A decisão proferida em conferência, na sequência de reclamação da decisão do relator que confirmara o despacho de 1.ª instância de não admissão do recurso de apelação, seguindo o previsto nos arts. 643.º, n.º 4, 2.ª parte, e 652.º, n.º 3, do mesmo Código, é uma decisão definitiva e insuscetível de qualquer outra impugnação.
I. Relatório
I. Notificada da decisão singular da Relatora que considerou, este tribunal impedido de conhecer da presente reclamação por força do caso julgado formal que emana do trânsito em julgado de decisão anterior, veio a Recorrente/executada AA, reclamar para a conferência nos termos do art. 652º nº 3, aplicável por força do art. 679º do CPC.
II. Assim, nesta reclamação deduz as seguintes conclusões:
A - A douta decisão singular decidiu não admitir o recurso de revista,
B - Esta posição defendida na decisão singular não é seguida unanimemente pela jurisprudência, nem pela lei.
C – O artigo 671.º do Código de Processo Civil, dispondo o seu n.º 1 que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo,
D – A decisão recorrida não se pronunciou sobre o mérito da causa, mas põe termo ao processo,
E – Com a entrega do bem imóvel, o interessado realiza o pagamento,
F - Pondo termo ao processo de liquidação,
G – Ora, o despacho recorrido não se pronunciou sobre o mérito da causa, mas põe termo ao processo,
H - Significa isto, pois, que o aresto que se pretende impugnar com a revista põe termo ao processo e cabe na previsão normativa já referida anteriormente,
I – O douto despacho singular pronunciou-se sobre a questão da (in)admissibilidade processual de tal invocação,
J – Foi requerido no processo a suspensão das diligencias de liquidação do imóvel, por existir direito a cumprir sobre o imóvel,
L – Ferindo assim, direitos e garantias estipulados pela Lei, devido a existência dos direitos existentes sobre o imóvel,
M – Tendo sido dado conhecimento do mesmo aos autos de liquidação,
N – Os direitos decorrem directamente da lei, surgindo sem prévia declaração judicial, com eficácia erga ommes,
O – Existindo a necessidade de cumprir os mesmos,
P – A recorrente alegou e invocou que detém materialmente o imóvel e goza do direito de retenção sobre o mesmo,
Q - A ora recorrente pretende uma pronúncia sobre a admissão processual do recurso,
R - Pretende, que o tribunal cumpra a lei e proteja os direitos existentes, não permitindo a continuação de diligencias de venda do imóvel,
S – Por existência de direito real,
T – E o processo não pode terminar ferindo esses mesmos direitos e garantias,
U – Porque com esta decisão o processo termina, é este o fim da liquidação,
V– E sendo uma questão fundamental de direito,
X – Que faz parte da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça,
Z – Logo, e nos termos da lei acima invocada, admissível de recurso,
A final requer, seja proferido acórdão que julgue o Recurso procedente e, em consequência, sejam suspensas todas as diligencias de venda do imóvel, revogando-se o despacho recorrido do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo- Juízo de Comércio de Viana do Castelo.
Foi do seguinte teor a decisão singular da Relatora:
**
«Decisão singular
I. Relatório
AA, na qualidade de detentora do imóvel cuja entrega foi determinada em autos de liquidação apensos à insolvência de BB, veio ao abrigo do artigo 643º do C.P.C., reclamar da decisão proferida em 23-12-2024 pela Exmª Relatora da Relação que não admitiu o recurso de Revista por si interposto, incidente sobre o acórdão da Relação de 30-09-2024.
A sua Reclamação assenta nas seguintes Conclusões:
A - A douta decisão singular decidiu não admitir o recurso de revista,
B - Esta posição defendida na decisão singular não é seguida unanimemente pela jurisprudência, nem pela lei.
