 anos, sendo o prazo prorrogável mediante apresentação de requerimento devidamente fundamentado.

No âmbito do processo n.º 133/20..., referente à legalização da construção no Lote em causa verificou-se, pelo teor do registo fotográfico e do levantamento topográfico apresentados, e pelas divergências de acompanhamento da obra, que a situação subjacente à constituição do ónus já se encontrava corrigida, pelo que se encontram reunidas as condições para cancelamento do mencionado ónus.

Por último, e relativamente às taxas devidas pela emissão do alvará de loteamento n,º ...11, para o lote 61, não se registam quaisquer valores em dívida ao Município ....»”.

(ix) Número 34

Consideram os recorrentes que do depoimento prestado pela testemunha FF, no dia 03-06-2024, entre os minutos 00:35:35 e os 00:36:37, resulta que o recorrente-marido nunca expressou à agente imobiliária representante dos recorridos vontade de desistir do negócio, pretendendo que seja aditado um novo facto com a seguinte redacção: “Em momento algum o Recorrente-Marido se expressou perante a agente imobiliária representante do vendedor no sentido de querer desistir do negócio, referindo apenas não ter liquidez.”.

Apreciando.

Procedendo à audição do depoimento da testemunha salienta-se que a primeira parte do facto que os recorrentes pretendem aditar, salvo o devido respeito, não resulta do depoimento da testemunha, a qual vacilou na resposta e acabou por referir “Não tenho ideia de que se tenha recusado”. Por outro lado, a expressão “desistir do negócio” é conclusiva e nem sequer foi empregue pela testemunha. Já, porém, no que tange à falta de liquidez a resposta da testemunha mostrou-se assertiva.

Deste modo, adita-se o novo facto n.º 33 com a seguinte redacção:

“O autor marido referiu à agente imobiliária representante do vendedor não ter liquidez para comprar o terreno.”.

(x) Número 35

Na óptica dos recorrentes, do depoimento prestado pela testemunha FF, no dia 03-06-2024, entre os minutos 00:18:36 e os 00:21:30, resulta que os recorridos precisavam de vender o terreno para pagar uma dívida à Câmara Municipal ....

Por isso entendem que deve ser aditado aos Factos Provados o número 35 com a seguinte redacção: “Os Recorridos precisavam de vender o prédio urbano melhor identificado em 1 e 2 para pagar uma dívida à Câmara Municipal ....”.

Apreciando.

Da audição do excerto do depoimento da testemunha indicado nas alegações de recurso resulta que a testemunha apenas se referiu aos ónus que incidiam sobre o prédio e que se dirigiu à Câmara Municipal ... para tentar regularizar a situação, mas nada é adiantado a propósito de os recorridos necessitarem de vender o terreno para pagar uma dívida à Câmara Municipal ....

Destarte, indefere-se o aditamento do facto indicado.


*

            Nestes termos, a matéria de facto provada resultante da reapreciação da prova realizada em sede de recurso passa a ser a seguinte:

            1. Encontra-se descrito a favor dos réus, pela ap. ...4 de 03-05-2005, na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...14, o prédio urbano com a área de 370 m2, composto de lote de terreno para construção, inscrito na matriz sob o artigo nº ...67.

2. O prédio referido em 1 encontra-se inscrito na matriz sob o artigo nº ...54, com origem no artigo nº ...67, sito em ..., ..., composto de lote de terreno para construção, com a área total de 362 m2, área de implantação de 125 m2 e área bruta de construção de 375 m2.

3. Sobre o prédio descrito em 1, encontra-se descrita hipoteca legal pela ap. ...12 a favor do Município ... com o descrito fundamento de caucionamento de boa execução das obras de urbanização referentes ao alvará n.º ...11 de 18 de Novembro, no valor global de € 321 219,71, correspondendo ao lote 61 o valor de € 3900,26, bem como restrição ao direito de propriedade que no Lote 61 corresponde a excesso de construção com construção e muro a demolir.

4. O lote 61, titulado pelo alvará referido em 3 foi desanexado do prédio descrito sob o nº ...03, com a área de 370 m2, sendo os remanescentes 45 m2 cedidos para arruamentos e zonas verdes integrantes do referido loteamento, dando origem à descrição ...14.

5. Por escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ..., no dia 09-03-2005, os réus declararam comprar a KK e mulher, que declararam vender, pelo preço de € 64 866, 34, um lote de terreno destinado a construção, com a área de 370 m2, sito no ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...03 e inscrito na matriz sob o artigo nº ...67.

6. Os autores são casados entre si e têm uma filha menor de idade.

7. Em finais do ano de 2019, os autores decidiram vender a casa onde residiam, sita na Rua ...-A, ... andar C, em ..., e comprar um terreno para construção de uma moradia com jardim e piscina, para nela passarem a habitar com a sua filha.

8. Com o fim de vender a sua casa, logo nos primeiros dias de Janeiro de 2020 falaram com EE, agente imobiliária, funcionária da sociedade C... - Unipessoal, Lda. que colaborava com a agência Century 21 River e celebraram o respectivo contrato de mediação imobiliária.

9. Em data não concretamente apurada, surgiu um interessado na aquisição da casa dos autores, que posteriormente desistiu da sua aquisição.

10. Na sequência das diligências efectuadas para aquisição de um terreno para construção, os autores visualizaram um anúncio, proveniente da Century 21 Tejo, publicitando um terreno urbano, localizado em ..., com a área total de 370 m2, área de implantação de 125 m2 e área de construção de 375 m2, pelo preço de € 60 000,00.

11. Os autores solicitaram à agência referida em 8 que contactasse a mencionada em 10, a fim de manifestar o seu interesse na aquisição do terreno em causa.

12. Quando os autores comunicaram a sua intenção de compra foi-lhes dito que havia um outro interessado na aquisição do terreno, pelo que, se queriam ficar com ele teriam de fazer uma oferta por um valor superior ao que havia sido anunciado.

13. Por email enviado pela Century 21 River à Century 21 Tejo, no dia 26-02-2020, foi confirmada a pretensão dos autores na aquisição do terreno referido em 10, com a área bruta e útil de 362 m2, pelo valor de € 62 000,00, a efectuar contrato-promessa de imediato, mediante entrega de sinal no valor de € 7000,00 e escritura a efectuar até ao final de Abril.

14. Após a comunicação referida em 13, foi novamente transmitido aos autores que outro interessado havia subido a sua oferta e, sendo assim, só conseguiriam ficar com o terreno se apresentassem uma nova proposta de valor mais elevado, pelo que propuseram-se adquirir o terreno pelo valor de € 65 000,00.

15. No dia 28-02-2020 os autores formalizaram a proposta de aquisição nas condições referidas em 13 e 14.

16. Por contrato-promessa com data de 02-03-2020, os autores prometeram comprar e os réus prometeram vender, livre de quaisquer ónus ou encargos de pessoas e bens, o prédio urbano – terreno para construção, sito em ..., ..., Bairro ..., da união de freguesias ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo nº ...54, pelo preço de € 65 000,00, sendo entregue a título de sinal a quantia de € 7000,00 e o remanescente do preço pago na data da celebração da escritura.

17. No documento referido em 16 mais ficou consignado que a escritura pública seria realizada no prazo máximo de 90 dias, a ser agendada pelos promitentes compradores, devendo estes comunicar a data e local aos promitentes vendedores com a antecedência mínima de 10 dias, sendo que a falta de comparência de qualquer deles implicaria o seu agendamento automático para o 12.º dia útil seguinte à mesma hora e local, sem necessidade de qualquer interpelação, constituindo a falta de comparência de qualquer das partes, incumprimento definitivo do contrato.

18. No dia 25-06-2020 foi feito um aditamento ao contrato referido em 16 e 17, por meio do qual foi alterada a cláusula 6ª, prorrogando o prazo para a realização da escritura pública até 31-07-2020.

19. O autor marido enviou à agência Century 21 River e à agência Century 21 Tejo, email datado de 23-07-2020 – com conhecimento para o endereço electrónico da autora mulher –, entre o mais, do seguinte teor:

“Como tivemos oportunidade de vos transmitir o nosso interesse na aquisição do lote de terreno identificado em epígrafe prende-se com o projecto de construção de uma moradia para servir de habitação à nossa família.

A aquisição do referido terreno esteve sempre dependente da venda da fração autónoma de que somos proprietários no ..., a qual, por isso mesmo, vos entregámos para venda no âmbito da vossa atividade de mediação imobiliária.

