I - Sob a epígrafe “outras questões prejudiciais”, estabelece o art. 1093º, nº 1, do NCPC (para o qual remete o art. 1105.º, nº 3, do mesmo código), que “se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns”; trata-se de um critério de orientação, cabendo ao Tribunal dar consistência ao seu conteúdo maleável;
II - índole sumária da prova a produzir no processo de inventário não consente que sejam aqui decididas, por a inexistência de documentos, de prova pericial ou a inconcludente prova testemunhal produzida possibilitarem uma decisão sólida;
III - No caso, por falta de escritura de eventual doação verbal de uma casa de habitação, só por via da usucapião se poderá acertar a aquisição do direito de propriedade sobre tal imóvel, sendo que a mesma envolve a alegação de variados factos e, em regra, maturada averiguação e larga produção de prova, pelo que dificilmente encontrará possibilidades de resolução no processo de inventário, só se compadecendo, em regra, a respectiva decisão com os meios comuns;
IV - O mesmo ocorre com as alegadas benfeitorias, atento os trabalhos supostamente efectuados, respectivos preços parcelares, data em que cada uma das obras teve lugar, indicação minimamente circunstanciada das horas despendidas com os trabalhos, materiais aplicados e até mesmo das pessoas que os realizaram, dificulta não só o exercício do contraditório por parte de quem tem legitimidade para reagir contra tal especificação como também a sua apreciação pelo Tribunal.
(Sumário elaborado pelo Relator)
I – Relatório
1. Corre inventário por óbito de AA e BB, nos quais são interessados os filhos CC e DD, cabeça-de-casal.
A interessada CC, apresentou reclamação contra a relação de bens oferecida pelo cabeça-de-casal, alegando, em suma, a inexactidão ou indevida especificação das verbas nºs 1, 3, 20, 24 a 30. Insurgiu-se, ainda, com o mesmo fundamento contra todos os créditos da herança sobre a sua pessoa, especificados sob as verbas nºs 1 a 8. Acusou ainda a falta de um conjunto de bens móveis que pertencem aos acervos hereditários a partilhar e de um prédio rústico sito em .... Terminou pedindo a rectificação da relação de bens em conformidade com tal reclamação.
Respondeu o cabeça-de-casal DD, o qual admitiu a existência de determinado prédio rústico e de especificados bens móveis cuja falta foi acusada, tendo reiterado a especificação efectuada na relação de bens e impugnado a restante matéria invocada pela contraparte na reclamação. Pugnou, em consequência, pela improcedência da reclamação, com excepção dos bens confessadamente existentes.
A convite do tribunal a interessada aperfeiçoou a reclamação e o cabeça de casal respondeu.
*
A final, foi proferida decisão que consistiu no seguinte:
a) Abstém-se o Tribunal de decidir a reclamação contra a relação de bens apresentada pela interessada CC quanto à verba nº 29 da relação de bens, remetendo-se os interessados, nessa parte, para os meios comuns e, em consequência, determina-se a especificação nessa verba somente do prédio rústico doado ao cabeça-de-casal DD e cônjuge EE, sem menção da descrição do actual prédio misto, sem menção da casa de habitação ali porventura implantada e sem menção das benfeitorias pretensamente realizadas, prosseguindo o processo de inventário quanto aos demais bens;
b) Defere-se parcialmente a reclamação da interessada CC e, em consequência, determina-se:
i. A eliminação da verba n.º 7 (sete) da relação de bens da menção à marca “Omega”;
ii. O aditamento à relação de bens, sob o item “A. Bens Móveis”, de uma antena
parabólica (no valor de 10 €); de uma escada em alumínio extensível, de 10 m (no valor de 80 €); de uma escada em alumínio, de 3 m (no valor de 20 €); de uma balança decimal (no valor de 30 €); de uma prensa e acessórios (no valor de 20 €); de uma cama de casal em ferro branco (no valor de 200 €); de um frigorífico com congelador no interior, de cor branca (no valor de 150 €); de uma rebarbadora de marca Bosch (no valor de 50 €); de um berbequim de marca Black & Decker (no valor de 25 €); de um carro de mão (no valor de 25 €); e de uma arma de caça, de marca Crom Nitro Steel Bochler-Pour SMFM Saint Etienne (com valor a indicar pelo cabeça-de-casal);
iii. O aditamento à relação de bens, sob o item “B. Bens Imóveis”, do prédio rústico sito em ..., freguesia ... e ... e ..., concelho ..., composto de pinhal e mato, a confrontar do norte com FF, do sul com DD, do nascente com GG e do poente com HH, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...86 (com origem no artigo ...73);
iv. A eliminação da relação de bens das verbas n.ºs 1 (um), 6 (seis), 7 (sete) e 8 (oito) do item “C. Créditos da herança (…)”;
v. A modificação do valor da verba n.º 4 do item “C. Créditos da herança (…)” para a importância de 3.500 € (três mil e quinhentos euros);
c) Indefere-se a restante reclamação apresentada;
d) Condena-se a interessada CC na multa de 7 UC (sete unidades de conta), por ter litigado de má fé.
*
2. A interessada CC recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª) Por erro de leitura, análise, interpretação e valoração dos factos não contravertidos e dos meios probatórios contantes do processo e do registo da gravação digital nele realizado revelados à luz do normal do acontecer, do bom senso e, à luz da experiência comum afiguram-se incorretamente julgados os pontos de facto enunciados sob as alíneas;
i); j); l) e m) dos factos tidos por “provados” e, sob as alíneas: e) e f) dos considerados “não provados”, pelo que; impugna-se a decisão sobre tal matéria, aqui dada por reproduzida por questão de economia processual.
2ª) Sem prejuízo dos poderes de julgamento por parte da Relação do próprio Juízo, como o 2º grau de efetiva decisão, sobre a matéria de facto impugnada, os concretos meios probatórios constantes do processo e, do registo por meio de gravação digital no processo eletrónico usado pelos tribunais que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa, são essencialmente os seguintes:
2.1 – A relação de bens apresentada pelo CC com a documentação junta, concretamente, a escritura de “doação” datada de 05/05/2005;
2.2 – A reclamação contra a mesma reclamação com os documentos nºs. 1 (um); 4 (quatro); 9 (nove); 10 (dez); 11 (onze);
2.3 – Os documentos juntos com a pronúncia à litigância de má-fé, datado de 25/03/2024, sob docs. 1 (um); 2 (dois) e 3 (três).
2.4 – Documentos do Banco 1..., junto aos autos a 24/05/2024, a fls. 571 e 572.
2.5 – As passagens transcritas no corpo destas alegações reportadas ao registo por gravação digital no processo eletrónico usado pelos tribunais do depoimento da testemunha II prestado no dia 07/10/2024, com início às 9H40m e termo às 10H00, aqui por economia processual, dadas por integralmente reproduzidas para os legais efeitos.
2.6 – A audição e reapreciação da matéria de facto impugnada;
2.7 – Em caso de dúvida sobre a credibilidade do depoimento ordenar a produção de novas provas, concretamente, audição dos funcionários bancários que nas datas das transferências das quantias pecuniárias ordenadas pelo inventariado da conta, de que era titular para a conta mencionada como destinatário, além da própria reclamante recorrente sobre a mesma temática, com vista a alcançar a verdade material.
