PENDÊNCIA DE AÇÃO EXECUTIVA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DO PRAZO.
Sumário

Estando pendente uma acção executiva há mais de 20 anos, o prazo de prescrição previsto no art. 309º do Código Civil não corre, por força do disposto no art. 327º, nº1, do mesmo Código.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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                              Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO.

Na acção executiva que a Banco 1..., CRL, move contra AA, veio o executado, em 26/6/2024, requerer a extinção do repectivo processo, alegando, para o efeito, que a dívida exequenda se mostra prescrita, por terem passado mais de 20 anos desde a data em que o correspondente direito podia ser exercido.  

O processo em epígrafe foi instaurado em 24/3/2003, tendo o executado sido citado em 3/4/2003.   

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Em 9/10/2024, a 1ª instância proferiu o seguinte despacho:

Por requerimento datado de 26/06/2024 invocou o executado AA a extinção da presente execução, por prescrição da dívida nos termos dos arts. 303º e 304º do Código Civil, dado terem já decorrido mais de 20 anos desde a data em que o direito podia ser exercido o qual, como refere, o foi em 24/03/2003, data em que instaurou a presente execução, desde então tendo já decorrido o referido prazo de 20 anos previsto no art. 309º do Código indicado. Pede a final a declaração da prescrição da dívida com a consequente extinção da execução.

Notificada a exequente nada disse.

Nos termos do art. 309º do Código Civil o prazo ordinário da prescrição é de 20 anos, ressumando do n.º 1 do art. 306º do mesmo Código que o mesmo começa a correr quando o direito puder ser exercido.

A data a relevar para efeitos da contagem do prazo de prescrição é a data em que o direito puder ser exercido.

Olvidou, porém, o executado que a prescrição é suscetível de ser suspensa e/ou interrompida, o que sucederá sempre que ocorram as causas previstas nos arts. 318º e ss. E 323º do Código Civil.

Nos termos do art. 323º n.º 1 do Código Civil a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

No caso ajuizado, constatamos ter o aqui executado sido citado em 08/04/2003, data em que se considera interrompida a prescrição e que teve por efeito, nos termos do art. 326º n.º 1 do Código Civil, a inutilização do tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto no art. 327º n.ºs 1 e 3 do mesmo Código Civil.

De acordo com o art. 327º n.º 1 do Código Civil se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

Tudo ponderado, maxime a circunstância da apontada causa da interrupção ser a citação realizada no âmbito da presente execução, e sem que na mesma tenha sido já proferida decisão que lhe ponha termo, concluímos não ter ainda começado a correr, na situação ajuizada, o novo prazo de prescrição, sem prejuízo de terem de facto decorrido mais de 20 anos desde a data da citação do executado.

Pelo exposto improcede, pois, a arguida exceção da prescrição.

Notifique e comunique.”

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Não se conformando com a decisão proferida, o executado interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

51. Corre termos o presente processo executivo contra o executado há mais de 20 anos.

52. O Executado requereu a extinção do processo executivo por prescrição ao abrigo do disposto no art.º 309º do CC, pois é o prazo ordinário de prescrição. Um prazo geral de prescrição. O prazo limite.

53. Contudo em decisão, o douto despacho de que se recorre, indeferiu tal pretensão em virtude de a citação ter interrompido o prazo de prescrição, inutilizando o prazo anterior e como o processo ainda não terminou ainda não começou a contar novo prazo de prescrição, pelo que a dívida não se encontra prescrita.

54. Inconformado o executado vem apresentar o presente Recurso do douto despacho, por, salvo melhor entendimento, entender que o prazo contido no art.º 309º do CC é um prazo ordinário, um prazo geral que sendo o prazo limite máximo de prescrição já contempla todos os prazos de processo, de suspensão e de interrupção.

55. Pois no seu entender tal foi a pretensão do legislador ao elaborar a norma permitindo o regresso do devedor à vida económica em sociedade.

56. E que na interpretação da referida norma o interprete deve ter em conta a unidade do sistema jurídico, e aí temos que a tendência é para reduzir os prazos de prescrição em virtude dos avanços tecnológicos em que se vive atualmente.

57. Entende o executado, salvo o devido respeito, que foi feita uma interpretação violadora do Principio constitucional da proibição dos excessos, pois tal interpretação viola o Principio da razoabilidade, pois no seu entender considerar que um processo executivo a correr termos durante 20 anos e que após esses 20 anos não se considerar prescrita a dívida nem sequer se ter começado a contar o novo prazo de prescrição é uma interpretação excessiva, e como tal ilegal e inconstitucional.

