VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
TIPICIDADE
RELAÇÃO DE NAMORO
Sumário


1. Num caso em que nem o arguido nem a assistente denominaram, de forma clara, a relação entre ambos como de namoro, incumbe ao julgador, com base na conjugação dos elementos de prova e na análise global da factualidade, por referência aos contornos do caso concreto, interpretar tal vínculo.
2. Apesar da relevância da visão que os envolvidos na relação têm dela mesma, tal não é, por si só, determinante da interpretação do julgador.
3. Impõe-se atentar à exteriorização e manifestação do relacionamento em causa, revelado através de circunstâncias concretas, seguramente evidenciadas. E, tendo resultado demonstrado que, no período em que mantiveram o relacionamento, houve intimidade, inclusive de cariz sexual, bem como consistência e intensidade de sentimentos (afetivos e emocionais) de ambas as partes, tendo sido por ambos equacionada uma vida em comum, é de concluir que a arquitetura do relacionamento corresponde ao namoro protegido pelo tipo de crime da violência doméstica.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, n.º 420/23.... a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo Local Criminal de Vila Real – Juiz ..., foi proferida, em 27.09.2024, sentença, na qual decide-se:

“Em face do exposto, julgo a acusação parcialmente procedente e, em conformidade:
a) Condeno o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova, a delinear pela DGRSP, e com a condição de respeitar as seguintes regras de conduta:
a.1) Proibição de contactos, por qualquer forma, por si ou por interposta pessoa, com a vítima BB;
a.2) Afastamento da ofendida BB, bem como da residência e do local de trabalho desta;
b) Condeno o arguido AA na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal;
Custas na parte criminal pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça devida em 2 (duas) UC’s.
Quanto à instância cível:
Julgo parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante BB contra o demandado AA e, em consequência, condenado este a pagar-lhe a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, a contar da data de prolação da presente sentença e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado (…)”.

*
Inconformada, a assistente BB interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

“A) AO DECIDIR ARBITRAR INDEMNIZAÇÃO NO VALOR DE € 2.000,00 (DOIS MIL) VIOLOU A SENTENÇA RECORRIDA, ARTº.,496 e artº. 562 do C.P. Civil.
Na justa medida que atento as condições económicas do Arguido/Recorrido, ainda que apesar de desempregado, aufere um subsídio de mais de € 900,00, vive com a progenitora, paga pensão de alimentos a dois filhos, os danos causados e a indemnização arbitrada fica aquém da justa compensação de que a Assistente merece para atenuar os sofrimentos por que passou e passa.
Que ficam sempre.
Aliás, provado que o receio anda de mãos dados com a Assistente.
Pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que aumente para 7.500,00 € a indemnização global dos danos sofridos pela Recorrente”.
*
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem por objecto a apreciação de evidente erro de julgamento de factualidade considerada provada, as contradições existentes nessa factualidade, bem como a respectiva insuficiência para sustentar a condenação aplicada por crime de violência doméstica.
2. Estriba-se o presente recurso tão só no que tange ao facto provado da existência de uma relação de namoro entre o Arguido e a Assistente.
3. Assim, o Tribunal ad quo considerou provada a factualidade constante nos FACTOS 1. e 2. Página 3 e FACTOS 3.5. 6. e 7. Página 4 da douta sentença: que com o devido respeito passamos a transcrever “…o Arguido e a Assistente iniciaram um relacionamento de namoro em dia não concretamente apurado, mas situado no final do mês de Maio de 2023, sem coabitação”, que, desde o “início do relacionamento o arguido mostrou ser uma pessoa muito autoritária, ciumenta e controladora, situação que era agudizada sempre que aquele ingeria bebidas alcoólicas”
4. Facto 3. “…Desde o início da relação…”,
5. Facto 5. “…a mesma colocou termo ao relacionamento amoroso no dia 07 de Julho de 2023...”
6. Facto 6. “O arguido não aceitou o fim da relação amorosa”,
7. Facto 7. “Bem como o arguido, durante o período do dia e/ou da noite, passou a telefonar e a enviar mensagens para o telemóvel da vítima, visando reatar a relação amorosa, saber com quem a mesma se encontrava, onde estava, o que fazia, e, ainda de a criticar sem fundamento, apenas por ter terminado o relacionamento amoroso”
8. Assim, o Tribunal ad quo dá como provado que o arguido e a assistente mantiveram uma relação de namoro entre finais de Maio de 2023 e o dia ../../2023, contudo, não resultou dos depoimentos de ambos em audiência a conclusão de que essa relação existisse, é a própria assistente que o nega de forma convincente e inequívoca e sem qualquer hesitação, pois, afirma que não passou de uma relação pessoal que nunca evoluiu para uma relação de namoro que tão pouco era essa a sua intenção. Neste enquadramento há que analisar o depoimento da assistente no dia 05/09/2024 com o inicio de gravação às 11:32 e fim de gravação ás 12:25, com referência às passagens das declarações aos minutos 00:00:42, 00:00:46,00:00:48,00:00:50,00:00:56,00:01:06,00:01:08,00:01:10,00:02:02, 00:02:03, 00:02:06, 00:02:02,00:02:12, 00:02:15, 00:02:20, 00:02:27, 00:02:32, 00:02:54, 00:02:59, 00:04:19, 00:04:26, 00:04:27, 00:04:34, 00:04:46,00:04:49,00:04:52,00:05:20,00:43:38,00:43:54,00:44:02,00:44:03,00:44:04,00:44:12,00:44:24,00:45:31,00:45:37,00:45:38,00:45:41,00:45:43,00:45:44,00:45:48
9. De igual modo, do depoimento do arguido extrai-se a mesmo posição no relacionamento, isto é, que o mesmo não passou de uma relação pessoal de amizade sem qualquer evolução para uma relação de namoro. Para esta conclusão analisemos o depoimento do arguido no dia 5 de Setembro de 2024 com o inicio de gravação ás 10:25 m e fim de gravação ás 11:31m com referência ás passagens das declarações aos minutos: 00:19:52, 00:19:53, 00:20:37, 00:20:38, 00:20:48, 00:20:53,00:20:54,00:22:25,00:22:32,00:23:43,00:24:06,00:25:42,00:25:52,00:25:53,00:25:59,00:26:01,00:26:51,00:26:58,00:27:01,00:27:46,00:28:22,00:42:20,00:45:16,00:45:24,00:45:27,00:45:32,00:45:56,00:46:20,00:46:22,00:46:23,00:46:28,00:49:31,00:49:42,00:49:45,00:49:46,00:50:13,00:50:39,00:56:03,00:56:04,00:56:05,00:56:06,00:56:07,00:56:08,00:56:10,00:56:10,00:56:17,00:56:24,00:56:30,00:56:44,00:56:50,00:57:04,00:57:06,00:57:24,00:57:26.
