DIREITO DO CONSUMIDOR
CONDOMÍNIO
RELAÇÃO DE CONSUMO
ÓNUS DA PROVA
GARANTIA REFERENTE A IMÓVEIS
EMPREITADA DE CONSUMO
DEFEITOS
RECONHECIMENTO TÁCITO DO DIREITO
CADUCIDADE
PRAZOS
Sumário

I- A relação de consumo depende de aquele a quem sejam destinados os bens ou serviços os destine a um uso não profissional, sendo por sua vez o fornecedor destes bens ou serviços um profissional que exerça uma actividade económica, na acepção da Lei nº 24/96 de 31 de Julho.
II- O condomínio pode ser considerado consumidor desde que pelo menos uma das fracções que compõem o condomínio seja destinada a uso privado (artº 1-B, al. a) da Lei nº 67/2003 de 08/04).
III-Cabe ao condomínio a alegação e prova de factos que integrem a noção de consumidor (artº 342, nº1, do C.C.).
IV- Nas empreitadas de consumo a lei prevê três prazos distintos de caducidade:
-o prazo da garantia referente aos imóveis de 5 anos (se outro superior não tiver sido convencionado), contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente ou dono da obra, (artºs 1225 nº1 e 4 do C.C. e artº 5 nº1 DL nº 67/2003);
- o prazo para denúncia dos defeitos da obra de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito (artº 1225 nº2 e 4 do C.C. e artº 5 nº3 (parte final) do DL nº 67/2003);
-o prazo para o exercício dos direitos previstos no artº 4 do D.L. nº 67/2003 (prazo para a interposição da acção/reconvenção), de 3 anos a contar da data da denúncia (artº 5-A nº3 do DL nº 67/2003).
V- A caducidade pelo decurso deste último prazo só é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que lei atribui eficácia impeditiva, ou seja, pela interposição da acção ou injunção contra o devedor (artº 331, nº1 do C.C.) ou pelo reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, caso se trate de direito disponível (art.° 331, nº 2, do C.C.).
VI-O reconhecimento tácito do direito verifica-se quando dele resulte uma vontade inequívoca de assumpção da responsabilidade pela existência do defeito, só desta forma se impedindo a caducidade dos direitos do dono da obra.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

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Recorrente: Condomínio do Prédio A..., sito em Rua ..., ..., ...

Recorrida: B..., Lda.

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Hugo Meireles

                                         Luís Miguel Caldas

                       


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO

B..., Lda., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Condomínio do Prédio A..., sito em Rua ..., ..., ..., pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia de 7.164,70€, a título de capital, acrescido dos juros comerciais vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, importando os primeiros a quantia de 2.817,90€, o que totaliza no momento a quantia de 9.982,60€, mais se condenando o Réu na quantia de 50,00€ por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, a contar da data da decisão de condenação em primeira instância e até integral pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, bem como nos respectivos juros de mora.

Alegou, para o efeito e em síntese, que no exercício da sua actividade de construção civil, executou para o Réu, a sua solicitação, os trabalhos de arranjos exteriores (caleiras, telas asfálticas e chaminés) a que se refere a factura n.º 15/68, emitida e vencida em 22.10.2015, no valor global de 12.164,70€, da qual foi paga apenas a quantia de 5.000,00€, encontrando-se em dívida, a título de capital, o montante de 7.164,70€.


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Regularmente citado, veio o Réu apresentar contestação, na qual apresentou defesa por excepção e deduziu reconvenção, pugnando pela improcedência da acção ou, caso assim não se entenda, “deverá apurar-se (através de prova pericial) custo dos trabalhos mal executados, e consequentemente reduzir-se o valor dos mesmos ao valor orçamentado, e verificando-se que a R tenha pago em excesso, ser o valor devolvido, tudo nos termos dos artigos 556º, nº 2, al. b) e 569º, 2º parte do CC.

Deverá ainda a R ser condenada ao pagamento do valor que se vier a apurar em perícia, em consequência dos trabalhos necessários e a acrescer para remoção das anomalias por si criadas, tudo nos termos dos artigos 556º, nº 2, al. b)e 569º, 2º parte do CC.

Ou, caso assim o Douto tribunal não entenda, deve a R ver o custo dos trabalhos não executados e dos trabalhos mal executados ser reduzido ao valor da empreitada, sendo que, a ter a R pago mais do que deveria, ser-lhe consequentemente restituído tudo quanto a mais tenha pago.

Para tanto invocou, em síntese que, não obstante ter sido acordado, não foi efectuada a substituição das telhas ao nível da cobertura, nem foi efectuada a pintura das paredes exteriores do prédio, sendo que as telas betuminosas com acabamento mineralizado nas caleiras e superfície interior de platibandas, foi apenas realizado no lado nascente do edifício.

 Mais alegou que nos trabalhos de impermeabilização realizados em caleiras e platibandas (do lado nascente da cobertura do edifício), ao invés de ser aplicado um perfil de remate periférico com pingadeira, como a norma construtiva manda e está descrito, foi colocada chapa metálica lisa, com cortes (remendos) e que a inclinação das caleiras se encontra virada para o interior da cobertura, estando as saídas de água instaladas no lado oposto, junto aos muros exteriores, provocando a acumulação de águas pluviais.

Acrescentou, ainda, que as saídas de águas existentes junto às platibandas possuem um diâmetro muito reduzido, impedindo um remate adequado da impermeabilização às embocaduras, sustentando que as membranas betuminosas deveriam ter entrado dentro das embocaduras, e que, sempre que chove, é visível a existência de água sob as membranas betuminosas aplicadas, em zonas pontuais das caleiras.