Infelizmente, fruto do entusiasmo com o terreno, assinámos o respetivo contrato-promessa de compra e venda no dia imediatamente anterior ao dia em que iríamos assinar o contrato-promessa de compra e venda da nossa fração autónoma, jamais imaginando que o interessado na sua aquisição iria voltar com a sua palavra atrás e, à última da hora, recusar-se a assinar o CPCV, com o argumento da incerteza decorrente da crise Covid-19.

Esta situação inesperada criou-nos um problema muito complicado de liquidez, visto que entretanto ainda não conseguimos uma oferta firme para aquisição da nossa casa.

Para ver se conseguíamos ultrapassar esta dificuldade, pedimos ao nosso Banco o financiamento do valor em falta para pagar o terreno, sendo que temos condições para pagar a prestação que daí resultaria.

Contudo, dados os cada vez mais apertados critérios de concessão de crédito, apesar de nós termos condições de suportar a prestação que resultaria do dito financiamento, o facto de termos ainda a prestação da casa – porque ainda não foi vendida – determina que a nossa taxa de esforço, só suporte um financiamento até € 33.000,00, dos quais € 2.000,00 seriam para pagar despesas relacionadas, ficando disponível apenas a quantia de € 31.000,00.

O valor que entregámos de sinal aquando da assinatura do CPCV de compra do terreno foi um valor que conseguimos juntar com muito trabalho e com muito sacrifício e nem sequer imaginamos perder.

Ora, € 7.000,00 que já foram pagos com mais € 31.000,00, não é um valor justo para o terreno, mas é o máximo que pudemos chegar neste momento.

Ao fim e ao cabo toda esta situação de dificuldade de venda da nossa casa só pode explicar-se pela crise que estamos a atravessar – o que, muito provavelmente, também aconteceria com o terreno, caso não tivéssemos assinado o CPCV – e, portanto, completamente alheia à nossa vontade.

A verdade é que esta incerteza quanto momento em que estaremos em condições de concretizar o negócio de aquisição do terreno está a criar-nos uma ansiedade terrível e a revelar-se insuportável.

Já consultámos um advogado que nos disse haver fundamento para pedir a devolução do sinal, caso os promitentes vendedores queiram desistir do negócio, mas achamos que não haverá necessidade de recorrer a tribunais para resolvermos as coisas.

Assim porque são vocês quem faz a intermediação com os promitentes vendedores que sabemos serem pessoas de idade avançada, gostaríamos e vos pedir que falassem com eles no sentido de encontrarmos uma solução definitiva para esta questão.

Caso não estejam de acordo com a nossa solução e entretanto apareça outra pessoa interessada no terreno, nós abdicamos da sua compra e os senhores podem vender o terreno a essa pessoa, devolvendo-nos o sinal que nós entregámos. Desta maneira ninguém ficaria prejudicado.

Gostaríamos de saber o que acham desta possibilidade e se estão disponíveis para abordar esta questão com os promitentes vendedores.”.

20. No dia 28-07-2020, o representante legal da Interveniente, do endereço ..........@....., enviou um email ao autor, com conhecimento para os endereços de email ..........@.....,..........@.....,..........@.....,..........@....., ..........@....., sob o assunto: “Resposta ao vosso email: Lote terreno ...”, comunicando, entre o mais que fariam chegar à Century 21 River a decisão escrita dos promitentes compradores pois que apenas aos mesmos caberia decidir face ao exposto no email referido em 19, onde indicaram não ter condições para cumprir o contrato celebrado.

21. Os réus enviaram aos autores carta datada de 29-07-2020, entre o mais do seguinte teor:

“Pela presente vimos comunicar que não aceitamos os motivos invocados por V. Exas, com vista à desistência do negócio e a proposta de compra por € 31.000,00.

É nosso entender que não foi aposta cláusula que condicione o negócio da compra do terreno, à venda do apartamento de V. Exas. Note-se que os senhores licitaram com terceiros a promessa de compra, tendo celebrado negócio por valor superior ao inicialmente anunciado, por sua exclusiva vontade. Relativamente à questão da pandemia, a mesma dificuldade que terão em vender o vosso apartamento, teremos nós, em vender o terreno.

Assim, em face de ter sido ultrapassado o prazo de 31 de Julho de 2020, contratualmente estipulado, entendemos que a promessa de compra e venda caducou. Nestes termos, perdemos o interesse no negócio, devido a incumprimento por parte de V. Exas e nos termos da cláusula nona, ponto 2 do contrato promessa, assiste-nos o direito a fazer nossa a quantia paga a título de sinal.

Pelo exposto cessam todos e quaisquer direitos provenientes do contrato promessa em causa e seu aditamento.”.

22. O autor marido enviou aos réus carta registada com aviso de recepção, recebida em 01-09-2020, na qual acusa a recepção da carta referida em 21, comunicando as circunstâncias referidas na missiva mencionada em 19 e referindo ter constatado que a área do terreno não alcança os 300 m2, mais comunicando:

“Tendo em atenção a área do terreno publicitada no anúncio da venda (370 m2) e a que consta dos documentos que me foram entregues (370 m2 na certidão predial e 362 m2 na caderneta predial) quando aceitei celebrar o contrato promessa de compra e venda com V. Exa estava convencido de que a área do terreno podia variar um pouco, mas sempre se situaria entre os 362 m 2 e os 370 m2.

Uma vez que esses números não correspondem de todo à área efetiva do terreno, não só não estou disponível para pagar pelo terreno o preço estipulado no contrato-promessa, como perdi o interesse neste negócio, porque, não obstante a área de implantação da casa a construir se manter, as possibilidades de aproveitamento do espaço são completamente diferentes.

Não sendo possível a prestação a que se obrigou por causa que lhe é imputável, está V. Exa obrigado a devolver-me o valor correspondente ao dobro do sinal recebido.

Assim sendo, solicito a V. Exa que no prazo de 8 (oito) dias a contar da data da receção da presente carta, proceda à restituição do sinal que lhe prestei em dobro, no montante de € 14.000,00 (…)

Findo esse prazo sem que o pagamento acima referido se encontre efetuado, darei início às diligências necessárias à obtenção da realização coerciva daquela prestação.”.

23. Após a carta referida em 22, foi agendada uma reunião no prédio referido em 1, que teve lugar com a presença de autores e réus.

24. Em 11-11-2020, o prédio referido em 1 estava anunciado para venda no site da Century 21 Tejo, pelo valor de € 60 000,00, com a área bruta de 315 m2.

25. Por documento particular autenticado, outorgado no dia 08-02-2021, os réus declararam vender a GG e HH, que declararam comprar, pelo preço de € 60.000,00, o prédio referido em 1, onerado com a hipoteca legal e restrição ao direito de propriedade mencionadas em 3.

26. Antes da outorga do documento referido em 16, os autores e os réus não se conheciam, nem haviam estabelecido qualquer tipo de negociação.

27. Em 11-03-2020, os réus pagaram à interveniente a quantia de € 6150,00, a título de comissão pela venda do prédio referido em 1, a fim de liquidarem a factura por esta apresentada em 03-03-2020.

28. Entre os autores e os réus, até à carta referida em 22, nunca foi discutida a área do prédio referido em 1 como condicionante do negócio, assim como não foi a venda da casa em que os autores residiam;

29. À data referida em 16 e 17, o lote 61 tinha 318 m2.

30. Os autores ficaram tristes e desgostosos por não terem adquirido o prédio referido em 1.

31. No contrato-promessa referido em 16 as partes acordaram que as comunicações e notificações entre as partes deveriam ser feitas por correio registado enviado para as respetivas moradas.

32. Por ofício de 07-11-2022, a Câmara Municipal ... informou:

«O Lote 61 da ... – Bairro ..., com a área de 325 m2, foi titulado pelo alvará de loteamento n.º ...11 de 18 de Novembro, tendo, para tal, sido desanexado do prédio com a descrição n.º ...03 de ..., com 370 m2, sendo que os remanescentes 45m2 foram cedidos para arruamentos e zonas verdes integrantes daquele loteamento.

Face ao exposto, ao referido Lote 61 foi atribuída a ... na Conservatória do Registo Predial ... e a inscrição na matriz n.º ...54/....

Sobre o mesmo foi ainda constituída hipoteca legal a favor do Município, em garantia da boa e regular execução das Obras de Urbanização tituladas pelo alvará n.º ...11, no valor de 3.900,26€ (AP. ...09 de 09/07/2012 registado a 30/08/2021).

Na 18ª reunião Ordinária da Câmara Municipal ... de 06 de Outubro de 2021 foi deliberado aprovar a substituição da garantia, constituída através da hipoteca legal, por depósito de caução, conforme consta da certidão n.º ...21, emitida a ../../2021, que se anexa, concluindo-se que se encontravam reunidas as condições para cancelamento da referida hipoteca.