3ª) Em seu entender, a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas:
Em consequência, o elenco dos factos dados como provados, terem a seguinte redação:
i) Em 19 de Junho de 2018, por ordem do Inventariado AA, através de transferência bancária da conta bancária n.º ...54, existente no Banco 1...”, transferiu o montante de 18.000,00 €, para uma conta bancária co-titulada por CC.
j) Em 23 de Outubro de 2018, por ordem do Inventariado AA, através de transferência bancária da conta bancária n.º ...54, existente no Banco 1...”, transferiu o montante de 20.000,00€ para uma conta bancária co-titulada pela interessada CC, que ficou com tal quantia em conta bancária co-titulada por CC.
l) No dia 18 de Novembro de 2018, a reclamante depositou na conta bancária nº ...55, do Banco 1..., a quantia de 3.500 €.
m) Em 17 de Julho de 2017, o inventariado AA, transmitiu a propriedade do veículo de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula ..-..-OI à reclamante CC.
Dos factos “não provados”, alíneas e) e f) provados e, inseridos nos factos provados.
=> De harmonia com o disposto no art. 1082º, o processo de inventário destina-se a partilhar o património titulado pelo de cujus à data do seu falecimento. Isso mesmo resulta também, do disposto no artigo 1097º, nº 3, al. a); 1098º do Código de Processo Civil ao estabelecer, sob a epígrafe «Função do inventário», que:
- O processo de inventário cumpre, entre outras, as seguintes funções:
a) Fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens).
=> No que o objecto da sucessão abrangerá, com a pequena ressalva do disposto no artigo 2025.º, n.º 1 do Código Civil, todos os bens, direitos e obrigações encabeçados pelo fenecido à data do seu óbito. Significando que os bens, direitos ou obrigações que se indexem a momento ulterior ao óbito do inventariado apenas podem ser considerados em sede de prestação de contas. Como refere AUGUSTO LOPES CARDOSO (em Partilhas Litigiosas – Volume II, Almedina, Coimbra, 2018, página 388): - Não se confundam, pois, entre dívidas do de cujus, que, por sua natureza, foram por ele contraídas (no sentido global do termo até ao seu decesso, com as dívidas que durante a administração foram sendo contraídas a ponto de por elas serem responsabilizados os herdeiros face às contas que ao cabeça-de-casal incumbe apresentar (aí contidas no “deve”). É óbvio que tais dívidas não estão incursas na votação da conferência preparatória, mas são suscéptiveis de discussão, isso sim, aquando da prestação de contas do cabecelato.
=> Temos, como tal, os bens carecem de ser relacionados para efeitos de inventário, são aqueles que o fenecido detinha ao tempo do seu falecimento; ou seja, em 20/20/2021 e 09/07/2022, respectivamente.
=> Como referia, já, o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 26 de Maio de 1977:
“A relação de bens a apresentar no inventário, por força da disposição do artigo 1337.º do Código de Processo Civil, só deve conter, na parte do ativo, os direitos patrimoniais do autor da herança, e na verba do passivo as obrigações do mesmo que não forem meramente pessoais ou excetuadas. E a titularidade de tais direitos e obrigações tem de ser determinada com referência à data da abertura da herança, ou seja, à data da morte do autor dela em face do artigo 2031.º do Código Civil.”
=> É, nesse espirito, o Julgador, parece não ter sopesado todos os elementos probatórios sendo, por isso, evidente o erro de julgamento!!
=> Devendo, assim, a resposta dada à matéria de facto ser alterada, na parte impugnada.
=> E, nessa conformidade as alíneas e) e f) serem aditadas aos elementos dados como provados.
4ª) Os autos contêm factos articulados e, elementos probatórios, idóneos, suficiente quanto à reclamação apresentada contra a verba nº. 29 da relação, quanto ao prédio urbano, na sequência das provas oferecidas, requeridas e produzidas para a apreciação e decisão quanto ao prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, sito à ..., ..., ..., matricialmente, inscrita sob o artº. ...40 da União das Freguesias ..., ... e ..., com proveniência no artº urbano inscrito sob o nº. ...12, pela extinta freguesia ..., não devendo os interessados ser remetidos, por tal questão, para os meios comuns.
5ª) As quantias transferidas da conta bancária n.º ...54 do Banco 1..., titulada pelos inventariados AA e BB para a conta bancária nº ...55 co-titular pela recorrente CC, por ordem de AA em 14/06/2018 e 22/10/2022 aceites por esta, como beneficiária constituem e configuram doações permitindo qualificá-los como manuais para efeitos do disposto no nº. 3 do artº. 2113º do CC efetuadas antes dos decessos dos inventários ocorridos em 03/10/2020 e 09/02/2022, como documentalmente comprovado, não são para serem levadas à colação.
6ª) Como a quantia de €3.500,00 depositada em 18/11/2018, em numerário na conta bancária da reclamante comprovada pelo documento nº. 9, junto com a reclamante antes da decisão daquele inventário, foi doada à reclamante.
7ª) A transferência da propriedade em 17/07/2017 da viatura automóvel ligeira de passageiro de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula: ..-..-OI foi transmitida a reclamante com o conhecimento presencial e intervenção do Cabeça de Casal DD, tendo este recebido da reclamante a quantia de €890,00.
8ª) Os inventariados haviam doado aos interessados DD e CC outros valores monetários.
9ª) Os bens a partilhar são os existentes na esfera judicial á data da abertura das respetivas heranças, ou seja, 03/10/2020 e 09/07/2022 pelo que nenhum daqueles valores e viatura há que relacionar por serem a partilhar.
10ª) O mencionado e identificado prédio urbano, casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar com logradouros, sita a ..., ..., inscrito atualmente sob o artº. ...40, com proveniência no artº. 1412, deverá ser relacionado como verba autónoma e, o rústico inscrito sob o artº. ...94 (proveniente do artº. 14.508), como doado ao interessado DD.
11ª) A reclamação na parte posta em crise devia ser atendida e, deferida por legal, tempestiva, fundamentada e demonstrada.
12ª) A reclamante não tem conhecimentos de Direito e, mandatou o signatário como seu mandatário judicial, afim de, o representar nos presentes autos de inventário mediante procuração forense com os poderes nela conferida e juntar aos autos.
13ª) Nesse exercício e atividade técnico-jurídica, compete-lhe pugnar pelos direitos e legítimos interesses da sua mandante, tendo o mesmo lido, interpretado e elaborado as peças processuais atinentes no seu entendimento técnico e judicial das questões de facto e de direito, sendo as mesmas, da sua única responsabilidade; bem assim, a sua estratégia e metodologia a adotar; nomeadamente, quanto às considerações de não ser devedora as heranças formadas, nem ser devedora das heranças e, estas suas credoras.
14ª) Nem a reclamante, nem o seu mandatário quiseram ou pretenderam litigar de má-fé, de forma consciente ou negligentemente; porquanto, deduzirá pretensão/oposição cuja falta de fundamento sério ou não devia ignorar, como tenha alterado a verdade dos factos ou omitindo outros relevantes para a decisão ou obstaculizando a ação da justiça, tendo antes e sempre correspondido ao que fora determinado. Aliás,
15ª) Não se compreende bem a focalização do Tribunal a quo na litigância da reclamante e, não, também, na do cabeça de casal, nem como viu a graduação e a fixação da multa em 7 UC’s.