Por último que, no que se refere às telas asfálticas, o acabamento previsto era em filme termofusível e no local foi feito um acabamento com proteção mineral, sendo que a tela não está uniformemente aderida ao suporte e está cheia de cortes, acrescentando que os remates dos rufos têm elementos a perfurar as telas, o que tem potenciado as infiltrações de água.

Sustentou que todos os defeitos foram denunciados à A. e que esta nunca se dispôs a proceder à sua reparação, nem a terminar a obra.


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Notificada da contestação/reconvenção, veio a A. apresentar réplica, na qual sustentou, em síntese, que os pontos 2 e 3 do orçamento oferecido sob doc. n.º 1 não foram contratualizados e veio invocar a caducidade do direito da R. de excepcionar os defeitos da obra, nos termos do artigo 1225.º do Código Civil.

Impugnou ainda todos os factos invocados pelo reconvinte.

Mais requereu que seja aferida a conduta processual do Réu para o efeito do disposto no artigo 542.º do Código de Processo Civil.


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Por despacho proferido em 08.05.2022, foi admitida a reconvenção, fixado o valor à acção e dispensada a identificação do objecto do litigio e a enunciação dos temas da prova.

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Realizou-se audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença na qual decidiu o tribunal:

“a) Julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar o Réu Condomínio do Prédio A..., sito em Rua ..., ..., ..., a pagar à Autora «B..., Lda» a quantia de 7.164,70€ (sete mil cento e sessenta e quatro euros e setenta cêntimos), acrescida da quantia de 2.817,90€ (dois mil oitocentos e dezassete euros e noventa cêntimos) – referente aos juros de mora comerciais vencidos até 03.06.2021 – e dos juros de mora comerciais (artigo 102º, parágrafo 3º do Código Comercial) vencidos desde 04.06.2021 até efectivo e integral pagamento, às taxas legais que sucessivamente entraram ou vierem a entrar em vigor; absolvendo-se o Réu do demais peticionado.

b) Julgar procedente a excepção de caducidade invocada pela Autora e, em consequência, absolvo a Autora «B..., Lda» do pedido reconvencional formulado pelo Réu Condomínio do Prédio A..., sito em Rua ..., ..., ....

c) Absolver o Réu do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Custas pelo Réu (cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).”


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Não conformado com esta decisão, impetrou a R. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“I. Vem a Douta Sentença condenar a Ré , parcialmente ao pagamento a quantia de 7.164,70€ (sete mil cento é sessenta é quatro euros é setenta cêntimos), acrescida da quantia de 2.817,90€ (dois mil oitocentos é dezassete euros é noventa cêntimos) – referente aos juros de mora comerciais vencidos até 03.06.2021 – é dos juros de mora comerciais (artigo 102º, para grafo 3º do Co digo Comercial) vencidos desde 04.06.2021 até efetivo é integral pagamento, às taxas legais que sucessivamente entraram ou vierem a entrar em vigor; absolvendo-se o Ré u do demais peticionado.

II. E ainda: Julgar procedente a exceção de caducidade invocada pela Autora e, em consequência, absolver a Autora «B..., Lda.» do pedido reconvencional formulado pelo Réu Condomínio do Prédio A..., sito em Rua ..., ..., .... Absolvendo ainda do mais.

III. O Tribunal ao apreciar e decidir a matéria constante do pedido fez errada interpretação o da matéria de facto é aplicação da Lei, pelo que se requer desde já que para alem da apreciação o de direito seja reapreciada de acordo com os dados como provados.

IV. Importa considerar para a boa decisão da causa os factos dados como provados pelo tribunal e que aqui se têm por integralmente reproduzidos na sua integra para todos os legais efeitos.

V. Face aos factos dados como provados, a aplicação do direito deveria ter ditado outra decisão.

VI. Vejamos o que diz a decisão de que sé recorre na Motivação de Direito:

Demonstrou-se, porém, a existência de vícios/desconformidades dos trabalhos realizados pela Autora no âmbito do contrato de empreitada celebrado com o Réu (pontos 6., a 14.).

Ora, para além das situações de irresponsabilidade do empreiteiro previstas no artigo 1219.º do Código Civil e das situações de incumprimento contratual obrigacional previstas na parte geral do mesmo código (cfr.: artigos 798.º a 808.º do Código Civil), os artigos 1220.º a 1226.º do Código Civil estatuem especificamente o tratamento jurídico do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada. Do conjunto de direitos conferidos pelos artigos 1221.º a 1223.º do Código Civil e das restrições ao seu exercício, resulta apodítico que o recurso a qualquer um deles não é arbitrário.

(…)

Os prazos para o exercício dos direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização, previstos nos artigos 1224.º e 1225.º do Código Civil, são prazos de caducidade. De facto, o Legislador optou por prazos de caducidade e não de prescrição por se entender que os institutos da suspensão e da interrupção da prescrição não se harmonizavam com as razões que justificavam o estabelecimento de prazos curtos para o exercício dos direitos resultando do descobrimento de defeitos (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 3ª edição, 1986, pág. 824) (…)

(…)

Conforme resulta da factualidade provada, a comunicação de denúncia dos defeitos e de que o Réu não aceitava os trabalhos foi efectuada através de carta da respectiva administradora em 16.02.2016. Assim, o Réu teria até ao dia 16.02.2017 para instaurar a acção para exercitar os direitos que pretende fazer valer. Porém, o mesmo não o fez, tendo a presente reconvenção dado entrada em 26.08.2021, sendo que a oposição/reconvenção que apresentou no processo n.º 9073/20.... deu entrada após a apresentação do requerimento de injunção, tendo este sido apresentado em 05.02.2020.

