IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE EMPREITADA
FORMA ESCRITA
NULIDADE ATÍPICA
INVOCAÇÃO DA NULIDADE PELO DONO DA OBRA
PROVA DO CONTRATO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO
RECIPROCIDADE DE CRÉDITOS
Sumário

1. - Não há deficit de fundamentação da convicção se o tribunal de 1.ª instância justifica a convicção negativa com a invocação de terem as partes optado por não querer alegar a factualidade relevante quanto ao contrato celebrado, bem como pela junção de documentos com omissão de assinaturas, entendendo, assim, o julgador não poder apurar “o que não quiseram alegar” as próprias partes, numa “falta de verdade que quiseram trazer a juízo”, razão pela qual não atribuiu credibilidade, no essencial, aos elementos probatórios apresentados.
2. - Se, perante o valor da empreitada, for legalmente exigida a forma escrita para o contrato, a inobservância dessa forma determina a nulidade contratual, tratando-se, porém, de invalidade atípica, que apenas pode ser invocada pelo dono da obra, não sendo de conhecimento oficioso do tribunal.
3. - No caso de vício/falta de forma escrita exigida – como na hipótese de o texto do invocado negócio não ter sido assinado por uma das partes – e de não invocação da correspondente nulidade, a prova da existência ou da outorga do contrato de empreitada (e respetivo conteúdo) só pode ser feita através de outro documento com força probatória superior, não podendo ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial.
4. - Inexistindo documento com força probatória superior, os factos referentes ao contrato e respetivo clausulado (incluindo objeto, obrigações das partes, preço e prazo) devem ser julgados como não provados, sendo inútil a sindicância recursiva, no âmbito da impugnação da decisão de facto, da produzida prova pessoal, designadamente testemunhal.
5. - A improcedência do recurso principal (quanto à matéria da ação, assim subsistindo a absolvição da ré) não obsta ao conhecimento do recurso subordinado (quanto à matéria de reconvenção, cujo desfecho também foi absolutório).
6. - A compensação – em que se exige a “reciprocidade dos créditos” – é uma causa de extinção das obrigações, levando à “extinção de duas obrigações”, assim representando “um encontro de contas”, a fim de “evitar pagamentos recíprocos”.
7. - Se não se demonstra que haja créditos recíprocos, falha o primeiro requisito da compensação (cfr. art.º 847.º, n.º 1, do CCiv.), posto nesta um dos créditos (o crédito ativo) ser usado para compensar/extinguir (total ou parcialmente) ou outro (o crédito passivo).
8. - Assim, indemonstrado o crédito da contraparte (crédito passivo), aquele que se pretende ver extinto por compensação, invocada esta por via reconvencional, afastada fica a operância de tal compensação, levando à improcedência da reconvenção.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


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I – Relatório

A... Unipessoal, Ld.ª”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra

B... Unipessoal, Ld.ª”, também com os sinais dos autos,

pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 79.472,55, acrescida de juros moratórios, vencidos (desde fevereiro de 2020) e vincendos, até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese ([1]):

- no exercício da sua atividade de construção civil, a A. celebrou com a R. um contrato de empreitada, no âmbito do qual se obrigou a efetuar uma determinada obra para a demandada, cujos trabalhos se mostram concluídos;

- quanto ao respetivo preço, o valor de capital peticionado corresponde ao montante em falta, devidamente faturado, que a R. deve pagar, já que a A. cumpriu o contratado e a R. beneficia, como dona da obra, do que foi executado pela demandante, pagamento que se recusa a realizar.

A R. contestou – defendendo-se por impugnação e por via de exceção, âmbito em que invocou a exceção de não cumprimento do contrato –, pugnando pela improcedência da ação e condenação da A. por litigância de má-fé, e reconveio, invocando, designadamente, que:

- se encontra paga uma fatura reclamada pela A., sendo que esta parte omite adendas ao contrato, alterando-lhe o valor inicial;

- durante a efetivação do contrato, a R. prestou serviços à A., sendo que não foram observados os prazos contratados, o que causou prejuízos à R.;

- esta, reconhecendo estar a dever € 7.600,18 e operando a compensação de créditos, é credora da A., âmbito em que, deduzindo reconvenção, ascende o pedido reconvencional, finalmente, ao montante de € 20.400,01.

A A. replicou, concluindo pela improcedência da reconvenção, com impugnação a respeito, para o que invocou que as alterações foram pedidas pela própria R., sendo os atrasos causados pelo mau tempo (tempestade “Ana”), para além de não ter a R./Reconvinte diligenciado atempadamente pela obtenção de licença nem pelos pagamentos contratualizados.

Admitida a reconvenção e saneado o processo, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, procedeu-se à audiência final, com produção de provas, após o que foi proferida sentença (datada de 25/06/2023), julgando improcedentes: a) a ação, com absolvição da R. do pedido; b) a reconvenção, com absolvição da A./Reconvinda do respetivo pedido; c) o incidente de litigância de má-fé, com absolvição da A. do correspondente pedido.

A A., dissentindo, interpôs recurso para este TRC, que, por acórdão de 05/03/2024, anulou “a decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento”.

Na 1.ª instância, em “ata de audiência de julgamento”, após ser concedida “a palavra aos Mandatários (…) para alegações”, foi ditada para a ata, em 02/07/2024, sentença com dispositivo absolutório: «Julgo acção e reconvenção não provadas e improcedentes, pelo que absolvo a ré do pedido e a autora da reconvenção. // Custas proporcionais.».

Novamente inconformada, vem a A. interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([2]):

«1ª – O Tribunal a quo proferiu a sentença cuja apreciação se submete ao Venerando Tribunal, na qual, após sumarizar o objecto da acção, elencou o conjunto dos factos que considerou provados e não provados, por referência e transcrição de cada um dos articulados apresentados pelas partes, apresentando depois em lacónicas duas páginas e meia a fundamentação para a globalidade das decisões relativas à matéria de facto, sem nada de concreto referir quanto ao contributo, para a formação da decisão, dos documentos juntos, do acordo das partes, das posições processuais assumidas e de depoimentos concretamente prestados quanto aos factos elencados.

2ª – Ao fazê-lo, desconsiderou os temas de prova previamente fixados pelo Tribunal e ignorou as posições assumidas pelas partes quanto a determinados factos ou documentos, razão pela qual, com violação de lei, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.

3ª – Tais omissões, injustificadas, determinam a violação do disposto no nº4 do artigo 607º do CPC.

4ª – A mera transcrição feita pelo Tribunal a quo de factos alegados pelas partes nos respectivos articulados, ipsis verbis, sem considerar quaisquer outros factos demonstrados e relevantes para resposta aos temas da prova e para a correcta decisão da causa, é por si só violadora do actual paradigma do processo civil, no qual “é agora evidente e indiscutível que não há qualquer cristalização da matéria de facto na fase intermédia do processo, ficando relegada para a sentença, isto é, para depois de concluída a instrução, a definição do quadro fáctico da lide, o que é, aliás, uma decorrência do dever do juiz considerar na decisão os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução (art. 5º, nº2 al. b)).” (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Artigos 1º a 702º, 2ª Edição, Almedina 2020, pág. 725, nota 12).

5ª – Existem nos autos documentos não impugnados, que traduzem factos relevantes e concretos que mereceram o acordo das partes, nomeadamente os contratos outorgados e a prova dos pagamentos efectuados, razão pela qual não podia o Tribunal, injustificadamente e sem referir expressamente o fundamento para tal, afastar tais elementos probatórios ou acordo das partes.

6ª – Ainda que de forma imperfeita a sentença recorrida pareça referir-se à eventual nulidade formal do contrato de empreitada por falta de assinatura do dono de obra, tratar-se-ia de nulidade insusceptível de ser conhecida ex officio, e, ainda que assim não fosse, não impeditiva de que por documentos ou prova testemunhal se provasse o contrato celebrado (conforme jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça no processo nº 2966/16.0T8PTM.E1.S2, prolatado em 16 de Maio de 2019 e disponível em www.dgsi.pt), o que inequivocamente se mostra feito.

7ª – Dos referidos documentos, conjugados com a prova testemunhal, resulta que foi celebrado entre as partes um contrato de empreitada, em Setembro de 2016, tendo por objecto a edificação de um Pavilhão Industrial (que foi efectivamente edificado!), pelo preço total de 280.000,00 €, bem como acordada uma adenda ao contrato de empreitada, prevendo o pagamento de 50.000,00 € adicionais, perfazendo o montante global de 330.000,00 €.

8ª – A desconsideração feita pelo Tribunal a quo dos elementos documentais não impugnados, tendo nomeadamente presente o regime legal decorrente do artigo 376º nº1 do Código Civil e dos artigos 574º nº2 e 587º do CPC, é ilegal.

9ª – A recorrida fez prova, e a recorrente não impugnou tal facto ou documentos juntos para o efeito, de ter procedido à entrega da quantia de 301.999,17 € para pagamento por conta da referida quantia global de 330.000,00 €.

10ª – Não podia o Tribunal, portanto, ter deixado de considerar provado que:

- o preço inicialmente acordado entre as partes para a execução dos trabalhos contratados foi de 330.000,00 €;

- por conta do preço de 330.000,00 € acordado entre as partes a ora recorrente recebeu da recorrida o montante global de 301.999,17€;

11ª – Tal permitiria desde logo fixar matéria de facto no sentido de que a recorrida não pagou à recorrente, do preço inicialmente acordado entre as partes, o montante de 28.000,83 €.

12ª – Fixado pelo Tribunal a quo como tema de prova (nº 5) saber “Se a ré suportou € 9.100, de rendas de imóvel destinado ao exercício da sua actividade social entre julho de 2017 e julho de 2018”, foi acordado entre as partes que tal ficava assente, na sessão da audiência final de 06 de Julho de 2022, facto que na óptica da recorrente é inócuo para a decisão da causa mas foi, surpreendentemente e sem qualquer fundamentação, levado à secção da sentença que contém os factos não provados, o que é demonstrativo da desconformidade da sentença sub judice com o que lhe impõe o artigo 607º do CPC.