16ª) Aliás, sem conceber ou condescender, a reclamação foi parcialmente atendida e deferida, não merecendo a censura e penalização, tão severa e implacável, sem conceber, desproporcionada.
17ª) O requerimento apresentado pela reclamante através do seu mandatário datado de 05/04/2024 foi mal interpretado pelo tribunal a quo, porquanto, quando se escreveu “equivale por dizer” nenhum dos seus titulares ter a ver com nenhum dos inventariados, estava a reportar-se a conta de depósitos à ordem nº. ...55, co-titulada apenas por II, JJ e CC e, não pelos Inventários.
18ª) Por erro de leitura, interpretação e/ou aplicação, a decisão posta em crise, não se revela a mais consentânea, nem assertiva com os princípios gerais do direito civil e sucessório, direito processual civil, regulamento das custas processuais e, os dispositivos legais aplicáveis e a mens legis.
19ª) Mostram-se violados, nomeadamente, os comandos legais previstos nos artºs. 940º; 947º, nº. 2; 954º; 955º; 1316º; 1317º; 2113º do CC; artºs. 4º; 412º; 417º; 418º; 542º; 1082, al. a); 1104, nº. 1, al. d); 1105º, nº. 3 do CPC; artº. 7º do CRP e artº. 27º, nºs. 3 e 4 do RCP.
20ª)O recurso, com o douto suprimento que se invoca, deve merecer provimento, revogando-se a decisão na parte posta em crise e substituída por acórdão a proferir em conformidade, assim se fazendo a sã e verdadeira JUSTIÇA!
3. Inexistem contra-alegações.
II – Factos Provados
a) O relógio de bolso especificado sob a verba n.º 7 da relação de bens não tem a marca “Omega”.
b) Encontra-se inscrito na respectiva matriz predial rústica da União das Freguesias ... e ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...82 (com origem no artigo ...37), um prédio sito em Porto ..., composto de terra de cultura, 17 tanchas e mato, a confrontar do norte com caminho, do sul com KK, do nascente com ... e do poente com LL, tendo como titular inscrita a herança do inventariado AA, na proporção de 49780/100000.
c) O prédio especificado sob a verba n.º 28-A da relação de bens encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30 como prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por terreno com videiras, oliveiras e tanchas, com a área de 2400 m2, a confrontar do norte e do poente com MM e do sul e do nascente com caminho.
d) A aquisição deste prédio encontra-se registada a favor de DD, na
proporção de 1/8, mediante a respectiva Ap. n.º 14 de 1994/02/24, por “compra” a DD e NN.
e) No dia 8 de Agosto de 2005, no Cartório Notarial ..., foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 250 a 253, com o título “Doação”, da qual consta, além do mais, que pelos inventariados BB e AA foi declarado “que lhes pertence o prédio rústico sito no lugar ..., da referida freguesia ..., composto de terra de cultura com oliveiras e tanchas, com a área de mil setecentos e quarenta metros quadrados (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...08 (…), não descrito na Conservatória do Registo Predial” e que “pela presente escritura doam o aludido imóvel aos segundos outorgantes…”, o cabeça-de-casal DD e cônjuge EE, que declararam aceitar, “…ele seu filho, por conta das suas quotas disponíveis, reservando para si o usufruto”.
f) Este prédio encontra-se actualmente inscrito na respectiva matriz predial rústica da União das Freguesias ... e ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...94, com origem no referido artigo 14508, tendo como titular inscrita a herança do inventariado AA.
g) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º
...922 um prédio misto sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casa de habitação de rés-do-chão e 1.º andar e terra de cultura com oliveiras e tanchas, com a área coberta de 48 m2 e descoberta de 1692 m2, a confrontar do norte com OO, do nascente com caminho, do sul com PP e do poente com QQ, estando inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...40 e na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...94.
h) A aquisição deste prédio encontra-se registada a favor do cabeça-de-casal e cônjuge, mediante a respectiva Ap. n.º 2 de 2005/09/26, por “doação” dos inventariados.
i) Em 19 de Junho de 2018, por ordem do AA, foi transferida da conta bancária n.º ...54 do inventariado AA, existente no banco “Banco 1...”, o montante de 18.000 € para uma conta bancária co-titulada pela interessada CC, que ficou com tal quantia.
j) Em 23 de Outubro de 2018, por ordem do AA, foi transferida da conta bancária n.º ...54 do inventariado AA, existente no banco “Banco 1...”, o montante de 20.000 € para uma conta bancária co-titulada pela interessada CC, que ficou com tal quantia.
l) No dia 18 de Novembro de 2018, a interessada CC ficou com a quantia de 3.500 € que era dos inventariados e que se encontrava em casa destes.
m) Em 17 de Julho de 2017, o inventariado vendeu (entregou) à interessada CC, pelo montante de 1.600 €, um veículo de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula ..-..-OI, não tendo tal interessada procedido ao pagamento desse valor.
n) Existem os seguintes bens que os interessados concordam em aditar à relação de bens: uma antena parabólica (no valor de 10 €); uma escada em alumínio extensível, de 10 m (no valor de 80 €); uma escada em alumínio, de 3 m (no valor de 20 €); uma balança decimal (no valor de 30 €); e uma prensa e acessórios (no valor de 20 €).
o) Os inventariados adquiriram e fizeram uso dos seguintes bens, como seus donos, como bem entenderam e lhes aprouve, durante mais de 20 ou 30 anos consecutivos:
.de uma cama de casal em ferro branco, no valor de 200 €;
.de um frigorífico com congelador no interior, de cor branca, no valor de 150 €;
.de uma rebarbadora de marca Bosch, no valor de 50 €;
.de um berbequim de marca Black & Decker, no valor de 25 €;
.de um carro de mão, no valor de 25 €;
.e de uma arma de caça, de marca Crom Nitro Steel Bochler-Pour SMFM Saint Etienne.
p) Encontra-se inscrito na respectiva matriz predial rústica da União das Freguesias ... e ... e ..., concelho ..., sob o artigo ...86 (com origem no artigo ...73), um prédio sito em ..., composto de pinhal e mato, a confrontar do norte com FF, do sul com DD, do nascente com GG e do poente com HH, tendo como titular inscrita a herança do inventariado AA.
*
Factos não provados:
(…)
e) O inventariado AA deu à interessada CC os montantes identificados nas alíneas i), j) e l) dos factos provados.
f) O inventariado deu à interessada CC o veículo de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula ..-..-OI, tendo tal interessada entregado ao cabeça-de-casal metade do seu valor (890,40 €) por cordialidade ou cortesia.
(…)
*
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC).
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Alteração da matéria de facto.
- Relacionação de bens.
- Litigância de má fé.
2. A recorrente impugna a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados i) a m), propondo nova redacção, e não provados e) e f), pretendendo que passem a provados, com base em prova documental e depoimento testemunhal (cfr. conclusões de recurso 1ª a 3ª).