58. Além de que o executado considera que a instância deve ser declarada extinta oficiosamente ao abrigo do disposto no art.º 277º al. c) do CPC, do art.º 281º nº5 do CPC e do art.º 849º nº1 al. f) do CPC, por a instância se encontrar deserta por negligência do exequente em 20.12.2011, 6 meses após a última comunicação do processo ao exequente que foi em 20.06.2011, pelo que também aqui o douto despacho não teve em conta estas referidas normas.

59. Pois a deserção da instância, é oficiosa, art.º 281º nº5 do CPC e é uma forma de extinção da instância executiva que se integra na al. f) do nº1 do art.849º do CPC.

60. E também por força do disposto no art.º 327º nº 2 do CC, pois sobrevindo a deserdação da instância, o novo prazo de prescrição da dívida passa a contar desde a data do ato interruptivo, da citação, isto é, desde 02.04.2003. Ou seja à mais de 20 anos à data do requerimento apresentado em 26.06.2024 e como tal prescrita ao abrigo do art.º 309º do CC.

61. E mesmo que não se considera a data de 20.12.2011, 6 meses após a última comunicação do processo ao exequente, como período para se considerar deserta a instância, que leva à sua extinção.

62. Sempre se deve ser considerada a data de 11.07.2012 ou seja 6 meses após o seu arquivamento, em 11.01.2012, pois também após essa data mais nenhum impulso processual houve por parte do exequente ou do Sr. Agente de execução até à presente data. E são muitos anos desde o arquivamento.

63. Pelo que não há nenhuma desculpa plausível para justificar a falta de qualquer impulso processual por parte do exequente durante todos estes anos e são muitos.

64. Pelo exposto crê o executado, haver razões mais que suficientes para ser revogado o douto despacho, e ser ordenada a prescrição da dívida ao abrigo do disposto no art.º 309º do CC , extinguindo-se o processo executivo.

65. Ou que seja declarada extinta a instância por deserção como resulta da conjugação dos art.º 277º al. c) do CPC, art.º 281º nº 5 do CPC, art.º 849 nº1 al. f) do CPC , que já devia ter sido declarada oficiosamente há muitos anos.

66. Ou apenas confirmar a deserção da instância, art.º 281º nº5 do CPC e consequentemente ao abrigo do disposto no art.º 327º nº 2 do CC e art.º 309º do CC declarar a extinção do processo executivo por prescrição da dívida, uma vez que a instância ao ser declarada deserta o prazo de prescrição conta desde a data do ato interruptivo ou seja, desde a citação em 02.04.2003, há mais de 20 anos, pois o douto despacho, crê-se, não teve em conta todas estas normas e princípios, assim decidindo farão Vossas Excelências, JUSTIÇA.”.

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A exequente contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:

1. ª – O meio processual para o recorrente poder obter uma decisão que julgasse procedente a exceção de prescrição era a oposição à execução, mediante embargos de executado, por ocorrência de facto superveniente nos termos do artigo 728.º, n.º 2, do código de processo civil, motivo pelo qual este recurso nunca poderá proceder.

2. ª – A ora recorrida também não poderia de algum modo contar que a decisão sobre a invocada prescrição que constitui uma causa extintiva da obrigação, fosse pura e simplesmente decidida nos próprios autos da ação executiva, o que não é legalmente admissível.A título subsidiário

3. ª – O recorrente AA reconheceu em 04-09- 2023, por documento assinado pelo seu punho, perante a recorrida, a existência da dívida cujo pagamento é exigido nos autos;

4. ª – O recorrente AA renunciou tacitamente à prescrição em 04-09-2023;

5. ª - O recorrente AA interrompeu tacitamente o prazo prescricional em 04-09-2023;

6. ª– Com preceitua o artigo 302.º do código civil, a renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional, pode ser tácita, e não necessita de ser aceita pelo beneficiário, só tendo legitimidade para renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha criado.

7. ª – Dispõe ainda o artigo 325.º do código civil, que a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, sendo que o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam.

8. ª – Invoca-se a título subsidiário que o exercício do direito de invocar a prescrição pelo recorrente AA, excede manifestamente os limites da boa-fé, e é abusivo na modalidade de “venire contra”, e

9. ª – Ilegítimo por aplicação do artigo 334.º do código civil.”.

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Questão objecto do recurso: prescrição da dívida exequenda.

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II – FUNDAMENTOS.

2.1. Factos provados.

Com relevância para a apreciação do presente recurso, importa levar em linha de conta a tramitação processual que vem descrita no relatório antecedente.      