13ª – “É deficiente a decisão proferida pela 1.ª instância quando o que tenha dado como provado e como não provado não corresponda a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado pelas partes; e constituirá o grau máximo dessa deficiência a omissão total de fundamentação de facto, justificando a anulação oficiosa da decisão de mérito assim proferida, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.”

 (Acórdão do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07 de Junho de 2023, processo nº 3096/17.2T8VNF-J.G1, disponível in www.dgsi.pt)

14ª – “…«livre apreciação da prova» (art. 607.º, n.º 5, do CPC) não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto»…” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655, citado no Acórdão do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07 de Junho de 2023, processo nº 3096/17.2T8VNF-J.G1, disponível in www.dgsi.pt)

15ª – A decisão recorrida está enferma de erro de julgamento, uma vez que ao Tribunal competia dar como provado, nomeadamente, que o preço inicialmente acordado entre as partes para a execução dos trabalhos contratados foi de 330.000,00 € e que por conta do preço de 330.000,00 € acordado entre as partes a autora recebeu da ré o montante global de 301.999,17€.

16ª – Concorre para a prova de tais factos a documentação junta aos autos pela recorrida, não impugnada pela recorrente, nomeadamente os documentos denominados “Contrato de Empreitada” e “Adenda ao Contrato de Empreitada”, a confissão da celebração de tais contratos pela ora recorrida (contestação, artigos 10º, 11º e 15º), bem como os documentos juntos por esta demonstrativos de ter procedido à entrega da quantia de 301.999,17 € para pagamento por conta da referida quantia global de 330.000,00 € (documentos 1 e 2 juntos com a contestação).

17ª – Tais factos foram igualmente corroborados pela testemunha AA, no depoimento prestado no dia 26 de Outubro de 2022 e gravado através do sistema integrado de gravação digital das 14:13 às 16:25 horas, concretamente nas seguintes passagens: aos 28m e 27s (até aos 29m 20s), aos 51m e 30s (até aos 52m 10s) e às 1h 43m e 55s (até às 1h 46m 08s):

18ª – Incorreu igualmente em erro de julgamento o Tribunal ao não considerar provado que a obra já obteve licença de utilização, que os trabalhos executados anteriormente à obtenção da licença de utilização foram concluídos 18 meses antes da emissão da factura 3/2020, que a pedido da ré a obra sofreu alterações e que a ré é devedora da autora dos montantes de 51.172,73 €

19ª – No que diz respeito à existência de licença de utilização referente à obra executada pela recorrente, este facto não só não foi impugnado pela recorrida, como resulta confessado, ainda que não de forma explícita, do teor do artigo 44º da contestação, tendo a sua existência sido confirmada pelo senhor perito (tomada de esclarecimentos ao perito BB no dia 06 de Julho de 2022 e gravado através do sistema integrado de gravação digital das 10:34 às 11:21 horas, aos 2m e 30s e até aos 3m 56s), bem como pelas testemunhas AA (depoimento supra identificado, passagens transcritas, aos 45m e 20s (até aos 46m 33s) e aos 47m e 00s (até aos 47m 20s)) e CC (depoimento prestado pela testemunha CC no dia 21 de Junho de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital das 10:15 às 10:49 horas, passagem transcrita aos 14m 31s (até aos 15m 15s)).

20ª – No que diz respeito ao facto de os trabalhos terem sido efectuados dezoito meses antes da emissão da factura número 3/2020, com data de emissão de 03 de Fevereiro de 2020, resulta igualmente da confissão pela recorrida de que a obra foi concluída no final de Julho de 2018 (artigos 22º e 27º da contestação).

21ª – Quanto ao facto de que, a pedido da ré, a obra sofreu alteração relativamente ao que se mostrava inicialmente contratado, releva para a prova de tal facto a factura nº 2/2020, junta com a petição inicial e emitida no dia 03 de Fevereiro de 2020, no montante de 34.472,55 € e com a descrição “Trabalhos a mais enviados ao cliente na correspondência datada de 15/07/2018”, concatenada como os documentos 1 e 2 juntos com o requerimento apresentado nos autos no dia 20 de Maio de 2022 (o primeiro denominado “Caderno de Encargos de Obra de Construção de Pavilhão Industrial, Comércio e Serviços” e o segundo correspondente ao e-mail remetido no dia 15 de Julho de 2018 referido na factura nº 2/2020, com os respectivos anexos), bem como com os depoimentos prestados quanto a esta matéria.

22ª – Confirmaram a existência de alterações o senhor perito, Arquitecto BB, em tomada de esclarecimentos, (transcrição efectuada e já referida, aos 2m e 30s (até aos 3m 56s) e aos 12m e 42s (até aos 13m 06s)), a testemunha AA (transcrição das passagens aos 30m e 00s (até aos 31m 20s), aos 33m e 13s (até aos 34m 20s), aos 35m e 58s (até aos 36m 15s), aos 37m e 10s (até aos 37m 40s), aos 39m e 27s (até aos 40m 25s) e aos 43m e 00s (até aos 43m 12s)), e a testemunha CC (transcrição das passagens 4m 00s (até aos 5m 20s), aos 7m 25s (até aos 7m 50s), aos 8m 20s (até aos 10m 05s), aos 16m 53s (até aos 18m 00s), aos 18m 45s (até aos 19m 46s), e ainda a testemunha DD (em depoimento prestado no dia 21 de Junho de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital das 10:58 às 11:07 horas, passagens transcritas aos 2m 59s (até aos 3m 55s) e aos 4m 30s (até aos 5m 08s)).

23ª – A concatenação da prova documental já referenciada com os depoimentos prestados pelas testemunhas AA e DD, acima transcritos, permitem concluir sem margem para dúvidas que as alterações efectuadas ocorreram a pedido da dona de obra, sendo certo que regras da experiência comum impõem, aliás, que só possa considerar-se que a obra se mostra executada de acordo com as indicações e pretensão do dono de obra, sem o que seria incompreensível nomeadamente que as eventuais desconformidades não tivessem sido apontadas na contestação.

24ª – Quanto ao facto de que a recorrida deve à recorrente o montante de 51.172,73 €, devia o Tribunal a quo ter atendido, para além dos elementos probatórios já supra referidos quanto à prova da existência dos trabalhos adicionais, ao facto de se ter previsto expressamente no contrato de empreitada que “O preço da presente empreitada será revisto sempre que ocorram alterações à execução da obra a pedido da dona de obra.” (documento 3 junto com a contestação, Cláusula Sexta), e ainda às declarações da testemunha AA, que explicou (passagens já supra transcritas, aos 39m e 27s (até aos 40m 25s), 43m e 00s (até aos 43m 12s) e 45m e 20s (até aos 46m 33s) que a factura nº 3/2020, no valor de 17.000,00 € seria correspondente ao preço inicialmente contratado deduzido de “um valor na ordem dos 11.000€ que é o valor de trabalhos que o Sr. EE também fez” e a factura nº 2/2020, no valor de 34.472,55 €, seria a correspondente aos trabalhos a mais.

25ª – Da prova produzida resulta apenas provado que a obra não foi concluída no prazo inicialmente previsto, sem que se possa daí extrair qualquer incumprimento contratual.

26ª – O Tribunal considerou incorrectamente provado, dos artigos 30 e 31 da contestação, “Caleiras mal aplicadas, com emendadas e folgas nas suas secções, as quais, não obstante os remendos efectuados pela autora, continuam a deixar passar água;” e “As caixas colectoras do escoamento de águas (…) subdimensionadas e sem capacidade de escoamento;”, não fundamentando tais conclusões e, como tal, limitando a ora recorrente quanto ao cabal exercício de impugnação deste excerto da decisão quanto à matéria de facto.

27ª – Ainda assim, sempre se dirá que não só não foi feita prova de tais factos, como, sem prejuízo da demais matéria ali em causa mas a que não nos referiremos por não ter sido considerada provada, é contrariada pelo relatório pericial junto aos autos.

28ª – Apreciados os fundamentos e elementos probatórios supra referenciados, o Venerando Tribunal concluirá, crê a recorrente, pela suficiência de prova para que lhe seja reconhecido o direito de crédito reclamado nos autos, ainda que parcialmente, face à prova de pagamento da quantia de 28.000,00 €, não considerado por lapso na petição inicial.

29ª – Tal direito de crédito não será beliscado pelo pedido reconvencional por compensação deduzido pela recorrida, parte dele por estar já considerado no valor reclamado (cfr. supra referido quanto à dedução do valor correspondente aos serviços prestados pela recorrida à recorrente) e, quanto ao mais, por não estarem demonstrados os respectivos fundamentos.

30ª – A alegada (pelo Tribunal a quo) falta de rigor (de depoimentos), bem como a eventual falta de prova de determinados factos alegados (o que é aliás natural), não pode fundamentar a demissão da função de decidir, que, salvo o devido respeito, traduz a decisão ora objecto de recurso.

31ª – Existiam desde logo determinados factos inequívocos que não podiam ter deixado de se considerar estabilizados e definitivos, nomeadamente que a dona de obra não pagou a totalidade do preço inicialmente acordado com a empreiteira.

32ª – Não sendo considerado provado qualquer facto impeditivo ou extintivo da obrigação de pagar, é, com todo o respeito, incompreensível a decisão do Tribunal a quo.

33ª – A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5º nº2 a) e b), 574º nº2, 587º e 607º nº4, todos do Código de Processo Civil, por má interpretação e aplicação, violando consequentemente o aplicável direito substantivo, nomeadamente o disposto nos artigos 342º, 376º nº1, 406º, 883º e 1211º do Código Civil.

Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada/modificada a decisão recorrida, acolhendo V. Exas. as presentes alegações,

Fazendo, assim, o Venerando Tribunal a costumada Justiça!».


***

A R./Apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação da A., e interpôs recurso subordinado, restrito à parte da sentença que julgou improcedente a reconvenção ([3]), apresentando a respetiva alegação, culminada com as seguintes

Conclusões ([4]):

«1- O Tribunal a quo julgou improcedente a reconvenção, contudo afiguram-se-nos erróneas as inerentes decisões de facto e de direito.

