EMBARGOS DE EXECUTADO
ALEGAÇÃO DE FACTOS E DEDUÇÃO DE PRETENSÕES
PETIÇÃO DE EMBARGOS POR REMISSÃO PARA OUTRA PETIÇÃO DE EMBARGOS DE OUTRO EXECUTADO
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO
Sumário

O modo como está estruturado o processo civil mostra que, salvo casos expressamente previstos, não é admissível, como forma válida de alegar factos e deduzir pretensões, designadamente na oposição à execução por embargos de executado - artigo 728.º do C.P.C. – a remissão para articulado apresentado nos autos por terceiro.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,


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Juiz relator………….......Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto…………Fernando de Jesus Fonseca Monteiro

2.º Juiz adjunto…………Luís Filipe Dias Cravo


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Sumário: (…).

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Recorrente …………………AA;

Recorrida……………………A..., Stc, S.A.


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I. Relatório

a)  A Recorrente deduziu embargos à exceção que corre no processo principal, nos seguintes termos:

«AA, Executada nos autos em epígrafe e neles melhor identificada vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo o 728.º do Código de Processo Civil, deduzir EMBARGOS DE EXECUTADO com efeito suspensivo nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 733.º, n.º 1, c), do CPC, sem a necessidade de prestação de caução e, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 316.º, n.º 3, alínea b) e 318.º, n.º 1, alínea c), do CPC,

Nos precisos termos dos Embargos de Executado deduzidos pelo, também, executado, nos presentes autos, BB, em 30 de outubro de 2024, com a ref.ª CITIUS 50320417, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.

JUNTA: Ofício de Nomeação de Patrono Oficioso, Comprovativo da concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e agente de execução.»

b) O tribunal indeferiu liminarmente a petição com esta fundamentação:

« (…) É pacificamente entendido que a Oposição à Execução por Embargos de Executado se traduz numa acção declarativa, estruturalmente autónoma, mas instrumental e funcionalmente ligada à Acção Executiva, com vista ao exercício do direito de defesa face ao pedido executivo, pelo que, no plano formal, a Petição dos Embargos de Executado tem a estrutura e conteúdo de uma petição da acção declarativa, embora, no plano material, a Oposição consubstancia uma reacção à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação.

Deste modo, é na Petição inicial dos Embargos de Executado que a Executada/Embargante tem que alegar os seus fundamentos de Oposição à Execução à luz dos art.os 729.º a 730.º CPC.

Sobre a Executada/Embargante recai o ónus de alegar na Petição inicial os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as excepções invocadas [art.os 5.º/1 e 552.º/1/d) CPC e 342.º/1 CC].

A ineptidão da Petição inicial implica a nulidade de todo o processado e diz-se inepta a Petição inicial quando falta a alegação da causa de pedir [art.º 188.º/1/2/a) CPC]; o que se traduz numa excepção dilatória insuprível que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar ao indeferimento liminar da Petição inicial [art.os 576.º/1/2, 577.º/b), 590.º/1 e 732.º/1/c) CPC].

No caso concreto:

A apresentada Petição inicial de Oposição à Execução por Embargos de Executado é totalmente destituída de causa de pedir.

Limita-se a remeter para uma peça processual alheia que declara dar por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

Como é manifesto, trata-se de uma forma processualmente inadmissível de tentar trazer para esta Petição inicial o conteúdo que ela não contém.

Em síntese, sendo a Petição inicial inepta por falta de causa de pedir, é a Oposição à Execução por Embargos de Executado deduzida manifestamente improcedente.

Pelo exposto, o Tribunal decide:

1) Indeferir liminarmente os Embargos de Executado.

2) Fixar o valor dos Embargos de Executado em €.13.233,62.

3) Condenar a Executada/Embargante no pagamento das custas dos Embargos de Executado, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.»

c) É desta decisão que vem interposto o recurso, sendo as conclusões do mesmo as seguintes:

«1. No dia 21.11.2024, a Apelante deduziu embargos de executado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 733.º, n.º 1, c), do CPC, fazendo remissão para os embargos apresentados pelo co-executado BB.

2. Peça processual que se encontra disponível para análise do Mm.º Juiz a quo no âmbito do apenso A a 30.10.2024 (Ref.ª 50320417).

3. A 29.11.2024, foi proferido douto Despacho/Sentença pelo Tribunal a quo que indeferiu liminarmente a petição apresentada, considerando inepta o que implica a nulidade de todo o processado (artigo 188.º n.º 1 e 2, al. a) do CPC).