Note-se que entendemos ser este prazo de um ano a considerar e não o prazo de três anos previsto no artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 84/2008 de 21 de Maio (e que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, respeitante ao contrato de compra e venda e outros contratos de consumo e que tem por objectivo assegurar a protecção dos interesses dos consumidores nesses contratos). Com efeito, para que o Réu condomínio pudesse ser considerado consumidor era necessário que pelo menos uma das fracções que o compõem fosse destinada a uso privado (cfr. acórdão do STJ de 20.01.2022, acessível in www.dgsi.pt). Por outro lado, a qualidade do contraente que permitiria estabelecer a relação de consumo teria que ser alegada e demonstrada no processo, incumbindo ao consumidor o respectivo ónus, pelo que, desconhecendo-se no caso sub judice a que se destinam as fracções (se estão afectas a habitação ou a uso profissional), não é possível qualificar o contrato de empreitada celebrado como de consumo. De todo o modo, ainda que fosse aplicável o referido prazo de três anos, também o mesmo teria sido ultrapassado, já que, nesse caso, o Réu teria até ao dia 16.02.2019 para exercitar os referidos direitos, o que o mesmo não fez. Por conseguinte, resta concluir que caducou o direito do Réu à pretendida redução do preço e indemnização.”

VII. E na conclusa o que supra se transcreve que andou mal o tribunal.

VIII. Até o invocado Acórdão do STJ de 20.01.2020, têm interpretação diferente da extraída.

IX. Diz o tribunal que, para que o condomínio seja considerado consumidor e se aplique o regime mais favorável, teria de ser proprietário de pelo menos uma fração, quando deveria ter decidido exatamente ao contrário!

X. O condomínio é considerado consumidor, conforme infra sé explica.

XI. Vejamos o que diz o STJ no já supra referido Acórdão invocado em sentença:

XII. “A primeira questão consiste em averiguar se o Condomínio do edifício sito na ..... deve considerar-se como consumidor para efeitos do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio…”

(…)

O art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho contém uma definição de consumidor de alcance geral. O n.º 1 define como consumidor “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” e o n.º 2 esclarece que, entre os profissionais, — que entre as pessoas que exercem com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, — estão as pessoas colectivas públicas, incluindo as regiões autónomas e as autarquias locais, as empresas de capitais públicos, ou de capitais detidos maioritariamente pelo Estado, e as empresas concessionárias de serviços públicos.”

(…)

. O art. 1.º-B do Decreto-Lei n.º 67/2003, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, remete para a definição de consumidor do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho:

“Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por […] consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”. (…)

“Ora a palavra “aquele” ou as palavras “todo aquele” devem interpretar-se em termos de abranger associações ou comissões sem personalidade jurídica, e em termos de abranger o condomínio, pelo que há tão-só que enunciar o critério da qualificação do condomínio como consumidor. (…)

XIII. O problema está em que o conceito de consumidor é um conceito relacional.

XIV. Ou seja, a interpretação é exatamente o contrário da interpretação dada pelo tribunal ao não considerar a ora Ré – Condomínio – como não consumidor.

XV. Sendo a Ré consumidor devera ser aplicado regime especial mais favorável em detrimento do regime geral.

XVI. Assim sendo, deve, pois, aplicar-se e considerar-se o prazo estipulado no artigo 5º A do DL 67/2008 de 8/4, com as alterações introduzidas pelo DL 84/2208 de 21/05, de 3 anos.

XVII. Vejamos agora o caso sob Júdice: nos negócios jurídicos de consumo, como é o caso é onde se subentende o contrato dé émpréitada a tutéla do consumidor é, por esse motivo, assegurada de uma forma distinta do que corresponde ao modelo clássico do cumprimento defeituoso.

XVIII. O âmbito de aplicação do regime de garantia contratual de bens de consumo, instituí do pelo citado DL n.º 67/2003, vai, no entanto, muito mais longe do que o da referida Diretiva, porquanto, enquanto esta abrange apenas os bens móveis corpóreos, o nosso legislador previu expressamente a aplicação desta garantia a bens imoveis (artigo 3º, n.º 2 do DL 67/2003).

XIX. Importa, delineada abstratamente a questão, indagar se, no caso concreto, se configura a exceção da caducidade invocada pela A e cuja verificação é reconhecida na decisão ora sob recurso.

XX. Sem prejuízo de se ter em particular atenção o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - 1393/08.7TBSTB.E1 – de 05.11.2017:

“Dispõe o art.º 298.º, n.º 2 do C.C. que, “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.”.

Nos termos do art.º 331º nº1, do mesmo diploma a caducidade só é impedida pela prática do acto, a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, dentro do prazo legal ou convencional. Mas quando a lei fixa um prazo para o exercício de certo direito, não quer tornar esse direito dependente da observância do prazo, mas apenas fazê-lo extinguir, se o prazo não for observado (Manuel de Andrade, citado por Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, Pág. 587 e ss.). Assim, não há dúvidas que o fundamento do instituto da caducidade é a necessidade da certeza jurídica, isto é, a exigência de que certos direitos sejam exercidos durante certo prazo, a fim de que a situação jurídica fique definida e inalterável (Manuel Andrade in ob. cit. pág. 464). Dispõe o nº 1 do art.º 331º do C.C. que a caducidade só é impedida pela prática do acto dentro do prazo legal, decorrendo do n.º 1 do art.º 332º, e assim tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, que o momento relevante para impedir a caducidade do direito, quando este tem de ser exercido através de uma acção judicial a propor dentro de certo prazo, é o momento da propositura da acção – art. 259º nº1

do CPC. Nos termos do n.º 2, a caducidade pode, igualmente, ser impedida pelo reconhecimento do direito por parte do seu beneficiário, nos casos em que resulte de estipulação negocial (caducidade convencional), ou de disposição legal relativa a direitos disponíveis.”

XXI. No que respeita aos limites subjetivos do reconhecimento, pressupõe-se que o ato seja praticado pelo sujeito a quem a caducidade aproveita, através de uma declaração dirigida ao titular do direito, impondo-se, por outro lado um limite temporal ao reconhecimento, só valendo como tal o ato que ocorra antes de esgotado o prazo de caducidade.