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2.2. Enquadramento jurídico.        

Sustenta o recorrente, em sede de alegações, que a dívida exequenda se encontra prescrita, em virtude de os autos se encontrarem pendentes há mais de 20 anos, mais sustentando que a instância deve ser julgada deserta, nos termos do disposto nos arts.º 277º, alínea c), 281º nº5, e 849º nº1 alínea f), todos do C.P.C..

No recurso em análise, é impugnado um despacho que se pronunciou sobre a invocada prescrição, sendo esta a única matéria que o executado colocou à consideração da 1ª instância no requerimento apresentado em 26/6/2024.

Ora, o apelante, para além da referida excepção peremptória, pretende abordar a problemática referente à deserção da instância, o que, em nosso entender, lhe está vedado, atentos os limites impostos pelo art. 573º do C.P.C. [1].

Com efeito, estamos perante uma questão nova, suscitada, apenas, em sede de alegações [2], tratando-se, por isso, de matéria que não foi objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo e sobre a qual a exequente não teve oportunidade de se pronunciar.

Conforme se salientou no Acórdão do STJ de 8/10/2020 (Aresto que se encontra disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cee4751329d337f980258634005f4627)        , “As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.”   

Consequentemente, esta Relação apenas poderá apreciar a matéria referente à prescrição da dívida exequenda, tudo sem prejuízo do executado, em sede própria (Tribunal a quo), abordar, se assim o entender, a questão que se prende com a alegada deserção da instância.

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A tese defendida pelo executado nos autos em apreço – mantida em sede de recurso – funda-se na circunstância de o respectivo processo se encontrar pendente há mais de 20 anos, facto que, em seu entender, acarreta a prescrição do crédito exequendo, de acordo com o disposto no art. 309º do Código Civil [3].

A 1ª instância considerou que o prazo prescricional não tinha decorrido, face ao regime previsto no art. 327º, nº1, do Código Civil. 

Atento o quadro normativo vigente nesta matéria, temos de concluir que assiste razão ao Tribunal a quo.

Com efeito, a citação que ocorreu no âmbito da acção executiva implicou que a prescrição se interrompesse, por força do preceituado no art. 323º, nº1, do Código Civil [4].

E nestes casos, dispõe o art. 327º, nº1, do mesmo Código que “…o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.”.

Isto significa que estando o processo pendente, ainda que tenha decorrido o lapso temporal previsto no art. 309º do Código Civil (20 anos), o prazo de prescrição não corre.

O entendimento jurisprudencial acerca desta matéria tem sido pacífico, podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ de 21/6/2022 (Aresto disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d3d1fd23c846f78880258868005a1d76?OpenDocument), cujo sumário contém as seguintes observações:

II…nos termos do nº 1 do art.º 323 do CC, a citação do devedor para a execução em que o credor procura a satisfação do seu direito de crédito, exprimindo a intenção de este exercer o direito, interrompe sempre o prazo de prescrição que se encontre em curso, tendo essa interrupção um efeito permanente ou continuado até à decisão que ponha termo ao processo (art.º 327, nº 1, do CC).

III. Enquanto se mantiver esse efeito permanente ou continuado – até à decisão que põe termo ao processo – não só não se inicia o novo prazo prescricional decorrente da citação, como não pode haver nova interrupção por qualquer outra causa.”.

Pelos motivos expostos, improcede o recurso em análise, devendo decidir-se em conformidade.

                                                        ***

III – DECISÃO

Nestes termos, decide-se julgar a apelação improcedente, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.


Coimbra, 8 de Abril de 2025

(assinado digitalmente)

Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

Hugo Meireles

(1º adjunto)

Cristina Neves

(2ª adjunta)



[1] Art. 571º do C.P.C.: ““1 - Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado.
2 - Depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.”.

[2] Sobre a problemática da questão nova, cf., ainda, o Acórdão da Relação de Guimarães de 8/11/2018 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/1b6c2f229ed863618025835400358d21), o Acórdão da Relação do Porto de 9/10/2023 (disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/7a4e0d5d6acf74f080258a6100383af1?OpenDocument) o Acórdão da Relação de Coimbra de 12/9/2023 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/7c8158402a5ae63280258a3c00499fe4?OpenDocument) e o Acórdão da Relação de Guimarães de 31/10/2024 (disponível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/eee0b35187ec3df180258bce0051f214?OpenDocument).
Na doutrina, cf. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, 7ª edição, 2022, págs. 139 a 142.  
[3] Art. 309º do Código Civil: “O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.”.
[4] Art. 323, nº1, do Código Civil: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”.