10. Na mesma esteira, que nunca existiu uma relação de namoro entre o Arguido e a assistente, além da pessoal e de amizade, atentemos ao depoimento da testemunha da assistente CC, que a conhece há cinco, seis anos , de quem é amiga, com quem convive e é visita de casa, cujo depoimento ocorreu no dia 5 de Setembro de 2024 com o inicio de gravação ás 15: 59m e fim da gravação ás 16:26m, com referência ás passagens do depoimentos aos minutos: 00:00:55, 00:01:03,00:01:03, 00:01:04, 00:01:08, 00:01:55, 00:02:06,00:02:10.
11. Ressalta á evidência do depoimento desta testemunha o facto de nunca em momento algum do seu depoimento se referiu ao arguido como ex companheiro ou ex namorado da assistente, ora, é do senso comum que sendo esta testemunha arrolada pela assistente, a sua razão de ciência não fosse para além de mero conhecimento do arguido como seu amigo, e da assistente como amiga que frequenta a sua casa há mais de cinco anos. Ora, não é comum e aceitável que pela proximidade entre ambas não brotasse da testemunha o conhecimento de que existia uma relação de namoro entre ambos, o mesmo não foi revelado, porque, na verdade essa relação nunca existiu.
Assim,
12. Resultam dos depoimentos do arguido e da assistente, corroborado pela testemunha desta que entre o casal nunca houve uma relação de namoro, porque ambos não queriam para além de uma relação intima/sexual - neste particular a assistente refere de forma peremptória e incisiva e textualmente “que uma relação corporal não é de namoro” – o que nunca foi consumado, de acordo com a própria devido a doença do arguido.
13. Ao contrário da fundamentação da decisão de fato pelo Tribunal ad quo, esta relação pessoal entre ambos mantida durante o período de entre finais de Maio de 2023 e o dia ../../2023 não evoluiu para algo mais, porque , primeiro o casal não a queria, depois ainda que pudesse haver evolução na relação a assistente quebrou esse percurso por razões comportamentais do arguido, que não será alheio, também o facto deste padecer da doença que não permitia consumar a relação intima com a assistente.
Por outro lado,
14. Na mesma fundamentação da decisão de facto o Tribunal ad quo, a fls 13 e 16 da sentença, alude ás mensagens enviadas pelo arguido á assistente, depois do dia ../../2023, cujo teor revela, de acordo com essa fundamentação, de que o arguido levou a sério essa relação.
15. Na verdade, o arguido referiu no seu depoimento que o quando enviava as mensagens para a assistente estava sob o efeito do álcool e de medicação, recordando passagem do depoimento do arguido, sobre as mensagens enviadas aos minutos 00:26:51, 00:26:58, 00:27:46, 00:28:22.
16. Se analisarmos as mensagens enviadas não teremos dúvida em concluir que são um misto de ofensas e infelizes impropérios dirigido á assistente- que nunca deviam ter acontecido como o arguido referiu no seu depoimento- e de expressões como “só queria que fosses minha mulher “ou, “metes nojo, queria-te para mulher não para dançarina”
17. O tribunal ad quo valorizou estas mensagens para daqui concluir que estavam durante o período de finais de Maio até ao dia ../../2023 numa relação de namoro.
18. Todavia, atribuir esse significado ao conteúdo destas e de outras mensagens – que constam da fundamentação – e dos factos provados cujo autor, o arguido, está manifestamente perturbado e psiquicamente debilitado é forçar as peças a encaixar, i. é, forçar a existência de uma relação de namoro- que nunca existiu.
19. Na verdade, e como anteriormente referido, é a própria assistente que nega esse relação amorosa, reduzindo-a a uma relação intima, recordemos parte das suas declarações:”00:45:44 “nós tentamos ter uma relação intima”00:45:48 não tem nada a ver com namoro. É uma coisa diferente!”
20. Ou seja, é a própria assistente, que sem margem para dúvida define, caracteriza a sua relação com o arguido.
Assim,
21. Ainda que se admitisse que o arguido tivesse esse sentimento manifestado pelas mensagens – de onde se concluísse que existia uma relação namoro- já o mesmo não se verificaria da parte da assistente- conforme anteriormente citado no ponto 12. E 19.