XXII. Tem a ré o prazo de 5 anos a contar da entrega da obra, dentro dos quais terá de ser efetuada denuncia e proposta a ação de indemnização ou reparação dos defeitos, e dentro deste o prazo de 3 anos apos denuncia para intentar ação.

XXIII. Ora, os trabalhos decorreram em finais de 2015.

XXIV. Foi enviada carta a não aceitar os trabalhos já em 2016.

XXV. Posteriormente foi enviado relatório com os defeitos e efetuados contatos telefónicos com a A como de resto resulta do depoimento da testemunha AA é das declarações de parte prestadas pela Administradora da Ré .

XXVI. Já em 2020, a A tentou cobrança através de Injunção (injunção nº 9073/20....) – Juiz ... – Juízo de Comp. Genérica de ...), conforme documentos que se encontram juntos aos autos.

XXVII. Tendo sido apresentada contestação com reconvenção dando conta dos defeitos e do agudizar da situação e face à omissão no que respeita ao tratamento dos mesmos.

XXVIII. Tudo dentro dos limites é prazos legalmente estabelecidos.

XXIX. Mais, encontra-se junto aos autos carta enviada pela A em que a mesma não contesta nem se opõe a existência dos defeitos (aqui dados como provados).

XXX. Nem a Ré nunca referiu que a prestação da A estaria terminada.

XXXI. Ora, sem prejuízo do que já supra se disse quanto a exceção da caducidade, não pode deixar de relevar o disposto do artigo 331º do Co digo Civil.

XXXII. Que apesar de invocado em sede de contestação, a decisão é omissa quanto a analise da questão, sob aplicação deste preceito normativo.

XXXIII. Sem prejuízo do estipulado no DL. Nº 67/2003, alterado pelo DL nº 84/2008 de 21/05, uma vez que no Acórdão do STJ de 3.11.09: “a lei não impõe que a ação destinada a eliminar os defeitos ou a pedir indemnização seja proposta dentro desses 5 anos, importa que os defeitos ocorram nesse período, o que é coisa diversa.

XXXIV. Violando-se desta forma os artigos 298º, 331º, 1225 do Co digo Civil, é ainda artigos 2º é 3º, 5º é 6º do DL 67/2003 alterado pelo DL 84/2008 de 21/05, e ainda Lei 27/96 de 31/07 – artigo 2º.

Pelo exposto e pelo que for mais doutamente suprido por V. Exas, deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida devendo a exceção da caducidade ser julgada improcedente e em consequência reduzir-se ao pagamento a efetuar a A, o valor dos trabalhos mal-executados, bem como condenar a A ao pagamento do valor que sé vier a apurar para remoção das anomalias.

Assim sé fazendo JUSTIÇA!”


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Foram interpostas contra-alegações, concluindo-se da seguinte forma:

“1. A sentença recorrida deverá manter-se na ordem jurídica.

2. Devendo, em primeiro lugar, a apreciação do recurso ficar condicionada ao pagamento da multa e penalização respectiva, uma vez que foi interposto no denominado “1.º dia de multa”; ao passo que o efeito a atribuir ao mesmo deverá ser o devolutivo.

3. Quanto à substância ou fundamentos, não cremos existir qualquer razão recursiva que permita a modificação da sentença condenatória sub judice.

4. Como se nota das próprias declarações da Legal Representante do Condomínio Recorrente (balizadas supra), a Autora/Recorrida cumpriu a prestação dos trabalhos contratados e sempre rejeitou quaisquer responsabilidades.

5. Inexistindo qualquer causa que impedisse a caducidade dos direitos invocados.

6. Conforme oposto nos autos.

7. Independentemente da aplicação judicativa dos regimes legais (Código Civil vs D.L. n.º67/2003), é forçoso concluir pelo correcto sentido da sentença recorrida.

8. A qual se apresenta correcta e devidamente fundamentada.

9. Não se apresentando violadora de qualquer das normas legais invocadas pelo Recorrente.

10. Devendo, pois, o recurso ser julgado totalmente improcedente.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve o Recurso

ser julgado totalmente improcedente, com legais consequências.”


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Recebidos os autos nesta Relação, prevendo a possibilidade de deferimento do recurso no que se reporta à excepção de caducidade, foi proferido despacho convidando as partes a pronunciarem-se sobre as questões prejudicadas pela decisão que considerou caducados os direitos da R.- redução do preço e indemnização pelo cumprimento defeituoso da empreitada. (artº 665, nº2 do C.P.C.).


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Em cumprimento desse despacho, veio a recorrente pronunciar-se requerendo a condenação da A. no pagamento do valor necessário à reparação dos trabalhos mal efectuados e na redução do preço pelos trabalhos não executados.

A recorrida pronunciou-se pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

 


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QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.

Nestes termos, as questões a decidir que delimitam o objecto deste recurso, consiste em apurar:
a) Se o condomínio deve ser considerado consumidor;
b) Se, nessa sequência, deve ser alterada a decisão recorrida, julgando-se que não ocorreu a caducidade do direito da R. de excepcionar os defeitos da obra;
c) Nessa sequência, se a obra enferma de defeitos, não reparados pela empreiteira devendo ser reduzido o preço da empreitada e indemnizada a dona da obra pelo valor necessário à reparação.


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Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido considerou a seguinte matéria de facto:

“Factos Provados

Da discussão da causa e com interesse para a decisão resultaram provados os seguintes factos:

1 – A Autora dedica-se, nomeadamente, à actividade de construção civil.