2- Quanto à decisão de facto, consideramos incorrectamente julgados, por referência à reconvenção, os artigos 48, por referência ao artigo 19 da contestação, no segmento “a ré, a solicitação da autora, prestou-lhe serviços de reparação e manutenção automóvel, ao longo da paralela relação contratual de empreitada”; 49, por referência ao artigo 19 da contestação, no segmento “realizados nos veículos da autora e que esta utilizava e destinava ao exercício da sua actividade comercial”; 50 e 51, nos segmentos “tais trabalhos foram recebidos, e bem assim as facturas correspondentes, no valor de 11.300,65€, pela autora, sem qualquer reclamação”, 53 e 54, por referência ao artigo 22 da contestação, 55 e 56, por referência aos artigos 23 e 24 da contestação, nos segmentos “como consequência do atraso na conclusão da obra, imputável à autora, a ré, que tomava de arrendamento as suas anteriores instalações, sitas em ..., à C..., Lda, pessoa colectiva com o NIPC ...12, teve de suportar rendas, no valor de 700,00€ mensais, no período compreendido entre Julho de 2017 e Julho de 2018, o que lhe causou prejuízo patrimonial no valor de 9.100,00€”.

3- Quanto aos artigos 48, 49, 50 e 51 da reconvenção, impõem decisão diversa, com as razões que detalhadamente enunciamos em sede de fundamentos e cuja reprodução ora poupamos a Vs. Exas., a prova documental (nº 7 indicado na reconvenção e aceite pela autora/reconvinda), a aceitação da autora, a qual não impugna a subjacente factualidade (artigo 10 da réplica), e as próprias declarações da testemunha AA (na medida em que delas resulta o reconhecimento de que os serviços, pelo valor reclamado, foram prestados à autora/reconvinda – vide as declarações da sobredita testemunha, prestadas no dia 26/10/2022 das 14h13m às 16h25m, gravadas através do sistema de gravação digital em uso no Tribunal, concretamente a passagem que decorre dos 45m20s aos 46m33s das suas declarações).

4- Como tal, da conjugação dos sobreditos meios de prova, impõe-se dever ser dado como provado que “a ré, ao longo da paralela relação contratual de empreitada, a solicitação da autora, prestou-lhe serviços de reparação e manutenção automóvel, no valor de 11.300,65€ e que se encontram por pagar, não tendo tais serviços e, bem assim, as correspondentes faturas recebidas pela autora sido alvo de qualquer reclamação.”, consequentemente eliminando-se os pontos 19, 48, 49 e 50 dos factos dados como não provados na Sentença recorrida, sob a epígrafe contestação.

5- Quanto aos artigos 53, 54, 55 e 56 da reconvenção impõem decisão diversa, com as razões que detalhadamente enunciamos em sede de fundamentos e cuja reprodução ora poupamos a Vs. Exas., a aceitação da autora do ponto 5 dos temas da prova, plasmada em Audiência de Discussão e Julgamento - vide acta da correspondente sessão de 06/07/2022).

6- Como tal, deve ser dado como provado que “a ré suportou 9.100€ de rendas de imóvel destinando ao exercício da sua atividade social entre julho de 2017 e julho de 2018”, consequentemente eliminando-se os pontos 22, 23, 24, 53 e 54 dos factos dados como não provados na Sentença recorrida, sob a epígrafe contestação.

7- Consequentemente, tendo também presente a alteração da matéria de facto (a obra foi concluída no final de Julho de 2018), supra peticionada em sede de Ampliação do Âmbito do Recurso, ora reproduzida para os legais e devidos efeitos, as ora peticionadas alterações à factualidade dada como assente e sem perdermos de vista a matéria já assente na Sentença recorrida (vide 52 do ponto III, sob a epígrafe “i – factos provados” – A obra não foi concluída no prazo contratualmente fixado), impõem-se conclusões de direito distintas das logradas alcançar na Sentença recorrida, designadamente quanto à improcedência da reconvenção.

8- Conclusões, essas, que deveriam estar assentes nas disposições conjugadas dos artigos 798º, 799º; 804º nº1, 805º nº2 al. a), 847º e 848º, todos do Código Civil, mas que o Tribunal a quo não valorou, acabando por inobservá-las, cometendo erro de direito.

9- Consequentemente, pelas razões explanadas em sede de fundamentos, cuja reprodução ora renovadamente poupamos a Vs. Exas., não tendo a reconvinda logrado demonstrar que o não cumprimento do prazo a que contratualmente se vinculou não decorreu de culpa sua, no confronto da prova de que a obra não foi concluída no prazo contratualmente fixado, que a reconvinte suportou rendas, no valor de 9.100,00€, no período compreendido entre Julho de 2017 e Julho de 2018, coincidente com o atraso no cumprimento imputável à reconvinda, dada a presunção de culpa que sobre si impende e que de outra forma não teria suportado, deve proceder o correspondente pedido de ressarcimento.

10- Ademais, deve ser reconhecido o crédito da reconvinte sobre a reconvinda, no valor de 11.300,65€, resultante dos serviços de manutenção e reparação automóvel que lhe prestou, valor que a própria nem sequer questiona, mas que não pagou.

11- Como tal, deve a reconvinda ser condenada a pagar à reconvinte o valor de 20.400,65€ (por lapso, na indicação do valor da reconvenção, escreveu-se 20.400,01€, mas cuja correcção ora se requer), acrescidos de juros legais desde a data da notificação da contestação/reconvenção, até integral pagamento.

12- Por fim, subsidiariamente, quanto à compensação, e para a eventual procedência do recurso da autora, mas sempre considerando a peticionada ampliação do âmbito do recurso e uma vez cumprida a inerente obrigação de eliminação dos defeitos, devem ter-se por verificados os respectivos pressupostos, determinando que os créditos da ré/reconvinte sobre a autora/reconvinda, no valor de 20.400,65€, acrescidos dos juros legais, deverão ser compensados, na parte correspondente, com os créditos desta, no valor de 28.000,83€, sobre aquela.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve proceder o recurso subordinado, condenando-se a autora/reconvinda no pedido reconvencional e, na eventual procedência, ainda que parcial, da pretensão recursiva da autora, deve proceder igualmente a ampliação do âmbito do recurso, julgando-se legitima a retenção do preço por parte da ré, nos termos sobreditos; operando a compensação, apenas, nas condições enunciadas na conclusão 12 do recurso subordinado; tudo, naturalmente, sempre com o vosso mui douto suprimento, na senda da costumada JUSTIÇA.».

A A./Recorrente principal respondeu em matéria de ampliação do objeto do recurso e, bem assim, de recurso subordinado, pugnando pela respetiva improcedência, na totalidade.


***

O Tribunal a quo admitiu os recursos (principal e subordinado) como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, o da A. com efeito suspensivo e, por sua vez, com efeito meramente devolutivo o da R., tendo neste Tribunal ad quem sido mantido o regime fixado, mas com atribuição de efeito meramente devolutivo (também) à apelação da A. ([5]).

Colhidos os vistos e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito dos recursos, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pelas partes recorrentes – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito dos recursos ([6]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, incidindo a impugnação recursiva sobre a decisão da matéria de facto e de direito, cabe saber ([7]):

1. - Quanto ao recurso principal:

a) Se foi violado o disposto no art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do NCPCiv., justificando-se a anulação da decisão ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do mesmo Cód. – conclusões 4.ª e 12.ª a 14.ª da mesma Apelante;

b) Se foi devidamente impugnada a decisão de facto pela Recorrente principal e, caso o tenha sido, se merece procedência [conclusões 15.ª e segs. da mesma Apelante];

c) Se, procedendo tal impugnação da decisão de facto, ocorreu erro de julgamento em matéria de direito e suas consequências [conclusões 28.ª e segs. da mesma Apelante];

2. - Quanto ao recurso subordinado:

a) Se é admissível a ampliação do âmbito do recurso principal, que a R. intercalou no corpo da sua contra-alegação, com inerente impugnação da decisão da matéria de facto, e, caso seja admissível, se esta deve proceder (“na eventual procedência” do recurso da A., matéria que ficará prejudicada na hipótese contrária);

b) Se deve proceder a impugnação da decisão de facto empreendida em sede de recurso subordinado [conclusões 2.ª a 6.ª da R./Apelante subordinada];

c) Se ocorreu erro de julgamento em matéria de direito no tocante à reconvenção, determinando a operância da compensação e procedência do peticionado por via reconvencional [conclusões 8.ª e segs. da mesma Apelante];

d) Se, em matéria de direito no quadro da ampliação do âmbito do recurso, para o caso de procedência do recurso principal (da A.), deve operar a compensação de créditos [conclusão 12.ª e respetivo petitório].


***

III – Fundamentação

A) Quadro fáctico da sentença

1. - Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:

«petição

1

A Autora A...- Unipessoal Lda., efectuou à Ré trabalhos de construção civil.

4

A Ré, através dos seus representantes, acompanhou o decurso dos trabalhos.

5

Os trabalhos estão concluídos.

contestação

15

No valor de 50.000€, pago integralmente em numerário.

29

Escadaria metálica de acesso ao primeiro andar e ao compartimento de armazenagem de pneus fora de esquadria;

30

Caleiras mal aplicadas, com emendadas e folgas nas suas secções, as quais, não obstante os remendos efectuados pela autora, continuam a deixar passar água;

31

As caixas colectoras do escoamento de águas (…) subdimensionadas e sem capacidade de escoamento;

52

A a obra não foi concluída no prazo contratualmente fixado,

réplica

49

A 10 dezembro de 2017, aconteceu a tempestade Ana.».

2. - E foi julgado como não provado:

«petição

4

sempre.

7

A Ré não paga as facturas referentes aos trabalhos executados.

8

A obra já obteve licença de utilização.

9

E os trabalhos executados anteriormente à obtenção da licença de utilização, foram concluídos 18 meses antes da emissão da factura 3/2020.

10

A Ré é devedora dos montantes de 79.472,55€, acrescido de juros vencidos desde fevereiro de 2020 e de juros vincendos até efectivo e integral pagamento.