22. Ora, não podemos esquecer que a existência de duas pessoas numa relação de namoro exige dualidade, reciprocidade de sentimentos, da aceitação e vontade real de participação nesse vínculo sentimental e afectivo, e, ainda mais do que isso, tem de haver um consenso uma aceitação da existência desse namoro entre os membros que vivem a relação, não basta que apenas um dos membros o queira e aceite.
23. Não teremos dúvida, porque é notório e evidente, para o Tribunal ad quo o conceito de namoro assumiu uma relevante carga conceitual jurídica, e menos na factualidade subjacente á relação em apreço nos autos que permitiria ao julgador considerar preenchido ou não o referido conceito para efeitos do disposto no artigo 152º nº 1 al. b) do Código Penal.
24. A qualificação que é feita deste relacionamento para efeitos de aplicação deste dispositivo legal terá de se basear em factos concretos por forma a passar a fronteira da terminologia jurídica e é nesta que colide a versão do arguido e da assistente, pois, para ambos nunca existiu uma relação de namoro.
25. Rigorosamente não encontramos nos autos matéria que permita concluir que existiam laços afectivos, emocionais de cooperação mútua, com publicidade, entre o arguido e a assistente, pelo contrário tratou-se de uma relação esporádica, ocasional e descomprometida. Entre outros e neste sentido sobre situação semelhante, o Acórdão da Relação do Porto- proc. 121/15.5JAPRT.P1 de 8 de Março.
26. Razão pela qual, a matéria factual é insuficiente para a decisão da matéria de facto provada pelo Tribunal ad quo, o que expressamente se invoca nos termos do art. 410º nº 2 al. a) do Código de Processo Penal, assim se impugnado e requerendo a sua “valoração ex novo”.
27. Além disso, tal factualidade (Factos 1.2.3.4.5.6. e 7.) assenta em evidente erro de julgamento – no que tange á existência de uma relação de namoro entre o arguido e a assistente- pois a este respeito não foi produzida qualquer prova que a sustente, o que expressamente também se invoca nos termos do artigo 410º nº 2 al. a) do mesmo diploma legal.
28. Deste modo,
devemos considerar estar perante erro notório de apreciação da prova já que a produzida não permite sequer a condenação do arguido, aqui recorrente, no crime de violência doméstica – acrescendo que, mesmo que assim não se entender, sempre ter-se-ia de atender ao principio in dúbio pro reo pelo que se impõe dar provimento ao presente Recurso e absolver o Recorrente do crime por que vem condenado.
29. Foi assim violado o disposto no artigo 152º nº 1 al. b) do Código Penal e 410º nº 2 als. a) e c) do Código Processo Penal”.
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Os recursos foram admitidos para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho datado de 11.11.2024, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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A assistente BB apresentou resposta, sem que tenha formulado conclusões.
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O Ministério Público apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:

“1- O recorrente, AA, vem interpor recurso da sentença que o condenou pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova, a delinear pela DGRSP, e com a condição de respeitar as seguintes regras de conduta:
a.1) Proibição de contactos, por qualquer forma, por si ou por interposta pessoa, com a vítima BB;
a.2) Afastamento da ofendida BB, bem como da residência e do local de trabalho desta;
Foi, ainda, condenado o arguido, AA, na pena acessória de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal;
2- Entende o recorrente que se verifica de evidente erro de julgamento de factualidade considerada provada, as contradições existentes nessa factualidade, bem como a respectiva insuficiência para sustentar a condenação aplicada.
3- Sufraga o recorrente que das declarações do arguido, da ofendida e das testemunhas inquiridas nos autos, que não se poderia concluir pela existência de uma relação amorosa, vulgo de namoro entre o casal.
4- Pelo que, na perspectiva da defesa, a matéria factual é insuficiente para a decisão da matéria de facto provada pelo Tribunal ad quo, o que expressamente se invoca nos termos do art. 410º nº 2 al. a) do Código de Processo Penal.
5-Acrescentando tal factualidade (Factos 1.2.3.4.5. 6. E 7), assenta em evidente erro de julgamento, pois não foi produzida qualquer prova que a sustente, o nos termos do artigo 410º nº 2 al. e) do mesmo diploma legal.
6-Concluindo que a produzida não permite sequer a condenação do arguido, aqui recorrente, no crime de violência doméstica – acrescendo que, mesmo que assim não se entender, sempre ter-se-ia de atender ao principio in dúbio pro reo pelo que se impõe dar provimento ao presente Recurso e absolver o Recorrente do crime por que vem condenado.
7- Entende-se que não se verifica qualquer erro de julgamento, nos termos sustentados pelo arguido.
8- Tendo presente as declarações do arguido, bem como da ofendida, recolhidas em sede de julgamento, podemos concluir que mantiveram um relacionamento amoroso, o que foi descrito pela ofendida, quando lhe foram tomadas declarações, em sede de julgamento.
9- Tendo presente a matéria de facto dada como provada, em sede de sentença, foram dados como provados factos que demonstram a existência daquele relacionamento.
10-Só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal, ou seja, quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos, isto é, quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.
11-Sendo que a existência do relacionamento, bem como a prática dos factos, que foram dados como provados, por parte do arguido, preenchem o crime, pelo qual o arguido foi condenado, devendo, também, improceder, aqui, o alegado pela defesa.
12- Não podemos olvidar que o arguido não nega a quase totalidade dos factos, que lhe foram imputados, em sede acusatória, tendo sido, por isso, condenado, após realização de julgamento.
13-Tal como já se referiu, o arguido entende que não manteve um relacionamento amoroso com a ofendida, tese que não mereceu acolhimento, por parte do Tribunal “ a quo”.