2 – A Autora e o Réu acordaram que a primeira, no âmbito da sua actividade de construção civil, mediante o preço de 9.890,00€, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, realizaria para este último os seguintes trabalhos no respectivo prédio:

“1 – Arranjos exteriores (caleiras, tela asfáltica e chaminés)

1.1 – Fornecimento e execução de novas pendentes nas caleiras interiores para as descargas existentes.

1.2 – Fornecimento e colocação de telas asfálticas, desde o topo das platibandas interiores até à telha do beirado (esta será descolada e novamente assente).

1.3 – Pintura de todas as chaminés acima do telhado com telas armadas e barramento, seguido de pintura com tinta plástica acrílica “DYRUP”.

3 – Os trabalhos referidos em 2., foram executados pela Autora em datas não concretamente apuradas, mas situadas em setembro e/ou outubro de 2015.

4 – Pelos referidos trabalhos, a Autora procedeu à emissão da factura n.º 15/68 em 22.10.2015, com vencimento na mesma data, no valor de 12.164,70€, e interpelou o Réu, através da sua administração, para pagamento.

5 – Em 16.11.2015, o Réu procedeu ao pagamento à Autora da quantia de 5.000,00€, por conta dos referidos trabalhos, mediante a entrega do cheque n.º ...94, sacado sobre o Banco 1....

6 – As telas betuminosas com acabamento mineralizado foram colocadas no interior das platibandas e sobre os topos das mesmas apenas no lado nascente do edifício.

7 – Foi aplicada sobre as platibandas uma chapa metálica que só cobre uma parte dos muretes das mesmas.

8 – Não é possível verificar as características das membranas betuminosas aplicadas.

9 – Não foi colocado o remate metálico com pingadeira, o que evitaria o recurso à colocação de pequenos pedaços de tela, tendo ao invés sido colocada uma cantoneira em chapa de zinco, com cortes que foram necessários para a sua colocação.

10 – As caleiras encontram-se com pouco desnível, não permitindo o escoamento das águas pluviais para as duas saídas de ligação aos tubos de queda de forma rápida e eficiente.

11 – As saídas de águas possuem um diâmetro muito pequeno para a área a drenar, impedindo um remate adequado da impermeabilização às embocaduras, concretamente a entrada das membranas betuminosas dentro das embocaduras.

12 – Tal é susceptível de originar a ocorrência de infiltrações junto às ligações das embocaduras com as platibandas e com a tela de impermeabilização.

13 – Quando chove, é visível a existência de água sob as membranas betuminosas aplicadas, em zonas pontuais das caleiras.

14 – A tela aplicada não está uniformemente aderida ao suporte, existindo empolamento em várias zonas.

15 – No dia 13 de outubro de 2015, o Réu, através da sua administradora, remeteu à Autora carta registada com aviso de receção, rececionada em 14.10.2015, cuja cópia se encontra junta sob o doc. n.º 12 junto com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido, através da qual lhe solicitou as respectivas fichas técnicas dos produtos utilizados, assim como a disposição construtiva e comunicou que, após uma visita ao local, a água continua a acumular-se em determinadas partes do terraço e as chaminés não foram intervencionadas.

16 – No dia 15 de fevereiro de 2016, o Réu, através da sua administradora, remeteu à Autora carta registada com aviso de receção, reccepcionada em 16.02.2016, à qual anexou o relatório cuja cópia foi junta sob o documento n.º 14 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e na qual lhe comunicou o seguinte:

«(…) Na qualidade de administradora do A..., em ..., e após a realização das obras realizadas pela vossa empresa, no terraço do edifício, venho pela presente comunicar que não aceitamos os trabalhos da forma como nos foram apresentados.

Após os trabalhos, solicitamos um parecer a um técnico, do qual foi elaborado um relatório, apontando para a existência de anomalias e de deficiências nos trabalhos realizados.

Desta forma, foi solicitado a correcção dos mesmos, o que não aconteceu.

Por consequência, vimos informar que exigimos uma intervenção adequada, de acordo com os trabalhos previstos no vosso orçamento datado de 23 de Março de 2015, corrigindo as anomalias do relatório de peritagem, que se junta em anexo. (…)».

17 – Em 5 de fevereiro de 2020, a Autora requereu procedimento de injunção contra o Réu, que correu termos neste Juízo de Competência Genérica ... sob o Processo n.º 9073/20...., através do qual a Autora peticionou o pagamento, a título de capital, do valor remanescente da factura referida em 4., tendo o aqui Réu vindo a apresentar oposição, conforme documento junto com o requerimento com a referência electrónica n.º 1827277, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

18 - A contestação/reconvenção da presente acção deu entrada em juízo no dia 26.08.2021.

Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a boa decisão da causa para além dos supra referidos, designadamente que:

a) A Autora e o Réu acordaram que a primeira realizaria para este os trabalhos elencados nos pontos 2. e 3., do orçamento junto com a petição inicial como documento n.º 1, que aqui se dá por reproduzido.

b) O acabamento das telas asfálticas acordado entre as partes era em filme termofusível.

c) Nos trabalhos realizados pela Autora, os remates dos rufos têm elementos a perfurar as telas.


*

Com interesse para a decisão da causa, não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados nos articulados ou discutidos em audiência final, que não estejam já em oposição ou não tenham ficado prejudicados pelos que foram considerados provados e não provados, sendo que outros houve que não foram objecto de resposta por consubstanciarem matéria conclusiva ou de direito ou inócua para a decisão.”

***

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Funda o R. condomínio a sua discordância quanto à decisão que julgou caducados os seus direitos de invocar defeitos da obra e de peticionar uma indemnização e a redução do preço, no facto de ser considerado consumidor, sendo-lhe assim aplicável o disposto no artº 5 do D.L. nº 67/2003 de 08/04.

Alega para o efeito que o tribunal considerou que “para que o condomínio seja considerado consumidor e se aplique o regime mais favorável, teria de ser proprietário de pelo menos uma fração” (conclusão IX), mais alegando que o condomínio é sempre consumidor (conclusão X).