Sobre o identificado Lote 61 incide igualmente um ónus “Excesso de construção; construção e muro a demolir” registado através da AP. ...09, de 09/07/2021, o qual impõe ao proprietário a sua resolução no prazo de 3 anos, sendo o prazo prorrogável mediante apresentação de requerimento devidamente fundamentado.

No âmbito do processo n.º 133/20..., referente à legalização da construção no Lote em causa verificou-se, pelo teor do registo fotográfico e do levantamento topográfico apresentados, e pelas divergências de acompanhamento da obra, que a situação subjacente à constituição do ónus já se encontrava corrigida, pelo que se encontram reunidas as condições para cancelamento do mencionado ónus.

Por último, e relativamente às taxas devidas pela emissão do alvará de loteamento n,º ...11, para o lote 61, não se registam quaisquer valores em dívida ao Município ....».

33. O autor marido referiu à agente imobiliária representante do vendedor não ter liquidez para comprar o terreno.


*

            Passando à apreciação das questões de direito do recurso.

            Como antes enunciado, nas conclusões de recurso suscitam-se, fundamentalmente, as seguintes questões de direito:

2-a) Interpretação do email enviado pelo autor/recorrente em 23-07-2020.

2-b) Interpretação da comunicação dos réus/recorridos de 29-07-2020.

2-c) Consequência da diferença de área do imóvel objecto do contrato-promessa.

Analisemo-las detalhadamente, sendo certo que as questões 2-a) e 2-b) estão intrinsecamente interligadas entre si, motivo pelo qual serão analisadas em conjunto.

Interpretação do email enviado pelo autor/recorrente em 23-07-2020 e da comunicação dos réus/recorridos de 29-07-2020.

A este propósito, na sentença sob recurso expendeu-se:

“Com a instauração dos presentes autos, pretendem os autores, a título principal, que seja declarado o incumprimento definitivo por parte dos réus, do contrato promessa com os mesmos celebrado, traduzido aquele incumprimento na declaração resolutiva infundada, feita em 29.07.2020, e em consequência a condenação dos mesmos a pagarem-lhes o montante de € 14.000,00, correspondente ao dobro da quantia entregue a título de sinal.

Segundo a tese dos autores, à data em que foi enviada a aludida declaração resolutiva, não se encontravam em incumprimento, nem a mesma consubstancia qualquer interpelação admonitória, sendo certo que os réus, à data, nem sequer estavam em condições de realizar a sua prestação, pelo que a mesma apenas foi emitida com o propósito de se apropriarem da quantia entregue a título de sinal. Por outro lado, constituindo tal declaração uma recusa inequívoca em cumprir o contrato, pela banda dos réus, têm os autores direito a peticionar o dobro daquela quantia.

Resulta do disposto no artº 410º e 411º do Código Civil (diploma a que pertencerão as restantes disposições adiante citadas, sem menção em contrário) que o contrato-promessa é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato.

O objecto do contrato-promessa é, assim, a realização do contrato-prometido. O contrato-promessa cria a obrigação de contratar, ou mais concretamente, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.

Como qualquer contrato, esse negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido, cumprimento esse que deve coincidir ponto por ponto com a prestação a que o devedor se encontra adstrito (cf. artº 406º nº 1).

Resulta do art° 432° n° l, que é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.

O direito de resolução de um contrato, quando não convencionado pelas partes depende da verificação de um fundamento legal correspondendo, por isso, ao exercício de um direito potestativo vinculado. Deste modo, a parte que invoca o direito de resolução, in casu os autores, cabe-lhes alegar e demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual, nos termos do disposto no artº 342º nº 1.

Por outro lado, para que tal direito seja legalmente conferido aos autores, têm os mesmos que demonstrar uma situação de impossibilidade de cumprimento da prestação (cf. artºs 801º nº 2 e 802º nº 1).

Com efeito, é consabido que, na economia do contrato, o não cumprimento de qualquer obrigação é susceptível de desencadear três tipos de situações: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso no cumprimento e o cumprimento defeituoso.

A falta de cumprimento ocorre quando a prestação deixou de ser executada no devido tempo e já não pode ser cumprida e por se tornar impossível (artºs 801º e 802º).

Ocorre ainda incumprimento definitivo quando o devedor declara inequivocamente que não cumprirá o contrato.

O incumprimento definitivo pode ainda resultar da falta irreversível de cumprimento, equiparando a lei, nestes casos, a mora ao incumprimento definitivo na previsão do artº 808º. Consagram-se nesta norma duas causas de incumprimento definitivo. A primeira, quando se verifica a perda do interesse do credor na prestação devida com a demora do devedor, a segunda quando o devedor em mora não cumprir no prazo razoável, adicional e peremptório fixado pelo credor.

Como referimos, o incumprimento definitivo do contrato imputável a um dos contraentes confere ao outro o direito de resolver o contrato e tratando-se de um contrato-promessa, sendo esse incumprimento imputável ao promitente vendedor, pode o promitente comprador além de resolver o contrato, exigir o dobro do que prestou a título de sinal, nos termos do disposto no artº 442º nº 2.

A questão que se coloca, assim, é de saber se os réus se encontram numa situação de simples mora no cumprimento, se tal situação deve ser tida como incumprimento definitivo, ou ainda se não podemos configurar nenhuma destas situações.

Encontra-se demonstrado que os réus enviaram aos autores carta datada de 29.07.2020, com o teor melhor descrito no facto 21, entendendo estes que da mesma resulta uma recusa inequívoca e cumprir o contrato promessa, o que lhes confere o direito a pedir a restituição o sinal em dobro.

Com efeito na mesma carta, entre o mais, é referido, que se mostra ultrapassado o prazo da realização da escritura, pelo que perderam o interesse no negócio.

Não é discutido entre as partes a celebração do contrato promessa em 02.03.2020, pelo qual os autores prometeram comprar e os réus prometeram vender, livre de quaisquer ónus ou encargos de pessoas e bens, o prédio urbano sito em ..., designado por lote 61, pelo preço de € 65.000,00, tendo sido entregue a título de sinal pelos primeiros a quantia de € 7.000,00.

Também não constitui matéria controvertida que, não obstante estipulado no contrato que a escritura púbica seria realizada no prazo máximo de 90 dias, a ser agendada pelos promitentes compradores, no dia 25.06.2020 foi feita uma alteração ao contrato prorrogando o prazo para a realização da escritura pública até 31.07.2020.

Significa, pois, que à data em que é enviada a carta não se mostrava ainda ultrapassado o prazo fixado.

No entanto, e independentemente da discussão que se poderia fazer quanto à essencialidade ou não do prazo fixado para a realização da escritura pública, importa analisar o iter prévio à missiva enviada pelos réus, designadamente a postura dos autores ao longo do mesmo, para indagar das razões subjacentes à dita missiva e qual a interpretação jurídica que a mesma merece.

Na verdade, encontra-se também demonstrado que, antes da aludida carta, mais concretamente em 23.07.2020, os autores enviaram outra missiva, melhor descrita no facto 19, dirigida quer à agência imobiliária que os representava, quer à agência que representava os réus, solicitando que lhes desse conhecimento, na qual transmitem:

- Que se encontram com um problema complicado de liquidez porque não conseguiram vender a sua fracção autónoma;

- Que, em consequência solicitaram financiamento bancário para pagar o valor em falta referente ao contrato promessa;

- Que tal financiamento se cifrará em € 33.000,00 dos quais € 2.000,00 seriam para pagar despesas, ficando apenas disponível a quantia de € 31.000,00;

- Que propõem a compra pelo valor de € 38.000,00 (€ 7.000,00 entregues a título de sinal acrescidos de € 31.000,00);

- Que não havendo acordo sobre a anunciada proposta, e caso apareça outra pessoa interessada no terreno, abdicam da compra, permitindo que os réus vendam a esse interessado, mediante restituição do sinal já pago.

Ignoramos quando tiveram os réus conhecimento da aludida missiva, sendo certo que resulta da carta de 29.07.2020 que nessa data já tinham conhecimento da mesma, não aceitando a proposta nela constante.

Ora, o que resulta da carta enviada pelos autores é uma recusa inequívoca da sua parte em cumprir o contrato promessa, ainda que motivada por razões que lhes foram alheias, ou nem tanto, porque resultantes de um risco confessadamente assumido.

Na verdade, não podemos olvidar que o preço contratualizado havia sido de 65.000,00, tendo sido entregue a quantia de € 7.000,00 aquando da outorga do contrato promessa, devendo os remanescentes € 58.000,00 ser pagos na data da escritura, o que manifestamente os autores assumem não conseguir pagar.