14- Portanto, não havendo dúvida, em relação à existência do relacionamento amoroso entre o arguido e a ofendida, bem como dos factos que foram dados como provados, em relação ao comportamento daquele para com a ofendida, não se mostra verificada a violação do princípio “in dúbio pro reo”.
15- Pelo que, também, aqui deve improceder o recurso apresentado pelo arguido, devendo, pois, ser mantida a sentença condenatória proferida nos autos, in totum”.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, formulando as seguintes conclusões:

“i. o recurso dever ser julgado procedente quanto ao vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão [artigo 410.º n.º1, alínea a),do Código de Processo Penal], que deve ser sanado com a correcção dos factos provados tal como exposto [artigos 379.º n.º3, 426.º n.º1 e 431.º, alínea a), todos do Código de Processo Penal], após notificação ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 424.º n.º3 do Código de Processo Penal;
ii. que assim sanado o vício, se deve julgar em tudo mais improcedente o recurso, confirmando-se a condenação do arguido nos precisos termos em que foi determinada pela decisão recorrida”.
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Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal, tendo o recorrente apresentado resposta, na qual reafirma o alegado e se pronuncia pelo provimento do recurso.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DOS RECURSOS

Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o art. 410º do C.P.Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ nº 7/95, in DR, I Série-A, de 28/12/95), o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação.
Pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (art. 412º, nº 1 do C.P.Penal).
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As questões suscitadas são analisadas pela ordem de precedência lógica indicada nos art 368º e 369º do C.P.Penal, por remissão do art. 424º, nº 2 do C.P.Penal.

Face às conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, por ordem de precedência lógica, cumpre apreciar:
1. Relativamente ao recurso interposto pelo recorrente AA:

a) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º, nº 1 e 2, al. a) do C.P.Penal;
b) Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos do art. 410º, nº 1 e 2, al. b) do C.P.Penal;
c) Erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, al. c) do C.P.Penal;
d) Erro de julgamento quanto aos pontos 1 a 7 da matéria de facto dada como provada.
2. Relativamente ao recurso interposto pela recorrente BB:
a) se a indemnização civil por danos não patrimoniais que o arguido/demandado AA foi condenado a pagar à assistente/demandante BB deve ser elevada.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

Factualidade relevante para apreciação do mérito do recurso:

1. A sentença recorrida considerou provados e não provados os seguintes factos, com a seguinte motivação:
 “A) FACTOS PROVADOS
Resultaram como provados os seguintes factos:
1) O arguido e a vítima BB iniciaram um relacionamento de namoro, em dia não concretamente apurado, mas situado no final do mês de Maio de 2023, sem coabitação.
2) Sucede que, desde o início do relacionamento o arguido mostrou ser uma pessoa muito autoritária, ciumenta e controladora, querendo sempre saber onde a vítima se encontrava, para onde se deslocava na rua e com quem conversava, não querendo que a mesma saísse de casa à noite, designadamente para estabelecimentos de diversão nocturna, falando com a mesma em tom de voz hostil e elevada, situação que era agudizada sempre que aquele ingeria bebidas alcoólicas em demasia, o que fazia com frequência.
3) Desde o inicio da relação, o arguido, frequentemente, dizia-lhe “és uma besta!”, “és uma puta andas a foder com todos!”, “toda a gente me diz que és uma puta!”.
4) Bem como se dirigia à mesma e, visando que a mesma não saísse de casa e se encontrasse com os seus amigos, dizia-lhe “vais para o baile das putas?!”, “estás com os babosos?!”.
5) Devido às diversas discussões e ao facto de a ofendida ser apodada pelo arguido nos termos supra, a mesma colocou termo ao relacionamento amoroso no dia 07 de Julho de 2023.
6) O arguido não aceitou o fim da relação amorosa, motivo pelo qual passou a abordar e a controlar a vítima no seu local de trabalho, junto da sua residência, nas deslocações de casa para o trabalho e vice-versa, de forma a saber quando chegava, saía, com quem estava e o que fazia.
7) Bem como o arguido, durante o período do dia e/ou da noite, passou a telefonar e a enviar mensagens para o telemóvel da vítima, visando reatar a relação amorosa, saber com quem a mesma se encontrava, onde estava, o que fazia, e, ainda de a criticar sem fundamento, apenas por ter terminado o relacionamento amoroso.
8) No dia 24 de Julho de 2023, por volta das 17h40m, a ofendida conduzia a viatura pertence à testemunha CC na Estrada ..., na zona de ... em direcção a ..., acompanhada por CC e pela sua filha DD, de sete anos de idade, momento em que o arguido conduzia a sua viatura de marca ..., modelo ..., matrícula ..-..-FJ, no sentido oposto.
9) De imediato, o arguido, apercebendo-se que a ofendida conduzia a dita viatura, virou a viatura ... na direcção daquela, invadindo a faixa de rodagem contrária ao sentido por si seguido, e imobilizou a sua viatura na frente da viatura conduzida pela ofendida, bloqueando a passagem da mesma.
10) Apenas não tendo ocorrido o embate entre os ditos veículos, uma vez que a ofendida efectuou uma travagem brusca.
11) Acto contínuo, o arguido iniciou a marca, parou a viatura ... paralelamente à da ofendida, e, em tom de voz elevado e hostil, disse-lhe “um dia destes mato-te!”, arrancando de seguida em direcção a parte incerta, deixando a mesma em pânico e com medo.
12) Após, a ofendida continuou a deslocação para a residência da amiga CC, sita no Estrada ..., ..., em ..., para a deixar em casa.