Por último, considera que os defeitos foram denunciados dentro do prazo de cinco anos e a acção intentada no prazo de três anos, tendo em conta que deduziu oposição ao procedimento de injunção contra si intentado, em data anterior, pela A., denunciando estes defeitos (conclusões XXII a XXVII) e que, em todo o caso, se deve considerar o disposto no artº 331 do C.C. por se encontrar “junto aos autos carta enviada pela A em que a mesma não contesta nem se opõe a existência dos defeitos (aqui dados como provados)” (conclusões XXIX e XXXI).

Vejamos por partes, começando por apreciar o primeiro fundamento de recurso:

a) Se o condomínio pode ser considerado consumidor.

Ao contrário do que alega o recorrente, o tribunal recorrido nunca considerou que para que o condomínio fosse considerado consumidor teria de ser proprietário de pelo menos uma fracção. O que aquele tribunal referiu textualmente foi que “para que o Réu condomínio pudesse ser considerado consumidor era necessário que pelo menos uma das fracções que o compõem fosse destinada a uso privado (cfr. acórdão do STJ de 20.01.2022, acessível in www.dgsi.pt). Por outro lado, a qualidade do contraente que permitiria estabelecer a relação de consumo teria que ser alegada e demonstrada no processo, incumbindo ao consumidor o respectivo ónus, pelo que, desconhecendo-se no caso sub judice a que se destinam as fracções (se estão afectas a habitação ou a uso profissional), não é possível qualificar o contrato de empreitada celebrado como de consumo”.

Como resulta de forma clara e compreensível do acima reproduzido, o que era necessário era a alegação e prova de que pelo menos uma das fracções que compõem o condomínio fosse destinada a uso privado e não que este condomínio fosse proprietário de uma fracção. Os factos relevantes são os referentes ao uso das fracçãos (no título constitutivo da propriedade horizontal) que compõem este condomínio e que deveriam ter sido alegados e não a propriedade, por parte do condomínio, de uma fracção.

Isto porque, ao contrário do que alega o recorrente, nem sempre o condomínio pode ser considerado consumidor. Como já referia Ferreira de Almeida[1]uma pessoa será ou não consumidor num determinado acto ou numa determinada situação, mas não há pessoas que, em absoluto, sejam consumidores.” A relação de consumo, depende de aquele a quem sejam destinados os bens ou serviços os destine a um uso não profissional, sendo por sua vez o fornecedor destes bens ou serviços, um profissional que exerça uma actividade económica, na acepção da Lei 24/96 de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor).

Com efeito, consumidor para efeito da aplicação do disposto no D.L. nº 67/2003 de 08/04, (na redacção do D.L. nº 84/2008, de 21/05) é todo “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho; (artº 1-B, al a)).

Como elucida o Ac. do STJ de 20/01/2022[2], “a palavra “aquele” ou as palavras “todo aquele” devem interpretar-se em termos de abranger associações ou comissões sem personalidade jurídica, e em termos de abranger o condomínio, pelo que há tão-só que enunciar o critério da qualificação do condomínio como consumidor”.

O critério para consideração do condomínio como consumidor, depende da leitura que se faça da exigência do “uso não profissional”, como referindo-se a todas as fracções que compõem o condomínio, à maioria destas fracções ou a pelo menos uma destas fracções, que se terá de destinar a uso não profissional, tendo em conta que, sendo as obras realizadas em partes comuns, cada condómino, sendo proprietário da sua própria fracção é comproprietário destas partes comuns (cfr. decorre do artº 1420, nº1 do C.C.).

Volvendo ao Ac. do S.T.J. de 20/01/22, defende este que o entendimento de que o artº 1-B al a) do D.L. 67/2003 exige tão só que pelo menos uma das fracções se destine ao uso privado, pelo que “os negócios jurídicos — p. ex., os contratos de compra e venda ou os contratos de empreitada — relacionados com as partes comuns do edifício deveriam ser considerados como negócios jurídicos de consumo desde que o proprietário, ou desde que algum dos proprietários, das partes comuns devesse ser qualificado como consumidor. Em consequência, os negócios jurídicos relacionados com as partes comuns devem ser considerados como negócios jurídicos do consumo desde que um dos condóminos seja um consumidor”.[3]

Posição seguida por Morais de Carvalho[4] para quem o condomínio deve ser considerado como consumidor “sempre que, numa perspectiva objectiva, o bem ou o serviço em causa possa ser considerado um bem ou um serviço para uma das pessoas que o condomínio representa.”, acrescentando que “[n]este sentido, as partes comuns constituem bens de consumo quando o seu proprietário (ou um dos seus proprietários) poder ser qualificado como consumidor (…)”.

Já no Ac. do STJ de 11/05/2023[5], se defendeu que a qualificação do condomínio “como consumidor, depende do tipo de utilização a que se destinam as fracções que compõem o edifício a que o Condomínio respeita: se têm maioritariamente um destino não profissional (v.g., a habitação), então o condomínio deve ser qualificado como consumidor.” pelo que “os negócios jurídicos relacionados com as partes comuns devem ser considerados como negócios jurídicos de consumo, pois cada condómino é um consumidor relativamente à fracção de que é proprietário”.

Por sua vez Cura Mariano[6], defende que o condomínio só deveria considerar-se como consumidor desde que a maioria das fracções tivesse um destino não profissional.

Como quer que seja, essencial era que estivesse alegado e, concomitantemente, que tivessem sido provados factos dos quais resultasse a afectação, o uso das diversas fracções que compõem este condomínio.