Desta forma, podiam os réus resolver o contrato, como fizeram mediante a missiva de 29.07.2020 (não obstante a utilização de termos juridicamente pouco rigorosos), sem necessidade de qualquer interpelação admonitória.

Acresce que, ainda que em 29.07.2020, continuassem a impender sobre o prédio prometido vender os ónus melhor descritos em 3, tal não coloca os réus em situação de incumprimento do contrato promessa, porquanto, como alegam em sede de contestação, os mesmos sempre poderiam ser cancelados até à data, ou mesmo na própria data da realização do contrato prometido.

Assim, necessariamente improcede o pedido formulado a título principal, bem como o primeiro dos pedidos formulados a título subsidiário.”.

Os recorrentes dissentem da decisão, aduzindo nas conclusões, no que aqui releva, que: “O Recorrente-Marido (e não os Autores/Recorrentes) enviou às agências imobiliárias, Century21 River e Century21 Tejo, na pessoa das suas colaboradoras EE, JJ e FF, email datado de 23.07.2020, com o teor descrito no Ponto 19 dos Factos Provados, em que: • deu conta da sua situação de falta de liquidez, devido à situação que elas bem conheciam de frustração da venda da sua casa motivada pelo aparecimento da epidemia Covid-19 e todos os constrangimentos de dali advieram; • deu conta das diligências efetuadas junto do seu Banco para tentar obter os fundos de que necessitava para fazer o pagamento do valor remanescente até 31.07.2020; • deu conta de que, naquela altura, só conseguiu o montante de € 31.000,00, valor inferior ao remanescente do preço que terá de pagar; • reconheceu que os € 7.000,00 que já haviam sido pagos com mais € 31.000,00 não era um valor justo para o terreno, mas era o máximo a que ele podia chegar naquele momento; • depois de ter pedido ajuda para encontrar uma solução, prosseguiu dizendo: «caso não estejam de acordo com a nossa solução e entretanto apareça outra pessoa interessada no terreno, nós abdicamos da sua compra e os senhores podem vender o terreno a essa pessoa, devolvendo-nos o sinal que nós entregámos. Dessa maneira ninguém ficaria prejudicado»; • conclui, pedindo a ajuda das agentes imobiliárias: «gostaríamos de saber o que acham desta possibilidade e se estão disponíveis para abordar esta questão com os promitentes-vendedores».

Os Recorridos enviaram aos Recorrentes carta datada de 29.07.2020 em que comunicam que «em face de ter sido ultrapassado o prazo de 31 de Julho de 2020, contratualmente estipulado» entendem que «a promessa de compra e venda caducou», que perderam o interesse no negócio devido a incumprimentos dos Recorrentes, assistindo-lhes, como tal, o direito à apropriação da quantia paga a título de sinal e que consideram cessados «todos e quaisquer direitos provenientes do contrato promessa em causa e seu aditamento»” – cf. conclusões 24 e 25.

E prosseguem os recorrentes: “O email enviado em 23.07.2020 às agências imobiliárias não pode ser interpretado como declaração de recusa dos Recorrentes em contratar, porquanto:

a. não foi dirigido aos Recorridos;

b. foi subscrito e enviado somente pelo Recorrente-Marido;

c. não obedeceu à forma convencionalmente prescrita para as declarações a produzir entre as Partes ao abrigo do contrato-promessa;

d. as destinatárias sabiam que o Recorrente-Marido nunca se recusou a comprar o terreno, nem expressou qualquer vontade de desistir do negócio;

e. o Recorrente-Marido deixou claro que o problema que enfrentava era somente de falta de liquidez, de natureza temporária, que cessaria logo que conseguisse vender a sua fração;

f. o objetivo do referido email era, deste modo, estabilizar a situação em face da incerteza quanto ao momento em que estaria em condições de pagar o remanescente do preço de venda acordado.” – cf. conclusão 32.

E concluem: “A missiva de 23.07.2020 do Recorrente-Marido não pode ser interpretada como uma recusa inequívoca em contratar por banda dos Requerentes, porquanto, além das razões já apontadas na conclusão 32 supra, não traduz qualquer intenção consciente e definitiva de trocar o contrato pelas consequências da sua execução.

Não podendo a missiva do Recorrente-Marido relevar como declaração antecipada de não cumprimento, por um lado, e, por outro lado, considerando que a declaração resolutiva dos Recorridos foi produzida (i) antes de esgotado o prazo para a celebração do contrato prometido; (ii) sem que fosse feita qualquer interpelação admonitória a qualquer um dos Recorrentes; (iii) sem que os Recorridos tivessem perdido o interesse na prestação, ainda possível, dos Recorrentes; e (iv) sem que eles próprios estivessem em condições de cumprir o contrato por facto a eles atinente, teremos de concluir que a declaração resolutiva dos Recorridos é manifestamente infundada e ilícita” – cf. conclusões 48 e 49.

Os recorridos contrapõem que “o tribunal recorrido concluiu corretamente não ter existido qualquer incumprimento definitivo e culposo pelos Recorridos não sendo assim admissível a pretendida resolução e as consequências daí decorrentes pretendidas pelos Recorrentes.”.

Examinemos o enquadramento jurídico do contrato sub judice.

Nos autos está pacificado que as partes celebraram, em 02-03-2020, um “contrato-promessa de compra e venda”, pelo qual os autores/recorrentes prometeram comprar e os réus/recorridos prometeram vender, livre de quaisquer ónus ou encargos, de pessoas e bens, o prédio urbano – terreno para construção, sito em ..., ..., Bairro ..., da união de freguesias ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo nº ...54, pelo preço de € 65 000,00 (sessenta e cinco mil euros), sendo entregue a título de sinal a quantia de € 7000,00 (sete mil euros) e o remanescente do preço [ou seja, € 58 000,00 (cinquenta e oito mil euros)] pago na data da celebração da escritura – cf. cláusulas primeira, segunda e terceira.

Ficou estipulado, nesse contrato-promessa, que a escritura pública seria realizada no prazo máximo de 90 dias, a ser agendada pelos promitentes compradores, devendo estes comunicar a data e local aos promitentes vendedores, com a antecedência mínima de 10 dias, sendo que a falta de comparência de qualquer deles implicaria o seu agendamento automático para o 12.º dia útil seguinte à mesma hora e local, sem necessidade de qualquer interpelação, constituindo a falta de comparência de qualquer das partes, incumprimento definitivo do contrato – cf. cláusulas quinta e sexta.

No dia 25-06-2020 foi feito um aditamento ao contrato-promessa, por meio do qual foi alterada a cláusula 6ª [“Os promitentes-compradores deverão realizar a escritura de compra e venda no prazo máximo de 90 (noventa) dias após a assinatura do presente contrato-promessa de compra e venda”], prorrogando o prazo para a realização da escritura pública até 31-07-2020.

O contrato-promessa de compra e venda é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato e tem como objecto imediato para os seus outorgantes uma obrigação positiva, de facere, que se exprime no compromisso de emissão das declarações de vontade conducentes à celebração do contrato definitivo/prometido, formalizadas, ou não, consoante os requisitos de forma estabelecidos por lei, estando o seu regime jurídico regulado, especificamente, nos artigos 410.º a 413.º, 441.º, 442.º, 755.º, n.º 1, alínea f), e 830.º, todos do Código Civil.[5]

O artigo 410.º, epigrafado “Regime aplicável”, estipula:

“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.

2. Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.

3. No caso de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.”.[6]

Por seu turno, o artigo 442.º, sob a epígrafe “Sinal”, preceitua

“1. Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.

2. Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.

3. Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo 808.º

4. Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.”.[7]

O sinal assume uma dupla função: a coerção ao cumprimento e a determinação da indemnização devida, em caso de não cumprimento. Quando não é eficaz como meio de compulsão ao cumprimento, funciona como meio de ressarcir o dano. O potencial carácter sancionatório que o sinal encerra é que decididamente impele o devedor a cumprir a prestação a que está adstrito.

            Acompanhando Januário da Costa Gomes – A eventual subsistência do interesse do credor após o incumprimento definitivo e a chamada excepção do cumprimento do contrato promessa, “Tribuna da Justiça”, n.º 35, Novembro de 1987 –, o regime do incumprimento do contrato-promessa pode resumir-se nos seguintes termos: “Se o inadimplente tiver sido quem constituiu o sinal, o outro tem a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o inadimplemento for imputável ao contraente a quem o sinal foi entregue tem o contraente não faltoso a faculdade de exigir o dobro do que prestou. Se, porém, tiver havido tradição da coisa objecto do contrato promessa, o contraente fiel pode, em alternativa ao dobro do sinal, exigir o valor da coisa (ou do direito a transmitir ou a constituir sobre ela), determinado objectivamente à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço paga”.