13) Aí chegada, quando estavam as três no exterior da viatura da ofendida chegou ao local o arguido, conduzindo a mesma viatura de marca ..., e imobilizou a mesma na frente da ofendida, olhando para esta.
14) Quando o arguido se preparava para sair do automóvel chegou ao local EE, primo de CC, conduzindo a sua viatura de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-JM, e estacionou a mesma atrás da viatura do arguido.
15) De imediato, o arguido efectuou uma manobra brusca de marcha atrás, embatendo com a traseira do ... na zona frontal da viatura de EE, amolgando-a.
16) Acto contínuo, o arguido saiu da viatura, dirigiu-se à ofendida e, em tom de voz elevado e hostil, apodou-a de “vaca de merda”, e disse-lhe “vais pagá-las todas”, “hei de te foder os cornos” e “um dia destes corto-te o pescoço!”, acabando por ficar no local até à chegada da patrulha da PSP.
17) Após a chegada de duas patrulhas da PSP, o arguido dirigiu-se, novamente, à ofendida e, em tom de voz elevada e hostil, disse-lhe “achas bem estares a defender o merdas do teu polícia?”, querendo com isto dizer que a mesma mantinha uma relação amorosa com o polícia EE, o que sabia não corresponder à verdade.
18) No decurso das diligências policiais, o arguido foi detido devido a apresentar uma TAS de, pelo menos, 2,290 g/l, correspondente à TAS de 2,41 g/l, registada, dando origem ao processo n.º 51/23...., tendo sido condenado por sentença ainda não transitada em julgado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 69.º, n.º 1, al. a) e 292.º, n.º 1 do C.P. na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de €6,50 (seis euros e cinquenta cêntimos) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de todas as categorias, pelo período de 6 (seis) meses.
19) Em data não concretamente apurada, o arguido, conduzindo a mesma viatura ..., passou diversas vezes, junto ao local de trabalho da ofendida “EMP01...”, sito na Rua ..., em ..., ao mesmo tempo que buzinava.
20) No dia 29 de Julho de 2023, por volta das 16h00m, após o fim do período de trabalhado, a ofendida pensando que o arguido já se tivesse ausentado do local, dirigiu-se para a sua viatura automóvel para regressar a casa.
21) Quando a ofendida já seguia ao volante do seu automóvel pela Rua ..., em direcção à Rua ..., em ..., foi surpreendida pelo arguido, que conduzia a mesma viatura de matrícula ..-..-FJ, constantemente a buzinar, ao mesmo tempo que colocou a cabeça de fora e, dirigindo-se à ofendida, aos gritos, disse-lhe: “pára o carro puta!”, “não queres falar?!”, “estás com medo que eu te foda os cornos!?”.
22) A ofendida, com receio do arguido, não acatou os seus comandos e, de imediato, decidiu deslocar-se em direcção à Esquadra da PSP para obter auxílio.
23) Em data não concretamente apurada, o arguido voltou a dirigir-se ao local de trabalho da ofendida supra referido e, quando a mesma ia a sair, por volta das 16h00, na sua viatura automóvel, o arguido seguiu atrás da ofendida na sua viatura ....
24) Acto contínuo, seguiram pela Rua ..., em ....
25) De imediato, na dita Rua ..., a seguir à passadeira existente nesse local em frente ao estabelecimento de pastelaria denominada “EMP02...”, o arguido efectuou mudanças de direcção bruscas visando que a ofendida se despistasse e embatesse na traseira de um camião que ali estava estacionado a efectuar descargas, obrigando-a a travar e a imobilizar a sua viatura, conseguindo aquele colocar-se em frente ao automóvel da ofendida.
26) Após retomarem a marcha, o arguido entrou na rotunda do cruzamento da Avenida ... com a Rua ..., contornando a mesma, com o objectivo de ficar novamente da retaguarda da viatura da ofendida, o que conseguiu.
27) A ofendida acabou por lograr chegar junto da Esquadra da PSP, refugiar-se no seu interior, momento em que o arguido seguiu em direcção a parte incerta.
28) No dia ../../2023, pelas 16h45m, o arguido, conduzia a viatura automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-QJ, deslocou-se junto da ofendida que se encontrava na Rua ..., ..., em ..., momento em que esticou o braço direito, e com a mão de tal membro manteve o dedo médio esticado e os restantes dedos recolhidos na direcção da palma da mão, exibindo-a àquela, sendo que a filha desta, DD, presenciou tal.
29) No dia 04 de Setembro de 2023, pelas 17h00m, o arguido dirigiu-se à residência da vítima, sita no Bairro ...., em ..., e estacionou a sua viatura com a matrícula ..-..-FJ ao lado do carro da ofendida, saindo da mesma.
30) De imediato, o arguido espreitou para o interior do carro e da caixa de correio da ofendida, acabando por se ausentar do local para parte incerta, antes da chegada da PSP.