11

Encontram-se vencidas e não pagas pelos trabalhos devidamente executados e aceites pela dona da obra, a Ré, as faturas números 2/2020, 3/2020 e 9/2020, nos montantes respectivamente de 34.472,55€, 17000.00€ e 28.000.00€, num total de 79.472,55€

12

Os trabalhos foram efectuados conforme o contrato de empreitada entre as partes durante os anos de 2016, 2017 e 2018.

contestação

10

Embora a autora faça referência à existência de um contrato entabulado entre as partes, não só não o junta, como não ignora, seguramente, a adenda que as partes igualmente outorgaram.

11

E se fizermos a simples operação aritmética decorrente da soma dos seus valores, alcançamos o valor de 330.000,00€.

14

O contrato e adenda que ora se juntam como documentos 3 e 4 aclaram a verdade.

15

No valor total de 280.000,00€, tendo sido efectuadas transferências para a conta designada pela autora no valor de 251.999,17€, (…) por exigência da autora.

16

Assim foi, porque desta forma o mesmo não foi reflectido na contabilidade da autora, e por isso mesmo não consta da conta corrente.

19

Ao longo da relação contratual também a ré prestou trabalhos de reparação/manutenção automóvel à autora, nos veículos que a mesma destinava à sua actividade comercial, e, conforme acordado entre as partes, os sucessivos créditos, daquela sobre esta, foram sendo, no momento do seu vencimento, compensados pelo valor total correspondente, ou seja 11.300,65€, no crédito da autora sobre a ré.

20

A autora só deu a obra por concluída no final de Julho de 2018.

22

Atrasos que (…) obrigaram a encargos, por parte da ré, os quais de outra forma não teriam ocorrido.

23

A ré tomava de arrendamento as suas anteriores instalações, sitas em ..., à C..., Lda, pessoa colectiva com o NIPC ...12, e, fruto do referido atraso no cumprimento, teve de suportar rendas, no período compreendido entre Julho de 2017 e Julho de 2018.

24

A ré pagava de renda mensal o valor de 700,00€ e, fruto da mora da autora, teve de custear durante 13 meses, o prejuízo de 9.100,00€ que a ré suportou.

28

As portas antifogo mal aplicadas e com molduras soltas;

29

problema remendado pela autora, mas cuja solução não foi aceite pela ré, que novamente reclamou a sua reparação;

30

(…) para o interior das instalações, o que novamente lhe foi reclamado pela ré;

31

(…) que também recebem águas de uma propriedade a noroeste (…) acumulando as águas no seu interior e inundando o exterior, o que obriga à colocação de um motor para as drenar para a via pública; defeito detectado nos últimos meses de 2019 e logo reclamado à autora;

32

Muros exteriores por pintar em alguns dos seus lados exteriores, cuja conclusão lhe foi exigida aquando da aceitação condicional da obra, e posteriormente, alguns meses volvidos, face às rachas e tinta a cascar que apresentavam, foi-lhe também reclamada a respectiva reparação, tendo-a iniciado mas não a tendo concluído;

33

Má execução dos pisos dos telheiros exteriores, com cota incorrectamente executada, uma vez que a inclinação de escoamento é no sentido interior das instalações, defeitos logo reclamados à autora quando se detectou que as águas escoavam para o interior – a mesma resolveu uma das situações, com a colocação de uma grelha, mas não resolveu a outra;

34

A autora executou, quanto ao projecto de segurança contra incêndios – ficha ANPC, obra que é desconforme ao respectivo projecto aprovado, o que obriga, para a sua regularização, não só a um novo projecto de segurança contra incêndios, já por ela apresentado e que importa submeter àquela entidade, mas também às correspectivas alterações em sede Municipal, face à desconformidade verificada, cuja responsabilidade e meios para os concretizar foram assumidos pela autora, uma vez que foi sua a iniciativa de o executar desconformemente.

35

A autora, face à desadequada potência dos motores elevatórios dos portões eléctricos, defeito detectado ainda no decurso do mês de Agosto de 2018, substituios, com excepção de um, mantendo-se, por isso, quanto a ele, o problema que levou à substituição dos outros – insuficiência de potência que obsta ao correcto funcionamento do portão.

48

A ré, a solicitação da autora, prestou-lhe serviços de reparação e manutenção automóvel, ao longo da paralela relação contratual de empreitada.

49

Reparações e manutenções, essas, realizadas nos veículos da autora e que esta utilizava e destinava ao exercício da sua actividade comercial.

50

Tais trabalhos, discriminados e titulados pelas facturas e respectiva conta corrente, uma vez concluídos, foram recebidos, e bem assim as facturas correspondentes, pela autora, sem qualquer reclamação.

53

Tal circunstância – atraso no cumprimento da obrigação – é exclusivamente imputável à autora, a qual descurou os trabalhos, alocando-lhe um número de trabalhadores manifestamente insuficiente face à dimensão da obra, omitindo os seus deveres de fiscalização e acompanhamento dos trabalhos que cometia aos seus trabalhadores, o que redundou em erros de construção, designadamente resultantes da má execução dos trabalhos.

54

Atrasos, esses, que resultaram na entrega da obra, não obstante os sucessivos avisos que lhe eram dirigidos pela ré, mais de um ano depois do prazo fixado – início de Agosto de 2018, em vez de Junho de 2017 – e que, por esse exclusivo facto, obrigaram a encargos, por parte da ré, os quais de outra forma não teriam ocorrido e que lhe causaram prejuízo patrimonial.

réplica

10

Não existe entre as partes qualquer contrato nesse sentido, nem foi acordado uma troca de serviços entre as partes.

15

A Ré pretendia que a Autora, executasse os trabalhos sem licença camarária, sem luz e sem água.

16

O projecto inicial que a Ré tinha pronto para dar entrada nos serviços camarários não se adequava ás necessidades da Ré, e, por isso,

17

O engenheiro da Autora AA, propôs á Ré alteração à arquitectura e á parte de engenharia, de forma a tornar o projecto aprovável.

24

Com a entrada do projecto nos serviços camarários, antes da sua aprovação, a pedida da Ré iniciou-se os trabalhos, sem licença de construção aprovada.

25

Previa-se segundo a Ré a sua aprovação em um mês.

26

Assim, a pedido e por conta e risco da Ré, os trabalhos iniciaram-se na primeira semana de Setembro de 2016, com execução de trabalhos de vedação do local da obra e terraplanagens.

27

A 13 Setembro de 2016 montou-se em obra uma grua da empresa D....

28

Seguiram-se trabalhos de abertura de fundações e enchimento c betão armado.

29

Os trabalhos de alvenaria e estrutura de betão armado foi executada nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2016.

30

Acontece que o projeco continuava por aprovar.

31

A obra estava sem licença.

32

A Câmara proferiu despacho de intenção de indeferimento, por estar ultrapassado o índice de implantação.

33

A obra encontrava-se com paredes levantadas de mais de 6 metros de altura, e após reuniões na Camara, seria possivel licenciar a obra, mas com necessidade da sua alteração, designadamente, entre outras coisas, os telheiros teriam de ser executados em consola sem apoios na extremidade dos mesmos.

34

A viabilidade técnica era possível mas os custos não seriam os inicialmente previstos.

35

Com a entrada das alterações Na Câmara foi a Autora informada que não podia continuar com a execução da obra, até aprovação.

36

Por acordo com a Ré, em face da falta de projecto, a partir de 13 Dezembro, deixariam de trabalhar na obra, até existir projecto aprovado.

37

E, perante esta realidade, a Autora poderia após a aprovação do projecto não poder entrar logo em obra, pois neste hiato de tempo, iria executar outra obra, para suportar os custos da Autora com pessoal e demais encargos.

38

Não existia, por isso, licença de obras, água ou luz. A Autora colocou um gerador em obra cujos custos pagou e que a Ré assumiu pagar mas não o fez.

39

A Autora só pode voltar á obra, depois de sanadas as irregularidades em finais de Abril de 2017, por factos á qual é alheia.

40

E porque também não poderia abandonar a obra entretanto iniciada, de terceiros, teve de reduzir a equipa de trabalho na obra da Ré.

41

A equipa de serralharia, manteve-se na obra iniciada no período em que não podiam trabalhar na obra da Ré.

43

A Ré, sem a licença, deixou de ter dinheiro para custear a obra.

44

Pois necessitava de empréstimo bancário, e o mesmo só seria deferido com licença de obras.

45

Por isso não pagava á Autora, atempadamente, quando as facturas eram a pronto e não acontecia o pagamento.

46

Já no decorrer da obra, a Ré pediu alterações, na configuração dos pisos a aumentar em cerca de 50m 2, conforme projecto de alterações dado entrada na Câmara e aprovado

47

Além dos custos iria provocar mais um atraso na conclusão da obra.

49

(…) onde se apercebeu que naquele terreno confluíam águas pluviais dos terrenos contíguos

50

Tendo-se verificado uma inundação, com danos nos trabalhos, inclusive de compactação da envolvente para aplicação de pave.

51

Á custa da Autora colocou-se um dreno de grandes dimensões, ligando um poço existente na propriedade da Ré a Norte, encaminhando as águas para um colector público de águas pluviais.

52

Teve a Autora de abrir uma vala de 60 metros de comprimento, com aplicação de geodreno de 20mm de diâmetro e preenche-la com agregado britado envolvido em geotetil, e cm o poder de compressor e martelo pneumático, conseguiu-se em alguns pontos atingir a cota necessária ao escoamento.

53

Em abril de 2018, reuniu a Autora com a Ré e foi explicado que e porque chovia imenso, enquanto não passasse a chuva, não seria possível aplicar o pave no pavimento em toda a área envolvente à oficina,

54

E, estando os trabalhos de construção civil e metálicos praticamente acabados, todo o trabalho realizado no pavimento, sobre uma base encharcada e mal compactada devido á chuva intensa, iria ficar irremediavelmente perdido e a Autora não se responsabilizaria pela sua reparação.

55

E a Ré não pagou atempadamente porque dizia que só com a licença de utilização, o banco lhe libertaria o dinheiro.».