O julgador exarou a seguinte motivação de facto, quanto à matéria sob impugnação:
”Por sua vez, a factualidade provada nas alíneas i) e j) adveio, essencialmente, da apreciação conjugada do extracto bancário oferecido pelo cabeça-de-casal a fls. 297 a 298, 301 a 324 e 327 a 343 (referente à conta do inventariado AA existente no “Banco 1...”, com o n.º ...54), do qual resulta especialmente a fls. 335 e 340 as transferências, respectivamente, dos valores de 18.000 € e de 20.000 € a favor da conta de depósito à ordem n.º ...55 que veio a apurar-se, após incidente de quebra de sigilo bancário, ser co-titulada pela interessada reclamante (cfr. informação constante de fls. 546), conforme acabou depois por ser confirmado pela testemunha II (marido daquela interessada reclamante e um dos co-titulares da referida conta beneficiária das transferências), embora apenas quando reinquirido quanto a uma eventual litigância de má fé, ainda que com explicação (a respeito de uma suposta doação) que não colheu, conforme adiante melhor será explicitado.
Tendo a interessada reclamante admitido no art.º 31.º da reclamação contra a relação de bens ter ficado com a quantia de 3.500 € existente em casa dos inventariados – e não 3.620 €, sendo que quanto a este valor não foi produzida qualquer prova, não lhe tendo sido feita referência por nenhuma das testemunhas arroladas pelo cabeça-de-casal, com excepção da testemunha EE (cônjuge do cabeça-de-casal), que evidenciou ao longo do seu depoimento inequívoco interesse quanto à matéria de facto controvertida, confessando ter mau relacionamento com a contraparte, discursando empenhadamente e falando amiúde na primeira pessoa do plural (“nós”), não transparecendo, assim, suficiente descomprometimento para que fosse merecedora de um suficiente juízo de credibilidade –, acabou o Tribunal por dar resposta restritiva à matéria subjacente à verba n.º 4 das dívidas activas da herança, assim transposta para a alínea l) dos factos provados.
Dada a documentação oferecida pela própria interessada reclamante a fls. 375 a 376 (requerimento de registo automóvel com declaração, para a sua feitura, de um “contrato verbal de compra e venda”, tendo como sujeito activo aquela interessada e como vendedor o inventariado AA, com data de 17 de Julho de 2017), acabou o Tribunal por alcançar o seu convencimento quanto à factualidade provada na alínea m), sendo o preço aqui aposto ajustado, em termos aproximados, com a alegação expressa pela interessada reclamante no art.º 34.º da reclamação, no sentido de a quantia que indicou corresponder “a metade do valor” alegadamente entregue a seu irmão (sem convincente produção probatória, como adiante será realçado), por “cordialidade e cortesia” (sic, como se dos autos alguma vez emergisse tal conduta amistosa entre as partes), através do cheque cuja cópia se encontra a fls. 377.
(…)
Diga-se, até, que à testemunha II não foi atribuída decisiva credibilidade, não só por ser cônjuge da interessada reclamante mas também, sobretudo, pelo mau relacionamento que admitiu manter com o cabeça-de-casal, estando também ele, no fundo, comprometido com a matéria de facto controvertida, revelando sempre empenho na transmissão dos seus conhecimentos, por vezes com um semblante facial revelador desse mesmo empenho, pontualmente de desagrado quando instado a responder a matéria favorável ao cabeça-de-casal e alterando-o nas respostas a perguntas que pudessem ser favoráveis à posição de seu cônjuge, tal como também feito pela testemunha EE, esta última cônjuge do cabeça-de-casal, neutralizando-se reciprocamente tais depoimentos.
(…)
Por outro lado, decaiu totalmente a demonstração das doações alegadas pela interessada CC na sua reclamação contra a relação de bens, tendo os correspondentes factos sido dados como não provados nas alíneas e) e f).
Aliás, quanto à doação do veículo automóvel [por demonstrar sob a alínea f)], tal liberalidade até está em frontal contradição com o documento exibido pela própria interessada reclamante a fls. 375 a 376, o qual contém, como acima ficou realçado, a menção da sua aquisição por “contrato verbal de compra e venda”.
Diga-se ainda que a testemunha RR (cunhado da interessada reclamante) transpareceu sobre esta matéria mero conhecimento indirecto, ainda para mais de forma algo dúbia, pois fez apelo à aquisição de tal conhecimento através de “conversas informais”, expressão que tornou duvidosa não só a sua razão de ciência como também a veracidade do assim narrado, não tendo a sobredita doação encontrado amparo em qualquer prova credível, não sendo suficiente, para o efeito, a cópia do cheque constante de fls. 377 do processo físico (ainda para mais com data de 4 de Março de 2019, temporalmente distante da apurada compra e venda, realizada esta no ano de 2017) e estando, como se disse, contrariada pelo referido documento de fls. 375 a 376.
No mais, quanto à doação da quantia de 3.500 € mencionada na alínea l) dos factos provados, ficou a mesma igualmente por provar [na alínea e)], também não tendo sido feita qualquer menção a tal liberalidade.
Já quanto à doação das quantias de 18.000 € e de 20.000 € apuradas nas alíneas i) e j), soçobrou igualmente a alegação da sua doação feita pela interessada reclamante [alínea e) dos factos não provados].
Aliás, literalmente, o art.º 32.º da reclamação contra a relação de bens, onde é feita tal invocação da doação, parece ir exclusivamente referido ao art.º 31.º do mesmo articulado, que não respeita às doações dos montantes de 18.000 € e 20.000 €, pois o documento n.º 9 aí indicado (junto a fls. 373) vai exclusivamente referido à quantia de 3.500 € mencionada no antecedente art.º 31.º e não também aos anteriores artigos 27.º a 30.º.
Não deixou o Tribunal de notar que as doações daqueles dois valores de 18.000 € e de 20.000 € foram unicamente invocadas de forma clara pela interessada reclamante no exercício do contraditório quanto a uma eventual condenação como litigante de má fé (no seu articulado de fls. 553 a 559, sob a referência n.º 48405426). Aliás, se tivesse admitido anteriormente o recebimento na sua conta de tais importâncias, escusado seria o incidente de quebra de sigilo bancário…
Perante tal postura processual, afigurou-se-nos absolutamente duvidoso quanto a tal matéria o depoimento da testemunha II (cônjuge da interessada reclamante, já acima identificado), prestado para contraditar a litigância de má fé oficiosamente suscitada, não tendo também aqui, pelo seu interesse já acima deixado em relevo, sido merecedor de um juízo de credibilidade.
E os documentos de fls. 571 e 572, remetidos pela entidade bancária “Banco 1...”, apesar de atestarem ter sido o inventariado a dar ordem para as referidas transferências, não possuem força probatória suficiente para, desacompanhados de qualquer outro meio de prova, conduzir ao apuramento das invocadas doações, não as pressupondo, podendo tais ordens ter assentado numa panóplia de outras razões não concretamente debatidas nos articulados.
Relativamente à suposta doação da casa ao cabeça-de-casal e às ditas “benfeitorias” realizadas por este, a que alude o cabeça-de-casal na verba n.º 29 da relação de bens e às quais se opôs a interessada reclamante, acabou a prova produzida por ser inconcludente e por exigir a remessa dos interessados, nesta parte, para os meios comuns.
Excluídos os depoimentos das testemunhas II e EE, que se neutralizaram reciprocamente, as restantes testemunhas inquiridas a tal respeito não evidenciaram verdadeiros conhecimentos pessoais e directos quanto à efectiva doação da casa de habitação ao cabeça-de-casal, tendo-se limitado, a tal propósito, a tecer mais considerações subjectivas do que a revelar de forma objectiva factos directamente percepcionados.