                Tendo as partes outorgado livremente um contrato-promessa, vincularam-se/obrigaram-se a cumpri-lo pontualmente, segundo a regra plasmada no artigo 406.º, n.º 1, sendo que para além das suas normas próprias, antes enumeradas, ao mesmo são ainda aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato definitivo ou prometido celebrar – cf. artigos 790.º e ss., 798.º, 799.º, 801.º e 808.º.

No que tange aos contratos existem, classicamente, três formas de não cumprimento: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso no cumprimento e o cumprimento defeituoso – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 9.ª edição, pp. 62 e ss.

O devedor cumpre a obrigação quando realiza pontualmente a prestação a que está vinculado, sendo certo que nesse cumprimento, assim como no exercício do direito correspondente, deve o mesmo proceder de boa-fé; não cumprindo a prestação a que se obrigou incorre o devedor em incumprimento – artigos 406.º, n.º 1, e 762.º, n.ºs 1 e 2.

Em caso de incumprimento cumpre distinguir, ainda, consoante a prestação se atrasa ou se torna definitivamente impossível: isto é, os casos em que se verifica apenas mora do incumprimento definitivo. Na primeira hipótese, chegado o vencimento o devedor não cumpre, mas a prestação poderá ainda ser realizada com interesse para o credor, podendo vir a executá-la mais tarde – a prestação continua a ser materialmente possível e o credor continua a ter interesse nela; na segunda hipótese, a prestação inviabiliza-se de vez, tornando-se, em definitivo, inexequível. Ocorre esta última hipótese quando a prestação, sendo inicialmente realizável, se impossibilita subsequentemente, em termos definitivos, ficando o devedor impedido de cumprir a prestação, bem como nos casos em que a prestação, em consequência do retardamento, deixa de ter utilidade para o credor – neste sentido, Galvão Telles, Direito das Obrigações, pp. 293/294 e 319.

Regressando às normas próprias aplicáveis ao contrato-promessa de compra e venda, avultam, em especial, as dos artigos 441.º e 442.º que regulam o mecanismo de funcionamento do sinal: existindo sinal constituído, o incumprimento da obrigação por causa imputável ao tradens, determina que o accipiens possa fazer sua a coisa entregue. Se, porém, o incumprimento da obrigação ocorre por causa imputável ao accipiens, o tradens tem a faculdade de exigir o dobro do que prestou – cf. Januário da Costa Gomes, Tema de Contrato-Promessa, 1990, p. 55.

Na situação sub judicio, os autores/recorrentes, para fundamentarem a sua pretensão, alegam que, por facto imputável aos réus/recorridos, registou-se o incumprimento definitivo do contrato-promessa celebrado entre as partes, traduzido esse incumprimento na declaração resolutiva infundada, realizada pelos promitentes vendedores, em 29-07-2020, pedindo, em consequência, a título principal, a condenação dos réus/recorridos a pagarem-lhes o montante de € 14 000,00 (catorze mil euros), correspondente ao dobro da quantia entregue a título de sinal.

Todavia, o tribunal a quo, ao analisar a factualidade provada, mormente a missiva previamente remetida pelo autor marido a ambas as agências imobiliárias intervenientes no contrato-promessa, datada de 23-07-2020, entendeu que “o que resulta da carta enviada pelos autores é uma recusa inequívoca da sua parte em cumprir o contrato promessa, ainda que motivada por razões que lhes foram alheias, ou nem tanto, porque resultantes de um risco confessadamente assumido” e concluiu: “Desta forma, podiam os réus resolver o contrato, como fizeram mediante a missiva de 29.07.2020 (não obstante a utilização de termos juridicamente pouco rigorosos), sem necessidade de qualquer interpelação admonitória.”.

Salvo o devido respeito, discordamos do decidido na 1.ª instância, impondo-se, para tanto, realizar a devida interpretação das declarações negociais vertidas pelos autores/recorrentes – rectius, pelo autor marido –, na missiva de 23-07-2020, e, subsequentemente, pelos réus/recorridos, na carta de 29-07-2020.

A interpretação das declarações negociais remete para a fixação do seu sentido e alcance juridicamente relevante, tarefa sujeita a regras particulares e critérios de exegese, dirigidos ao juiz e às partes contraentes, constituindo, nessa medida, uma questão de direito[8], cabendo, porém, na competência das instâncias, enquanto questão de facto, o apuramento da vontade real dos contraentes, subjacente às pertinentes declarações negociais, com respeito pelos critérios normativos consagrados na lei civil, que funcionam como os parâmetros para essa actividade interpretativa.

Na interpretação da declaração negocial relevam os artigos 236.º a 239.º, dispondo o artigo 236.º, intitulado “Sentido normal da declaração”:

“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.”.

Tal como se escreve no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-03-2025, Proc. n.º 20209/18.0T8LSB: “No art. 236.º do CC está consagrada a doutrina objetivista da interpretação dos negócios jurídicos, valendo a declaração com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo no caso do declaratário conhecer a vontade real do declarante, sendo então de acordo com ela que vale a declaração emitida”. [9]

A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, 1987, p. 223.

A compreensão e assimilação do conteúdo das declarações negociais é, por conseguinte, uma actividade intelectual que se deve efectuar segundo os critérios delineados, em especial, no citado artigo 236.º – que consagra a denominada teoria da impressão do destinatário –, que se podem respigar do seguinte modo:

– As declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deve entendê-la, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência;

– O declaratário é obrigado a investigar, num plano de boa-fé e tendo em consideração todas as circunstâncias por ele sabidas ou cognoscíveis, o que o declarante quis; este, por seu lado, é também obrigado pela boa-fé a deixar valer a declaração no sentido que o declaratário, mediante cuidadosa verificação, tinha de atribuir-lhe.[10]

Explicita Pedro Pais de Vasconcelos – Teoria Geral do Direito Civil, 6.ª edição, 2010, p. 547 –, que na interpretação deve buscar-se não apenas o sentido de declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, “mas antes o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo, como acção de autonomia privada e como globalidade da matéria negociada ou contratada”.

Refere, ainda, Fernando Baptista Oliveira – Contrato Privados (Noções e Prática Judicial), Volume II, 2.ª edição, 2015, p. 425 –, “[a] posição preferível «de jure constituendo», para a generalidade dos negócios, é a doutrina da impressão do destinatário. É a posição mais razoável. É a mais justa por ser a que dá tutela plena à legítima confiança da pessoa em face de quem é emitida a declaração. Acresce – e por isso se justifica a sua aplicação mesmo quando o declarante não teve culpa de exteriorizar um sentido diverso da sua vontade real – ser a posição mais conveniente, por ser largamente mais favorável à facilidade, à rapidez e à segurança da vida jurídico-negocial.”.

Feita esta elucidação, na tarefa de apuramento do que é a “normalidade do declaratário” legalmente assinalada, deve indagar-se, por um lado, a capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, e, por outro lado, o zelo para acolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, contribuam para a descoberta da vontade real do declarante.

Nesses elementos inserem-se: a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a sua celebração ou são contemporâneas destas; as negociações entabuladas; a finalidade prosseguida pelas partes; o próprio tipo negocial; a lei, os usos e os costumes por ela recebidos.

Para além destes elementos, também releva a posição assumida pelas partes na concretização do negócio. Esta não pode, na verdade, deixar de, razoavelmente, corresponder ao que as partes entendem ser os direitos e as vinculações que para cada uma delas emergem do negócio – neste mesmo sentido, Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, 2.ª edição, 1996, pp. 349/350.

Aqui chegados, analisemos, pois, o que consta da declaração do autor marido de 23-07-2020, enviada às agências imobiliárias, Century21 River e Century21 Tejo, com o conhecimento da autora mulher; é aí referido que:

– A aquisição do terreno “esteve sempre dependente da venda da fração autónoma de que somos proprietários no ...”;

– O interessado na aquisição daquele andar veio a “voltar com a sua palavra atrás e, à última hora, recusar-se a assinar-se o CPCV, com o argumento decorrente da crise Covid-19”;

Esta situação “criou-os um problema complicado de liquidez, visto que, entretanto, ainda não conseguimos uma oferta firme para aquisição da nossa casa”;

– Tendo pedido financiamento ao Banco “a nossa taxa de esforço só suporte um financiamento até € 33.000,00, dos quais € 2.000,00 seriam para pagar despesas relacionadas, ficando disponível apenas a quantia de € 31.000,00”;

– Os “€ 7.000,00 que já foram pagos com mais € 31.000,00, não é um valor justo para o terreno, mas é o máximo que podemos chegar neste momento”;

E remata a declaração da seguinte forma:

“Assim porque são vocês quem faz a intervenção com os promitentes vendedores, que sabemos serem pessoas de idade avançada, gostaríamos de vos pedir para que falassem com eles no sentido de encontrarmos uma solução definitiva para esta questão.