B) Da violação do disposto no art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do NCPCiv. e decorrente anulação da decisão recorrida

O dispositivo legal mencionado (art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, da lei adjetiva) obriga à indicação dos factos julgados provados e dos não provados, com análise crítica das provas e apreciação segundo a livre convicção do juiz (em “prudente convicção acerca de cada facto”), tomando-se em consideração todos os factos relevantes para a decisão da causa.

Porém, a inobservância – caso ocorra – deste comando legal não gera a nulidade processual, por omissão de “formalidades” impostas, a que alude aquele art.º 195.º, mas, por constituir vício ou erro no quadro da decisão da matéria de facto e sua modificabilidade, fundamento para anulação da decisão da 1.ª instância, seja por deficiente, obscura ou contraditória decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, seja por necessidade de ampliação desta, ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv..

Importa saber se foi efetivamente violado o disposto no art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do NCPCiv., justificando-se a anulação da decisão ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do mesmo Cód., como defende a A./Apelante (cfr. conclusões 1.ª a 3.ª e 12.ª a 14.ª).

Tal implica saber se:

a) Ocorre deficiente análise da prova ou obscura ou contraditória decisão sobre pontos determinados da matéria de facto;

b) Há omissão de fundamentação de decisão de facto.

Ora, como refere a A./Apelante, o objeto do litígio foi assim definido (como consta do despacho datado de 26/05/2021, a fls. 72 e seg. do processo físico):

“1. Pretensão da autora de haver da ré o remanescente do preço acordado em contrato de empreitada que celebraram;

2. Pretensão da ré de obter compensação de créditos no valor de € 20.400,01, relativos a serviços prestados à autora e custos suportados com o arrendamento de sede social por força de incumprimento por parte da autora dos prazos contratuais.” (destaques aditados).

Já quanto a “Temas da prova” consta (fls. 72 v.º):

“1- Exatos caracteres da contratação;

2- Entregas monetárias feitas pela ré à autora, por conta do pagamento do preço acordado;

3- Se a autora executou a obra com as desconformidades descritas nos artigos 28.º a 35.º da contestação;

4- Se a conclusão da obra além do prazo contratualmente estabelecido se deveu a atrasos na obtenção da licença de construção imputáveis à ré, atrasos da ré nos pagamentos contratualmente estipulados, pedidos de alteração da obra realizados pela ré, abatimento da tempestade ANA sobre o estaleiro da obra;

5- Se a ré suportou € 9.100, de rendas de imóvel destinado ao exercício da sua atividade social entre julho de 2017 e julho de 2018.” (destaques aditados).

Assim, seria de procurar apurar – e descrever como factologia, se a tal nada obstasse – os termos do invocado “contrato de empreitada” (qualificado como tal no art.º 1.º da petição inicial), designadamente quanto ao aludido “preço acordado”, embora a A., na sua petição, nem sequer tenha alegado qual foi esse preço acordado, apenas expressando, em menos de uma página de alegação fáctica, que a R. “é devedora dos montantes de 79.472,55€, acrescido de juros (…)”, tal como faturado (cfr. art.ºs 10.º e 11.º da petição).

Com efeito – e como a A./Apelante invoca –, a R., na sua contestação, veio admitir a existência de um “contrato entabulado entre as partes” e uma “adenda que as partes igualmente outorgaram” (art.º 10.º), sendo que “a soma dos seus valores” leva a que se alcance “o valor de 330.000,00€” (art.º 11.º), “contrato e adenda que ora se juntam como documentos 3 e 4” (art.º 14.º).

Trata-se, então, dos documentos juntos a fls. 30 v.º e segs. do processo físico – intitulado “CONTRATO DE EMPREITADA”, com o respetivo clausulado, embora nenhuma assinatura conste sob a menção “A DONA DE OBRA” – e a fls. 32 v.º a 33 v.º – intitulado “ADENDA AO CONTRATO DE EMPREITADA”, também com o respetivo clausulado, embora, novamente, nenhuma assinatura conste sob a menção “A DONA DE OBRA” –, sobre os quais a A. se não pronunciou na réplica.

No centro do litígio está, pois, um invocado “contrato de empreitada que celebraram”, respetivo “preço acordado” e seu pagamento ou não, pelo que importava saber dos “Exatos caracteres da contratação” e “Entregas monetárias (…) por conta do pagamento do preço acordado”.

Num tal contexto – mesmo que de alguma eventual displicência alegatória da demandante –, cabia, à partida, ao Tribunal, em postura de cooperação com as partes (cfr. art.º 7.º, n.º 1, do NCPCiv.), aproveitar o material alegado (por A. e R.) e submetê-lo à prova, de molde a apurar, se possível, quanto à celebração do contrato (e “adenda”), respetivo clausulado, mormente quanto ao preço (mas não só), e âmbito de vinculação correspondente, para posterior adequada qualificação jurídica, com as inerentes consequências de Direito, tanto mais que os documentos aludidos de referência contratual não se mostram assinados por uma das partes, tudo com vista a «obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio» (dito n.º 1 do art.º 7.º).

Por isso, se determinou, no antecedente acórdão deste TRC, a anulação da sentença, “para ampliação da matéria de facto”.

Proferida nova sentença – a agora recorrida –, vejamos, então, da pertinência da crítica da A./Apelante nesta matéria de fundamentação/justificação fáctica.

Começa esta por invocar que, na fundamentação da convicção o Tribunal «nada de concreto referi[u] quanto ao contributo, para a formação da decisão, dos documentos juntos, do acordo das partes, das posições processuais assumidas e de depoimentos concretamente prestados quanto aos factos elencados», assim desconsiderando as provas produzidas, omissões violadoras do dito 607.º, n.º 4, do NCPCiv., tudo redundando em falta de fundamentação/justificação da decisão de facto.

O Julgador exprimiu assim a sua justificação da convicção:

«O não provado ao ponto “7” da petição resulta da circunstância de as próprias partes terem admitido, no decurso do julgamento, que não há relação correcta entre o trabalho desenvolvido e o que aparece facturado, seja porque não há coincidência temporal, seja porque trabalhos há que as partes entenderam por bem não facturar, limitando-se a acerto de contas particular. O ponto “8” igualmente não é líquido, pois que foi possível ouvir, em audiência, por parte de o engenheiro responsável pela autora – independentemente dos negócios que, simulada ou realmente faz com essa e outra empresa – que a Câmara Municipal nunca os mandaria interromper os trabalhos porque os donos da obra se “davam bem como a Câmara” (…), “embora todos nós soubéssemos que estávamos ilegais”.

Relevante para a apreciação da obra foi a peritagem, bem como o esclarecimento prestado pelo perito, nomeadamente, quanto às caleiras, com “praticamente metade” da sua largura, o que não foi compensado, até contou menos um tubo de queda do que o projectado. É um “sistema frágil” no seu desempenho, explicou o especialista, pois que, se há inundação, é erro de projecto, só houve desenrascanço em obra, devia ter havido caixas e condução para o exterior. Águas pluviais vão para o poço e não para o público, e não há um “tubo ladrão”. Quanto à escada, o remedeio que lá está é aparafusado, pode sair de lá.

A falta de rigor foi o que mais se extraiu dos depoimentos das pessoas responsáveis pela empresa autora. A sua legal representante, cuja qualificação para o efeito foi por ela própria assumida como tendo estado emigrada e foi “casada com um construtor civil”, sendo que, para as coisas mais difíceis, tem um filho que é “o engenheiro da empresa”. Este, por seu turno, produz um depoimento que pode ser vulnerável à apreciação de se tratar de uma engenharia jurídica ou empresarial, pois que revela uma mistura entre a empresa autora, ele próprio e a sua mãe, sendo que, a dado passo, explica que vendeu a quota à mãe e que, por “razões empresariais”, criou-se outra empresa “para a qual eu passei”. Enquanto técnico, igualmente revelou ser empreendedor, pois que realizou um projecto que, no dizer de um dos seus trabalhadores, o serralheiro DD, “eles já tinham um projecto e quando o foram a implantar não cabia lá, isso eu sei”, além de que, afirma o mesmo Eng.º, como se não houvesse qualquer problema, “aquilo é uma oficina e nós nunca licenciámos aquilo como uma oficina”, além de que combinaram um valor “que será facturado mais tarde”, que outra factura não foi feita “pelo valor total”, enfim, obras de mais de trezentos mil euros, quase um quarto de século adentro do terceiro milénio e no espaço europeu estão ainda envoltas nesta contabilidade de antigo merceeiro e na plena irresponsabilidade face às exigências legais que, pelos vistos, não interessa fiscalizar com rigor. A arquitecta CC foi a única profissional que se mostrou correcta e competente, mas limitou-se a fazer o projecto e as telas finais, não acompanhou a obra, sabe que houve alterações, mas não quem foi o responsável por elas. Quanto às razões da paragem da obra, o pedreiro FF diz que “acho que foi por parte da electricidade”, só acedendo que também foi “por causa da chuva” perante uma pergunta dirigida. O serralheiro DD, por seu turno, não recorda qualquer pausa por razões climatéricas.