31) No período de tempo compreendido entre o dia 22 de Julho de 2023 e o dia 28 de Agosto de 2023, em diversos horários do dia e da noite, o arguido enviou 308 mensagens à ofendida a partir do seu telemóvel com o n.º ...08 para o telemóvel desta com o n.º ...26, elencadas a fls. 171-174v, 181 que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nas quais o mesmo se dirige à ofendida e lhe diz, designadamente:
i. “Fodeste tudo com o baile das putas”;
ii. “Não vás para o baile das putas”;
iii. “Sabes que gosto de ti mas metes nojo de chinelos”;
iv. “És uma merda”;
v. “Quando quiseres falar comigo a serio, talves um jantar sem amigas e se for a tempo telefona, senão não me imcomodes nunca mais pois estou a ficar farto das tuas merdas. Fica bem”
vi. “se continuares ao baile das PUTAS esquece”;
vii. “Nunca na vida mais me fales. Da me o que é meu. Es uma merda. Tem vergonha. Da me o que é meu. Ti nunca mais te quero.”
viii. “Nunca mais na vida me telefones. Nao vales nada. Mulher sem rumo. Gostas de Putaria. Nunca. Nunca mais chinela de merda.”
ix. “Quem foi o grande filho da puta que atendeu o telemóvel.? Sabes que nao bato bem dos cornos.”
x. “Continua nas putas. Dame o que é meu que nunca mais te quero. Tu de mim não levas mais nada.”
xi. “Vai para o baile das PUTAS”
xii. “Esquecime de uma coisa. Venha o filho da puta que atender o teu telemóvel mando pro caralho.. És uma triste e nao te telefono mais besta”
xiii. “Vai fazer queixa de mim a policia por te chamar besta. Nao tens vergonha em ir para o baile das putas e deixar uma menina com 7 anos. Tem vergonha. Se mulher.”
xiv. “Nunca mais ponhas nenhum filho da PUTA a falar comigo o telemóvel BESTA”
xv. “Parola de merda”
xvi. “Besta de merda”
xvii. “Da me o que é meu. Contigo só em tribunal. Vou te fazer a lista. Dinheiro que transferiste do meu cartão 20.00E que te emprestei e nunca mais mo deste. A conta das sapatilhas da tua amiga. Um garrafão de azeite de 5 Its, a minha camisola. A minha maquina, o resto caga. Dá-me o quê é meu”
xviii. “Vai com o caralho do ex polícia. Esta fodido”
xix. “nunca mais quero olhar para ti porca”
xx. “porca pois não tratas dos dentes”
xxi. “hoje vai render a noite”
xxii. “triste de merda”
xxiii. “fode bem”
xxiv. “nojenta”
xxv. “mata-te”
xxvi. “fas queixa de mim. Para mim és uma grande PUTA”
xxvii. “Fica com o ex policia. Se calhar abancate. Nojenta”
xxviii. “Ainda não acabou a foda?”
xxix. “morre”
xxx. “andas a dar umas fodas com o expolicia”
xxxi. “tu e o teu amigo que te deve montar ficansse a rir. Ate podias ter dado grandejdes fodas com aquela babosa. Depois vais ver. Nunca na vida pensei que era tal PUTA”
xxxii. “triste de merda”
xxxiii. “filho de uma grande puta”
xxxiv. “caloteira”
xxxv. “afinal quem és tu?”
xxxvi. “foste jantar fora com o corno besta”
xxxvii. “eu sei que tens vergonha de não seres mulher para mim. Deixa lá. És como és. Boa sorte”
xxxviii. “pro baile das putas não te levo. Eu sei que vais besta de merda”
xxxix. “tem cuidado”
xl. “ainda andas no baile. Deves estar com o baboso. Triste”.
xli. “o teu fodilhao aguenta se? Devias ter vergonha”
xlii. “mulher da noite nunca te vou facilitar a vida”
xliii. “queres vir comer um pica pau?”
xliv. “tenho montes de carros para andar”
xlv. “chula”.
32) Em resultado do comportamento e condutas do arguido, a vítima viveu, todo este tempo, e vive, num clima de terror, medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade e humilhação, receando que o arguido lhe tire a vida, moleste o seu corpo ou lhe dirija expressões que atentem contra a sua honra, bom nome e consideração como ser humano, mulher e mãe.
33) Ao agir do modo descrito e ao usar as expressões acima referidas, o arguido quis e conseguiu ofender a ofendida, na sua honra, consideração e dignidade, na sua saúde, integridade psicológica e, também, na sua liberdade pessoal, subjugando-a a um tratamento desrespeitoso da sua personalidade e auto-estima, por forma a que esta se sentisse lesada na sua dignidade enquanto ser humano, o que igualmente pretendia e conseguiu, limitando a sua liberdade de autodeterminação e de circulação.
34) O arguido pretendeu causar dor e sofrimento à ofendida, durante e após o fim do relacionamento, devendo-lhe um especial respeito, humilhando-a e desprezando-a como ser humano, de lhe causar um permanente sentimento de medo, inquietação, insegurança, ansiedade e a afectar na sua dignidade e liberdade pessoal, o que pretendeu e logrou conseguir.
35) Como consequência necessária e directa das condutas do arguido, a vítima sentiu receio, humilhação e medo constante, o qual actuou com a intenção, concretizada, de lesar a saúde psicológica da mesma.
36) Mais sabia que, ao actuar dentro da residência da vítima, onde sabia encontrar-se, ampliava o sentimento de receio da mesma, visto que violava o espaço reservado da vida privada, da família e o seu carácter securitário, e que as condutas supra descritas em 9) a 11) e 28) ocorreram também na presença de menor.
37) O arguido actuou como descrito, de forma persistente e sucessiva, visando com tal comportamento, designadamente enviando mensagens a diversas horas do dia e da noite, seguir a ofendida, inquietar e agitar a vida privada e particular da mesma, afectando a respectiva paz e sossego, desiderato que alcançou, vivendo esta em constante sobressalto e inquietação.
38) O arguido praticou as condutas supra descritas com o propósito, concretizado, de perturbar a ofendida na sua liberdade de acção e decisão, o que logrou, bem sabendo que a sua conduta era apta a restringir os seus movimentos e a causar-lhe sentimentos de medo e inquietação.