4. No entanto, salvo melhor entendimento, a decisão incorre numa omissão de pronuncia porquanto não se manifesta sobre a validade da adesão feita pela Apelante aos Embargos apresentados pelo co-executado,

5. Limitando-se, a este respeito, a referir o seguinte: “(…) Limita-se a remeter para uma peça processual alheia que declara dar por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. Como é manifesto, trata-se de uma forma processualmente inadmissível de tentar trazer para esta Petição inicial o conteúdo que ela não contém. (…)”.

6. Nos termos do n.º 1 do artigo 154.º do Código de Processo Civil “1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”.

7. Ora tratando-se de uma ineptidão, a cominação resulta na nulidade de todo o processado pelo que, salvo melhor entendimento, deveria especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão proferida.

8. Contudo, o despacho em crise não se pronuncia sobre a procedência (ou não) dos Embargos para os quais as peça processual apresentada pela Apelante remete.

9. Nem indica a norma legal violada.

10. Pelo que, a decisão proferida viola também a norma substantiva prevista no artigo 186.º do Código de Processo Civil, porquanto também não foi objeto de um despacho prévio de aperfeiçoamento.

11. Ao não o fazer, salvo o devido respeito, a decisão a quo, não cumpre, o princípio do contraditório previsto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil.

12. Segundo o art. 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, ao longo do processo o juiz deve observar e fazer cumprir, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

13. A obrigatoriedade do contraditório tem por finalidade evitar que as partes sejam confrontadas com essas decisões,

14. E não com os fundamentos com que não contavam de decisões que já eram esperadas.

15. Se o entendimento é da inexistência de causa de pedir nos Embargos de Executado submetidos pela Apelante no dia 21.11.2024 (Ref.ª 9304106),

16. Salvo melhor entendimento, impende sobre o Mm.º Juiz a quo o dever de fundamentação previsto no artigo 154.º do Código de Processo Civil,

17. E, concomitantemente, de prolação de Despacho de Aperfeiçoamento convidando a Apelante a aperfeiçoar a peça processual, nomeadamente, suprindo as omissões detetadas – caso o entendimento fosse a inadmissibilidade da remissão operada.

18. Assim, apenas no caso de não suprimento das lacunas/deficiências, dentro do prazo concedido, então aí sim, é que se poderá extrair as consequências daquela omissão, nomeadamente, sendo caso disso, indeferir liminarmente a peça processual.

19. O despacho de indeferimento liminar tem caráter excecional,

20. Que não deve ser proferido quando esteja em causa uma excepção dilatória de conhecimento oficioso,

21. Pelo que, salvo o devido respeito, in casu, antes da prolação do indeferimento liminar, justificar-se-ia a prolação de um despacho que se pronuncie sobre a validade da remissão operada,

22. E, caso se entendesse não ser admissível, convidar ao aperfeiçoamento para suprir as deficiências eventualmente verificadas, nos termos dos artºs 6º e 590º nº4 do CPC.

23. Ao não o fazer, indeferindo liminarmente a peça processual da Embargante, o Tribunal a quo, não só incorre numa omissão de pronuncia,

24. Como impede não só a Apelante de exercer o benefício concedido de apresentar outra petição,

25. E/ou corrija o inicialmente produzido.

26. Razão pela qual, entende a Apelante que deve o despacho de indeferimento liminar ser revogado e substituído por outro que se pronuncie sobre a validade da remissão operada,

27. E, caso entenda não ser suscetível de adesão, ordenar a Apelante a aperfeiçoar os Embargos apresentados.

Termos em que, e nos melhores de direito que V.ªs Ex.ªs entendam suprir, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, o douto Despacho de 29.11.2024 (Ref.ª 95747370) ser revogado e substituído por outro que se pronuncie sobre a remissão aos Embargos apresentados pelo co-executado BB a 30.10.2024 (Ref.ª 50320417) no âmbito do apenso A. Assim se fará a tão acostumada JUSTIÇA!»

c) Não foram produzidas contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

O recurso coloca estas questões:

1 – Nulidade da decisão porquanto, referindo apenas «(…) Limita-se a remeter para uma peça processual alheia que declara dar por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. Como é manifesto, trata-se de uma forma processualmente inadmissível de tentar trazer para esta Petição inicial o conteúdo que ela não contém. (…)», não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, porquanto não se pronuncia sobre a procedência (ou não) dos Embargos para os quais a peça processual apresentada pela Apelante remete, nem indica a norma legal violada.

2 – Omissão de despacho de aperfeiçoamento. Antes da prolação do indeferimento liminar justificava-se a prolação de um despacho que se pronunciasse sobre a validade da remissão operada para a petição de embargos do co-executado e, caso se entendesse não ser admissível, o tribunal devia ter convidado ao aperfeiçoamento da petição para suprir as deficiências eventualmente verificadas, nos termos dos artigos 6.º e 590.º, n.º 4 do CPC.

3 – Se é viável processualmente apresentar uma petição inicial de embargos de executado dando por reproduzida outra petição de embargos já apresentada em processo apenso por outro executado.

III. Fundamentação

a) Matéria a considerar.

1 -  A mencionada no relatório que antecede.

2 - Da petição executiva:

 (…) 7- A referida livrança foi subscrita por BB e por AA, ora Executados, e teve o seu vencimento em 05/08/2024.

8- Tal livrança foi subscrita para garantia da boa execução do Contrato de Crédito ao Consumo Banco 1... com a ref. ...42, que assumiu na escrita do Banco Cedente o n.º ...08 e que atualmente assume o n.º ...54, celebrado entre o Banco 1..., S.A., atualmente designado por Banco 2..., S.A., e os Executados, em 22/07/2010.

9- Atendendo ao vencimento do contrato por incumprimento definitivo e respetiva mora, a Exequente procedeu ao preenchimento da livrança, no montante total de € 13.167,78, com data de vencimento em 05/08/2024.

10- Apresentada a pagamento, a livrança não foi paga na data de vencimento, nem posteriormente, tendo sido os ora Executados interpelados nesse sentido, cfr. cartas que se juntam como Docs. 5 e 6.»

3 - Da petição de embargos de executado do embargante BB:

«e) Da invalidade da assinatura aposta na livrança

98.º - Dando por reproduzido o que se expôs quanto ao preenchimento abusivo da livrança, não se recorda, contudo, o Embargante de ter assinado a livrança da forma como aparece.

99.º- Com efeito, as assinaturas apostas na livrança têm tipos de caneta diferentes: BB aparece com um traço e CC, com outro, aparentando duas canetas diferentes e, em baixo o mesmo acontece com AA e depois, CC, novamente, com um traço diferente, mais claro, tal como BB.

100.º - Impugna assim a assinatura pelo que, a autoria da assinatura constante da livrança dada à execução, quando impugnada e colocada em causa a sua validade como título executivo tem como consequência, a incumbência ao Embargado fazer prova da veracidade de tal assinatura nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º 2 e 342.º, n.º 1 do CC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos. (cfr. artigo 534.º, n.º 1, do CC, a contrario)»                             

b) Apreciação das questões objeto do recurso

1 – Vejamos se a decisão recorrida padece de nulidade porquanto não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; não se pronuncia sobre a procedência (ou não) dos Embargos para os quais a peça processual apresentada pela Apelante remete, nem indica a norma legal violada, porquanto refere apenas o seguinte: «(…) Limita-se a remeter para uma peça processual alheia que declara dar por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. Como é manifesto, trata-se de uma forma processualmente inadmissível de tentar trazer para esta Petição inicial o conteúdo que ela não contém. (…)».

Não procede este fundamento do recurso, pelas seguintes razões:

É afirmado claramente na decisão recorrida que não existe causa de pedir porquanto na petição inicial não são alegados factos, isto é, a petição «Limita-se a remeter para uma peça processual alheia que declara dar por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.»

Ora, se se afirma que não são alegados factos, não há causa de pedir, pois esta pressupõe necessariamente a alegação de factos. Nada mais é necessário dizer.

Depois afirma-se que «A ineptidão da Petição inicial implica a nulidade de todo o processado e diz-se inepta a Petição inicial quando falta a alegação da causa de pedir [art.º 188.º/1/2/a) CPC]; o que se traduz numa excepção dilatória insuprível que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar ao indeferimento liminar da Petição inicial [art.os 576.º/1/2, 577.º/b), 590.º/1 e 732.º/1/c) CPC].

Verifica-se, por conseguinte, que a decisão está fundamentada de facto e de direito.

2 – Passando à questão da omissão de despacho de aperfeiçoamento. Antes da prolação do indeferimento liminar justificava-se a prolação de um despacho que se pronunciasse sobre a validade da remissão operada para a petição de embargos do co-executado e, caso se entendesse não ser admissível, o tribunal devia ter convidado ao aperfeiçoamento da petição para suprir as deficiências eventualmente verificadas, nos termos dos artigos 6.º e 590.º, n.º 4 do CPC.

O artigo 732.º (Termos da oposição à execução) do CPC determina que «1- Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando: a) …; b) …; c) Forem manifestamente improcedentes.».

Como refere Rui Pinto, «Naturalmente que o despacho de aperfeiçoamento cabe, com o mesmo alcance do artigo 590.º n.º 2, i.e., tanto para suprir exceções dilatórias, como para aperfeiçoamento da petição inicial, por força do artigo 6.º n.º 2» - Ação Executiva. Lisboa, AAFDL, 218, pág. 412.

Nos termos do artigo 186.º (Ineptidão da petição inicial» «1 - É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. 2 - Diz-se inepta a petição: a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;»

Por conseguinte, se a petição é inepta não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, pelas seguintes razões:

Como se refere no acórdão to Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de outubro de 2016, no processo com o n.º 203848/14.2YIPRT.C1 (Manuel Capelo) «… se o julgador entende que existe ineptidão não tem de a mandar aperfeiçoar, mas sim julgá-la e com esse julgamento determinar a absolvição da instância porque, se a petição inicial é inepta não pode ser salva com qualquer aperfeiçoamento, que só está previsto para as deficiências e não para as ineptidões.»

No mesmo sentido o acórdão to Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de janeiro de 2019, no processo com o n.º 573/18.1T8SXL.L1-6 (Manuel Fernandes), quando refere que «À sanação ou suprimento do vício de ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir opõem-se, desde logo, os princípios estruturantes do processo civil do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes.

O vício de ineptidão que afecta a Petição Inicial, por falta de indicação de causa de pedir - quanto ao pedido de resolução do CPCV -, também não é susceptível de suprimento, através de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alíneas a) e b), 3 e 4, do CPC, na medida em que não se pode corrigir ou aperfeiçoar o que não existe.

Neste caso, o vício é tão grave, que já não há remédio [cfr. Acórdão do TRP, de 08-10-2015, proc. 855/12.6TBLSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt.].

(…)

As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).

De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva.»

Por conseguinte, tendo o tribunal concluído que a petição de embargos não continha casa de pedir, então não se colocava a questão de ordenar o aperfeiçoamento da petição, não existindo, por isso, a apontada nulidade decorrente da pretensa omissão do convite ao aperfeiçoamento.

Passando à questão seguinte.

3 – Vejamos agora a questão central do recurso que consiste em saber se é processualmente viável alegar factos numa petição inicial de embargos de executado dando por reproduzida uma outra petição de embargos já apresentada por outro executado no respetivo processo, em apenso.

A declaração de remissão feita numa peça processual para o conteúdo de outra peça processual, existente num apenso do mesmo processo, significa que quem assim procede faz seu o conteúdo para o qual remete, isto é, dá ali por reproduzido o conteúdo que consta nesse outro processo apenso.

A resposta é negativa, pelas seguintes razões:

a) Se se admitisse a alegação de factos ou a dedução de pretensões jurídicas por remissão para outra peça processual, então este modo de proceder teria de ser admitido em relação a todas as peças processuais que existissem no mesmo processo, independentemente inclusive da fase processual em que tivessem sido produzidas.

Porém, o modo como está estruturado o processo civil mostra que não é admissível esta prática, isto é, a alegação de factos ou a dedução de pretensões jurídicas por remissão para outra peça processual, salvo quando a própria lei prevê este modo processual de atuar.

A regra consiste em cada parte deduzir o seu articulado, contendo os factos e as pretensões, como resulta para o autor da al. d), do n.º 1, do artigo 552.º do C.P.C., onde se diz «Na petição, com que propõe a ação, deve o autor: (…); d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.» e para o réu nas als. b) e c) do artigo 572.º, do C.P.C., onde se dispõe que  deve o réu «b) Expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor; c) Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação.»

Mas há exceções a esta regra.

Um caso encontra-se no artigo 313.º do CPC onde se diz, no seu n.º 1, que «A intervenção do litisconsorte, realizada mediante adesão aos articulados da parte com quem se associa, é admissível a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a causa», acrescentando o n.º 2 que «A intervenção por mera adesão é deduzida em simples requerimento, fazendo o interveniente seus os articulados do autor ou do réu».

Temos outro caso na fase de recurso, dispondo o artigo 634.º, n.º 2, al. a), que «2 - Fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros:

a) Se estes, na parte em que o interesse seja comum, derem a sua adesão ao recurso».

Estas normas ao preverem a possibilidade de se deduzir uma pretensão por remissão são exceções em relação a uma regra geral processual e essa regra diz, por contraposição, que não é permitido alegar factos por remissão para uma peça processual de terceiro.

Aliás, se existisse uma regra geral a permitir que uma parte pudesse alegar factos e deduzir uma pretensão limitando-se a fazer seu um requerimento ou articulado já existente nos autos, então as disposições citadas dos artigos 313.º e 634.º do CPC eram redundantes e inúteis.

Mas como existem, isso significa que são exceções à apontada regra.

b) Mesmo admitindo-se a alegação de factos remetendo para outra peça processual, tal remissão só seria viável se os factos alegados por esse primeiro sujeito processual não fossem pessoais.

Se o terceiro alega factos pessoais na peça para a qual se remete, então a remissão é feita para esses factos pessoais de terceiro e não para factos próprios.

Sendo assim, a remissão não equivale a alegar factos próprios.

Por exemplo, se um terceiro impugna a sua assinatura numa livrança, não se pode considerar impugnada a assinatura da parte que alega por remissão relativamente à sua assinatura que consta dessa mesma livrança, pois a remissão é feita para a assinatura desse terceiro e não para a sua.

c) Por outro lado, a alegação de factos remetendo para outra peça processual potencia dúvidas e equívocos.

A dedução da alegação de factos e pretensões individualizadas, isto é, sem remissão para outras já existentes nos autos, justifica-se com a necessidades de clareza e certeza, atributos que toda a afirmação e pretensão deve ostentar: pedido e respetivos fundamentos, de facto e de direito.

Mas quando se remete em bloco para um documento ou para um articulado de outro sujeito processual, remete-se para todo o conteúdo e, nesse caso, poderão existir partes do documento ou do articulado que, como se disse na anterior alínea, são pessoais ou não são relevantes para a pretensão do autor da remissão, mas, no caso dos processos judiciais, o juiz não sabe, por exemplo, se a parte quis incluir essa parte ou não.

Sendo a remissão, como é, em geral, fonte de dúvidas e de equívocos, não deve ser admitida, salvo casos excecionais, neste caso identificados nas normas processuais, como os dois casos atrás assinalados.

No caso dos autos, por exemplo, o embargante BB alegou o seguinte na sua petição de embargos:

«e) Da invalidade da assinatura aposta na livrança

98.º Dando por reproduzido o que se expôs quanto ao preenchimento abusivo da livrança, não se recorda, contudo, o Embargante de ter assinado a livrança da forma como aparece.

99.º Com efeito, as assinaturas apostas na livrança têm tipos de caneta diferentes: BB aparece com um traço e CC, com outro, aparentando duas canetas diferentes e, em baixo o mesmo acontece com AA e depois, CC, novamente, com um traço diferente, mais claro, tal como BB.

100.º Impugna assim a assinatura pelo que, a autoria da assinatura constante da livrança dada à execução, quando impugnada e colocada em causa a sua validade como título executivo tem como consequência, a incumbência ao Embargado fazer prova da veracidade de tal assinatura nos termos conjugados dos artigos 374.º, n.º 2 e 342.º, n.º 1 do CC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos. (cfr. artigo 534.º, n.º 1, do CC, a contrario)»                             

Coloca-se agora a questão:

No que respeita à embargante AA, poder-se-á dizer que ela também está a impugnar a sua própria assinatura?

Literalmente não, pois, no artigo 100.º o embargante BB apenas se refere à sua própria assinatura; como a embargante AA faz seu este articulado, faz seu o artigo 100.º, mas neste artigo 100.º não se impugna assinatura da embargante AA.

Mas não será surpreendente se a intenção da embargante foi a de impugnar a sua própria assinatura.

Mas permanece a dúvida.

d) Por fim, para além da comodidade de que gozará aquele que embarga por remissão, não se encontra justificação para tal prática.

4- Considerando o exposto, entende-se que não há alegação de factos e não existindo alegação de factos a oposição, como se afirma na decisão recorrida, não contém causa de pedir e é, por isso, manifestamente improcedente, o que implica o seu indeferimento liminar, nos termos previstos, por falta de causa de pedir e inclusive de pedido – artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, al. b), 590.º, n.º 1 e 732.º, n.º 1, al. c), todos do CPC.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente (sem prejuízo do apoio judiciário de que goze).


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Coimbra, …