Recuando à questão dos termos contratuais. Entendeu o Tribunal superior que deveria ter sido realizado e, porque o não foi, se deverá “analisar cuidadosamente a prova a respeito, fosse documental ou pessoal, âmbito em que deveria fazer transparecer o seu entendimento sobre os ditos documentos, de pendor contratual, juntos pela R., mormente os de fls. 30 v.º a 33 v.º do processo físico, explicitando os motivos pelos quais neles não baseou/formou uma convicção positiva. E deveria explicitar também os motivos pelos quais a prova pessoal – de per si ou conjugadamente com a prova documental – não logrou permitir tal convicção positiva“. Por mim, e uma vez mais, depois de reaberta a audiência, honestamente, resulta claro – a meu ver, bem entendido, e sem qualquer embargo de quem tenha distinto ponto de vista, que respeito – que os sujeitos processuais celebraram o contrato que celebraram, e que não querem trazer a juízo. Isto, ainda a meu ver, por razões que não posso estabelecer – sejam fiscais, sejam meramente económicas, sejam outras que desconheço; só assim se compreende que o (mandatário da) autora tenha omitido os termos do contrato que pretende trazer a juízo, que o contrato junto pela ré nem sequer está assinado pelos supostos contraentes, que mesmo os factos assentes entre ambos os contraentes relativos a pagamentos não constem das respectivas contabilidades, e que a prova testemunhal, por fim – e como é, a meu ver, óbvio, nestes casos – igualmente não tenha sido, a esse mister, profícua. Nestes casos, por regra, não insisto com as partes em que aleguem o que não quiseram alegar, sequer que tentem produzir prova sobre o que não quiseram provar (nem alegar), porque sinto – eu, claro, jamais outros que, com todo o mérito e toda a razão, o façam – que estaria a convidar os sujeitos processais a manter ou sustentar a falta de verdade que quiseram trazer a juízo. O contrário, seria valorar positivamente actividade probatória que deixa a entender não ser consentânea com a realidade a que (deveria) respeita(r). Situação que farei se, uma vez mais, assim mo for determinado, se bem que não por acto de julgamento, unicamente por via do dever de obediência a que estou adstrito relativamente às decisões dos tribunais superiores, pois só desse modo poderia dar como provado um texto contratual que ninguém assinou. Todavia, e porque o Tribunal superior assim mo ordenou, afastei a opinião que tinha sobre a matéria e despachei no sentido de, para o efeito que me foi superiormente ordenado, os sujeitos processuais indicassem quais os depoimentos que pretendiam fossem determinados: sem qualquer êxito. Assim, e desde já com as desculpas antecipadas, me vejo forçado a manter o pronunciamento no sentido de não ter logrado apurar os concretos termos contratuais celebrados entre as partes; decisão que – repito e sublinho – se voltar a ser tida por incorrecta, que o seja por erro meu, susceptível de douta alteração por quem tem mérito e competência para tanto, jamais por qualquer desrespeito que nem cometi nem cometeria.

No mais, e genericamente, duas situações: os factos não provados, em geral, assim o foram por contradizerem outros, dados como provados, ou por sobre eles não ter sido produzida qualquer prova; acresce que pontos dos articulados houve que não foram levados aos factos provados nem aos não provados, por se ter entendido serem redundantes ou por, mais do que factos, integrarem argumentos ou conceitos jurídicos.».

Ou seja, entendeu o Tribunal recorrido – bem ou mal, o que já é matéria de eventual erro de julgamento de facto – que as partes, desde logo, optaram por não querer alegar a factualidade relevante quanto aos “concretos termos contratuais celebrados”, bem como quanto aos “depoimentos que pretendiam fossem determinados”, para além de terem junto documentos com omissão de assinaturas de quem neles se vinculasse (“um texto contratual que ninguém assinou”).

Formou, então, o Julgador a convicção no sentido de que não poderia apurar “o que não quiseram alegar” as próprias partes, às quais imputa, assim, a “falta de verdade que quiseram trazer a juízo”, razão pela qual, se bem se entende, numa tal postura decisória, o Tribunal não acreditou no que as partes trouxeram a juízo, desde logo, em termos de alegação fáctica, mas também em termos de produção probatória, o que levou a que não fosse atribuída credibilidade, no essencial, aos elementos probatórios apresentados, independentemente da sua natureza, com a consequência da inerente convicção negativa quanto à longa lista de factos julgados não provados, ainda se acrescentando, nesta parte, que “o foram por contradizerem outros, dados como provados, ou por sobre eles não ter sido produzida qualquer prova”.

Assim sendo é agora – com este condicionalismo invocado – de entender como suficientemente justificada, quanto a factos não provados, a perspetiva e a convicção do Tribunal recorrido, o qual, embora sem uma fundamentação facto a facto – ou por conjunto homogéneo de factos –, como aconselharia, comummente, a boa técnica jurídica, acaba por fazer transparecer os motivos profundos da sua convicção: o Julgador, pelas razões que indicou, não acreditou, desde logo, no alegado pelas partes, que considerou terem vindo litigar em notória omissão/escondimento de factos relevantes, nem, em decorrência, nos elementos probatórios nessa senda emprestados ao processo (porventura, vistos como inquinados por aquela opacidade originária), considerados sem crédito na esfera judicial, tudo se podendo sintetizar, nesta perspetiva (e se bem se interpreta), na frase, já citada, de que se navegou, afinal, na “falta de verdade que quiseram trazer a juízo”.

Vista a apresentada fundamentação por este ângulo, então é de concluir que ocorre justificação da convicção – bem o mal, não importa agora –, em termos suficientes, no subjacente ao julgamento quanto à factualidade dada como não provada e objeto de impugnação recursiva.

Donde a conclusão no sentido de inexistir omissão ou deficit de fundamentação da decisão de facto, sendo certo que, neste campo, tal só importa – reitera-se – quanto aos concretos factos objeto de impugnação recursiva, e não outros (aqueles que não tenham suscitado controvérsia quanto ao seu julgamento de “provado” ou “não provado”).

Em suma, improcedem as conclusões da A./Apelante em contrário.

C) Da impugnação da decisão de facto pela A./Recorrente principal

Refere a A./Apelante que «Dos referidos documentos, conjugados com a prova testemunhal, resulta que foi celebrado entre as partes um contrato de empreitada, em Setembro de 2016, tendo por objecto a edificação de um Pavilhão Industrial (que foi efectivamente edificado!), pelo preço total de 280.000,00 €, bem como acordada uma adenda ao contrato de empreitada, prevendo o pagamento de 50.000,00 € adicionais, perfazendo o montante global de 330.000,00 €.» [conclusão 7.ª].

E isto, depois que aludir [conclusão 6.ª] à «eventual nulidade formal do contrato de empreitada por falta de assinatura do dono de obra», mas que «tratar-se-ia de nulidade insusceptível de ser conhecida ex officio, e, ainda que assim não fosse, não impeditiva de que por documentos ou prova testemunhal se provasse o contrato celebrado (…), o que inequivocamente se mostra feito.».

Assim, pretende que seja dado como provado pela Relação, desde logo, que:

“(…) o preço inicialmente acordado entre as partes para a execução dos trabalhos contratados foi de 330.000,00 € e que por conta do preço de 330.000,00 € acordado entre as partes a autora recebeu da ré o montante global de 301.999,17€.” (conclusão 15.ª).

Para tanto, invoca prova documental – mormente, os documentos intitulados “Contrato de Empreitada” e “Adenda ao Contrato de Empreitada”, juntos a fls. 30 v.º a 32 e 32 v.º a 33 v.º, respetivamente, do processo físico –, para além do admitido em sede de articulados (“confissão” na contestação) e de prova testemunhal.

E impugna outros factos dados como não provados, sempre no pressuposto da prova da dita relação/vinculação contratual de empreitada entre as partes, com o inerente clausulado e decorrentes obrigações reciprocas.

Ora, é certo que tudo começa pela prova do contrato alegadamente celebrado, denotando os autos que os respetivos escritos não se mostram assinados por uma das partes, a “DONA DA OBRA” (cfr. fls. 32 e 33 v.º do processo físico).

Nesta parte, não deve olvidar-se a jurisprudência do STJ, sendo paradigmático o invocado ([8]) Ac. de 16/05/2019, Proc. 2966/16.0T8PTM.E1.S2 (Cons. Rosa Tching), disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se (com pertinência para o caso dos autos):  

«I. O artigo 29.º, nº 1 do Dec.-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na redação que lhe deu o art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, em conjugação com a Portaria nº 1371/2008, de 02.12, consagra a forma escrita para o contrato de empreitada e subempreitada de obra particular de construção civil, com o valor superior a € 16.600,00.

II. A inobservância dessa forma escrita, que constitui uma formalidade ad substantiam, determina, conforme prescreve o nº 4 do citado artigo 29º, a nulidade do contrato.

 III. Trata-se de uma nulidade atípica, que apenas pode ser invocada pelo dono da obra (no caso das empreitadas) e pelo empreiteiro (no caso das subempreitada), não podendo ser conhecida ex officio pelo Tribunal.

IV. A falta da forma escrita exigida pelo nº 1 do citado artigo 29º como condição sine quo non da validade do contrato de empreitada com o valor superior a € 16.600,00 só pode ser suprida nos termos limitados do disposto no artigo 364º, nº 1 do Código Civil, pelo que a prova da existência ou da outorga de um tal contrato, só pode ser feita por via de outro documento com força probatória superior, não podendo ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, atento disposto nos artigos 393º, nº1, 354º, al. a) e 351, todos do Código Civil.

V. As restrições probatórias do artigo 364º do Código Civil relevam apenas e tão só para efeitos de prova da celebração válida do contrato, não impedindo, por isso, a utilização, nem de documento de menor força probatória, nem de prova testemunhal, por confissão ou por presunções judiciais para a demonstração de que foi celebrado um contrato de empreitada nulo por falta de forma e, por essa via, fazer operar os efeitos decorrentes da respetiva nulidade.» (destaques aditados).

Para melhor explicitação, pode ler-se na fundamentação desse douto aresto:

«E a este respeito, diremos, desde logo, que, apesar da ré não ter indicado a data de celebração do referido contrato, a verdade é que a mesma invoca o art.º 29.º, o Dec.-Lei n.º 12/2004, de 9 de Janeiro, na redação que lhe deu o art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que, no seu nº 1, impõe a forma escrita aos contratos de empreitada e subempreitada de obra particular cujo valor ultrapasse 10% do limite fixado para a “classe 1” , pela Portaria n.º 1371/08, de 2 de Dezembro, ou seja, aos contratos de empreitada, com o valor superior a € 16.600,00 ( 10% do valor de € 166.000,00, fixado pela referida portaria).

Assim sendo e porque nem o autor nem as instâncias questionam a aplicação, ao caso dos autos, destes diplomas legais, que regulam o ingresso e permanência na atividade da construção civil, é à luz do citado art. 29º que apreciaremos a invocada nulidade bem como as consequências daí decorrentes, visto estabelecer o art.º 30.º do citado DL nº 12/2004, que o disposto naquele artigo «prevalece sobre o regime  jurídico das empreitadas previstas no Código Civil, na parte em que o mesmo  não se conforme».