39) Conhecedor das rotinas da ofendida, o arguido quis persegui-la e abordá-la na via pública, sempre com o propósito de a atingir psicologicamente, atemorizando-a, perturbando-a e humilhando-a, ofendendo dessa forma a sua dignidade enquanto ser humano, o que previu e logrou atingir.
40) O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Do pedido de indemnização civil
41) Em consequência do comportamento do arguido descrito supra, a vítima BB sentiu receio pela própria vida e andou, como ainda hoje anda, triste, desgostosa e envergonhada.
Mais se apurou que,
42) O arguido já foi condenado:
- No processo n.º 56/17...., que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Real, pela prática, em 2017/09/01, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença transitada em 2018/04/20, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, tendo aquela sido substituída por 70 horas de trabalho a favor da comunidade, sendo que estas penas foram declaradas extintas em 2019/12/21 e em 2019/05/06, respectivamente;
- No processo n.º 51/23...., que correu termos no Juízo Local Criminal de Vila Real – Juiz ..., pela prática, em 2023/07/24, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por sentença transitada em 2024/05/20, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses.
43) O arguido encontra-se desempregado desde o pretérito mês de Maio de 2024 e aufere o subsídio de desemprego no valor de € 938,82.
44) Concluiu o 11.º ano de escolaridade.
45) Vive com a mãe.
46) Tem dois filhos com 19 e 15 anos de idade, que vivem com a progenitora e relativamente aos quais paga pensão de alimentos.
47) Encontra-se a ser seguido pela especialidade médica de psiquiatria desde 2023 por ansiedade, irritabilidade, tensão latente, encontrando-se medicado e foi-lhe diagnosticada uma perturbação de ansiedade generalizada.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

a) Que desde o inicio da relação, o arguido, frequentemente, iniciasse discussões com a ofendida e, no decurso das mesmas, se dirigisse à mesma lhe dissesse “andas a foder com o polícia!”, “andas a foder com o velho!”, “não vales nada!”, “és uma bailarina de boîte!”, “não serves para nada a não ser para foder”.
b) Que o arguido dissesse à ofendida “não quero que vás, quero que sejas minha mulher!”.
c) Que no circunstancialismo referido em 16) o arguido tivesse apodado a ofendida de “puta” e lhe tivesse dito “vou-te matar!”.
d) Que no circunstancialismo referido em 19) o arguido tivesse buzinado insistentemente.
e) Que no circunstancialismo referido em 26), já no cruzamento da Avenida ... com a Rua ..., devido ao semáforo estar vermelho, a ofendida tivesse imobilizado a sua viatura e que o arguido tivesse parado na sua retaguarda.
f) Que, acto contínuo, o arguido aos gritos tivesse dito à ofendida “pára o carro burra de merda!”, “sua besta!”, “estás com medo!?”, “pára o carro, vou-te foder a vida!”, e fizesse com a que a mesma ficasse com muito medo.
g) Que no circunstancialismo referido em 24), o arguido tivesse acelerado a viatura ... e se tivesse colocado ao lado da viatura conduzida pela ofendida.
h) Que desde o mencionado dia 29 de Julho de 2023 até ao dia ../../2023, o arguido, diariamente, tivesse acompanhado todos os movimentos da ofendida, passasse junto ao seu trabalho, junto da sua residência, estacionasse junto da viatura da mesma, e, após, fizesse o mesmo percurso da ofendida, e a seguisse.
i) Que até ao dia ../../2023, o arguido passasse junto ao seu trabalho por mais uma vez.
j) Que no dia 04 de Outubro de 2023, pelas 19h04m, o arguido tivesse enviado uma mensagem à ofendida dizendo-lhe “queres dormir comigo, lavadinha”.
k) Que o arguido quisesse e conseguisse ofender a ofendida na sua integridade física.
l) Que, como consequência necessária e directa das condutas do arguido, a vítima tivesse sentido dores devido às travagens que teve de efectuar.

C) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Nos presentes autos, o Tribunal formou a sua convicção quanto à matéria de facto com base na prova produzida e examinada em audiência de julgamento. Assim, e para além dos dados objectivos obtidos através do teor do auto de Notícia de fls. 3-6v, dos aditamentos de fls. 19, 36, 52 e fls. 5 do apenso A, dos assentos de Nascimento de fls. 22-22v, da participação de Acidente de Viação de fls. 113-115, do auto de Notícia NUIPC 51/23.... de fls. 116-117, da cópia das mensagens de fls. 171-174v, do relatório de fls. 175-179, da pen USB com mensagens de fls. 180-181, dos assentos de Nascimento e Registos Automóveis de fls. 186-ss, da certidão da sentença proferida no processo n.º 51/23...., das fichas de avaliação de risco de fls. 48 e ss. e 102 e ss. ora juntas aos autos em 07.08.2024 (ref.ª ...57), do CRC junto aos autos em 05.09.2024 (ref.ª ...62), do print do ISS, I.P. junto aos autos a 05.09.202 (Ref.ª ...42) e do relatório médico junto aos autos em 04.09.2024 (Ref.ª ...42), mais se atendeu às declarações prestadas pelo arguido e pela demandante/ofendida e, bem assim, aos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, sendo de salientar, por mais relevante e decisivo, o que infra se expõe.
A factualidade vertida nos pontos 8) a 10), 11) (até à expressão “ofendida”), 12), 15), 19) (admitiu apenas que passou uma vez e que buzinou uma vez), 20), 21) (até à expressão “buzinar”), 22) (na parte em que se refere que a vítima se deslocou à PSP), 31), 33) dos factos provados resultou confessada pelo arguido, o que, de resto, se mostra igualmente sustentada nos termos em que infra se descreverão.