Volvendo a Morais Carvalho[7], o “ónus de alegação dos factos que consubstanciam a noção de consumidor, nos casos em que o consumidor pretenda exercer os seus direitos enquanto tal, é seu, por se tratar de factos que o direito material consagra como constitutivos do direito que pretende fazer valer, sem prejuízo do dever do juiz de o convidar a completar a sua exposição.”

Quer isto dizer que, por um lado, a R. deveria ter alegado os factos que permitiriam enquadrar a relação contratual estabelecida com a A., numa relação de consumo, por a tanto estar onerada (artº 342 nº1 do C.P.C.), por outro, deveria ter sido proferido despacho nos termos do artº 590 nº4 do C.P.C., a convidá-la a indicar o uso que era dado
às fracções que o compunham, uma vez que era alegado ser o condomínio consumidor e a relação estabelecida com a R. constituir uma relação e consumo, sendo esta uma profissional que se destina a esta actividade (de empreitada).

O que nos conduz à 2ª questão colocada em sede de recurso. A qualificação da R. como consumidora é susceptível de alterar a decisão proferida que julgou procedente a excepção de caducidade invocada pela A.?

Caso a resposta seja afirmativa, impor-se-ia a anulação da decisão proferida em primeira instância, a fim de ser proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento do articulado, esclarecendo o uso dado às fracções.

A este respeito considerou a decisão recorrida que “ainda que fosse aplicável o referido prazo de três anos, também o mesmo teria sido ultrapassado, já que, nesse caso, o Réu teria até ao dia 16.02.2019 para exercitar os referidos direitos, o que o mesmo não fez.”

Vejamos se assim é:

b) dos prazos de caducidade para exercício dos direitos conferidos ao dono da obra por defeitos da obra.  

No que respeita às empreitadas de consumo, a lei prevê três prazos distintos de caducidade:

-o prazo da garantia referente aos imóveis de 5 anos (se outro superior não tiver sido convencionado), contados a partir da entrega do imóvel ao adquirente ou dono da obra, (artºs 1225 nº1 e 4 do C.C. e artº 5 nº1do DL nº 67/2003);

- o prazo para denúncia dos defeitos da obra de 1 ano, a contar do conhecimento do defeito (artº 1225 nº2 e 4 do C.C. e artº 5 nº3 (parte final) do DL nº 67/2003);

-o prazo para o exercício dos direitos previstos no artº 4 do D.L. nº 67/2003 (prazo para a interposição da acção/reconvenção) já não é de 1 ano a contar da data da denúncia (artº 1225 nº3 e 4 do C.C.), mas, por se tratar de empreitada de consumo, de 3 anos a contar da data da denúncia (artº 5-A nº3 do DL nº 67/2003).

Que os defeitos foram denunciados pelo condomínio no prazo de garantia e de denuncia, não oferece dúvidas, tendo em conta que a obra foi executada em Setembro e/ou Outubro de 2015 (ponto 3) e logo em 15 de Fevereiro de 2016, a R. remeteu carta à A. reclamando a existência de defeitos e juntando relatório de peritagem que mandou elaborar e onde constam os defeitos que entendia verificarem-se nas obras realizadas pela A. (ponto 16).

O que está em causa nesta acção é o decurso do prazo para o exercício do direito de acção contra a A./empreiteira, para exercício dos direitos que assistiriam ao dono de obra (quer pelo artº 1221 a 1223 do C.C. quer pelo artº 4 do D.L. nº 67/2003) que é um prazo de caducidade e que, quer se considere o prazo de 1 ano, quer se considere o prazo de 3 anos, já tinha decorrido à data da apresentação da contestação/reconvenção nesta acção, em 26/08/2021.

E teria decorrido ainda que se considerasse a data de apresentação da oposição referida no ponto 16, ao procedimento de injunção. Como bem considerou a decisão sob recurso, o prazo para exercício dos direitos da R. condomínio, terminaria em 16 de Fevereiro de 2017 ou, a considerar-se a R. consumidora, em 16/02/2019. A injunção foi intentada em 2020, pelo que à data de dedução da oposição já tinha decorrido aquele prazo.

Considera por último o recorrente que é necessário ter em consideração o disposto no artº 331 do C.C., afirmando que da ausência de resposta à sua missiva se tem de considerar que a R. reconheceu a existência de defeitos, não tendo a decisão recorrida emitido pronúncia sobre esta questão.

Sobre esta questão veio a R., em sede de resposta à excepção de caducidade oposta pela A., alegar o seguinte:

22.Para além disso, já antes a A enviou missiva que se encontra junto a contestação, e a ora A nunca referiu qualquer falta de responsabilidade sobre os referidos defeitos ou se opôs á existência dos mesmos.

23. Nem a R nunca referiu que considerava a prestação da A por terminada.

24. Pelo contrário, assumindo pois, a existência destes, pois bem sabe que não terminou sequer os trabalhos.

25. E, nesse sentido, conforme conta do artigo 331º do código civil os efeitos da caducidade deixam de operar.”

Desta críptica argumentação, não se retira que a R./reconvinte tenha alegado que a empreiteira A. reconheceu a existência de defeitos, nem este reconhecimento resulta de qualquer facto que tenha sido provado (sequer alegado).   

Com efeito, o fundamento da caducidade, ao contrário da prescrição, não assenta na inércia e desinteresse do titular do direito, mas antes em critérios de certeza e segurança jurídicas. Por essa razão, a caducidade traduz a extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu, dotado de eficácia extintiva. Como ensina Menezes Cordeiro[8]a caducidade é uma forma de repercussão do tempo nas situações jurídicas que, por lei ou por contrato, devam ser exercidas dentro de certo termo. Expirado o respectivo prazo sem que se verifique o exercício, há extinção.”.

A diferente natureza destes prazos, comporta diversos regimes jurídicos no que se reporta às causas de suspensão e interrupção. Aos prazos de caducidade não se aplicam as causas interruptivas e suspensivas da prescrição, excepto estipulação válida das partes (cfr. artº 330 do C.C.).