Acresce que as ditas “benfeitorias” também não foram suficientemente esmiuçadas pelas testemunhas ouvidas, tendo quanto as obras realizadas na habitação sido enunciadas sem pormenor, sem alusão a materiais, suas quantidades e preços, dos autos também não constando prova documental que as ateste de forma minimamente rigorosa.”.
2.1. Relativamente aos factos provados i) e j) e não provado e), ouviu-se, o depoimento de II, marido da interessada CC, que declarou, numa 2ª inquirição a propósito de eventual má fé da esposa (sessão de 7.10.2024), que as transferências de 19.6.2018 e 23.10.2020, da conta bancária do AA, seu falecido sogro, para uma conta dela, foi o sogro de livre e espontânea vontade que a fez. Ele foi pessoalmente ao banco, disse há minha mulher para ir ao banco com ele e, proceder à transferência. Eu vim com eles aqui ao banco, mas fiquei dentro do carro, não estive na instituição bancária. Da primeira quantia, tive o documento assinado pelo meu sogro, que até entreguei ao Sr. Dr. O segundo não tinha, até fui ao banco pedir o segundo documento, disseram não senhor, nós não damos o documento directamente ao senhor, tem de ser o advogado ou o Sr. Dr. Juiz, para fazer. Era o Banco 1.... Aquela assinatura que está no documento é do sogro, viu-o assinar várias vezes. O sogro quis dar o dinheiro à esposa e ela agradeceu sim senhor e disse: porque é que o pai está a fazer isto. Eu sei o que estou a fazer. O sogro foi colocado num lar em Novembro de 2018. Ele sempre viu, nunca cegou. Ele tinha condições para conseguir ler o documento do banco, pois ele recebia as cartas em casa e era ele que as lia, nunca teve problemas de visão. Todas as testemunhas que vieram dizer que ele não via nada mentiram.
Analisando.
O doc. nº 1 invocado pela recorrente respeita à verba nº 1 da relação de bens (mencionada em a) dos factos não provados), mas que é verba alheia ao objecto do presente recurso. Os docs. nºs 2 e 3, do requerimento de 25.3.2024, referentes a resgates de apólices também nada demonstram sobre a matéria impugnada. Já o doc. nº 1, de tal requerimento, uma requisição de transferência bancária, confirma a transferência de 18.000 € da conta do inventariado para a conta da interessada (e também do marido II), ordenada por aquele, pois contém a assinatura do mesmo. O que os docs. remetidos aos autos pelo Banco 1..., em 24.5.2024, vieram confirmar, pois na transferência de 20.000 €, também se mostra ordenada pelo dito inventariado. E acaba por ser reconhecido pelo julgador de facto na sua motivação à decisão de facto acima transcrita.
Já quanto a saber se as quantias foram doadas é que só temos um elemento probatório, o depoimento do marido da interessada, o mencionado II. Todavia, tal depoimento não merece muita credibilidade e gerou fortes dúvidas. Isto porque: é o marido da interessada, e era também o titular da conta para onde foi transferido o dinheiro, o que indicia logo duplo interesse indirecto; pelo mau relacionamento que admitiu manter com o seu cunhado, cabeça-de-casal interessado; prestou o depoimento referido já numa 2ª reinquirição, depois de ouvidas todas as restantes testemunhas e produzida toda a prova, no âmbito de eventual litigância de má fé da esposa suscitada oficiosamente pelo tribunal a quo; o seu depoimento mostrou pouca espontaneidade; por ex. a pergunta sobre se o sogro tinha condições para ler o doc. bancário que ordena a transferência dos dinheiros e sobre a assinatura do sogro estar tremida respondeu que o sogro nunca cegou, sem ninguém lhe ter perguntado especificamente isso; por ex. referiu mal humoradamente que todas as testemunhas que vieram dizer (se vieram, parece que já conhecia antecipadamente tais testemunhos) que ele não via nada mentiram (repare-se no todas). Ou seja, revelou pendor claramente favorável à mulher e por isso suscitam-se sérias dúvidas sobre a credibilidade do seu depoimento.
Quanto mais não fosse tais dúvidas revertem-se sempre contra a parte onerada com o ónus da prova dos factos, no caso a mulher, nos termos do art. 414º do NCPC, pois foi o único elemento probatório produzido pela interessada e o depoimento da testemunha, seu marido revelou-se muito duvidoso.
Como assim, indefere-se, quanto a esta factualidade da doação, a impugnação ao facto não provado e), na parte respeitante aos factos provados i) e j), mas defere-se quanto a estes, parcialmente, na estrita medida da ordem de transferência, fazendo-se os respectivos aditamentos a negrito.
2.2. Relativamente ao facto provado l) e não provado e), a testemunha II, convocada pela recorrente, nada referiu. E o doc. nº 9, da reclamação de bens da interessada recorrente, só demonstra que a referida testemunha depositou o indicado valor na conta por si titulada mais a esposa, interessada CC, nada mais. Não evidencia qualquer doação, longe disso.
Indefere-se, pois, a impugnação aos dois factos atrás apontados.
2.3. Relativamente ao facto provado m) e não provado f), temos que os docs. nº 10 e 11, da reclamação de bens da interessada recorrente, demonstram o seguinte: tratou-se de uma venda verbal, do inventariado à filha, autorizada pelo irmão, o interessado cabeça de casal, com assinatura do inventariado e interessado cabeça de casal (doc. nº 10); o cheque datado de 4 de Março de 2019, com o valor de 890,40 €, emitido pelo marido da interessada CC a favor do cabeça de casal, não demonstra nenhuma contrapartida a favor deste relacionada com tal compra e venda, tanto mais que entre a venda e a data de emissão do cheque – 17.7.17 e 4.3.2019 – transparece um período temporal tão distante que é difícil de acreditar que estejam relacionados.
Portanto, a impugnação da recorrente a esses dois factos vai indeferida quanto à f) dos factos não provados e parcialmente deferida no respeitante à transmissão do direito de propriedade, através de uma compra e venda, que se fará reflectir no facto m), através da pequena alteração da redacção, que ficará a negrito (ficando a anterior redacção em letra minúscula).
3. Na fundamentação jurídica da sentença apelada o tribunal a quo escreveu que:
“A reclamação contra a relação de bens (por falta ou exclusão deles, assim como por qualquer inexactidão que releve para a partilha), prevista nos artigos 1104.º, n.º 1, alínea d), e 1105.º do Código de Processo Civil e inserida na tramitação normal e típica do processo de inventário, deve ser decidida depois de efectuadas as diligências de prova necessárias requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo Tribunal, sem prejuízo do disposto nos artigos 1092.º e 1093.º do Código de Processo Civil.
No caso vertente, a interessada CC arguiu, desde logo, a inexactidão da descrição das verbas n.ºs 1, 7 e 29 da relação de bens, acusou a indevida especificação das suas verbas n.ºs 3, 20, 24, 25, 26, 27 e 28, com vista à exclusão de algumas delas, acusou a falta de um conjunto de bens móveis e de um imóvel.
O ónus da prova impendia neste caso sobre a interessada reclamante, visto que a respectiva alegação reportava-se a factos constitutivos do seu direito de ver excluídos ou incluídos no inventário os bens cuja falta acusou e, quanto aos demais, nos termos por si indicados (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil).