C – O referido recurso não foi admitido pelo Tribunal,
D – O artigo 671.º do Código de Processo Civil, dispondo o seu n.º 1 que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que ponha termo ao processo,
E – Ora, a decisão recorrida põe termo ao processo,
F – Ora, o tribunal judicial de Viana do Castelo, juízo de comércio ao decidir pela continuação das diligencias de venda do imóvel, põe termo à causa,
G - O processo de liquidação termina,
H – Os despachos que não admitem recurso e nos termos do artigo 630º do C.P.C., são os despachos de mero expediente e os proferidos no uso legal de um poder discricionário,
I – Nos termos do artigo 630º nº2 do C.P.C. uma decisão de simplificação ou agilização processual, se contenderem com os princípios da igualdade e do contraditório, são admissíveis de recurso,
J – E, foi requerido no processo a suspensão das diligencias de liquidação do imóvel, por existir um direito real de garantia sobre o imóvel,
L – A ora recorrente alegou e invocou que detém materialmente o imóvel e goza do direito de posse, propriedade e retenção sobre o mesmo,
M – Direitos que decorrem directamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial, com eficácia erga ommes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito com prioridade sobre os credores restantes, designadamente sobre os credores que gozem de hipoteca, mesmo com registo anterior,
N - Pelo que, os direitos de posse propriedade e retenção, que configuram direitos reais de garantia e que decorre diretamente da lei, não tem que ser declarado ou reconhecido, previamente pelo tribunal,
O - A requerente pretende que o tribunal cumpra a lei e proteja os direitos existentes, não permitindo a continuação de diligencias de venda do imóvel, pondo fim ao processo.
P - Por existência de direitos reais,
Q – Que tem de ser cumpridos e respeitados,
R – Sendo uma questão fundamental de direito,
S – E de JUSTIÇA
T - Que faz parte da jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça,
U – Do qual foi dado conhecimento aos autos de liquidação,
V – A ora recorrente afirmou que o presente recurso “deve prosseguir porque este despacho determina o termo do processo e lesa gravemente a requerente que tem a posse do imóvel, assim como o seu pai que tem oitenta e quatro anos de idade e reside no referido imóvel, existe também um projeto de vinha em curso a ser cuidado com vários animais a ser cuidados diariamente pelos possuidores...”,
X – Mas indefere-se um recurso,
Z – Tem de ser assegurado a todos os cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,
AA – Direito que é assegurado pela Constituição da República Portuguesa
A final requer que admitida a Revista seja esta julgada procedente e suspensas todas as diligências de realojamento.
Não houve resposta.
II- Objeto da reclamação
A presente reclamação, a poder ser decidida, tem por objeto saber se a decisão recorrida (acórdão de 30-09-2024) põe termo à causa, não sendo por isso um despacho de mero expediente nem um despacho proferido no uso legal de um poder discricionário, podendo ser (subsidiariamente) uma decisão de simplificação ou agilização processual que contende com os princípios da igualdade e do contraditório, estando em causa um pedido de suspensão das diligências de venda de um imóvel sobre o qual a reclamante goza de um direito de retenção.
III. Do histórico do processo extrai-se o seguinte conjunto de atos e procedimentos:
1. No processo de liquidação nº 3840/17.8T8VCT-D, que corre por apenso ao processo de insolvência nº3840/17.8T8VCT, requerido pelo devedor por BB, foi este declarado insolvente:
2. A 24-10-2023 o administrador da insolvência, com vista a aceitar proposta de compra de imóvel objeto da liquidação, requereu:
«… se digne proferir despacho que ordene a referida desocupação e, caso assim seja entendido pelo tribunal, oficiar os serviços da Segurança Social e da Câmara Municipal com vista ao realojamento da pessoa que está a habitar imóvel, nos termos do disposto no art.º 86l.º do CPC, aplicável por força do art.º 17º do CIRE.».
2. Em 25-10-2023 – foi tal requerimento deferido.
3. Em 25-10-2023 – a secretaria oficiou como deferido.
4. Em 13-11-2023 – A reclamante interpôs recurso de apelação do despacho de 25-10-2023 (apenso L)
4.1. Em 11-07-2024 – foi proferido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que julgou “não admitir o recurso de apelação interposto pela Requerente (AA), por o despacho do Tribunal a quo proferido em 25 de Outubro de 2023 (dele objeto) ser irrecorrível, ao reiterar apenas prévias decisões judiciais já transitadas em julgado, sem adução pela Recorrente de inéditos e supervenientes fundamentos (de facto e de direito) para a sua sindicância.”
4.2. Em 31-07-2024 a Reclamante interpôs recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça “nos termos do artigo 852º do C.P.C. e 671ºe segs. do C.P.C.”