Em matéria de forma e conteúdo dos contratos de empreitada de obra particular, dispõe o art. 29º, nº 1 do Dl nº 12/2004, na redação introduzida pelo Dl n.º 18/2008, que «Os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular cujo valor ultrapasse 10% do limite fixado para a classe 1 são obrigatoriamente reduzidos a escrito e devem ter o seguinte conteúdo mínimo:

a) Identificação completa das partes outorgantes;

b) Identificação dos alvarás;

c) Identificação do objecto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver;

d) Valor do contrato;

e) Prazo de execução;

f) Forma e prazos de pagamento».

Mas, para além disso, estabelece o nº 2 do citado art. 29º que: «Incumbe sempre à empresa que receba a obra de empreitada, ainda que venha a celebrar um contrato de subempreitada, assegurar e certificar-se do cumprimento do disposto no número anterior», prescrevendo, o seu nº 4, que «A inobservância do disposto no nº 1 do presente artigo determina a nulidade do contrato, não podendo esta ser invocada pela parte obrigada a assegurar e a certificar-se do seu cumprimento».

Decorre, assim, deste regime legal, por um lado, que a exigência da forma escrita contida no nº1 deste art. 29º, constitui uma formalidade ad substantiam, sem a qual o negócio não é válido, radicando a sua ratio na necessidade de «precaver os declarantes contra a sua precipitação e ligeireza, dar maior segurança à conclusão do negócio e ao conteúdo negocial, facilitar a prova…. facilitar o controlo no interesse geral, garantir a sua reconhecibilidade por terceiro, dar às partes a oportunidade de obter o conselho de peritos».

E, por outro lado, que a nulidade com que o nº 4 deste mesmo artigo comina a preterição da forma legal escrita apenas pode ser invocada pelo dono da obra (no caso das empreitadas) e pelo empreiteiro (no caso das subempreitada), não podendo ser conhecida ex officio pelo Tribunal.

Trata-se, pois, de uma nulidade atípica, que só pode ser arguida pelo dono da obra e que tem como pressuposto a consolidação do negócio na ordem jurídica se não invocada, configurando uma invalidade mista.

De sublinhar que a preterição da forma legal escrita para a celebração deste tipo de contrato não acarreta apenas a sua nulidade, mas tem também consequências em sede de direito probatória, impondo limitações/proibições quanto aos meios admissíveis para a sua prova.

Com efeito, exigindo o citado art. 29º, nº 1 a forma escrita como condição sine quo non da validade do contrato de empreitada celebrado entre o autor e a ré, a sua falta não pode ser suprida senão nos termos limitados do disposto no art. 364º, nº 1 do C. Civil, ou seja, o documento não pode «ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior», à do documento exigido.

Significa isto, no caso dos autos, que, exigindo a lei a celebração do contrato de empreitada através de documento escrito, assinado pelas partes, a prova da existência ou da outorga de um tal contrato, só pode ser feita por via de outro documento com força probatória superior, não podendo esta prova documental ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, atento disposto nos arts. 393º, nº1, 354º, al. a) e 351, todos do C. Civil.

De realçar, contudo, que as restrições probatórias do citado art. 364º têm apenas que ver com a validade substancial do negócio, pelo que a impossibilidade de recurso ao uso de outra prova documental ou à prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial, releva apenas e tão só para efeitos de prova da celebração válida do contrato, ou seja, para não permitir que se façam valer os efeitos do contrato como se fosse válido.

Mas já não releva para impedir a prova efetiva e real do negócio nulo por falta de forma, e, através daqueles meios probatórios, fazer prova da sua existência e correspondente materialidade e, por essa via, alcançar os efeitos decorrentes, não do negócio, mas da respetiva nulidade.» (destaques aditados).

Deste enunciado – a que plenamente se adere – logo podem retirar-se duas conclusões com aplicação ao caso dos autos (vista a natureza invocada dos trabalhos, o valor/preço alegado e a circunstância de, invariavelmente, como comprovado, faltar a assinatura da “DONA DA OBRA”):

- a nulidade formal teria de ser alegada, não sendo de conhecimento oficioso, pelo que no caso não haverá que conhecer desse vício;

- a prova da existência ou da outorga e conteúdo de um tal contrato, só pode ser feita por via de outro documento com força probatória superior, não podendo esta prova documental ser substituída por prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial.

Em suma, no caso não pode esta Relação, para conhecimento da impugnação da decisão de facto, socorrer-se, contrariamente ao pretendido pela A./Apelante, de outra prova documental junta, de qualquer prova testemunhal, por confissão ou por presunção judicial.

E os ditos documentos intitulados “Contrato de Empreitada” e “Adenda ao Contrato de Empreitada” (juntos a fls. 30 v.º a 32 e 32 v.º a 33 v.º, respetivamente, do processo físico) também não fazem a prova necessária “da existência ou da outorga de um tal contrato”, por destituídos de assinatura de uma das partes.

Daí a conclusão pela não demonstração da vinculação contratual, não podendo dar-se como provada a pretendida celebração do contrato de empreitada ([9]), seu objeto, valor/preço e prazo ([10]), factualidade de que derivava tudo o mais em termos de pretensão da A./Recorrente.

Ou seja, soçobrando nesta parte a pretensão da A., comprometida fica a mesma em tudo o mais: não se provando a celebração do contrato (e respetivo clausulado), falha o facto essencial da causa de pedir e o pressuposto básico do pedido da ação, traduzido na condenação no pagamento (à A./empreiteira) da parte alegadamente em falta do preço da empreitada.

Com o que, desde logo, fica prejudicada – por inútil (vide art.º 130.º do NCPCiv.) – a apreciação da remanescente impugnação de facto do recurso principal (cfr. conclusões 18.ª, 26.ª e 28.ª).

Em suma, inalterado permanece, no quadro do recurso principal – é este que agora importa –, o factualismo da sentença (o ali dado como provado e o dado como não provado).

D) Do erro de julgamento em matéria de direito, no âmbito do recurso principal

Já se constatou que a A./Apelante, fundada na expetativa da procedência da sua impugnação da decisão de facto, pugnava por ter ocorrido erro de julgamento em matéria de direito, com as inerentes consequências, ou seja, provando a existência do contrato, a sua execução e a dívida da contraparte, no quadro da relação contratual de empreitada, almejava obter a condenação da R./Recorrida no pedido, este no valor de € 79.472,55 e juros moratórios.

Porém, como visto – e resulta da factualidade sentenciada (e não alterada) –, improcedendo aquela impugnação da decisão de facto, nada se prova quanto ao invocado contrato de empreitada, respetivo clausulado/vinculação e cumprimento/incumprimento, ou melhor, correspondente preço e seu pagamento ou falta dele.

Por isso, sem necessidade de mais demoradas considerações, não verificado qualquer erro de julgamento de direito nesta parte, tem de improceder o recurso principal, mantendo-se, pois, a decisão absolutória em matéria de ação.

De notar, por fim, que esta solução não tem de representar o “fim da linha”, no plano material, para as partes, desde logo para a A./Apelante, tendo em conta que houve, como apurado, execução de trabalhos, que até se mostram concluídos: havendo trânsito em julgado no sentido absolutório, restará às partes a ação posterior de enriquecimento (por eventual enriquecimento sem causa, a que aludem os art.ºs 473.º e segs. do CCiv.).

 

E) Da ampliação do âmbito do recurso principal

Importaria agora aquilatar da admissibilidade da ampliação do âmbito do recurso principal, que a R. suscitou – intercalando no corpo da sua contra-alegação –, com inerente impugnação da decisão da matéria de facto.

Porém, tal ampliação do âmbito do recurso principal tinha – e tem – como expresso e indeclinável pressuposto a “eventual procedência” do recurso da A., matéria que sempre teria, por isso, de ficar prejudicada na hipótese contrária.

Ora, como o recurso principal (da A.) se queda improcedente, prejudicada logo fica, sem mais, aquela ampliação do âmbito do recurso, sobre a qual, por isso, nada cabe aqui conhecer.

F) Da impugnação da decisão de facto em sede de recurso subordinado

Pretende a R./Recorrente, no plano da sua reconvenção – que também foi julgada improcedente na 1.ª instância –, a reapreciação, por via de impugnação deduzida, da decisão de facto da sentença, o que veio empreender em sede de recurso subordinado e do que cabe agora conhecer, posto a improcedência do recurso principal (quanto à matéria da ação, assim subsistindo a absolvição da R.) não obstar ao conhecimento do recurso subordinado (quanto à matéria de reconvenção, em que o desfecho também foi absolutório) ([11]).

Todavia, uma especificidade há a considerar no caso: a reconvenção visa o reconhecimento dos invocados créditos da Reconvinte sobre a Reconvinda e, na parte correspondente, a compensação de tais créditos (esta constitui o objetivo último visado).

Ora, se nenhum crédito foi reconhecido à A./Reconvinda, nenhuma compensação poderá operar. Como vem entendendo a jurisprudência, “Se no momento em que o credor compensante pretende opor a compensação não consegue fazer a prova da existência do crédito activo, não há compensação” ([12]).

O mesmo se passa na situação inversa (como no caso dos autos): se no momento em que o credor compensante (aqui R./Reconvinte) pretende opor a compensação não se faz a prova da existência do crédito passivo (o da A.), também não pode operar a figura da compensação de créditos.

Traduzindo-se esta, como dito já, “num meio de o devedor se livrar da sua obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor”, numa situação, pois, de créditos recíprocos, a não demonstração da obrigação do declarante da compensação (não se demonstra o crédito da contraparte) impede a operância de tal compensação.

É que a compensação – em que se exige, desde logo, a “reciprocidade dos créditos” – é uma causa de extinção das obrigações, levando à “extinção de duas obrigações”, pelo que representa, afinal, “um encontro de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos” ([13]).

Se não existem – ou não se demonstra que haja – créditos recíprocos, falha o primeiro requisito da compensação (cfr. art.º 847.º, n.º 1, do CCiv.), posto nesta um dos créditos (crédito ativo) ser usado para compensar/suprimir/extinguir (total ou parcialmente) ou outro (crédito passivo). É que, faltando algum dos requisitos necessários/legais, “a compensação não pode ser imposta por uma das partes à outra” ([14]).