(…)
Relativamente à verba n.º 29 da relação de bens, insurgiu-se a interessada reclamante contra a especificação do prédio urbano aí incluído, sustentando que o mesmo não foi doado ao cabeça-de-casal DD, constituindo antes a casa de habitação dos inventariados AA e BB, reagindo contra as benfeitorias ali especificadas e pugnando pela relacionação, como verba autónoma, do referido prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...40.
Resultou demonstrado, sobre esta matéria, que por escritura pública de 8 de Agosto de 2005, os inventariados doaram ao cabeça-de-casal, por conta das suas quotas disponíveis, um prédio rústico sito no lugar ..., na freguesia ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...08 e não descrito, à data, na Conservatória do Registo Predial ..., estando hoje tal prédio inscrito na matriz sob o artigo ...94 [alíneas e) e f) dos factos provados].
Acresce que actualmente, tal constituirá a parte rústica do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...22, do qual faz igualmente parte a casa de habitação de rés-do-chão e 1.º andar inscrita na respectiva matriz sob o artigo ...40 e que o cabeça-de-casal aduz ter recebido por doação.
Ora, o que resulta da sobredita escritura pública de 8 de Agosto de 2005 é somente a doação de um prédio rústico e não também de qualquer prédio urbano.
Quanto a esta, assim como relativamente ao exercício de poderes de facto sobre tal casa de habitação e às ditas benfeitorias nela realizadas, cumpre acentuar que a prova testemunhal recolhida no presente processo em nada elucidou para a decisão da reclamação apresentada.
Sob a epígrafe “outras questões prejudiciais”, estabelece o art.º 1093.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (para o qual remete o art.º 1105.º, n.º 3 do mesmo Código), que “se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de
a decidir e remeter os interessados para os meios comuns”.
Limitou-se aqui a lei a fixar uma regra, um critério de orientação, cabendo ao Tribunal fixar-lhe os limites, definir-lhe os contornos e dar consistência ao seu conteúdo maleável.
Há certas questões em relação às quais pode seguramente concluir-se que a índole sumária da prova a produzir no processo de inventário não consente que sejam aqui decididas.
Mais concretamente, a inexistência de documentos ou de prova pericial que possibilitem uma decisão sólida, assim como a inconcludente prova testemunhal produzida, força a ter como previsível a impossibilidade de ver tais questões decididas no processo de inventário.
Devem, pois, apenas ser resolvidas neste processo as questões de facto que dependam de prova documental e aquelas cuja averiguação se possa fazer com provas que, embora de outra espécie, se coadunem com a índole sumária a produzir neste processo especial.
Mesmo que por hipótese o cabeça-de-casal tenha recebido em doação a sobredita casa de habitação, aparentemente tal ocorreu com preterição das formalidades legais indispensáveis ao contrato de doação de imóveis (artigos 947, n.º 1 e 220.º, ambos do Código Civil), pelo que só por via do exercício de poderes de facto sobre ela, por certo período de tempo, em determinadas condições, poderia ter adquirido o direito de propriedade sobre tal imóvel (mormente, através da usucapião – cfr. artigos 1287.º e 1293.º e ss. do Código Civil).
Ora, a problemática da usucapião – realidade que envolve a alegação de factos
complexos, importando maturada averiguação e larga produção de prova – muito dificilmente encontrará possibilidades de resolução no processo de inventário, só se compadecendo a respectiva decisão com os meios comuns.
O mesmo ocorre com as alegadas benfeitorias. O modo como o cabeça-de-casal alegou a sua realização, sem a devida enunciação separada de cada um dos trabalhos efectuados, dos respectivos preços parcelares e da data em que cada uma das obras teve lugar, com indicação minimamente circunstanciada das horas despendidas com os trabalhos, dos materiais aplicados e até mesmo das pessoas que os realizaram, dificulta não só o exercício do contraditório por parte de quem tem legitimidade para reagir contra tal especificação como também a sua apreciação pelo Tribunal.
Por tudo o que foi dito, conclui o Tribunal que estas questões revestem uma complexidade que desaconselha a sua resolução no presente processo de inventário, sendo impossível decidi-la aqui de forma segura, por tal implicar, necessariamente, a redução da garantia das partes, tendo em conta o carácter sumário da prova a produzir nestes moldes.
Com o intuito de abreviar o andamento dos presentes autos, a remessa para os meios comuns nenhum prejuízo causará aos interessados, sendo que ali desfrutarão dos mais amplos meios de prova, sem subordinação aos limites naturalmente estabelecidos para o processo de inventário (cfr., com plena actualidade para a questão em apreço, Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, vol. I, reimpressão da 4.ª edição, pág. 548).
E se assim é, à luz do disposto no art.º 1105.º, n.º 5 do Código de Processo Civil “se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens (…) e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens”, sendo excluídos do processo de inventário os bens que sejam abrangidos pela controvérsia que deva ser solucionada autonomamente, fora do processo de inventário (neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil”, 2020, pág. 50).
Por conseguinte, deverá o cabeça-de-casal especificar na verba n.º 29 somente o prédio rústico comprovadamente doado por escritura pública de 8 de Agosto de 2005 [alínea e) dos factos provados], extirpando de tal verba tudo o que exceda tal doação (nomeadamente, a descrição do actual prédio misto, qualquer menção à casa de habitação porventura implantada naquele prédio rústico e às benfeitorias pretensamente realizadas), também não devendo integrar a relação de bens, evidentemente, contrariamente ao que pretendia a interessada reclamante, o prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...40.
(…)
Já quanto aos créditos (dívidas activas) da herança, cabia ao cabeça-de-casal o ónus da prova dos correspondentes factos, por se reportar a matéria constitutiva dos direitos da herança sobre a interessada reclamante (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil).
(…)
Ao invés, demonstrou o cabeça-de-casal, como outrossim lhe competia, que a interessada reclamante beneficiou por via de duas transferências bancárias, efectuadas em 19 de Junho de 2018 e em 23 de Outubro de 2018, das quantias de 18.000 € e de 20.000 € que existiam em conta titulada pelo inventariado no banco “Banco 1...” [alíneas i) e j) dos factos provados].
Provou também o cabeça-de-casal, ainda que em moldes mais restritos (quanto ao valor) do que constava da relação de bens, que a interessada reclamante se apoderou da quantia de 3.500 € dos inventariados [alínea l) dos factos provados], bem como que não pagou o preço da compra e venda do veículo de matrícula ..-..-OI, assim enriquecendo com a quantia de 1.600 € [alínea m) dos factos provados].
Não tendo a interessada reclamante comprovado (art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil) que o inventariado lhe tivesse doado as sobreditas quantias de 18.000 €, de 20.000 €, de 3.500 € e o referido veículo [factos por demonstrar nas alíneas e) e f)], devem as verbas n.ºs 2, 3, 4 (ainda que com o montante corrigido para 3.500 €) e 5 dos créditos permanecer especificadas.”.
A apelante discorda pelas razões contantes das suas conclusões de recurso (as 4ª a 11ª).
3.1. Quanto ao reenvio para os meios comuns, a recorrente entende que os autos contêm factos articulados e elementos probatórios idóneos para, quanto ao prédio urbano referido no facto provado g), inscrito sob o artº. ...40 da matriz predial, não serem os interessados remetidos para os meios comuns e ser o mesmo relacionado como verba autónoma (conclusões 4ª e 10ª). Com fundamento no que resulta da escritura de doação e doc. nº 4 da reclamação de bens.