Caso não estejam de acordo com a nossa solução e entretanto apareça outra pessoa interessada no terreno, nós abdicamos da sua compra e os senhores podem vender o terreno a essa pessoa, devolvendo-nos o sinal que nós entregámos. Dessa maneira ninguém ficaria prejudicado.

Gostaríamos de saber o que acham desta possibilidade e se estão disponíveis para abordar esta questão com os promitentes-vendedores. Ficamos a aguardar as vossas notícias.” (sic).

É insofismável que a declaração em causa, contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido, não traduz, de modo algum, “uma recusa inequívoca da sua parte em cumprir o contrato promessa, ainda que motivada por razões que lhes foram alheias, ou nem tanto, porque resultantes de um risco confessadamente assumido” – cf. último parágrafo de fls. 21 da sentença.

O email em causa, além de não ter sido dirigido aos promitentes vendedores, não expressa, em nenhum momento, qualquer recusa em cumprir o contrato-promessa – a este respeito vejam-se as seguintes expressões utilizadas na mensagem: gostaríamos de vos pedir para que falassem com eles no sentido de encontrarmos uma solução definitiva para esta questão (…) Gostaríamos de saber o que acham desta possibilidade e se estão disponíveis para abordar esta questão com os promitentes-vendedores. Ficamos a aguardar as vossas notícias.

Destarte, a missiva de 23-07-2020, diversamente do que decidiu a 1.ª Instância, não pode ser interpretada como uma recusa inequívoca em contratar, por banda dos autores/recorrentes, e não encerra qualquer intenção de declaração antecipada de não cumprimento, apenas veiculando a apresentação de uma proposta para a resolução da situação relacionada com as dificuldades de liquidez dos promitentes compradores; veja-se a expressão: Caso não estejam de acordo com a nossa solução (…).

Assinala o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-10-2016, Proc. n.º 7185/12.1TBCSC.L1.S1, que: “A relevância da declaração antecipada de não cumprimento exige que a mesma seja – com diferentes cambiantes da doutrina – consciente, séria, categórica, inequívoca, definitiva, peremptória, para além de juridicamente possível.”.

Desenvolve-se, depois, no texto deste aresto: “Quanto ao problema da atribuição de relevância à declaração antecipada de não cumprimento, a resposta afirmativa é dominante na doutrina (cfr. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 1997, pág. 258; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, págs. 1049 e seg.; Brandão Proença, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, 2011, pág. 323; Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 2011, págs. 864 e segs.; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 2016, pág. 222; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, IX, 2016, págs. 252 e segs.). É também esta a orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., por exemplo, os acórdãos de 04/02/2010 (proc. nº 4913/05.5TBNG.P1.S1) e de 26/09/2013 (proc. nº 564/11.3TVLSB.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt).

Contudo, há que ter em conta as exigências de tal declaração. Nas palavras de Almeida Costa (cit., págs. 1049 e seg.) “haverá mora debitória, independentemente de interpelação”, para além das hipóteses previstas no art. 805º, nº 2, do CC, “Se o devedor declara ao credor, inequívoca, definitiva, conscientemente e de forma peremptória, a sua intenção de não cumprir”. Brandão Proença (cit., pág. 323) refere-se “a uma recusa categórica e definitiva de cumprimento” e Menezes Cordeiro (cit., págs. 255 e seg.) afirma que “a declaração de não-cumprimento deverá ser pura, séria, definitiva, consciente e juridicamente possível. No que toca à “pureza”: a declaração de não-cumprimento não deve equivaler à manifestação de dúvidas sobre a exequibilidade do contrato, à decorrência de diversos entendimentos quanto ao mesmo ou à ponderação de dificuldades exteriores. Ela exprimirá a intenção consciente e definitiva de trocar o contrato pelas consequências da sua execução.”

In casu, como anteriormente se mencionou, inexiste qualquer asserção dos promitentes-compradores, inserta no email de 23-07-2020, que possa ser interpretada como recusa a cumprir o contrato.

Em nenhum momento daquela comunicação o promitente-comprador marido declara aos promitentes-vendedores, de forma inequívoca, definitiva, consciente e peremptória, qualquer intenção de não cumprir.

Assiste, assim, plena razão aos recorrentes quando evidenciam que, analisando com atenção o conteúdo daquele escrito, resulta perfeitamente claro que o mesmo não expressa qualquer desígnio sério e consciente de incumprimento definitivo do contrato-promessa e, por isso, aquela declaração não releva juridicamente como declaração antecipada de não cumprimento ou recusa em cumprir o contrato-promessa.

Isto dito, há que avançar, agora, para a interpretação da carta que os recorridos (promitentes vendedores) enviaram aos recorrentes (promitentes compradores), datada de 29-07-2020, em que comunicam que “em face de ter sido ultrapassado o prazo de 31 de Julho de 2020, contratualmente estipulado, entendemos que a promessa de compra e venda já caducou. Nestes termos perdemos o interesse no negócio, devido a incumprimento por parte de V. Exas, e nos termos da cláusula nona, ponto 2 do contrato promessa assiste-nos o direito a fazer nossa a quanta entregue a título de sinal. Pelo exposto cessam todos e quaisquer direitos provenientes do contrato promessa em causa e seu aditamento.” (sic).

A carta em apreço não suscita dúvidas e é clara no sentido de que os réus/recorridos, na qualidade de promitentes vendedores, consideraram que se mostrava ultrapassado o prazo contratualizado para a realização do contrato prometido, expressando a sua perda de interesse no negócio e reclamando o direito a fazer sua a quantia entregue a título de sinal.

Pese embora os recorridos tenham empregue indevidamente a expressão que o contrato-promessa “caducou” o que eles veicularam foi uma verdadeira declaração resolutiva do contrato-promessa.

A resolução contratual consiste na extinção do contrato por manifestação de vontade unilateral de uma das partes, com fundamento na lei ou no próprio contrato, traduzindo-se na destruição da relação contratual validamente constituída, com base num facto posterior à celebração do negócio jurídico, como se não tivesse sido realizado – cf. Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, “Separata do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra”, 1983, p. 75; e Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2005, p. 65.

A resolução pode-se fundar na lei ou em convenção – artigo 432.º –, e efectiva-se por duas vias: extrajudicialmente, através da declaração à contraparte ou mediante recurso à via judicial, tratando-se de um direito potestativo – artigos 436.º e 1047.º.

Nas palavras de Baptista Machado – Pressupostos da Resolução por Incumprimento, “Obra Dispersa”, Volume I, 1991, pp. 130 e segs. – “o direito de resolução, diz-se, é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie este direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (ou o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é aqui, obviamente, o facto de incumprimento ou a situação de inadimplência”.

Brandão Proença – Lições de Cumprimento e não Cumprimento das Obrigações, 2011, p. 288 – aduz que a resolução consiste no “poder unilateral de extinguir um contrato (maxime bilateral) válido, em virtude de circunstâncias posteriores à sua conclusão e frustrantes do interesse na execução contratual ou desequilibradoras da relação de equivalência económica entre as prestações e desencadeado uma normal «liquidação» retroativa.”.

A resolução convencional funda-se na liberdade contratual e apresenta múltiplas facetas, dependendo de diferentes requisitos, seguindo os termos acordados pelas partes – Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, p. 65 – e, na ausência de convenção, depende de um fundamento legal permissivo da destruição do vínculo contratual, implicando uma das seguintes situações: (i) impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor (artigo 793.º, n.º 2); (ii) impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor (artigo 801.º, n.º 2); (iii) impossibilidade parcial e definitiva imputável o devedor (artigo 802.º, n.º 1); e (iv) mora convertida em incumprimento definitivo (artigo 808.º, n.º 1) – Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pp 126/127.

Importa examinar, com maior detalhe, as regras relativas ao cumprimento e incumprimento obrigacional: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso no cumprimento e o cumprimento defeituoso.

            Dos artigos 801.º e 802.º retira-se que a falta de cumprimento ocorre, além do mais, quando a pretensão deixou de ser executada no devido tempo e já não pode ser cumprida por se tornar impossível.

Pode ainda, o não cumprimento definitivo resultar da falta irreversível de cumprimento, equiparado pela lei à impossibilidade; tal sucede quando a prestação, sendo materialmente possível, perdeu o interesse, objectivamente justificado, para o credor.

            Dispõe o n.º 1 do artigo 808.º, que “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”, esclarecendo o n.º 2 que “a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente”.