4.3. Em 26-08-2024 tal recurso não foi admitido (decisão da Relator da Relação) por ter sido considerado intempestivo.
4.4. A Recorrente reclamou ao abrigo do art. 643º nº 1 do CPC.
4.5. Em 31-10-2024 foi apreciada tal reclamação por decisão singular do Exmº Relator do Supremo Tribunal de Justiça que considerou ser de manter a decisão reclamada.
(Decisão que transitou em julgado em 19-11-2024)
5. Em 04-03-2024 – O administrador da insolvência veio de novo requerer se oficiasse de novo à Segurança Social com vista ao realojamento das pessoas que residem no imóvel apreendido.
«face ao hiato de tempo decorrido sem que se tenha obtido qualquer resposta, vem respeitosamente requerer, uma vez mais, que os serviços da Segurança Social sejam oficiados pelo Tribunal com vista ao realojamento das pessoas que residem no imóvel apreendido.»
6. Em 05-03-2024 – Foi proferido despacho de deferimento de tal requerimento:
«Oficie-se, novamente, em conformidade.---»
7. Em 06-03-2024 – A secretaria oficiou.
8. Em 26-03-2024 A reclamante interpôs recurso de apelação do despacho de 05-03-2024.
8.1. Em 02-05-2024 – Tal recurso de apelação não foi admitido na 1ª instância (considerando o despacho como de mero expediente).
8.2. Em 16-05-2024 – Foi apresentada reclamação ao Tribunal da Relação, do despacho de não admissão do recurso.
8.3. Em 29-06-2024 – A Exmª Relatora a quem o processo foi distribuído no Tribunal da Relação não atendeu à Reclamação e manteve o despacho reclamado.
8.4. Em 15-07-2024 foi apresentada reclamação da decisão singular antecedente, para a conferência (art. 652/3 CPC).
8.5. Em 30-09-2024 foi proferido acórdão em Conferência, pela Relação, que não atendeu à Reclamação, mantendo o despacho reclamado de 02-05-2024 (despacho que não admitiu o recurso de apelação considerando-o despacho de mero expediente).
Tendo ponderado:
«(…)
Impõe-se reapreciar, em face da impugnação apresentada à decisão singular que apreciou a reclamação apresentada nesta Relação nos termos do art.643º do CPC em relação ao despacho do Tribunal a quo 02.05.2024 (que indeferiu a admissão do recurso de 26.03.2024 relativo ao despacho de 05.03.2024), se este despacho deve ser alterado e deve ser admitido o recurso de 26.03.2024, em relação ao despacho de 05.03.2024.
Esta apreciação da reclamação do art.643º do CPC far-se-á, de acordo com a tramitação do processo referida em I e II-1 supra e nos termos do direito aplicável referido em II-2.1. supra.
Por um lado, verifica-se que a reclamante (quer na sua reclamação do art.643º do CPC, quer na reclamação da decisão singular para esta conferência): alegou fundamentos de recurso do despacho de 05.03.2024, ao defender que o processo de liquidação deveria ser suspenso judicialmente, face a despacho prévio de suspensão da instância já proferido a 28.02.2020, e ao pedir que o recurso fosse admitido e « em consequência, (…) declarada suspensa qualquer diligencia de liquidação ou venda do imóvel constante nos autos, revogando-se o despacho recorrido do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo- Juízo de Comercio de Viana do Castelo,»); não discutiu a razão pela qual o despacho reclamado de 02.05.2024 não poderia ser qualificado despacho de expediente ou, residualmente, despacho proferido no uso legal de poder discricionário, conforme justificado pelo Tribunal a quo para indeferir a admissão do recurso.
Por outro lado, examinando o despacho recorrido de 05.03.2024, de acordo com a tramitação da causa, verifica-se que, efetivamente, este despacho é um despacho de mero expediente e irrecorrível.
De facto, o despacho de 05.03.2024 limitou-se a ordenar que se procedesse a uma insistência junto da Segurança Social para responder ao que lhe fora solicitado, sendo que os autos demonstram que o que lhe foi solicitado refere-se ao ofício de 25.10.2023, referido em I-3 supra.