O cabeça de casal tinha relacionado sob a verba nº 29, um prédio misto, com parte urbana e com parte rústica, mais benfeitorias que invocou ter realizado, alegando ser prédio doado pelo inventariado, por conta da quota disponível.
Esse prédio misto está descrito no registo predial - cfr. facto provado g) – e cuja aquisição está registada a favor do cabeça de casal e cônjuge – cfr. facto provado h).
Da escritura de doação (de 8.8.2005) decorre que os inventariados doaram aquele prédio rústico ao seu filho cabeça de casal – cfr. facto provado e). Tendo este prédio rústico actualmente como seu titular inscrito a herança do inventariado – cfr. facto provado f).
A escritura de doação e indicado doc. nº 4, invocados pela recorrente, serviram para dar como provados os ditos factos provados e) e f). Nada mais, como pretende a apelante.
A fundamentação jurídica apresentada pelo tribunal a quo, para remessa para os meios comuns merece ser acolhida.
Efectivamente, resulta da sobredita escritura pública de 8 de Agosto de 2005 apenas a doação de um prédio rústico e não também de qualquer prédio urbano. E se quanto a este, assim como relativamente ao exercício de poderes de facto sobre tal casa de habitação e às ditas benfeitorias nela realizadas, a prova testemunhal recolhida no presente processo em nada elucidou para a decisão da reclamação apresentada, como acentuou o tribunal a quo, então é inteiramente pertinente considerar o que, sob a epígrafe “outras questões prejudiciais”, estabelece o art. 1093º, nº 1, do NCPC (para o qual remete o art. 1105.º, nº 3, do mesmo código), que “se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns”.
Trata-se de um critério de orientação, cabendo ao Tribunal dar consistência ao seu conteúdo maleável.
Há certas questões em relação às quais pode seguramente concluir-se que a índole sumária da prova a produzir no processo de inventário não consente que sejam aqui decididas. Mais concretamente, a inexistência de documentos ou de prova pericial que possibilitem uma decisão sólida, assim como a inconcludente prova testemunhal produzida, força a ter como previsível a impossibilidade de ver tais questões decididas no processo de inventário. Devem, pois, apenas ser resolvidas neste processo as questões de facto que dependam de prova documental e aquelas cuja averiguação se possa fazer com provas que, embora de outra espécie, se coadunem com a índole sumária a produzir neste processo especial.
Ora, mesmo que por hipótese o cabeça-de-casal tenha recebido em doação a sobredita casa de habitação, aparentemente tal ocorreu com preterição das formalidades legais indispensáveis ao contrato de doação de imóveis (arts. 947, nº 1, e 220º, ambos do Código Civil), pelo que só por via do exercício de poderes de facto sobre ela, por certo período de tempo, em determinadas condições, poderia ter adquirido o direito de propriedade sobre tal imóvel (mormente, através da usucapião – cfr. arts. 1287º e 1293º e segs. do Código Civil). E, é certo, que a problemática da usucapião – realidade que envolve a alegação de variados factos -, em regra, importa maturada averiguação e larga produção de prova –, pelo que dificilmente encontrará possibilidades de resolução no processo de inventário, só se compadecendo, em regra, a respectiva decisão com os meios comuns. O mesmo ocorre com as alegadas benfeitorias. O modo como o cabeça-de-casal alegou a sua realização, sem a devida enunciação separada de cada um dos trabalhos efectuados, dos respectivos preços parcelares e da data em que cada uma das obras teve lugar, com indicação minimamente circunstanciada das horas despendidas com os trabalhos, dos materiais aplicados e até mesmo das pessoas que os realizaram, dificulta não só o exercício do contraditório por parte de quem tem legitimidade para reagir contra tal especificação como também a sua apreciação pelo Tribunal.
Por isso, é de concluir, como o fez o tribunal recorrido, que estas questões revestem uma certa complexidade que desaconselha a sua resolução no processo de inventário, sendo muito difícil decidi-la aqui de forma segura, por tal implicar, necessariamente, a redução da garantia das partes, tendo em conta o carácter sumário da prova a produzir nestes moldes (vide no mesmo sento e com plena actualidade para a questão em apreço, Lopes Cardoso, em Partilhas Judiciais, Vol. I, 4ª edição, pág. 548).
Por conseguinte, bem decido foi pela 1ª instância determinar que deveria o cabeça-de-casal especificar na verba nº 29 somente o prédio rústico comprovadamente doado por escritura pública de 8.8.2005 - e) dos factos provados -, extirpando de tal verba tudo o que exceda tal doação (nomeadamente, a descrição do actual prédio misto, qualquer menção à casa de habitação porventura implantada naquele prédio rústico e às benfeitorias pretensamente realizadas), também não devendo integrar a relação de bens, evidentemente, contrariamente ao que pretendia a interessada reclamante, o prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o art. ...40º.
Dado o exposto, não procede esta parte do recurso.
3.2. Relativamente às quantias transferidas da conta bancária titulada pelos inventariados AA e BB para a conta bancária da recorrente, por ordem de AA, de 18.000 € e 20.000 €, bem como a de 3.500 €, defende a apelante que se trata de doações manuais, que atento o disposto no nº 3 do art. 2113º do CC não são para serem levadas à colação (conclusões 5ª, 6ª e 9ª).
Ora, esta pretensão dependia da alteração da decisão da matéria de facto, que não se verificou. Assim, permaneceram intocados o facto provado l) e não provado e), não se tendo comprovado qualquer doação. Daí que não se possa falar em doações manuais e dispensa de colação.
Não procede esta parte do recurso.
3.3. No respeitante à transferência da propriedade do veículo de marca Opel, de matrícula ..-..-OI o mesmo acontece (conclusões 7ª e 9ª).
Nesta parte estamos numa situação idêntica à do ponto anterior, face ao teor do facto provado m) e não provado f).
Igualmente aqui não procedendo o recurso.
4. Finalmente referente à má fé da recorrente, escreveu-se na sentença apelada que:
“Finalmente, cumpre apreciar a conduta processual da interessada reclamante, a fim de apurar se pleiteou de má fé.
Nos termos do art.º 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, “diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Na sua base, a má fé transporta a ideia essencial da “consciência de não ter razão. Não basta, pois, o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada”, devendo ainda acentuar-se a ideia de que “a simples proposição de acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmar um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devessem cumprir” (nesse sentido, Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 3.ª edição, volume II, pág. 263).
As condutas vertidas no n.º 2 do art.º 542.º do Código de Processo Civil, a serem consideradas como verificadas, originam uma condenação em multa (a oscilar entre 2 e 100 UC – art.º 27.º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais) e em indemnizações, se requeridas (artigos 542.º, n.º 1 e 543.º, ambos do Código de Processo Civil).
Analisada a matéria de facto provada sob as alíneas i) e j) e não provada sob a alínea e), pode seguramente concluir-se que a interessada reclamante adoptou uma postura processual censurável, tendo deduzido oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar e omitiu factos relevantes para a decisão da presente reclamação, com vista a um benefício a que não tinha direito [art.º 542.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil].