Este prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido, ou seja, no momento em que foi feita a denúncia dos defeitos da obra.

Por outro lado, a caducidade pelo decurso deste prazo só é impedida pela prática, dentro do prazo legal, do acto a que lei atribui eficácia impeditiva, ou seja, pela interposição da acção ou injunção contra o devedor (artº 331, nº1 do C.C.) ou pelo reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido, caso se trate de direito disponível (art.° 331, nº 2, do C.C.).

Este reconhecimento – da falta de conformidade ou dos defeitos da obra - pode ser expresso ou tácito, uma vez que, conforme resulta do disposto no artº 217, nº1 do C.C. “A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”

Em todo o caso deste reconhecimento deve resultar o mesmo que se “alcançaria com a prática tempestiva do acto a que a lei ou uma convenção atribuam efeito impeditivo[9], ou seja, dele deve resultar uma vontade inequívoca de assumpção da responsabilidade pela existência do defeito, só desta forma se impedindo a caducidade dos direitos do dono da obra.[10]

Quer isto dizer que, na ausência de uma declaração expressa de manifestação da vontade perante a R., teriam de ter sido praticados factos pela empreiteira dos quais resultasse com toda a probabilidade que assumia a responsabilidade pela existência de defeitos na obra.

Neste Tribunal, em Ac. de 28/09/2022[11] já se decidiu que “são requisitos do reconhecimento do direito, nos termos do citado art. 331º nº 2 do C.Civil: (i) a concretude; (ii) a clareza; (iii) a inequivocidade.

Ou seja, o reconhecimento deve ser concreto, no sentido de delimitado e suficientemente preciso.

Em segundo lugar, deve ser claro e não assentar em declarações vagas e ambíguas.

Em terceiro lugar, deve evidenciar o propósito do beneficiário da caducidade aceitar o direito do titular.

Temos presente que a declaração de reconhecimento do direito por parte do beneficiário da caducidade, não tem de ser necessariamente expressa, podendo ocorrer, validamente, de modo tácito nos termos do art. 217º nº 1, 2ª parte do C.Civil.

No entanto, como já foi doutamente sublinhado a este propósito, «(…) deve distinguir-se entre o regime geral da declaração tácita e eventuais casos excepcionais em que a lei ou a doutrina requeiram, não apenas factos que permitam a ilação “com toda a probabilidade”, mas antes comportamentos inequivocamente concludentes (…) dever-se-á fazer uma distinção entre a, normalmente bastante concludência relativa e uma excepcional concludência absoluta do comportamento (…) de facto, esta última não é hoje exigida para a declaração negocial tácita em geral (…) mas há hipóteses excepcionais onde se requerem factos inequívocos – é o caso da hipótese do artº 325º nº 2 (…) e outros que eventualmente se lhe devam juntar em que deverá ser excluída toda a inconcludência - no sentido de que não é admissível qualquer outra interpretação no caso concreto(…)”.

Constituiria reconhecimento expresso a declaração do empreiteiro perante a dona da obra de aceitação da existência e responsabilidade pelos defeitos da obra. Constituiria reconhecimento tácito os actos por este praticados no sentido de proceder à sua reparação, ainda que os não tivesse reconhecido expressamente nem aceite a responsabilidade[12].

Quer um caso, quer outro, não resultam nem alegados nem provados. 

Improcede nesta medida a apelação, mantendo-se inalterável a decisão que julgou verificada a excepção peremptória de caducidade dos direitos da R. reconvinte.


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DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação interposta pelo R.
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Custas pelo apelante (artº 527 nº1 do C.P.C.)

Coimbra 08/04/25


[1] Ferreira de Almeida, Carlos, Direito do Consumo, Julho de 2005, Almedina, pág 45.

[2] Proferido na revista nº 1451/16.4T8MTS.P1.S1., de que foi relator Nuno Pinto Oliveira, disponível em www.dgsi.pt.

[3] No mesmo sentido vide ainda o Ac. do TRP de 18/04/2024, proferido no proc. nº 8948/18.0T8VNG.P2, de que foi relator Paulo Dias da Silva, disponível em www.dgsi.pt.
[4] CARVALHO, Jorge Morais de, Manual de Direito do Consumo, 8ª edição, 2022, Almedina, pág. 44.

[5]Proferido na revista nº 1080/21.0T8FNC.L1.S1, de que foi relator Fernando Baptista, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido vide ainda o Ac. do STJ de 23/01/2024, proferido no proc. nº 5983/20.1T8GMR.G1.S1, de que foi relator Jorge Arcanjo; Ac. do TRG de 10/11/2022, proferido no proc. 346/20.1T8EPS.G1, de que foi relatora Maria Cristina Cerdeira, defendendo que “o condomínio pode ser considerado como “consumidor” (artº. 1º-B, al. a), desde que as fracções que compõem o respectivo imóvel, constituído em propriedade horizontal, se destinem maioritariamente à habitação (uso não profissional).”, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[6] MARIANO, João Cura, Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra, 6.ª edição, Almedina, 2015, págs. 242.
[7] Ob. cit, pág. 59.
[8] CORDEIRO, António de Menezes, “Da Caducidade no Direito Português”, Revista O Direito, nº 136 (2004) V, págs. 19 e 20.
[9] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4º edição, Coimbra Editora, pág. 295/296.
[10] CURA MARIANO, ob. cit. pág. 103.
[11] Proferido no proc. nº 325/21.1T8VNG.C1, de que foi relator Luís Cravo, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido vide o Ac. do STJ de 09/07/2015, proferido no proc. nº 3137/09.7TBCSC.L1.S1 de que foi relator Paulo Sá, disponível em www.dgsi.pt.