            Neste dispositivo legal consagram-se duas causas de inadimplemento definitivo: em primeiro lugar, quando se verifica a perda do interesse do credor na prestação devida, com a demora do devedor, e, em segundo lugar, quando o devedor em mora não cumprir no prazo razoável, adicional e peremptório (admonitório), fixado pelo credor.

Uma terceira causa de incumprimento definitivo ocorrerá quando o devedor declara inequivocamente que não cumprirá o contrato.

Assim, para além das situações de não observância do prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o carácter definitivo do incumprimento das obrigações consuma-se nas três hipóteses seguintes: a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação; b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta; e, c) se o devedor declarar inequívoca e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato.

A superveniente falta de utilidade da prestação, ou até o eventual prejuízo, para o accipiens, terá que resultar objectivamente das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio – artigo 808.º, n.º 2 –, bem como das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução, inscrevendo-se no contexto do programa contratual.

Para tal não basta a simples diminuição do interesse do credor, exigindo-se uma perda efectiva de interesse: a perda do interesse é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor tendo em conta, a justificá-lo, “um critério de razoabilidade próprio do comum das pessoas” e a sua correspondência com a “realidade das coisas” – Pessoa Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, p. 20, nota 3.

A falta de cumprimento pode, ou não, ser imputável ao devedor, pelo que só nos casos de não cumprimento imputável ao devedor se pode falar rigorosamente de incumprimento.

            A resolução, como se mencionou, assume-se como um negócio jurídico, unilateral, extintivo das obrigações ou dos negócios jurídicos em geral, e consubstancia-se numa declaração de vontade receptícia – artigo 436.º, n.º 1 –, não estando, por regra, sujeita a qualquer formalidade – artigo 219.º – e torna-se irrevogável logo que chega ao poder do devedor ou é dele conhecida – artigos 224.º, n.º 1, e 230.º, nºs. 1 e 2.

Operando por mero efeito da declaração unilateral à outra parte, como é próprio das declarações receptícias, ao controlo judicial da existência de fundamento ou da regularidade do exercício da resolução só interessa o desenvolvimento das relações negociais até ao momento da produção dos efeitos da declaração resolutiva. Destruído o contrato, há incumprimento definitivo. Então só poderá interessar saber a qual dos contraentes é imputável esse incumprimento, o que depende da existência ou não de fundamento para a resolução – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-04-2006, Proc. n.º 06A205.[11]

Fica, pois, a parte que invoca o direito à resolução, e as suas consequências, onerada com a demonstração do fundamento que legitima a destruição do vínculo emergente do contrato.

Apliquemos, então, o exercício do direito à resolução ao regime do incumprimento do contrato-promessa e do sinal.

Ensina Brandão Proença – Do incumprimento do contrato-promessa bilateral, 1996, p. 24, nota 34 – que a resolução é ilegítima quando é declarada pelo próprio contraente relapso ou faltoso, sendo legítima quando fundada num incumprimento legal ou convencional imputado à contraparte. Se o fundamento resolutivo não existe, ou é meramente aparente, estar-se-á no domínio da arbitrária desvinculação do contrato e perante uma ilícita violação do princípio pacta sunt servanta.

O artigo 442.º não esclarece, em termos expressos, se o accionar do mecanismo do sinal está dependente do incumprimento definitivo ou se, para tanto, é suficiente a simples constituição em mora.

A doutrina, de forma largamente maioritária, considera que a mora é insuficiente para o accionamento do regime sancionatório do sinal, sendo imprescindível a transmutação da situação moratória em incumprimento definitivo, por alguma das vias previstas no artigo 808.º, e que anteriormente se elencaram, isto é, pela perda de interesse do credor, objectivamente apreciada, pela comunicação de um dos contraentes, de forma categórica, da intenção de não cumprir, ou na sequência da inobservância do prazo admonitório (também designado prazo suplementar e peremptório).

Em linha com Galvão Telles – Direito das Obrigações, 5.ª edição, 1986, p. 95 –, “o sinal vale como cláusula compensatória, que supõe a rescisão do contrato-promessa por incumprimento definitivo, não sendo cumulável com a realização forçada (específica) do mesmo contrato. Não vale como cláusula penal moratória, isto é, para o caso de simples mora, não convertida em incumprimento definitivo, nos termos do artigo 808.º”.

Por sua vez, Antunes Varela – Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119, p. 216 – entende que “a perda do sinal é uma sanção sempre colimada à falta de cumprimento da obrigação daquele que o constitui (…). E pode ainda acrescentar-se, quer com base nos textos legais vigentes, quer por obediência ao espírito tradicional do instituto não afastado pelo novo Código, que a perda do sinal imposta a quem o constitui anda indissociavelmente ligada à resolução ou à desistência (ao recesso, como lhe chamam os autores italianos) do contrato, ou, pelo menos, ao seu não cumprimento definitivo.”.

A jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, tem militado, em larguíssima maioria, pela mesma via – i.e., a falta de cumprimento de contrato-promessa consiste na não realização do contrato prometido, com carácter definitivo, assim se distinguindo da simples mora, ou seja, do atraso nesse cumprimento – cf., entre muitos outros, Acórdão de 27-02-2025, Proc. n.º 11623/21.4T8SNT.L1.S1; Acórdão de 12-11-2024, Proc. n.º 2182/21.9T8BCL.G1.S1; Acórdão de 19-09-2024, Proc. n.º 885/22.0T8VCT.G1.S1; Acórdão de 18-06-2024, Proc. n.º 309/10.5TBTVD.L1.S1.

Deste modo, e concluindo, só no caso de inadimplemento definitivo da promessa, o promitente lesado fica com o caminho aberto para a resolução do contrato promessa, com as consequências previstas no artigo 442.º.

Regressando ao caso em apreço, o que se verifica é que quando os réus emitiram a carta de resolução do contrato-promessa, a 29-07-2020, ainda não se tinha esgotado o prazo para a celebração do contrato prometido, o qual estava aprazado para o dia 31-07-2020, conforme acordado pelas partes no aditamento ao contrato inicial, datado de 25-06-2020.

Acresce referir que esse aditamento apenas alterou a cláusula sexta do contrato-promessa, mantendo-se vigente o n.º 2 da cláusula quinta: “Salvo acordo em contrário, se qualquer uma das partes não comparecer ou não outorgar a escritura na data, hora e locais fixados pelos Promitentes Compradores, conforme número anterior, esta ficará imediatamente agendada para o 12.º dia útil seguinte, à mesma hora e local, sem necessidade de qualquer interpelação, constituindo falta de qualquer uma as partes, incumprimento definitivo do presente contrato, com as consequências nele previstas.”.

Entende-se, assim, que o decurso do prazo fixado pelas partes para a outorga do contrato prometido – 31-07-2020 – não era um prazo peremptório e definitivo do qual emergisse o incumprimento definitivo do contrato-promessa, porquanto a não comparência de qualquer das partes na data da escritura pública de compra e venda apenas implicava o seu agendamento automático para o 12.º dia útil seguinte e, então sim, caso se verificasse a falta de qualquer das partes haveria lugar ao incumprimento definitivo do contrato.

Isto é, o próprio contrato-promessa incluía uma cláusula resolutiva expressa, com o escopo de evitar que uma situação de mora, decorrente da falta de algum dos promitentes à escritura agendada para o dia 31-07-2020, tivesse de ser convertida em definitiva, nos termos do artigo 808.º, resultando dessa cláusula contratual que a não comparência de algum dos promitentes na data da nova escritura – automaticamente agendada para o 12.º útil seguinte – equivaleria, então sim, ao incumprimento definitivo do contrato-promessa, atribuindo ao promitente não faltoso o poder potestativo de o resolver.

Por conseguinte, a data de 31-07-2020 era, tão só, a data de vencimento da obrigação de contratar, mas não o prazo final peremptório da vinculação contratual, não tendo o significado de um prazo essencial e improrrogável determinante do incumprimento definitivo do contrato.

Assim sendo, a declaração resolutiva dos recorridos, além de ter sido produzida antes de esgotado o prazo para a celebração do contrato prometido, foi concretizada sem que tivesse sido feita qualquer interpelação admonitória a qualquer um dos recorrentes e sem que os promitentes vendedores tivessem demonstrado ter perdido o interesse na prestação, ainda possível, dos promitentes compradores, além de que não demonstraram que, naquela data, estivessem em condições de cumprir o contrato, uma vez que o terreno ainda estava onerado com ónus e encargos.[12]

Como se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-05-2018, Processo n.º 2332/14.1TBALM.E1.S2, “pedir a resolução do contrato, com fundamento em incumprimento, não é o mesmo que pedir a anulação desse contrato. Na anulação está em causa a validade do contrato celebrado, enquanto na resolução o contrato tem-se por válido, mas perante a crise superveniente decorrente do seu incumprimento, é conferido ao contraente cumpridor o direito de lhe pôr termo. Num caso, o efeito é invalidante e atinge o próprio contrato, no outro é extintivo ou de liquidação da relação contratual validamente estabelecida”.