Assim, indemonstrado o crédito da contraparte (crédito passivo), aquele que se pretende ver extinto por compensação, afastada fica a operância – de feição exclusivamente extintiva – da compensação que se visava efetivar no pedido reconvencional.

Repare-se que em tal pedido reconvencional não se peticionou, logicamente, a condenação da A./Reconvinda no pagamento do invocado crédito da contraparte (R./Reconvinte), mas, apenas, que se determinasse a respetiva compensação, ou seja extinção recíproca [cfr., quanto ao princípio do pedido, a disciplina dos art.ºs 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, al.ª e), ambos do NCPCiv.].

Não se provando, então, o crédito da A., logo se verifica que falha um pressuposto essencial de operância da exceção de compensação e da decorrente reconvenção – a dúvida sobre a realidade dos factos correspondentes é resolvida, nesta perspetiva, em conformidade com o disposto nos art.ºs 342.º, n.º 2, do CCiv. e 414.º do NCPCiv..

Tanto basta para a improcedência da reconvenção, na sequência, aliás, da improcedência do pedido creditório da ação.

Ainda que assim não se entendesse e se prosseguisse para conhecimento dos ditos “créditos” a que se reporta a ação reconvencional (quanto ao preço de reparações e manutenções de automóveis e despesas por atraso na execução da obra de empreitada) e, na sequência, do recurso subordinado, sabido que o pedido reconvencional se refere ao montante de € 20.400,01 e juros moratórios, nem por isso seria de alterar o juízo de improcedência.

É que, como visto já, não se provando o contrato de empreitada e respetiva vinculação, designadamente quanto a prazos – é sabido, ainda assim, que foi dado como apurado que a obra não foi concluída no prazo contratualmente fixado ([15]), mas não se sabe que prazo fosse esse, nem tal poderia provar-se através das provas produzidas nos autos, e, consequentemente, qual a medida da demora –, sempre teria de soçobrar, inevitavelmente, esta vertente do pedido reconvencional e do recurso subordinado, tornando inútil qualquer sindicância da decisão de facto nesta matéria.

Restaria a vertente da invocada reparação e manutenção automóvel e respetivo preço, cuja factualidade de suporte foi objeto de impugnação recursiva.

Todavia, não pode – mais uma vez – olvidar-se que o recurso subordinado, também nesta parte, versa sobre a improcedência da reconvenção, “concretamente o não reconhecimento do direito à compensação de créditos” (cfr. introdução ao recurso subordinado), sendo que, se dúvidas ainda houvesse, a conclusão 12.ª desse recurso subordinado é esclarecedora sobre os intentos da R./Recorrente, uma vez que esta expressamente afirma – e reitera no petitório recursivo – que, «subsidiariamente, quanto à compensação, e para a eventual procedência do recurso da autora (…), devem ter-se por verificados os respectivos pressupostos, determinando que os créditos da ré/reconvinte sobre a autora/reconvinda, no valor de 20.400,65€, acrescidos dos juros legais, deverão ser compensados, na parte correspondente, com os créditos desta, no valor de 28.000,83€, sobre aquela.».

Ora, falhando esse pressuposto lógico da “procedência do recurso da autora”, necessariamente fica prejudicada também esta vertente do recurso subordinado, tornando inútil a apreciação da respetiva impugnação de facto.

Em suma, não ocorrendo qualquer invocada violação de lei, improcede a matéria recursiva, nada havendo a alterar à decisão recorrida, seja quanto ao recurso principal, seja quanto ao recurso subordinado.

Vencida no recurso principal, cabe à A./Apelante suportar as custas da respetiva apelação (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Vencida no recurso subordinado, cabe à R./Apelante suportar as custas respetivas (cfr. os mesmos preceitos legais).

                                               *

IV – Sumário ([16]): (…).


***

V – Decisão

Pelo exposto, na improcedência dos recursos interpostos – principal e subordinado –, acorda-se em manter a decisão absolutória recorrida.

Custas da apelação da A. (recurso principal) a suportar por esta, já que vencida nesse âmbito.

Custas da apelação da R. (recurso subordinado) a suportar por esta (vencida nessa parte).

 

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 08/04/2025

Vítor Amaral (relator)

Fonte Ramos

Carlos Moreira (com declaração de voto de vencido)                            

Voto de vencido:

Processo 2941/20

Vencido.

A dona da obra, única que podia invocar a nulidade do contrato escrito de empreitada junto aos autos, ou até alguma irregularidade, como seja a falta da sua assinatura no mesmo, não o fez, antes o aceitando.

Assim, parece-se que a prova da existência do contrato pela forma legal exigida está feita, e a sua validade emerge, com as respetivas consequências quanto à admissibilidade do seu efeito probatório e produção de demais prova.

Carlos António Moreira


([1]) Tanto quanto se pode retirar – explícita ou implicitamente – do lacónico articulado de petição inicial apresentado ao Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.
([2]) Que se deixam reproduzidas, com destaques retirados.
([3]) Cfr. requerimento de interposição de recurso, datado de 28/10/2024.
([4]) Intituladas “CONCLUSÕES DO RECURSO SUBORDINADO”, que se deixam transcritas (com destaques retirados).
([5]) Cfr. despacho do relator datado de 10/03/2025.
([6]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([7]) Segue-se uma ordem lógica de enunciação das questões a decidir, caso nenhuma delas resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([8]) É a própria A./Recorrente que procede a tal invocação.
([9]) E respetivo clausulado/conteúdo.
([10]) Procurando desenvolver/explicitar algo mais – e tendo em conta o suscitado na conclusão 6.ª da A./Apelante –, cabe dizer que, salvo melhor fundando entendimento, a vinculação contratual em documento escrito se exprime através da assinatura das partes identificadas como outorgantes no respetivo documento/escrito. É essa assinatura que sinaliza/patenteia/atesta a conclusão/vinculação contratual (ou seja, que ambas as partes, ao assinarem “por baixo”, quiseram vincular-se por aquela forma, naquele contrato, com aquele clausulado e, assim, com os inerentes direitos e deveres de fonte contratual/pactícia escrita). Faltando a assinatura de ambas ou apenas de uma das partes, o escrito pactício está, logicamente, incompleto. Dele não resulta, sem mais, a contração/assunção do vínculo jurídico/contratual (por parte de quem não assina). Havendo exigência legal de documento escrito – como no caso de contratos de empreitada de valor superior a determinado montante (situação em que se inclui o caso dos autos), com exigência de documento particular assinado pelas partes/outorgantes/contraentes –, a incompletude/imperfeição do documento por falta de assinatura – independentemente da questão da (in)validade do contrato por vício de forma, questão que somente se colocaria a jusante, se houvesse sido invocada por quem o poderia fazer (nulidade formal atípica) – impede que se tenha o alegado contrato por provado. Em tais casos, carece-se de prova “substitutiva”, não bastando mera prova complementar. É o que resulta do disposto no art.º 364.º, n.º 1, do CCiv., posto a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento particular (como salientado no citado Ac. STJ). Daí que não possa a declaração ser substituída “por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior” (no caso, visto o disposto no art.º 363.º do CCiv., apenas se admitiria, tratando-se de documento particular, a substituição por documento autêntico ou autenticado, obviamente, assinado por ambos os outorgantes/contraentes). Assim, in casu, não se mostra admissível, para prova da conclusão/celebração contratual, em termos de expressar a vinculação no negócio jurídico, a prova por confissão (ou acordo/admissão das partes em articulados), testemunhal ou por presunção judicial (cfr. art.ºs 393.º, n.º 1, 354.º, al.ª a), e 351.º, todos do dito CCiv.).
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Cód. Civ. Anot., vol. I, 4.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, ps. 322 e seg.), a «regra é a de que os documentos escritos, autênticos, autenticados ou particulares, são exigidos como formalidades ad substantiam. Daí o princípio da nulidade (…). Só quando a lei se refira, pois, claramente à prova do negócio, é que é aplicável o regime do n.º 2» do art.º 364.º do CCiv. (formalidades ad probationem). No âmbito do n.º 1 daquele art.º 364.º, “se a lei exige documento particular, vale um documento autêntico ou autenticado que o substitua. Mas não vale a prova por confissão. Se, por exemplo, A confere procuração a B para celebrar um contrato-promessa de compra e venda de imóveis, o facto de A confessar que outorgou os poderes representativos não basta para provar a representação, dado que a procuração, neste caso, tem de constar de documento assinado pelo representado” (destaques aditados). Sendo ainda seguro que as “regras estabelecidas no artigo 364.º só têm aplicação, obviamente, às declarações negociais ou outros elementos que devam constar do documento”. Aqui se tem de incluir, logicamente, a nosso ver, a assinatura das partes celebrantes, enquanto sinal – essencial/incontornável – da própria conclusão do contrato e inerente vinculação pactícia.
([11]) Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 8.ª ed. atualizada, Almedina, Coimbra, 2024, ps. 145 e seg..
([12]) Cfr. Ac. TRC de 19/03/2024, Proc. 522/20.7T8LMG.C1 (Rel. Henrique Antunes), em www.dgsi.pt. Como explicitado na fundamentação deste aresto: «(…) há compensação quando um devedor que seja credor do seu próprio credor se libera da dívida à custa do seu crédito (art.º 847.º do Código Civil). A compensação consiste, com efeito, num meio de o devedor se livrar da sua obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor. (…).
Se no momento em que o credor compensante pretende opor a compensação não consegue fazer a prova da existência do crédito activo, não há naturalmente, compensação. Competindo-lhe o ónus da prova da existência desse crédito, a dúvida sobre a realidade dos factos correspondentes é resolvida contra ele (art.ºs 342.º, n.º 2. do Código Civil, e 414.º do CPC). Como se notou, a compensação opera por simples declaração de uma das partes à outra (artº 848.º, n.º 1, do Código Civil).».
([13]) Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 1099 e 1101.
([14]) Vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anot., vol. II, 3.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1986, ps. 135 e seg..
([15]) Mera conclusão, dependente, no respetivo raciocínio dedutivo, de premissas não determinadas.
([16]) Elaborado pelo relator, nos termos do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv..