RECURSO PER SALTUM
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PENA SUSPENSA
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
MEDIDA CONCRETA DA PENA
FINS DAS PENAS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário


I - Sendo os recursos limitados à matéria de direito, face ao princípio processual do conhecimento conjunto dos recursos interpostos da mesma decisão, devendo a impugnação do acórdão que aplicou a pena de 6 anos e 6 meses de prisão ser interposta para o STJ e não sendo admissível recurso prévio para o tribunal da Relação, nos termos do art. 432.º, n.os 1, al. c), e 2, do CPP, é também este o tribunal competente para julgamento do recurso da decisão que aplicou, ao outro arguido, uma pena inferior a 5 anos de prisão.
II - A entrega, por um visitante a um recluso, de 2 embalagens de canábis (resina) – com o peso de 94,828 gramas, o grau de pureza de 22,8%, e correspondendo a 432 doses de consumo –, no interior de estabelecimento prisional e com o objetivo de obter lucros através da sua venda a outros reclusos, é subsumível ao crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22-01.
III - Sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida da pena única por este STJ abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
IV - Face ao mediano grau de ilicitude (tendo em conta a qualidade e quantidade de droga apreendida), ao dolo direto, às diminutas consequências do crime (dado que a droga não chegou a sair da posse do arguido), tendo em conta que os arguidos agiram motivados pela obtenção de proventos económicos, e que, por um lado, o arguido é reincidente, com largo passado criminal, e a arguida é primária e revela iniciática contrição sobre a gravidade dos factos praticados, sopesando ainda as elevadas necessidades de prevenção geral e, quanto ao arguido, também especial, mostram-se adequadas e proporcionais as penas de 7 e 5 anos de prisão, respetivamente para o arguido e para a arguida.
V - Dado que a arguida é primária, assumiu a sua conduta e contribuiu para a descoberta da verdade, mostra-se bem inserida socialmente, desvela sentimentos de vergonha pelo seu comportamento e indicia consciência do mal praticado e autocensura relevante, justifica-se a suspensão da execução da pena de prisão, pelo período de 5 anos e com submissão a regime de prova.

Texto Integral


Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

A - Relatório

A.1. Decisão da primeira instância

Através de acórdão proferido a 1 de outubro de 2024, pelo Juízo Central Criminal de ... – Juiz ... e nos autos em epígrafe referenciados1, foi proferida decisão que condenou:

O arguido AA pela prática, em reincidência (art.º 75.º e 76.º, n.º 1 do Código Penal) e em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal – na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

A arguida BB pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal - na pena de 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, com sujeição a regime de prova.

A.2. O recurso

Inconformado com essa decisão. dela recorreu o Ministério Público, terminando as suas motivações com as seguintes conclusões (transcrição integral):

“II CONCLUSÕES:

Concluindo, dir-se-á, pois, que:

1. O arguido AA foi condenado pela prática, em reincidência (arts 75º e 76º nº1 do Código Penal) e em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art 21º do DL 15/93 de 22.01 com referência à tabela IC, anexa ao diploma, na pena de seis anos e seis meses de prisão.

2. A arguida BB foi condenada pela prática em co- autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art 21º do DL 15/93 de 22.01 com referência à tabela IC, anexa ao diploma, na pena de cinco anos de prisão suspensa na a execução pelo período de 5 (cinco) anos com sujeição a regime de prova o qual deve privilegiar a prossecução de busca activa de actividade estrutural laboral, a consciencialização efectiva para a valorização da ilicitude do comportamento pelo qual vai punida e reconhecimento da existência de afectação da saúde pública mormente no que à sensível introdução de produtos estupefacientes em meio prisional respeita – artigos 50º, nºs 1,2, 4 e 5 e 53º nºs 1,2 e 3 e 54º todos do Código Penal.

3. Considerando a matéria de facto provada (“ipis verbis” como constante da acusação) temos por verificada a agravante prevista nos termos do art 24º al.h) do DL 15/93 de 22.01.

4. Entendemos que a circunstância agravante funciona independentemente da natureza ou da quantidade da substância estupefaciente traficada, bem como a circunstância de o produto estupefaciente não ter chegado à restante população prisional (elementos estes que, isso sim, deverão ter reflexo na determinação da medida concreta da pena).

5. Parece-nos, que a intenção do legislador é simplesmente esta: o tráfico em estabelecimento prisional é sempre e em qualquer caso agravado.

6. Nesse sentido do Supremo Tribunal de Justiça:

- Acórdãos de 07.12.2023 e de 30.11.2022 e de 13.09.2018 e do Tribunal da Relação de Lisboa: acórdão de 17.02.2022 e de 20.09.2017 todos disponíveis em www.dgsi.pt

7. A norma decorrente do art 24º al. h) dl DL15/93 de 22.01 tem como escopo a pretensão de afastar os produtos estupefacientes desse tipo de estabelecimentos, de forma a não postergar os processos de ressocialização e de reintegração dos condenados na sociedade, com todas as especiais vulnerabilidades que possam ter no decurso desse período.

8. Cumpre proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos, cumprindo-se o disposto no art 358º nº3 do Código de Processo Penal.

9. Motivo pelo qual, considerando as molduras abstractas e as considerações concretas tidas em conta pelo tribunal defendemos como adequadas as seguintes penas:

- 5 (cinco) anos de prisão à arguida BB suspensa na execução por igual período e com regime de prova traçado nos termos propostos pelo tribunal.

- 7 (sete anos) anos de prisão ao arguido AA.”

1.3. Resposta do Arguido

Notificados da interposição do recurso nenhum dos arguidos ofereceu resposta.

1.4. Parecer

O Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal apresentou extenso parecer, que termina com as seguintes conclusões:

A. – “É este STJ o competente para apreciar o recurso, restrito à matéria de direito e interposto diretamente de decisão de 1ª instância (tribunal coletivo), não obstante uma das penas aplicadas não haja sido superior a 5 anos de prisão;

B. - Deverá merecer procedência o recurso interposto pelo Ministério Público pois que, atenta a matéria de facto dada como provada e não contestada, está-se claramente perante a prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado nos termos do artº 24º, al. h) do Dec-Lei nº 15/93, de 22.01;

C. - Verificando-se no caso o preenchimento dos requisitos que a lei e a jurisprudência têm entendido como justificado a agravação e a punição de firma mais severa, com o fito de proteger a saúde e a reinserção social da população prisional, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, reinserção social que não pode tolerar tais consumos.

D. - Não colhendo os argumentos utilizados na decisão recorrida quando ali se afasta a agravação, até porque a jurisprudência, ao contrário do que ali é invocado, apenas em situações excecionais afasta tal agravação, situações (como o desconhecimento acerca do destino a dar aos estupefacientes, a sua escassa quantidade ou mesmo o não terem chegado a penetrar do EP) que no caso não ocorrem (provado ficou que os estupefacientes chegaram a entrar no EP, constituíam quantidade capaz de grande disseminação pela população prisional por poderem ser elaboradas 432 doses e que os arguidos agiram com intenção de vender o produto a outros prisioneiros e com o fito de obterem lucros).

E. - Tendo os arguidos sido acusados pela prática do crime de tráfico-base do artº 21º do Dec-Lei nº 15/93, de 22.01, mas correspondendo a factualidade provada à prática do crime agravado, há que dar cumprimento ao disposto no artº 358º, nº 1, do CPP (por força do nº 3 do mesmo preceito), norma que, assim, foi violada pelo Tribunal a quo;

F. - Donde que os autos deverão ser devolvidos, a fim de ser dado cumprimento àquela norma, seguindo-se os demais termos do processo;

G. - Só assim se garantindo aos arguidos a possibilidade de, querendo, recorrerem das penas que lhes vierem então a ser aplicadas;

H. - A entender-se, pelo contrário, pela possibilidade deste STJ desde já fixar as penas, entende-se que as mesmas deverão ser as propostas pelo Ministério Público no seu recurso.”

1.5. Contraditório

Notificados deste parecer os arguidos voltaram a não oferecer qualquer resposta.

* * *

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B - Fundamentação

B.1. âmbito do recurso

O âmbito do recurso delimita-se, como já atrás se referiu, pelas conclusões do recorrente (artigos 402º, 403º e 412º do Código de Processo Penal) sem prejuízo, se necessário à sua boa decisão, da competência do Supremo Tribunal de Justiça para, oficiosamente, conhecer dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma legal, (acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/95 in D.R. I Série de 28 de dezembro de 1995), de nulidades não sanadas (nº 3 do aludido artigo 410º) e de nulidades da sentença ( artigo 379º, nº do Código de Processo Penal).

Assim e em suma, as questões a apreciar no presente recurso são as seguintes:

• Qualificação jurídica da matéria dada como provada;

• Medida das penas

B.2. Matéria de facto dada como provada

Para proceder a essa apreciação importa, antes de mais, consignar a matéria de facto dada como provada e que serviu de fundamento à qualificação jurídica dos factos e à aplicação das penas.

Assim, foi dada como provada e fixada a seguinte matéria de facto:

“A. Matéria de facto provada.

O tribunal, discutida a causa, deu como provados os seguintes factos:

Do acusatório.

1. Em data que não se logrou apurar, anterior a 24 de Junho de 2022, os arguidos, de comum acordo e em concertação de esforços, elaboraram um plano, que consistia em adquirir canábis, introduzi-la no Estabelecimento Prisional de ..., onde o arguido AA se encontrava recluso, e aí distribuí-la pelos outros reclusos, para desta forma auferirem quantias monetárias, que se traduziriam em lucro e que seriam repartidas por ambos.

2. Assim, de acordo com o referido plano, no dia 24 de Junho de 2022, pouco antes das 11h50, a arguida BB dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional de ..., sito na Rua ..., em ..., trazendo consigo, dissimuladas no interior da vagina 2 (duas) embalagens de canábis (resina), com o peso líquido de 94,828 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 22,8%, sendo o equivalente a 432 doses de consumo.

3. Durante a visita efectuada ao arguido, seu companheiro, a arguida logrou entregar-lhe as referidas duas embalagens de canábis, que, por sua vez, este, posteriormente cederia a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional, em troca de quantias monetárias, conforme já referido.

4. Após o término da visita, o arguido foi sujeito a revista, no decurso da qual, foram encontradas, dissimuladas no interior dos sapatos que trazia calçados as 2 (duas) embalagens de canábis (resina), com o peso líquido de 94,828 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 22,8%, sendo o equivalente a 432 doses de consumo.

5. Os arguidos, que actuaram em colaboração mútua, conheciam as características e a natureza estupefaciente daquele produto, bem sabendo que a sua detenção, introdução em estabelecimentos prisionais e a entrega a terceiros era proibida e criminalmente punida.

6. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, e de forma concertada e em conjunto e comunhão de esforços e de intentos, querendo deter tal substância com o propósito de a cederem a terceiros no interior do Estabelecimento Prisional.

7. O arguido já sofreu condenações, transitadas em julgado, sendo, além do mais:

- Na pena de 15 (quinze) meses de prisão, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98 de 03/01, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 427/17.9..., transitada em julgado em 02-10-2017, relativa a factos ocorridos em 09-05-2017;

- Na pena de 20 (vinte) meses de prisão, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98 de 03/01, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 215/21.8..., transitada em julgado em 15-03-2022, relativa a factos ocorridos em 23-07-2021;

- Na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão, pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98 de 03/01, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 139/21.9..., transitada em julgado em 23-06-2022, relativa a factos ocorridos em 24-05-2021.

8. Tais condenações, conexas solenes advertências e o cumprimento de pena de prisão efectiva correspondente não foram suficientes para obstar a que o arguido cometesse os factos apurados de 1. a 6..

9. O arguido revela uma especial apetência para o crime, não se inserindo socialmente, voltando a delinquir pouco tempo depois de ter sido condenado, estando desenquadrado das regras de vivência em sociedade.

10. Entre os factos que determinaram a última condenação do arguido e os provados de 1. a 6. não mediaram cinco anos.

*

Da situação pessoal e condição sócio-económica dos arguidos AA e BB.

11. Os arguidos AA e BB mantêm relacionamento afectivo há mais de 24 anos, vivendo actalmente em conjunto com o filho de ambos, CC, de 24 anos de idade.

12. A relação afectiva e familiar é harmoniosa, estável e de apoio mútuo.

13. À data dos factos, o agregado familiar era constituído apenas por BB e pelo filho CC, uma vez que o arguido AA se encontrava preso no Estabelecimento Prisional de ....

14. Em 07 de Julho de 2024, o arguido AA foi restituído à liberdade, tendo voltado a integrar o agregado familiar.

15. Da relação afectiva entre os arguidos AA e BB nasceu uma outra filha, que tem actualmente 13/14 anos de idade e que foi adotapda ainda bebé, por decisão de Tribunal Judicial, devido à falta de condições económicas do agregado.

16. A habitação dos arguidos consubstancia apartamento de natureza municipal - social, pertencente à Câmara Municipal de ..., que foi atribuída ao agregado de BB, em regime de arrendamento apoiado, sob titularidade da arguida, e pela qual paga uma renda mensal de € 66 (sessenta e seis euros) e € 9,32 (nove euros e trinta e dois cêntimos) referentes a prestação de acordo realizado com a Câmara Municipal de ... para regularização da dívida.

17. A habitação tem condições de habitabilidade (saneamento básico, conforto e privacidade), sito em meio social com problemáticas sociais/criminais.

18. A arguida não cumpre com a entrega de documentos para revisão do valor da renda, nem com o pagamento regular da actual renda, pelo que tem acumulado dívidas à Câmara Municipal de ... no valor total de € 1684,68 (mil seiscentos e oitenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos), tendo sido já notificada para o pagamento de tal valor.

19. A arguida tem como habilitações literárias o 5.º ano de escolaridade, concluído na Escola ..., em ....

20. Iniciou a frequência do 6.º ano de escolaridade, mas não chegou a concluir, por falta de interesse.

21. A arguida frequento, durante três meses, curso de formação profissional na área da geriatria, no IEFP da ..., que não concluiu.

22. A arguida encontra-se desempregada há 13/14 anos, desde que a sua filha nasceu, e inscrita no IEFP, desde 14 de Junho de 2024.

23. Não obstante, durante os últimos 14 anos tem realizado procura activa de emprego, deslocando-se porta a porta a oferecer-se para trabalhar.

24. A situação económica do agregado familiar revela:

- Valor dos rendimentos líquidos do arguido(a): € 220,00 (duzentos euros);

- Valor total das despesas/encargos fixos do agregado:

i) Habitação: € 75,32;

ii) Água/luz/telecomunicações: € 72,00

25. O agregado familiar vive uma grave situação de insuficiência / carência económica, não possuindo capacidade para satisfazer as necessidades diárias, nem outras despesas inesperadas, estando o filho do casal desempregado.

26. A arguida encontra-se desempregada, sem a atribuição de qualquer subsídio e de acordo com a mesma, o seu companheiro e o seu filho também não exercem qualquer actividade laboral, nem auferem quaisquer rendimentos fixos.

27. No decurso do presente ano, BB efectuou dois pedidos para atribuição do Rendimento Social de Inserção (RSI), tendo um dos pedidos sido indeferido e o outro arquivado, por falta de entrega da totalidade dos documentos necessários para o efeito, por parte da arguida.

28. O agregado familiar conta com apoio monetário mensal no valor de € 220 (duzentos e vinte euros) por parte de um amigo, Sr. DD, a título de caridade.

29. O agregado familiar tem apoio alimentar, com periodicidade quinzenal, prestado pela Associação ... - ..., apoio esse obtido há cerca de três meses, quando o arguido ainda estava preso no estabelecimento Prisional de ....

30. A arguida considera estar bem inserida na área de residência, descrevendo um bom relacionamento com vizinhos e com os elementos da igreja que refere frequentar em ....

31. No âmbito do presente processo judicial, a arguida apresenta sentimento de vergonha, expressando nervosismo e preocupação com o desfecho do mesmo, manifestando preocupação com a eventual aplicação de pena de prisão.

*

Dos antecedentes criminais registados.

32. Para além do apurado em 7., o arguido AA tem os seguintes antecedentes criminais registados:

i) No âmbito do processo comum n.º 82/94.2..., da ....ª Vara Criminal de ... – ....ª Secção, por acórdão de 04-07-1997, transitado em julgado, foi condenado pela prática, em 24-08-1994, de um crime de roubo, na forma tentada, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por 5 (cinco) anos.

Por despacho de 17-03-2003, tal pena foi declarada extinta.

ii) No âmbito do processo comum n.º 2261/01.9..., do ....º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, por sentença de 28-10-2005, transitada em julgado a 14-11-2005, foi condenado pela prática, em 26-12-2001, de um crime de ofensa à integridade física simples na pena 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 600,00 (seiscentos euros).

Por despacho de 13-01-2010, tal pena foi declarada extinta, por prescrição.

iii) No âmbito do processo comum n.º 364/07.5..., do ....º Juízo Criminal – ....ª do Tribunal Judicial de Lisboa, por sentença de 16-03-2009, transitada em julgado em 04-05-2009, foi condenado pela prática, em 03-02-2007, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 600,00 (seiscentos euros).

Por despacho de 06-12-2010, tal pena foi declarada extinta após o cumprimento de 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária.

iv) No âmbito do processo comum n.º 95/07.6..., do Juiz ... – ....ª Secção do Juízo de Média Instância Criminal da Comarca de Lisboa-Noroeste, por sentença de 29-09-2009, transitada em julgado em 19-10-2009, foi condenado pela prática, em 01-03-2007, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o total de € 1320,00 (mil trezentos e vinte euros).

Por despacho de 19-10-2013, tal pena foi declarada extinta por prescrição.

v) No âmbito do processo sumário n.º 1968/09.7..., do Juiz ... – Juízo de Pequena Instância Criminal da Comarca de Lisboa-Noroeste, por sentença de 26-01-2010, transitada em julgado em 15-02-2010, foi condenado pela prática, em 27-12-2009, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 1100,00 (mil e cem euros).

Por despacho de 15-06-2012, tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento.

vi) No âmbito do processo sumário n.º 86/09.2..., do Juiz ... – Juízo de Pequena Instância Criminal da Comarca de Lisboa-Noroeste, por sentença de 12-03-2009, transitada em julgado em 06-04-2010, foi condenado pela prática, em 18-02-2009, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros).

Por despacho de 12-08-2013, tal pena foi declarada extinta após o cumprimento de 47 (quarenta e sete) dias de prisão subsidiária.

vii) No âmbito do processo comum n.º 1860/07.0..., do Juiz ... – ....ª Secção – do Juízo de Média Instância Criminal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, por sentença de 26-04-2010, transitada em julgado em 01-07-2010, foi condenado pela prática, em 20-05-2007, de um crime de furto na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), perfazendo o total de € 960,00 (novecentos e sessenta euros).

viii) No âmbito do processo abreviado n.º 593/06.9..., do Juiz ... – Juízo de Pequena Instância Criminal da Comarca de Lisboa-Noroeste, por sentença de 25-06-2008, transitada em julgado em 06-08-2010, foi condenado pela prática, em 20-12-2006, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 400,00 (quatrocentos euros).

Por despacho de 08-03-2014, tal pena foi declarada extinta após o cumprimento de 53 (cinquenta e três) dias de prisão subsidiária.

ix) No âmbito do processo comum n.º 414/07.5..., do ....ª Juízo – ....ª Secção – do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, por sentença de 22-06-2010, transitada em julgado em 30-09-2010, foi condenado pela prática, em 25-04-2007, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano.

Por despacho de 10-11-2011, tal pena foi declarada extinta.

x) No âmbito do processo abreviado n.º 27/07.1..., do Juiz ... – Juízo de Pequena Instância Criminal da Comarca de Lisboa-Noroeste, por sentença de 06-01-2011, transitada em julgado em 03-02-2011, foi condenado pela prática, em 14-01-2007, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 8 (oito) meses de prisão substituída por 48 (quarenta e oito) dias de prisão por dias livres, de 36 horas, a cumprir das 1 horas de Sábado até às 19 horas de Domingo.

Por despacho de 14-02-2013, tal pena foi declarada extinta por cumprimento.

xi) No âmbito do processo abreviado n.º 948/10.4..., do Juízo de Pequena Instância Criminal da ... – Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, por sentença 11-01-2011, transitada em julgado em 21-03-2011, foi condenado pela prática, em 24-06-2010, de um crime de ofensa à integridade física simples na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 1.000,00 (mil euros).

Por despacho de 26-06-2013, tal pena foi declarada extinta após o cumprimento de 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária.

xii) No âmbito do processo abreviado n.º 152/10.1..., do ....ª Juízo – ....ª Secção – do Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa, por sentença de 19-10-2010, transitada em julgado em 05-07-2011, foi condenado pela prática, em 14-07-2010, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).

Por despacho de 17-01-2014, tal pena foi declarada extinta após o cumprimento de 160 (cento e sessenta) dias de prisão subsidiária.

xiii) No âmbito do processo comum n.º 109/05.4..., do Juízo de Média Instância Criminal de ... – Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, por sentença 15-11-2011, transitada em julgado em 20-02-2012, foi condenado pela prática, em 01-03-2005, de um crime de receptação na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), perfazendo o total de € 1.000,00 (mil euros).

Por despacho de 22-01-2020, tal pena foi declarada extinta após a substituição por 200 (duzentas) horas de trabalho e cumprimento de 95 (noventa e cinco) dias de prisão.

xiv) No âmbito do processo comum n.º 868/10.2..., do Juízo de Média Instância Criminal de ... – Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, por sentença de 04-07-2012, transitada em julgado em 10-09-2012, foi condenado pela prática, em 2010, de um crime de extorsão na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.

Por despacho de 25-07-2015, tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento.

xv) No âmbito do processo sumário n.º 272/17.1..., do Juiz ... - Juízo Local de Pequena Criminalidade Instância Criminal de ... – Comarca de Lisboa Oeste, por sentença de 21-04-2017, transitada em julgado em 24-05-2017, foi condenado pela prática, em 23-03-2017, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 360 (trezentos e sessenta) dias de prisão, a cumprir em 72 (setenta e dois) períodos de 48 (quarenta e oito) horas cada, entre as 19h00 de 6.ª feria e as 19h00 de Domingo.

xvi) No âmbito do processo comum n.º 308/20.9..., do Juiz ... - Juízo Local de ... – Tribunal Judicial de Lisboa Oeste, por sentença de 05-04-2022, transitada em julgado em 16-05-2022, foi condenado pela prática, em 17-04-2020, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 6 (seis) meses, um crime de dano simples, na pena de 4 (quatro) meses e um crime de ameaça, na pena de 2 (dois) meses de prisão, sendo na pena única de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, sujeita a condição de pagamento ao ofendido.

33. A arguida BB não tem antecedentes criminais registados.

*

B. Matéria de facto não provada.

Da discussão da causa, e com relevância para a boa decisão da mesma, não logrou provar-se qualquer outra factualidade.

B.4. O Direito

B.4.1. Questões prévia - Determinação do tribunal ad quem

Como atrás se consignou, o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto colocou a questão de saber se este Alto Tribunal é o competente para apreciar o presente recurso.

Com efeito o tribunal coletivo a quo condenou a arguida BB na pena de 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, com sujeição a regime de prova.

Por isso e face ao disposto no artigo 432º, nº 1, al. c) do Código de Processo Penal, a contrario sensu, estaria vedado o recurso direto para este Supremo Tribunal de Justiça.

Porém, o arguido AA foi condenado, por esse mesmo tribunal coletivo, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Assim e dado que o recorrente apenas suscita questões de direito, estamos perante uma situação em que, em abstrato, a apreciação de um dos recursos compete ao Supremo Tribunal de Justiça, mas o outro já não, devendo, em princípio, ser apreciado pelo Tribunal da Relação.

Face a esta situação cumpre desde logo recordar o princípio processual do conhecimento conjunto dos recursos, que obriga a que seja o mesmo tribunal a conhecer de todos os recursos interpostos da mesma decisão.

Com efeito, funda-se esse princípio, não apenas em razões de economia processual, mas, sobretudo, na necessidade de evitar contradição de julgados ou o uso de critérios injustificadamente diferenciados.

Não existe norma expressa que, à semelhança do disposto no nº 8 do artigo 414º do Código de Processo Penal, defina qual é o tribunal competente para, in casu, apreciar os recursos em apreço.

Contudo, no disposto no nº 2 do artigo 432º do Código de Processo Penal, o legislador proibiu que, in casu, pudesse existir recurso para o Tribunal da Relação.

Assim, outra solução não se vislumbra do que conferir competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do recurso, também no que concerne à arguida BB.

Aliás, neste sentido já decidiram os acórdãos deste Alto Tribunal de 16 de fevereiro de 2017 (relatado pela Juiz Conselheira Helena Moniz)2, de 15 de março de 2023 (relatado pelo Juiz Conselheiro Lopes da Mota)3 e de 17 de abril de 2024 (relatado igualmente pelo Juiz Conselheiro Lopes da Mota)4 cujo sumário é o seguinte:

I – Sendo os recursos limitados a matéria de direito, mantendo-se a conexão e a unidade dos processos (artigos 27.º e 29.º do CPP), devendo o recurso do acórdão que aplicou a pena de 7 anos e 3 meses de prisão ser interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e não sendo admissível recurso prévio para a relação, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, do CPP, é este tribunal competente para julgamento do recurso da decisão que aplicou penas inferiores a 5 anos de prisão.”

Resolvida esta questão prévia (no sentido propugnado pelo Ministério junto deste Alto Tribunal) passaremos à apreciação do recurso apresentado.

B.4.2. A qualificação jurídica da matéria de facto dada como assente

Também como atrás se deixou consignado, ambos os arguidos foram condenados pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal.

Porém, o Ministério Público entende que, face à matéria de facto dada como provada, mostra-se também verificada a agravante estabelecida na al. h), do artigo 24º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.

Relativamente a esta matéria o Acórdão recorrido começa por caracterizar (e bem) o crime de tráfico de estupefacientes, nos seguintes termos:

“Pode qualificar-se, pois, o tráfico de estupefacientes como um crime de perigo: o legislador não exige, para a respectiva consumação, a efetiva lesão dos bens jurídicos tutelados.

E trata-se, outrossim, de um crime de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser recondutíveis a um mais geral: a saúde pública.

Finalmente, o crime é de perigo abstrato, porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras das circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos.

A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstrata das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afetação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.”

Em seguida, citando jurisprudência deste Alto Tribunal, debruça-se sobre a ratio do agravamento atrás referido, nos termos seguintes:

Em primeiro lugar, reconhecer que o agravamento do tráfico de estupefaciente cometido em estabelecimento prisional “(…) visa especificamente conferir proteção reforçada a um grupo determinado de pessoas, foi estabelecida precisamente para proteger a saúde e a reinserção social da população prisional, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, portanto alvo fácil da oferta, aquisição, guarda e consumo de estupefacientes e num ambiente fechado, onde, pela apertada vigilância exercida, os valores ou as vantagens dos traficantes facilmente se exponenciam. Acresce que a prisão é sempre uma estação de trânsito, onde se deve reflectir e preparar o reingresso na vivência livre, responsável e socialmente útil para a comunidade das mulheres e homens fiéis ao direito. Plano de reinserção social que não pode tolerar com consumos de estupefacientes. Consequentemente, o tráfico de drogas em estabelecimento prisional porque confere gravidade acrescida ao ilícito e acentua o desvalor da ação tem de punir-se no âmbito de moldura penal mais severa.” – neste sentido Ac. STJ de 19-05-2021, in Proc. nº 888/19.1JAPDL.S1, acessível em www.dgsi.pt. “

Também neste ponto estamos de acordo com o acórdão recorrido.

Com efeito, e citando Pedro Patto5:

“A ratio desta agravação, no que se refere particularmente aos estabelecimentos prisionais, tem, sobretudo, a ver com as finalidades e regras de funcionamento destes estabelecimentos.

Afirma-se, a este propósito, no Ac. do TRC de 31.5.06, Proc. Nº 1063/06, in wwwdgsi.pt:

“As especiais condições em que se encontram os usuários de um espaço confinado e restrito, como é o espaço prisional, exigem que aqueles que nelas se inserem adquiram e assumam comportamentos de contenção e arrimados às regras e regulamentos que de ordinário vigoram neste tipo de espaços, pelo fim a que se destinam, por um lado, e pela disciplina e controlo a que devem estar submetidos. A simples ameaça de introdução de produtos estupefacientes em ambientes fechados e propensos a disseminação de estereótipos constitui-se com um factor de perturbação das regras e das necessidades de observância de condutas isentas de tonalidades transgressoras e colidentes com os ditames de reeducação que devem presidir a uma instituição que deve procurar reabilitar e resocializar aqueles que se apartam das normas socialmente estabelecidas”. Neste sentido pode ver-se também os Acs do STJ de 5.2.04, Proc. Nº 03P4419; de 15.02.07, proc Nº 06P4092; e de 6.11.08, proc. Nº 08922501, todos in www.dgsi.pt. A estas considerações de ordem geral pode acrescentar se a consideração de ordem particular da dimensão que assume a difusão da droga, desde há muitos anos nas prisões portuguesas, o que reforça as exigências de prevenção geral.

À luz desta ratio, deve concluir-se que não é tanto a condição de recluso do agente que justifica a agravação, mas antes o efeito da difusão da droga na comunidade prisional. Comete o crime (agravado) um simples ”visitante” ou “transeunte” (assim o Ac. do STJ de 5.2.04, PROC. Nº 03P 4419, in www.dgsi.pt. “

(…)

E, também se concorda com o acórdão recorrido na parte em que, citando a mesma doutrina, escreve o seguinte:

“A jurisprudência tem acentuado que a circunstância agravante em causa não opera de modo automático e que pode haver situações de tráfico em estabelecimento prisional punidas nos termos gerais do artigo 21.º. Nos casos que envolvam quantidades diminutas, cedências sem fins lucrativos ou de reduzido grau de disseminação da droga entre a população prisional, não pode dizer-se que, à luz da ratio do preceito, estejamos perante condutas de ilicitude equiparável à ilicitude excepcionalmente elevada correspondente ao artigo 24.º em apreço”.

Porém, já discordamos do acórdão recorrido quando, a partir desta doutrina e jurisprudência, se pronuncia sobre o caso concreto.

E, neste particular, desde logo há que chamar a atenção – como bem faz o Digníssimo Procurador-Geral-Adjunto - para o facto de a maior parte da jurisprudência invocada pelo tribunal a quo (v.g. deste Supremo Tribunal de Justiça) partir de uma base factual bastante diversa da que foi dada como assente no presente processo. Ou seja, para além de não subscrevermos integralmente toda essa jurisprudência, a mesma assenta em factos diversos dos que foram dados como provados nos presentes autos.

Com efeito:

• no acórdão datado de 20.06.2006 (processo 06P1796) a agravante foi afastada por ausência de disseminação ou de intenção de disseminação pela demais população prisional e por quantidade detida ser diminuta (0,213 g);

• no acórdão datado de 08.06.2006 (processo 399/04.0) a agravante foi afastada por via da quantidade apreendida – 10 gramas – tendo sido autora dos factos uma mãe que ia visitar o filho do EP;

• no acórdão datado de 21.04.2005 (processo 1273/05) a agravante foi afastada porque não se provou qual o destino que o arguido pretendia dar à droga, estando-se perante situação de mera detenção;

• no acórdão datado de 14.07.2005 (processo 04P2147) a agravante foi afastada porque não se apurou qual o destino que iria ser dada ao estupefaciente e devido à quase irrelevância da sua quantidade;

• no acórdão datado de 02.05.2007 (processo 07P1013) a agravante foi afastada porque, em princípio, a agravação só poderia existir se tivesse existido disseminação ou perigo de disseminação de estupefacientes pelos reclusos, quando a quantidade seja significativa, ou quando a intenção fosse meramente lucrativa, o que não ocorria no processo referido;

• no acórdão datado de 07.07.2009 (processo 52/07.2PEPDL.S1) a agravante foi afastada porque se tratava de mera detenção, por parte de recluso, de pequenas quantidades de heroína e de canabis, sendo o arguido consumidor de substâncias estupefacientes;

• no acórdão datado de 02.12.2013 (processo 116/11.8JACBR.S1) a agravante foi afastada em função da qualidade (haxixe) e quantidade de droga apreendida (43,138 gramas);

• no acórdão datado de 11.04.2024 (processo 2226/22.7JAPRT.S1) a agravante foi afastada porque não se conseguiu apurar que o estupefaciente fosse para disseminação pela população prisional;

• no acórdão datado de 22.11.2023 (processo 2226/22.7JAPRT.S1 do Tribunal da Relação do Porto) considerou-se que não é possível agravar a conduta nos casos que envolvam quantidades diminutas, cedências sem fins lucrativos ou de reduzido grau de disseminação da droga entre a população prisional;

• e, no acórdão datado de 12.07.2018 (processo 116/15.9JACBR.C1.S1,) a agravante foi afastada por não se ter apurado se o estupefaciente encontrado na posse da arguida se destinava efetivamente a ser entregue ao filho (recluso).

Ora, no caso em apreço foi dado como provado que:

1. Em data que não se logrou apurar, anterior a 24 de Junho de 2022, os arguidos, de comum acordo e em concertação de esforços, elaboraram um plano, que consistia em adquirir canábis, introduzi-la no Estabelecimento Prisional de ..., onde o arguido AA se encontrava recluso, e aí distribuí-la pelos outros reclusos, para desta forma auferirem quantias monetárias, que se traduziriam em lucro e que seriam repartidas por ambos.

2. Assim, de acordo com o referido plano, no dia 24 de Junho de 2022, pouco antes das 11h50, a arguida BB dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional de ..., sito na Rua ..., em ..., trazendo consigo, dissimuladas no interior da vagina 2 (duas) embalagens de canábis (resina), com o peso líquido de 94,828 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 22,8%, sendo o equivalente a 432 doses de consumo.

3. Durante a visita efectuada ao arguido, seu companheiro, a arguida logrou entregar-lhe as referidas duas embalagens de canábis, que, por sua vez, este, posteriormente cederia a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional, em troca de quantias monetárias, conforme já referido.

4. Após o término da visita, o arguido foi sujeito a revista, no decurso da qual, foram encontradas, dissimuladas no interior dos sapatos que trazia calçados as 2 (duas) embalagens de canábis (resina), com o peso líquido de 94,828 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 22,8%, sendo o equivalente a 432 doses de consumo.

Ou seja, no caso dos autos, a entrega da droga pela visitante ao recluso consumou-se dentro do estabelecimento prisional, ambos os arguidos atuaram com o objetivo de obter lucros através da venda do estupefaciente a outros reclusos e a quantidade apreendida, tendo sobretudo em conta o local onde o ilícito foi praticado não é diminuta, já que, tratando-se, contudo, de haxixe – embora haxixe resina e não haxixe folhas e sumidades floridas ou frutificadas - dava para repartir em 432 doses de consumo6 e destinava-se a um grupo de pessoas que não ultrapassava as centenas de indivíduos.

E, ainda a este propósito, importa desde logo sublinhar que a circunstância do produto estupefaciente ter sido intercetado na sequência de realização de visita, não chegando ao contato da restante população prisional, não obsta à aludida agravação da sua conduta.

Com efeito, desde logo há que recordar que estamos perante um crime de perigo comum e abstrato, o que significa que não se exige a efetiva lesão dos bens jurídicos tutelados, nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas, apenas, a perigosidade da ação para as espécies de bens jurídicos protegidos pelas aludidas normas. Por outro lado, essa circunstância também nunca poderia diminuir a ilicitude da conduta dos arguidos dado que a interceção já ocorreu no interior do próprio estabelecimento prisional e porquanto se ter tratado de uma circunstância exógena à conduta dos arguidos, na medida em que estes nada contribuíram para que a droga não fosse distribuída pelos demais lhes reclusos.

Entretanto, embora também entendamos que o disposto na al. h) do artigo 24º não opera de modo automático – sendo necessário que a detenção da droga no estabelecimento se traduza “numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção dos resultados desvaliosos que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento” 7 - importa não desvalorizar o sentido e alcance do facto de o legislador ter estabelecido como uma das agravantes modificativas da pena do crime de tráfico de droga a circunstância de essa atividade ocorrer num estabelecimento prisional.

E, quanto a este ponto, há que sublinhar que - ao contrário do que acontece, por exemplo, no crime de homicídio qualificado - no caso do disposto no artigo 24º do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro, não existe nenhuma norma equivalente ao disposto no nº 1 do artigo 132º do Código Penal. Ou seja, não estamos perante aquilo que a doutrina e a jurisprudência denominam como “exemplos padrão”.

E, ainda que assim não fosse, note-se que, mesmo perante os aludidos “exemplos padrão” – cuja descrição constitui indicador de situação que deve conduzir à agravação –, a modificação da moldura abstrata da pena só não ocorrerá a partir da existência, na pessoa do autor ou na sua ação, de circunstâncias extraordinárias que destaquem a sua ilicitude ou a sua culpa claramente do “exemplo padrão”.

Voltando ao caso dos autos e como refere A. G. Lourenço Martins8Na alínea h) assume relevância particular o lugar da prática da infração especificado com referência à realidade nacional e tendo também em conta a alínea g) do artigo 3º da convenção9.” (sublinhado nosso)

Ou seja, citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de setembro de 2023.10

Como observa Pedro Patto, na interpretação do art. 24º “e das suas várias alíneas, deve partir-se do pressuposto de que estamos perante um crime de gravidade excepcional e extraordinariamente elevada, substancialmente mais elevada do que aquela (já de si levada) que corresponde ao tipo base do artigo 21º (…)11 (sublinhado e negrito nossos)

Assim, verificada uma dessas circunstâncias agravantes modificativas da moldura abstrata da pena – as quais, por si só, pressupõem uma excecional e extraordinariamente elevada ilicitude –, a agravação só não será aplicada se se demonstrar que a conduta dada como provada não traduz a factualidade de referência típica, ou seja, a factualidade que o legislador pretendeu incutir na descrição agravativa como relevante para a densificação do sentido axiológico-normativo com que pretende a salvaguarda dos específicos bens jurídicos e a proteção (recuada) dos valores ético-sociais prevalecentes.

Ora, in casu, nada se provou que autorize o não agravamento da pena a aplicar aos arguidos. Pelo contrário, provou-se que, com a conduta referenciada, os arguidos geraram a perigosidade para as espécies de bens jurídicos tutelados pelo crime de tráfico de droga agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, al h) do Decreto-Lei 15/93, de 22 de janeiro.

Com efeito, a título meramente exemplificativo e ao contrário do que ocorreu em alguns dos casos subjacentes aos acórdãos atrás referidos, não se provou que, face à sua quantidade, o arguido queria a droga apenas para seu consumo ou que não ficou demonstrado o perigo de disseminação do estupefaciente pela população prisional ou que ficou por comprovar o destino que o arguido pretendia dar à droga.

Em conclusão, a matéria de facto dada como assente é subsumível ao crime de tráfico de droga agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, al. h) do Decreto-lei 15/93, de 22 de janeiro, já que a detenção da droga referida no estabelecimento prisional se traduziu numa conduta dolosa dos arguidos, com vista a potencial produção dos resultados desvaliosos e que levou o legislador a agravar a pena que, se a mesma não existisse, seria aplicável ao aludido comportamento.

Chegados a este ponto importa apurar se este Supremo Tribunal de Justiça pode alterar a qualificação jurídica da matéria de facto apurada e, na afirmativa, se o pode fazer subsumindo os factos a um crime mais grave.

A resposta é que pode e deve, uma vez que, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 25 de fevereiro de 200912, a qualificação jurídica dos factos é de conhecimento oficioso.

Com efeito, desde logo nos termos do acórdão de uniformização de jurisprudência 4/95, 7 de junho de 199513:

“O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus.”

Por outro lado, depois das alterações introduzidas no Código de Processo Penal pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto, o nº 3 do artigo 424º desse diploma legal passou a estabelecer que:

“Sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respetiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias.”

Entretanto, entende-se não se justificar qualquer notificação do arguido da aludida alteração não substancial já que este há muito que conhece os termos da mesma e teve oportunidades várias de exercer o contraditório, bem como o seu direito de defesa.

Com efeito, o recurso do Ministério Público – do qual o arguido foi notificado e ao qual teve oportunidade de responder – versa, justamente, sobre essa matéria e um dos pedidos feitos, a final, é, justamente, a alteração da qualificação jurídica dos factos nos termos atrás referenciados. Por outro lado, o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto neste Alto Tribunal emitiu parecer no qual defende o provimento do recurso e do mesmo foi dado igualmente conhecimento ao arguido para, querendo e no prazo concedido, poder exercer o aludido contraditório e direito de defesa.

Finalmente, no caso dos autos nem se coloca o problema da proibição da reformatio in pejus (artigo 409º, nº 1 do Código de Processo Penal) já que o recurso foi interposto pelo Ministério Público. Ou seja, na sequência da alteração da qualificação jurídica dos factos apurados, pode ser aplicada aos arguidos pena mais grave do que a lhe foi aplicada na decisão recorrida.

Vejamos, então, se, como defende o Ministério Público, assim deve acontecer.

B.4.3 - Medida das penas

B.4.3.1. Introdução

O arguido AA foi condenado, pela prática, como reincidente (art.º 75.º e 76.º, n.º 1 do Código Penal), de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal – na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

E a arguida BB foi condenada, pela prática do mesmo crime, na pena de 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, com sujeição a regime de prova.

O Ministério Público entende que, depois de os factos serem qualificados como tráfico de droga agravado nos termos atrás referidos, as penas a aplicar aos arguidos devem ser as seguintes:

7 (sete) anos de prisão para o arguido AA;

5 (cinco) anos de prisão para a arguida BB, suspensa na sua execução pelo mesmo período e com sujeição a regime de prova (ou seja, manter-se-ia a pena aplicada pelo acórdão recorrido).

B.4.3.2. Notas gerais

Nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 40º do Código Penal e como refere Figueiredo Dias14, “(a)s finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade”, sendo que, “a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” pois isso, “mesmo que em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assi, logo por razões jurídico constitucionais, inadmissível.”

Por outro lado, continuando a acompanhar esse Mestre e citando o acórdão recorrido, a determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstrata da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida.

Como decorre do nº 1 do artigo 71º do Código Penal, a medida concreta da pena tem como limite máximo a culpa do agente, como limite mínimo razões de prevenção geral (consubstanciadas no quantum da pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expetativas da comunidade), sendo subsequentemente afinada por razões de prevenção especial espelhadas nas funções que a mesma desempenha (seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou segurança ou inocuização15).

Escrito de outra forma e usando as palavras de Anabela Miranda Rodrigues, sobre o exposto modelo de determinação concreta da medida da pena:

«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas16

Para terminar este excurso falta referir que, nos termos do nº 2 daquele mesmo artigo 71º, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente as elencadas exemplificativamente nessa mesma norma.

Sobre as circunstâncias, que relevam para a determinação da medida da pena, quer pela via da culpa, quer pela da prevenção, refere Figueiredo Dias17, que as mesmas se podem agrupar em:

“1. Fatores relativos à execução do facto”, esclarecendo que: Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram (...);

“2) Fatores relativos à personalidade do agente”, em que inclui: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; e c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto; e

“3) Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”, esclarecendo que no que respeita à vida anterior ao facto há que averiguar se este surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderá atenuar a pena ou se existem condenações anteriores, que poderão servir para agravar a medida da pena.

Também Maria João Antunes refere que podem ser agrupados nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 18

Finalmente, importa sublinhar que, sendo os recursos remédios jurídicos, a sindicabilidade da medida das penas por este Supremo Tribunal de Justiça abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

B.4.3.2. O caso concreto

A primeira operação a realizar para determinar as sanções a aplicar aos arguidos reporta-se, como atrás deixámos referido, à determinação da moldura abstrata da pena.

No caso em apreço o crime de tráfico de estupefaciente previsto pelo artigo 21º, nº 1 do Código Penal, é punível com uma pena de 4 a 12 anos de prisão.

Porém, face à agravação estabelecida na al. h) do artigo 24º do mesmo diploma legal, essa pena passa a situar-se entre os 5 (cinco) e os 15 (quinze) anos de prisão.

Finalmente, dado que o arguido AA foi considerado reincidente (art.º 75.º e 76.º, n.º 1 do Código Penal), no que concerne à sua pessoa o limite mínimo acima referido é acrescentado de 1/3, passando a situar-se nos 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

O acórdão recorrido fundamentou as penas que aplicou aos arguidos nos seguintes termos:

Assim, no que diz respeito aos crimes praticados por cada um dos arguidos, são factores de graduação da pena:

“O grau de ilicitude e o modo de execução do facto que, referenciados ao tráfico de estupefacientes, é proporcional à actuação de cada um dos arguidos, em prática co-autoral, e, daí, também considerando o plano engendrado de introdução em estabelecimento prisional, a qualidade e quantidade da substância estupefaciente em causa (canábis resina), numa única situação e com imediata detecção por revista prisional.

A gravidade das consequências da conduta que se apura baixa-mediana, na justa medida da detecção por revista prisional.

A culpa de cada um dos arguidos consubstanciada num grau de dolo directo que, como tal e face ao contexto apurado, ponderamos concretizar-se num abstracto ponto de média intensidade.

Os sentimentos manifestados no cometimento no crime e os fins ou motivos que o determinaram consubstanciados numa perspectiva ilegítima e ilegal de cedência a terceiros reclusos, com o fito mercantilista de ganho patrimonial.

As condições pessoais, sociais e a situação económica dos arguidos que vão valoradas em conformidade e nos limites do apurado, destacando-se que a situação de desemprego dos arguidos e do filho que com os mesmos configura o agregado familiar, com a inexistência de rendimentos fixos, regulares e estáveis, tem contribuído para a situação de insuficiência /carência económica em que que vivem, com acumulação de dívidas, nomeadamente de dívidas de renda à Câmara Municipal de Sintra. Apesar da situação de fragilidade económica vivenciada e desemprego, ocorre positiva a inscrição da arguida BB, no Centro de Emprego para procura de trabalho a qual se verificou a 14-06-2024.

Acresce que se ao arguido nenhum impulso positivo similar se afere, pese embora a arguida, no presente ano, ter requerido à Segurança Social, por duas vezes, o Rendimento Social de Inserção (RSI), foi o mesmo indeferido e arquivado por incumprimento da mesma, no que respeita à entrega da totalidade dos documentos necessários para o efeito, sendo que, já em 2019 a Câmara Municipal de ... lhe solicitara documentos para revisão do valor da renda e adequação da mesma à realidade socioeconómica do agregado, não tendo também neste caso, procedido à entrega dos documentos solicitados, o que revela desinteresse, desorganização e um comportamento desadequado face à realidade socioeconómica em que se encontra.

A conduta anterior ao facto que em nada releva.

A conduta posterior ao facto que apenas no tangente à arguida BB se evidencia iniciática contrição, ainda que em parca ausência de reflexão sobre a gravidade dos actos levados a efeito.

A (in)existência de antecedentes criminais registados que, enquanto tal e a seu modo, pacifica as exigências de prevenção especial com respeito à arguida BB e eleva manifestamente as mesmas no que tange ao arguido AA pese embora com atinência a diferentes tipos incriminadores - crimes de roubo, na forma tentada, ofensa à integridade física simples, condução sem habilitação legal, furto simples, receptação, extorsão, dano simples e ameaça – observando-se um percurso criminoso espraiado longamente no tempo, beneficiando de penas de diferente natureza, numa espiral de censura que parece não ter logrado conveniente efeito dissuasor.

Por fim, as exigências de prevenção geral que se afiguram prementes porquanto, como bem se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1996, Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, IV, Tomo 2, páginas 211 e seguintes, "o tráfico de estupefacientes é um dos mais graves flagelos do mundo actual, pelos efeitos contagiantes e alastramento devastador de vidas e mentes humanas, com os consequentes conflitos sociais". Sendo, pois, inequívoco reclamar este crime (de tráfico de droga) a maximização dos arsenais da repressão e prevenção. Na verdade, há que sublinhar, acompanhando mais uma vez Pedro Vaz Patto (ob. cit., p. 494), que «a jurisprudência tem acentuado que as exigências de prevenção geral, positiva e negativa, decorrentes da nocividade social do tráfico de estupefacientes, da dimensão da ameaça que representa e da censura comunitária que suscita, reclamam, de um modo geral, uma punição severa». Com efeito, são evidentes as elevadíssimas necessidades de prevenção geral associadas aos crimes de tráfico de estupefacientes, que representam aquilo a que poderemos designar por verdadeira chaga social, atenta não só a sua recorrência, mas sobretudo as nefastas consequências que, ao nível dos diversos bens jurídicos que visa proteger, lhe estão inequivocamente associadas. Sem prejuízo de tal evidência, impõe-se ainda assim atentar na advertência também colhida na lição de Pedro Vaz Patto (ob. cit., p. 497), de que o princípio da dignidade da pessoa humana «obsta a que, de acordo com a clássica visão kantiana, esta possa ser instrumentalizada em função do interesse geral e do combate à criminalidade. Admitir que, em nome das exigências pragmáticas do combate à criminalidade em geral, ou do combate ao tráfico de estupefacientes em particular, em nome de exigências de prevenção geral positiva e negativa, se condena numa pena desproporcionada em relação à culpa concreta do agente é admitir essa instrumentalização»”.

Assim e passando à segunda operação, manifesta-se concordância, em termos gerais, com esta fundamentação e, tendo em conta a alteração da moldura abstrata da pena, considera-se que a aplicação da pena de 7 (sete) anos de prisão ao arguido AA se mostra adequada aos fins a que se destina e proporcional à sua culpa.

Com efeito, não se justifica uma maior agravação. tendo sobretudo em conta o tipo de estupefaciente traficado (cannabis resina), a sua quantidade (94,828 gramas, com um grau de pureza de 22,8%) e o facto de o mesmo ter sido apreendido imediatamente a seguir à sua entrega ao arguido.

No que concerne à arguida BB manifesta-se igual concordância com a fundamentação acima referida e, mesmo tendo em conta a alteração da moldura abstrata da pena, considera-se – acompanhando o recorrente Ministério Público – que a pena de 5 (cinco) anos de prisão ainda se mostra adequada aos fins a que se destina e é proporcional à sua culpa.

De facto, tendo não só em conta as circunstâncias já atrás enunciadas, como o facto de a arguida ser primária, e a acima descrita conduta posterior ao facto, justifica que se mantenha a pena que lhe foi aplicada no acórdão recorrido.

Passando agora à terceira operação e tendo em conta as penas atrás fixadas, nada há a acrescentar relativamente ao arguido AA, entendendo-se que, no que concerne à arguida BB, se continua a justificar a decidida suspensão da execução da pena por 5 (cinco) anos e subordinada a regime de prova como, aliás, também é proposto pelo recorrente, Ministério Publico.

Com efeito, e aderindo completamente ao consignado no acórdão recorrido:

“No caso em apreço, porém, aquilatando:

- A individual postura adoptada pela arguida BB numa linha de algumas renitências mas que acabou por desaguar na assunção de responsabilidades e, desse modo, em contribuindo para a descoberta da verdade material;

- A conexa medida de intervenções e responsabilidades arreigadas no apurado contexto de traficância e, desse modo, o nível de intensidade de actuação contra-normativa;

- A inexistência de antecedentes criminais registados;

tudo em dialéctica com o percurso concreto de vida e actual nivelação social, familiar e profissional (desemprego, mas com procura activa de emprego) nos limites do apurado e o posicionamento face à pendência dos presentes autos, apresentando sentimento de vergonha, expressando nervosismo e preocupação com o desfecho do mesmo, manifestando preocupação com a eventual aplicação de pena de prisão, o que não deixa de revelar primeira e importante etapa de consciencialização do mal praticado e auto-censura relevante;

permite concluir que na individual nivelação de todos os índices acabados de concatenar, entende o Tribunal que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam ainda de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, com respeito à arguida BB, em tudo se afigurando seguro que o período de suspensão, por igual período da medida da pena individualmente fixada, cumprirá tais objectivos, sendo na necessária subordinação a competente regime de prova – razão pela qual se afigura adequado suspender a execução da penas de prisão ora decretada pelo período de 5 (cinco) anos, com sujeição a regime de prova, o qual deve privilegiar a prossecução de busca activa de actividade estruturada laboral, a consciencialização efectiva para a valorização da ilicitude do comportamento pelo qual vai punida e reconhecimento da existência de afectação da saúde pública, mormente no que à sensível introdução de produtos estupefacientes em meio prisional respeita, nos precisos termos do preceituado nos artigos 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 53.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 54.º, todos do Código Penal.”

Assim e em conclusão, parece-nos adequado fazer um juízo de prognose segundo o qual a simples censura do facto e a ameaça da pena são suficientes para realizar, de forma adequada, as finalidades da punição da arguida BB. Por outro lado, e face ao atrás exposto, revela-se igualmente adequado e necessário que a suspensão da pena se prolongue por 5 (cinco) anos e seja submetida a regime de prova, nos termos determinados no acórdão recorrido.

C. Decisão:

Face a todo o acima exposto, e dando-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, decide-se:

• Alterar a qualificação jurídica dos factos dados como provados, os quais se consideram subsumíveis ao crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punível pelos arts.º 21.º, n.º 1, e 24º, al. h) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro, com referência à tabela I-C, anexa ao mesmo diploma legal;

• Condenar os arguidos 0nos seguintes termos:

• O arguido AA pela prática, em reincidência (art.º 75.º e 76.º, n.º 1 do Código Penal) e em coautoria material, do aludido crime de tráfico agravado de estupefacientes, na pena de 7 (sete) anos de prisão;

• A arguida BB pela prática, em coautoria material, do aludido crime na pena de 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, com sujeição a regime de prova (nos termos discriminados no acórdão recorrido).

• No mais manter-se a decisão recorrida.

Sem custas por não serem devidas.

D.N.

Supremo Tribunal de Justiça, d.s. certificada

(Processado e revisto pelo relator - artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)

Os Juízes Conselheiros,

Celso Manata (Relator)

Ernesto Nascimento (1º Adjunto)

José Piedade (2º Adjunto)

_____________________________________________

1. Sem a extensão “S.1”

2. Processo n.º 2118/13.0PBBRG.G1.S1, disponível em wwww.dgsi.pt

3. Proc. 1310/17.3T9VIS.C1.S1 disponível em wwww.dgsi.pt

4. Proc. 67/23.3GAPFR.S1 disponível em wwww.dgsi.pt

5. “Comentário das Leis Penais Extravagantes” de Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco, Vol. II, pág., Pedro Patto, comentando o artigo 24.º, no ponto 2, pág. 500,

6. Num caso em que a droga apreendida ao recluso também era cannabis e o peso da mesma ascendia a 117,3 gramas o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de setembro de 2018 - proc. 184/17.9JELSB.L1.s1 IN WWW.DGSI.PT - decidiu que se tratava de situação “indubitavelmente subsumível à al. h) do art. 24 do DL 15/93.”

7. Cfr. Ac. do STJ de 26 de setembro de 2012 – Proc. 139/02.8TASPS.S1 in www.dgsi.pt

8. ” Droga e Direito” Editorial Notícias, pág. 144.

9. Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas, adotada na Conferência de Viena decorreu entre 25 de novembro a 20 de dezembro de 1988 e que foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 29/91 – in D.R. I série de 6 de setembro de 1991 – e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 45/91, de 6 de setembro do mesmo ano.

10. Ac. do STJ de 7 de setembro de 2023 – Proc. 39/20.0PEFIG.C1.S1 – in www.dgsi.pt

11. Citação de excerto do texto publicado na obra anteriormente referenciada.

12. Ac. do STJ de 25 de fevereiro de 2009 – Proc. 09P0097 in www.dgsi.pt

13. Publicado no Diário da República, I Série-A, de 6 de julho de 1995, pág. 4298 a 4300.

14. “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime” 4ª reimpressão, pág. 227 e sgs.

15. Figueiredo Dias, ob. citada 223 e sgs.

16. Cf. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, abril-junho de 2002, págs. 181 e 182.

17. Cfr. “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, pág. 245 a 255.

18. Cf. “Consequências Jurídicas do Crime”, Lições para os alunos da FDC, Coimbra, 2010-2011.