Efectivamente, impugnou as dívidas activas da herança especificadas sob as verbas n.ºs 2 e 3, jamais admitindo ser a (co-)titular da conta bancária beneficiária das transferências de 18.000 € e de 20.000 €, como se comprovou através da informação bancária junta aos autos a fls. 546.
Tendo em conta os avultados valores em causa, decerto notou que os mesmos foram creditados na sua conta bancária, não podendo desconhecer o aumento em tal medida do saldo dessa conta.
Ainda assim, não admitiu ser a beneficiária desses montantes, omitindo gravemente tal facto relevante, nem mesmo quando foi suscitado o incidente de quebra de sigilo bancário, não evitando que fosse proferido o adequado despacho a suscitar tal incidente e a subida do mesmo para apreciação por Tribunal superior, assim protelando o desfecho da reclamação.
Ora, a alegação da doação de tais montantes surgiu apenas, pela primeira vez neste processo, de forma clara, quando a interessada reclamante foi notificada para se pronunciar quanto à litigância de má fé, o que fez através do seu articulado com a referência n.º 48405426 (de 25 de Março de 2024).
E não colhe o argumento aí aduzido de que já o havia feito no art.º 32.º da reclamação.
Na verdade, tal não tem correspondência com o aí alegado, pois do teor desse art.º 32.º resulta que o mesmo vai exclusivamente referido ao art.º 31.º e não também aos antecedentes artigos 27.º a 30.º, até pelo teor do documento (n.º 9, a fls. 373) ali citado no final, o qual vai unicamente referido ao montante de 3.500 € a que a interessada reclamante fez alusão no art.º 31.º da reclamação.
Note-se ainda que em resposta ao ofício oriundo da instituição bancária que forneceu a informação de fls. 546, teve a interessada reclamante o desplante (não hesitamos escrevê-lo) de aduzir (através do seu articulado a que corresponde a referência n.º 48178317, de fls. 548) que nenhum dos titulares da referida conta bancária beneficiária das transferências “ter a ver com nenhum dos inventariados” (!), quando ela própria é filha dos inventariados e II (igualmente co-titular da referida conta, conforme confirmado a fls. 546) é seu cônjuge, como tal se tendo identificado em Tribunal quando ouvido como testemunha.
Dada a pessoalidade de tais factos, não poderia a Autora deixar de ignorar o carácter inverídico da oposição deduzida, com vista à eliminação das verbas n.ºs 2 e 3 dos créditos da herança, e a omissão de factos relevantes para a justa composição da reclamação, nomeadamente a falta de informação quanto à titularidade da conta bancária beneficiária dos sobreditos valores de 18.000 € e 20.000 € [art.º 542.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil].
Consequentemente, deve ser condenada em multa por ter litigado de má fé, penalidade que de acordo com os critérios previstos no art.º 27.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais – que remete para os “os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste” –, devidamente temperados com um juízo de proporcionalidade, nas suas vertentes de adequação, necessidade e justa medida, se entende graduar em 7 UC.”.
A recorrente contesta este juízo (cfr. conclusões de recurso 12ª a 18ª).
Analisando.
O cabeça de casal tinha relacionado como créditos da herança sobre a recorrente (sob verbas nºs 2 e 3), tais valores de 18.000 € e 20.000 €, por a mesma os ter transferido para a sua conta da conta do inventariado. A reclamante impugnou que ela tivesse feito tais transferências (cfr. ponto 30. da reclamação) e alegou que foi o inventariado que o fez, como doação à reclamante (ponto 32.).
Acontece que nem o tribunal deu como provado nos factos i) e j) que foi a reclamante a fazer tais transferências, como até se veio a provar, como ela afirmava, que foi o inventariado que o fez. Por outro lado, nesses mesmos pontos, a reclamante não negou que as ditas transferências tivessem sido realizadas para sua conta bancária. De outra parte, do aludido ponto 32. não resulta, ao invés do que afirma o tribunal a quo, que o mesmo vai exclusivamente referido ao ponto 31., onde se refere um outro valor, pois também se dirige ao ponto 30., que se refere aos indicados valores, já que nesse ponto 32. se menciona no plural “dos aludidos valores”.
Portanto, neste âmbito circunscrito pelo tribunal a quo, não se vê razão para cominar qualquer litigância de má fé. É certo que a reclamante tinha afirmado tratar-se de doações que não logrou provar, mas a não prova das mesmas não faz provar um facto de carácter contrário e dependia do jogo da demonstração de tal facto através dos meios probatórios que amiúde é falível, não sendo por tal circunstância que uma parte possa ser condenada como litigante de má fé. Até aqui não se mostra preenchido qualquer uma das a) e b) do apontado art. 542º, nº 2, do NCPC, base da condenação proferida na 1ª instância.
Prosseguindo.
Apesar de a reclamante não ter negado que as ditas transferências tivessem sido realizadas para sua conta bancária, o cabeça de casal pediu que se oficiasse à entidade bancária para identificar os titulares da conta a que o tribunal acedeu, porventura desnecessariamente, dado a falta de impugnação a tal factualidade pela interessada reclamante/recorrente. O Banco resguardou-se no segredo bancário a que se seguiu requerimento do mesmo cabeça de casal a solicitar que o sigilo fosse levantado, sobre o qual a interessada reclamante nada disse, pelo que foi suscitado pelo tribunal a quo o respectivo incidente, tendo este Tribunal da Relação ordenado o levantamento de tal sigilo. Até este momento, embora a interessada reclamante não se tivesse pronunciado sobre o pedido do cabeça de casal para levantamento do sigilo bancário, a única eventual censura que se lhe poderia fazer era que se indiciava omissão do dever de colaboração, mas não grave, e por isso não susceptível de qualificação como litigância de má fé, até porque a mesma não veio a ser condenada com tal fundamento (previsto na c) do falado art. 542º, nº 2).
Porém a partir daqui, vemos a seguinte sequência: o Banco responde que a mencionada conta bancária era titulada pela interessada reclamante e a dita interessada responde (em 5.3.2024) que nenhum dos titulares da referida conta bancária, de que ela é co-titular mais o marido, “ter a ver com nenhum dos inventariados”, quando ela própria é filha dos inventariados; depois o tribunal a quo oficiosamente suscita a hipótese de litigância de má fé, que mereceu resposta da recorrente mantendo o que tinha dito na reclamação de bens.
Aqui chegados, podemos concluir linearmente que a recorrente merece uma única censura, mas grave, ao responder nos termos acabados de referir, quando ela é filha do inventariado e interessada directa na partilha dos bens, como bem assinalado na fundamentação jurídica da decisão recorrida.
De maneira que actuou dolosamente, alterando a verdade dos factos, e caindo na previsão da b), parte inicial, do referido art. 542º, nº 2, do NCPC.
No que se refere ao montante da multa, dado que a litigância de má fé, não é tão ampla, como a apontada na decisão apelada, e tendo em conta um juízo de proporcionalidade, reduz-se o seu montante para 4 UC, por mais adequada.
5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…)
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, quanto ao montante da multa por litigância de má fé, que agora se fixa em 4 UC, no demais se confirmando a decisão recorrida.
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Custas pela interessada/recorrente CC, na proporção de 90%.
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Coimbra, 8.4.2025
Moreira do Carmo
Carlos Moreira
Alberto Ruço