Por sua vez, este ofício de 25.10.2023, a que se refere a insistência ordenada a 05.03.2024, foi remetido na sequência da decisão da mesma data de 25.10.2023, que ordenara «a desocupação do imóvel apreendido nos autos», tal como ordenou que se oficiassem «os serviços da Segurança Social e da Câmara Municipal com vista ao realojamento da pessoa que ali se encontra a habitar, nos termos do disposto no art.º 86l.º do CPC, aplicável por força do art.º 17.º do CIRE.» (despacho este sobre o qual foi interposto recurso de apelação, admitido com efeito devolutivo).
Assim, este despacho reclamado de 05.03.2024 limitou-se a dar execução ao ordenado no despacho anterior de 25.10.2023 (que ordenou a referida desocupação do imóvel e fez operar apoios sociais acessórios da referida decisão, na sequência também de decisões anteriores), e cujo recurso foi admitido com efeito devolutivo.
Desta forma, não foi este despacho de 05.03.2024 que interferiu no direito dos interessados (que pretendessem manter a ocupação do imóvel objeto de venda), pois limitou-se a dar andamento aos autos, de acordo com o previamente decidido.
E, em consequência, tal como se decidiu na decisão singular de 29.06.2024, este despacho de 05.03.2024 corresponde a um despacho de mero expediente (e não a um despacho proferido ao abrigo de um poder discricionário, conforme decorre do que se expôs em II-2.1. supra), que não admite recurso, nos termos do art.631º do CPC, conforme se decidiu no despacho de 02.05.2024, objeto da reclamação do art.643º do CPC.
III- Decisão:
Pelo exposto, não se atende à reclamação e mantém-se o despacho reclamado de 02.05.2024.»
8.6. Em 22-10-2024 a Reclamante interpôs recurso de Revista desse acórdão da Relação.
Assim concluindo:
A– O douto despacho não valorou e considerou erradamente que a eventual suspensão das diligências de liquidação/venda,
B - Estando em causa direitos e obrigações a ser exercidos, pondo em causa o princípio do contraditório e outros direitos constitucionais.
C - Quer a lei, quer a jurisprudência atendem as situações em que se justifica que os processos e diligencias se suspendam e fiquem a aguardar determinado acontecimento ou desenvolvimento, antes de poderem retomar o seu curso,
D - Nomeadamente, nos termos do artigo 272º do C.P.C. que define a suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes,
E - Nos termos do nº um do artigo 272º do C.P.C. o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente de outra ou qualquer motivo justificado,
F - A douta decisão não está conforme à lei pois entende prosseguir com as diligencias de liquidação,
G - Mas, o poder do Juiz nestas circunstâncias é um poder dever, que implica que sempre que houver elementos em função dos quais se justifique suspender a instância ou alguma diligencia, o juiz não apenas pode como deve fazê-lo,
H – Como no presente processo e devido à existência de um título contratual que pode fazer cessar a posição do insolvente e a posse do imóvel não ser do mesmo,
I - Ë motivo suficiente para o Juiz dos presentes autos suspender qualquer diligencia de liquidação, até mesmo sem ser a requerimento, bastaria o conhecimento oficioso,
J - Nos presentes autos, já foi decidido por despacho em 28-02-2020, após requerimento da ora recorrente, pela meritíssima juíza dos autos, a suspensão de diligencias,
L - Concretamente foi decidido o seguinte “Atento o teor do alegado, aguardando entretanto os autos a pronúncia por parte do Sr. Administrador, determina-se que se tenham por suspensas as diligências de venda.”
M- Não se entendendo a ora decisão recorrida, se em 28 de fevereiro de 2020 a decisão foi oposta, perante circunstâncias iguais.
N - E requerido pela mesma pessoa e ora recorrente,
O - Portanto, em 28 de fevereiro de 2020 foi por requerimento da ora requerente e recorrente que foi decidido suspender as diligencias de venda do imóvel,
P - Em 18 de janeiro de 2024, após requerimento da mesma requerente foi suscitado a suspensão das diligencias de liquidação , nomeadamente a venda do imóvel, por existirem fundamentos fortes e suscetíveis de ferir direitos e garantias de terceiro,
Q - Nomeadamente do possuidor do imóvel e com proprietários,
R - Surpreendentemente, foi decidido prosseguir com as diligencias,
S - Mais uma vez não se entende o que se passa neste processo,
T - Perante situações iguais decisões opostas,
U - Sempre que haja detentor ou possuidor da coisa, que não tenha sido ouvido e convencido na acção, e exibir algum título de gozo legítimo do prédio, emanado do insolvente, deve existir uma decisão do Juiz que determine a suspensão,
V - Assim como, e com fundamentos deve suspender as diligências sempre que exista qualquer título de cessão de posição contratual emanado do insolvente,
X - Confrontado o juiz com terceira pessoa na detenção do bem a entregar, ou com documento válido trata-se de situações de suspensão da instância, que vem regulada nos artigos 269.º e segs. do Código de Processo Civil (“CPC”).
Z - Afigura-se primordial e correto o acolher deste entendimento, pois está em causa uma situação suscetível de ferir direitos e garantias de terceiros de boa fé, provocada por decisões que foram adotadas de forma antagónica,
AA - A Lei é clara assim como, a Jurisprudência existente,
BB - Pelo que, se solicita a suspensão de qualquer diligencia de liquidação ou venda do imóvel,
CC - Pois perante a decisão aqui recorrida a ora recorrente fica privada de exercer os seus direitos, nomeadamente o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos,
Deve ser proferido acórdão que julgue o Recurso procedente e, em consequência, ser declarada suspensa qualquer diligencia de liquidação ou venda do imóvel constante nos autos, revogando-se o despacho recorrido do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo- Juízo de Comercio de Viana do Castelo.
8.7. Em 23-12-2024 a Exmª Relatora da Relação não admitiu tal recurso de Revista.
Sendo este o teor de tal decisão, objeto da presente Reclamação:
«Indefiro o recurso de revista de 22.10.2024, tendo em conta:
(…)
c) Que, na presente situação:
c1) O acórdão recorrido de 03.10.2024 (leia-se 30-09-2024) confirmou com unanimidade a decisão de 1ª instância de 02.05.2024, que rejeitou recurso de apelação de um despacho por o ter considerado de expediente e irrecorrível (no âmbito do processo de reclamação do art.643º do CPC, cuja decisão singular do relator a confirmar a decisão da 1ª instância foi reclamada para a conferência, nos termos dos arts.643º/4 e 652º/3 do CPC, sendo esta reclamação desatendida).
c2) Os fundamentos do presente recurso de revista, em relação ao acórdão recorrido, não invocam qualquer um dos previstos no art.629º/2 do CPC (nem do art.672º do CPC, caso se considerasse aplicável), não sendo também aplicáveis as previsões do art.629º/3 do CPC.
Vide a este propósito e com este sentido essencial, nomeadamente: Ac. STJ de 13.10.2020, proferido no processo nº4044/18; Lebre de Freitas e co-autores, in Código de processo Civil Anotado, 3º Volume, Almedina, 3ª edição, págs.112 e 113; Abrantes Geraldes in Recursos do Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, 2018, págs.193 ss.
Custas pela recorrente (art.527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.»
8.8. Em 08-01-2025 a Reclamante veio reclamar para a conferência.
8.9. Em 03-02-2025 a mesma Relatora convolou tal requerimento para Reclamação nos termos do art. 643º do CPC.
8.10. Em 04-02-2025 a Reclamante reafirmou essa convolação.
Reclamação que ora cumpre apreciar.
IV. Fundamentação de Direito:
Está em causa a justeza da decisão da Exmª Relatora da Relação de 23-12-2024 que não admitiu o Recurso de Revista de 22-10-2024 do acórdão da Relação de 30-09-2024 que não atendeu à Reclamação de 16-05-2024, mantendo o despacho reclamado de 02-05-2024 (Despacho que não admitiu o recurso de apelação de 26-03-2024 considerando que incidiu sobre despacho de mero expediente – o despacho de 05-03-2024).
Importa referir que visando os esforços da Reclamante e Recorrente invalidar o despacho proferido em 25/03/2024, situado a montante das suas impugnações, despacho esse que deferiu o requerimento do administrador da insolvência no sentido de que se oficiasse de novo à Segurança Social para realojamento das pessoas que residem no imóvel apreendido, com vista à sua apreensão, tal despacho reafirma decisão anterior proferida em 25/10/2023, entretanto transitada em julgado, como dá conta a cronologia dos atos exposta supra sob os números 4 a 4.5.
Efetivamente, a decisão de 25-10-2023 deferira já o requerimento do Sr. Administrador da Insolvência no sentido de «… se digne proferir despacho que ordene a referida desocupação e, caso assim seja entendido pelo tribunal, oficiar os serviços da Segurança Social e da Câmara Municipal com vista ao realojamento da pessoa que está a habitar imóvel, nos termos do disposto no art.º 86l.º do CPC, aplicável por força do art.º 17º do CIRE.» e transitou em julgado em 19-11-2024 por via do insucesso das diversas impugnações a que fora sujeita.
Tal decisão incide e decide sobre a mesma específica situação que motivou o despacho de 05-03-2024.
A partir do seu trânsito em julgado, aquela decisão de 25-10-2023 passou a ter força de caso julgado formal não podendo ser contrariada.
O caso julgado formal tem valor intra processual, ou seja, é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida (art. 620 do CPC).
Assim, porque a decisão de 25-10-2023 transitou entretanto em julgado e repete o despacho de 05-03-2024, as impugnações que sobre este último recaíram: o recurso de apelação de 26-03-2024 não admitido; a reclamação de 16-05-2024 que se lhe seguiu; a reclamação para a conferência de 15-07-2024; o recurso de Revista interposto em 22-10-2024, não admitido; a reclamação para a conferência de 08-01-2025; e, a presente reclamação, todos estes atos se mostram afetados por inutilidade superveniente, em razão do caso julgado formal que tal trânsito produziu.
O tribunal deve conhecer oficiosamente da exceção de caso julgado (artºs 576º nº 3, e 579º do CPC), pelo que, declaro este tribunal impedido de conhecer da presente reclamação por força do caso julgado formal que emana do trânsito em julgado da decisão proferida em 25-10-2023.
Custas pela reclamante
Notifique.»
**
Conhecendo em Conferência:
Pretende a Reclamante que a decisão recorrida, pondo termo ao processo, deve ser admitida como objeto do recurso de revista.
E põe termo ao processo, diz, uma vez que com a entrega do bem imóvel, o interessado realiza o pagamento, terminando o processo de liquidação. O artigo 671.º do Código de Processo Civil, dispondo o seu n.º 1 que cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância que ponha termo ao processo, inclui na sua previsão normativa a presente situação. A Recorrente alegou que detém materialmente o imóvel e goza do direito de retenção sobre o mesmo, e requereu no processo a suspensão das diligencias de liquidação do imóvel, por existir direito a cumprir sobre este, sob pena de se ferirem, direitos e garantias estipulados pela Lei. O que ora reafirma.
Cumpre decidir:
Da discussão em colegialidade, surge reafirmado o entendimento de que o acórdão da Relação, objeto de recurso de revista não admite este recurso.
Contudo, essa reafirmação centra-se, primacialmente, em circunstâncias processuais que surgem a montante da fundamentação que sustenta a decisão singular da ora Relatora, - existência de caso julgado formal - como se passa a expor.
Está em causa a admissibilidade de revista incidente sobre acórdão da Relação que, mantendo o despacho singular da Exmª Relatora do Tribunal da Relação, não admitiu o recurso de apelação considerando o despacho recorrido como de mero expediente.
A Recorrente defende que tal decisão se integra na previsão do art. 671º, nº1, do CPC que enuncia:
“1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.”
Sucede que o acórdão sobre que incide a revista foi proferido no âmbito do incidente processual específico para situações de “Reclamação contra o indeferimento do despacho que não admita o recurso”, previsto no art. 643º do CPC, o qual no seu nº 4 prevê a possibilidade de colegialidade ao remeter para o nº 3 do art. 652º.
Estando este incidente de reclamação estruturado sob uma lógica de sistema de recurso, a fase decisória a cargo do “tribunal que seria competente para dele conhecer”, termina definitivamente de duas formas: ou o recurso é admitido e o relator requisita o processo ao tribunal recorrido para conhecimento do mesmo; ou o despacho de não recebimento de recurso é mantido e então, o processo incidental é remetido ao tribunal reclamado, para o processo aí prosseguir os seus termos. O que aconteceu no presente caso.
A fase decisória culminou com um acórdão da Relação que decidiu que o recurso não é admissível, pelo que dele não tomou conhecimento, remetendo o processo ao tribunal a quo.
Tal decisão, porque proferida num incidente de impugnação própria, tem natureza definitiva.