Destarte, revertendo ao caso sob exame, é de concluir que a declaração de resolução, por banda dos promitentes vendedores, foi infundada e ilegítima, correspondendo a uma recusa de execução do contrato-promessa de compra e venda da sua parte, pelo que o seu incumprimento definitivo apenas aos recorridos é imputável.

Em consonância, existindo sinal passado pelos recorrentes, promitentes compradores, há lugar ao pagamento do sinal em dobro, por parte dos  recorridos, promitentes-vendedores relapsos, conforme decorre dos n.ºs 2 e 4 do artigo 442.º – cf., ainda, cláusula nona, n.º 1, do contrato-promessa.

De harmonia, o recurso procede, ficando prejudicada a análise da última questão recursiva atinente à diferença de área do imóvel objecto do contrato-promessa.

As custas processuais recaem sobre os apelados ex vi arts. 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.


*

            Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):

1. O contrato-promessa de compra e venda é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato e tem como objecto imediato, para os seus outorgantes, uma obrigação positiva, de facere, que se exprime no compromisso de emissão das declarações de vontade conducentes à celebração do contrato definitivo/prometido, formalizadas, ou não, consoante os requisitos legalmente estabelecidos, estando o seu regime jurídico regulado, especificamente, nos artigos 410.º a 413.º, 441.º, 442.º, 755.º, n.º 1, alínea f), e 830.º, todos do Código Civil.

2. Tendo as partes outorgado um contrato-promessa vinculam-se a cumpri-lo pontualmente, segundo a regra plasmada no artigo 406.º, n.º 1, sendo que, para além das suas normas próprias, ao mesmo são ainda aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato definitivo ou prometido celebrar – cf. artigos 790.º e ss., 798.º, 799.º, 801.º e 808.º do Código Civil.

3. A falta de cumprimento de contrato-promessa consiste na não realização do contrato prometido, com carácter definitivo, distinguindo-se da simples mora ou atraso nesse cumprimento, e só no caso de inadimplemento definitivo da promessa, o promitente lesado fica com o caminho aberto para a resolução do contrato-promessa, com as consequências previstas no artigo 442.º do Código Civil.

4. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (salvo no caso do declaratário conhecer a vontade real do declarante) devendo atender-se na sua interpretação à capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração e atender à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a sua celebração ou são contemporâneas destas, às negociações entabuladas, à finalidade prosseguida pelas partes, ao tipo negocial, à lei, aos usos e aos costumes por ela recebidos e à posição assumida pelas partes na concretização do negócio.

5. Um email dos promitentes compradores dirigido às mediadoras imobiliárias, e não aos promitentes vendedores, a dar conta de problemas de liquidez, em que são utilizadas as expressões “gostaríamos de vos pedir para que falassem com eles no sentido de encontrarmos uma solução definitiva para esta questão”, “gostaríamos de saber o que acham desta possibilidade e se estão disponíveis para abordar esta questão com os promitentes-vendedores” e “ficamos a aguardar as vossas notícias”, não pode ser interpretado como expressando uma intenção séria e consciente de incumprimento definitivo do contrato-promessa e, por isso, essa comunicação não releva juridicamente como declaração antecipada de não cumprimento ou recusa em cumprir o contrato-promessa.

6. A declaração de resolução, por banda dos promitentes vendedores, antes de esgotado o prazo para a celebração do contrato prometido e sem que tivesse sido feita qualquer interpelação admonitória aos promitentes compradores, não tendo os promitentes vendedores demonstrado ter perdido o interesse na prestação e que estivessem em condições de o cumprir, é infundada e ilegítima, correspondendo a uma recusa de execução do contrato-promessa de compra e venda da sua parte, pelo que o incumprimento definitivo apenas a eles é imputável.

            Decisão:

            Em face do exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, e em sua substituição:

1. Declara-se que o incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda, celebrado em 02-03-2020, é imputável aos apelados.

2. Condenam-se os apelados a pagar aos apelantes a quantia de € 14 000,00 (catorze mil euros) correspondente ao sinal em dobro.

Custas a cargo dos apelados.


Coimbra, 8 de Abril de 2025

Luís Miguel Caldas

Luís Manuel Carvalho Ricardo

Francisco Costeira da Rocha



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dr. Luís Manuel Carvalho Ricardo e Dr. Francisco Costeira da Rocha.
[2] Por despacho de 27-01-25, o relator convidou os recorrentes a completarem as conclusões indicando, de modo sintético e discriminado, por reporte às conclusões 1., 2. e 3., os meios probatórios que estribavam a pretendida alteração da matéria de facto.
[3] cf. artigo 2.º, n.º 1, al. f) do Código do Registo Predial, que refere que estão sujeitos a registo: “Quaisquer outras restrições ao direito de propriedade, quaisquer outros encargos e quaisquer outros factos sujeitos por lei a registo.”.
[4] cf. art. 7.º do Código do Registo Predial: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”.
[5] Serão do Código Civil todos os artigos que se mencionarem sem referência adicional.
[6] Redacção emergente do DL n.º 116/2008, de 04-07.
[7] Observe-se que, segundo o artigo 441.º, no contrato-promessa de compra e venda, se atribui presuntivamente o carácter de sinal a “toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”. Esta presunção é ilidível com base em oposta vontade real dos contraentes - artigo 350.º, n.º 2 -; contudo, resulta claramente da lei que a importância entregue pode ter o alcance simultâneo de constituição de sinal e de cumprimento antecipado da obrigação futura emergente do contrato definitivo.

[8] Conforme refere Galvão Telles – Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, 2002, pág. 446 –, a interpretação de declarações negociais constituirá “matéria de facto na medida em que se trata de averiguar o que as partes quiseram dizer. Será matéria de direito, sujeita à fiscalização do tribunal de revista, quando se trate de averiguar se as instâncias fizeram correcta interpretação e aplicação dos critérios legais cabíveis, como os constantes do art. 236.º”.
[9] Acessível em https://www.dgsi.pt, à semelhança dos restantes Acórdãos que se mencionaram nesta decisão.
[10] A este respeito, cf. Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, 104.º, n.º 3445, 1971, p. 63
[11] É o seguinte o sumário do Acórdão do STJ, de 04-04-2006, Proc. n.º 06A205
“- Operando a resolução do contrato por mero efeito da declaração unilateral à outra parte, como é próprio das declarações de vontade receptícias - arts. 436º-1 e 224º-1 C. Civil -, ao controlo judiciário da existência de fundamento ou da regularidade do respectivo exercício só interessa o desenvolvimento das relações negociais até ao momento da produção dos efeitos da declaração resolutiva.
- Destruído o contrato, há incumprimento definitivo e só poderá interessar saber a qual dos contraentes é imputável esse incumprimento, o que depende da existência ou não de fundamento para a resolução.
- O direito de resolução, enquanto destruição da relação contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado - art. 432º-1 C. Civil.
- Impende sobre a parte que invoca o direito à resolução, e suas consequências, a demonstração do fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.
- Pressuposto do direito à resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação ou prestação principal do contrato.
- Quando não esteja em causa o cumprimento de uma única prestação ou da essencial, como acontece nos contratos duradouros, de execução continuada ou prestações periódicas, ou obrigações acessórias ou secundárias, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, sob o aspecto da sua aptidão e adequação para proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do negócio, tudo sem prejuízo de se manter presente que qualquer desvio do clausulado representa incumprimento cuja repercussão no todo contratado não pode deixar de se ter em conta.
- Só a mora em que seja objectivamente detectável uma consequência relativamente importante sobre a economia da relação contratual duradoura é susceptível de integrar a perda de interesse do credor, apreciada também à luz do princípio da boa fé, e de fundar o direito de resolução.”.
[12] Decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22-01-2015, Proc. n.º 2190/09.8TBEVR.E1.S1: “Na medida em que a manutenção das inscrições prediais relativas a “ónus e encargos” possa afectar os interesses patrimoniais do promitente-comprador ou seja susceptível de gerar uma situação de insegurança ou de incerteza quanto aos limites ou conteúdo do direito de propriedade sobre o prédio prometido vender, é inexigível impor-lhe a outorga da escritura pública de compra e venda antes do cancelamento de tais inscrições.”