Não tendo já aplicação o art. 652º, nº 5 alª b) que prevê que a parte que se considere prejudicada por acórdão da conferência pode recorrer “nos termos gerais”, uma vez que o incidente do art. 643º para ele não remete.
Esse o entendimento consolidado no Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nesta Secção.
Entre outros os acórdãos do STJ, cujos sumários se transcrevem e que datam de:
- 19/05/2020, P. 361/04.2TBSCD-S.C1.S1 (Assunção Raimundo):
“I - O acórdão do Tribunal da Relação que se pronunciou em conferência sobre a não admissibilidade da apelação, em sede de reclamação do despacho do juiz da 1ª instância que não admitiu o recurso interposto, decide em definitivo a questão da admissibilidade ou da subida do recurso de apelação.
II – Nesta conformidade, não é admissível recurso de revista do acórdão da Relação, proferido em conferência, que incidiu sobre reclamação do despacho do relator de não admissibilidade do recurso de apelação (art. 643.º do CPC).”
- 13-09-2022, P. 23178/09.3YYLSB-G.L1- A.S1 (Maria Clara Sottomayor):
“I - Os acórdãos, proferidos pela Relação, ao abrigo do artigo 643.º, n.º 1, do CPC, não admitem recurso de revista, uma vez que não se inscrevem no âmbito delimitado pelo artigo 671.º do CPC.”
-19-12-2023, P.1506/12.4TYLSB-K.L1.S1 (Ricardo Costa):
“O acórdão do Tribunal da Relação que se pronuncia em Conferência sobre a admissibilidade do recurso de Apelação, no âmbito do incidente de reclamação do despacho do juiz da 1.ª instância que não admitiu o recurso interposto (art. 643º, 4, 2.ª parte, 652º, 3, do CPC), julga em definitivo a questão da inadmissibilidade ou da subida do recurso de Apelação (únicos resultados decisórios admitidos pelo art. 643º, 4, 1.ª parte, do CPC), sem que para contrariar essa definitividade decisória possa ser usada a faculdade admitida pelo art. 652º, 5, b), na relação com os arts. 671º, 1 e 2 (revista normal), 672º, 1 e 2 (revista excepcional), e 629º, 2 (revista extraordinária, em conjugação com os requisitos de admissibilidade da revista contemplados no art. 671º, 1 e 2, a)), do CPC.”
Acórdão que, acolhendo a fundamentação da Decisão Sumária de 12/2/2018 proferida no P.181/95 deste STJ enuncia como hipótese única de reação o recurso para o Tribunal Constitucional no âmbito dos artºs 70º e 75º-A da LTC:
“Esta estrutura de recurso que ora é atribuída à reclamação, porquanto a mesma é julgada pelo Coletivo que julgaria o recurso se o mesmo tivesse sido admitido, obsta à recorribilidade da decisão, sem prejuízo de poder haver recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 75º-A da LTC (…)”
No mesmo sentido de inadmissibilidade geral do recurso, a doutrina, nomeadamente, Abrantes Geraldes in «Recursos em Processo Civil», Almedina, 7ª ed. p.232.
Assim, o regime de impugnação da decisão que não admitiu o recurso de apelação, mostra-se esgotado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-09-2024, que confirmou essa não admissão.
Ainda que assim não fosse, seríamos confrontados com a existência de caso julgado formal impeditivo de novo conhecimento do objeto do recurso, como pôs em foco a decisão singular da ora Relatora, considerando o alcance e a finalidade subjacentes à figura (arts. 576º nº 2, 577º, alª i), 578º, 621º, 1, e 625º, 1 do CPC).
Também por essa via não seria de admitir o recurso de Revista.
A Reclamação será julgada improcedente.
Em suma:
A decisão proferida em Conferência, na sequência de reclamação da decisão do Relator que confirmara o despacho de 1.ª instância de não admissão do recurso de Apelação, seguindo o previsto nos arts. 643º nº 4, 2.ª parte, e 652º nº 3, do mesmo código, é uma decisão definitiva e insuscetível de qualquer outra impugnação.
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Ponderando todo o explanado e de acordo com a fundamentação que ora se desenvolveu confirma-se a decisão singular da Exmª Relatora.
Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2,5UC.
Lisboa, 09 de abril de 2025
Anabela Luna de Carvalho (Relatora)
Ricardo Costa (1º Adjunto)
Luís Correia de Mendonça (2º Adjunto)