Por sua vez, e no que respeita à factualidade vertida nos pontos 1) a 35) e 41) dos factos provados atendeu-se ao teor das declarações da ofendida/demandante que se afiguraram verosímeis, espontâneas e coerentes com os demais elementos documentais juntos aos autos. Em suma, e não cabendo aqui reproduzir integralmente as suas declarações que constam do suporte digital, sempre se dirá que a mesma precisou como se começou a relacionar com o arguido e como tal relação foi evoluindo de uma amizade para algo mais (pese embora a mesma não se tenha inicialmente referido a ela como uma relação de namoro e, inclusivamente tenha dito que não era um “namoro”, o certo é que se entendeu que, para o caso em apreço, é de considerar uma relação de namoro como infra se explicitará), como o arguido a tratava durante o tempo em que tiveram tal relação amorosa (cerca de mês e meio) e após o termo de tal relação, as concretas expressões que lhe dirigia nos termos que resultaram como provados (sendo que confirmou que tal ocorria quando o mesmo bebia em excesso o que, por sua vez, o arguido também admitiu que o fez no período em causa, inclusive misturando com medicação do foro psiquiátrico), quer durante tal relação, quer após o seu término e, ainda, os episódios em que se dirigiu ao seu local de trabalho, junto à casa da sua amiga CC, à sua habitação e na via pública.
Ademais, cumpre explicitar expressamente, quanto à circunstância de se ter dado como provado que existiu uma relação de namoro entre o arguido e a ofendida, que esta, espontaneamente, logo no início da sua inquirição, referiu que tiveram uma relação íntima, nunca assumida, que terminou em ../../2023, pese embora, ao longo da sua inquirição, a mesma não a tivesse classificado como uma relação de namoro e, a final, tenha referido que inclusivamente disse ao seu filho, aquando a apresentação do arguido, que iriam tentar ter uma relação de namoro.
A este propósito, transcreve-se a seguinte passagem do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19.04.2023 (proferido no processo n.º 1414/21.8PIPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt), quer pela sua assertividade, quer por aderimos, in totum, a tal entendimento e se mostrar pertinente para o caso em apreço:
“Não se encontrando definida na lei, a sua noção deve ser judicialmente preenchida caso a caso, em função dos factos concretos apurados. Abarca um vasto leque de possíveis definições, que foram variando ao longo das épocas, ainda hoje se encontram em mutação, fruto, muito em particular, das mudanças sociais e económicas. Podemos, todavia, assentar que, em traços gerais, as relações de namoro são muito mais que uma simples amizade ou uma relação fortuita ou ocasional, traduzindo-se, genericamente, num relacionamento informal de natureza sentimental e afetiva entre duas pessoas, do mesmo sexo ou de sexo diferente, que se prolonga durante tempo indeterminado, que pode ser mais ou menos longo.
É relativamente pacifico no seio da jurisprudência e da doutrina que, atualmente, a sua existência não depende do seu conhecimento pela generalidade das pessoas, muito embora devam ser conhecidas por um círculo restrito de pessoas, seja ele a família ou o núcleo de amigos. Ainda assim, admite-se que possa haver exceções. Por exemplo, algumas relações extraconjugais que se pretendem manter em segredo, muito embora a proximidade sentimental, a afetividade e até a intenção de assumir no futuro o relacionamento.
Também não se exige a coabitação, que, aliás, deixou de ser exigida para o preenchimento do tipo, nem um projeto de vida comum no futuro, desde logo porque podem iniciar-se sem que os namorados ainda se conheçam suficientemente para esse efeito. Na verdade, pode até constituir uma fase do relacionamento amoroso para conhecer o outro, e não um fim em si, de comunhão de vida, que é própria do casamento ou da união de facto (…) uma fase transitória que, com frequência acaba no rompimento amoroso, por as expectativas de um ou ambos os namorados não serem aquelas que esperavam (Ac. TRC de 24-04-2012, proc. n.º 632/10.9PBAVR.C1)[17].
Não se exige igualmente a fidelidade. Por exemplo, a relação extraconjugal de concubinato adulterino também se inclui nas relações análogas de afetividade integradoras do crime de violência doméstica[18].
Em suma, como refere o Ac. TRL de 23.03.2021[19], as relações de namoro, tal como moderna e socialmente se mostram desenvolvidas, abrangem uma multiplicidade de comportamentos e graus de interacção entre os namorados que fogem dos cânones a que vimos estando habituados a presenciar, não sendo hoje de exigir para qualificar esse tipo de relacionamento a existência de elementos como notoriedade, exclusividade, partilha de cama mesa e habitação e projecto de vida futura em comum.” (sublinhado nosso).
Volvendo a nossa atenção para o caso concreto, entende-se, como se disse, que a relação ocorrida entre os visados foi de namoro como resulta inequivocamente da prova produzida. Desde logo, atente-se, tal relação que o arguido e a ofendida mantiveram durou cerca de um mês e meio. Por outro lado, e como a própria ofendida referiu, tal relação não se resumiu a encontros de natureza fortuita, sem prejuízo da ofendida ter admitido que talvez tivesse avançado depressa demais, tanto que a mesma precisou que terminou na data em causa (para se terminar algo, é igualmente necessário começar, no caso, uma relação com outra pessoa que foi claramente mais do que uma amizade). Mais: o arguido frequentava a casa da ofendida, conheceu os seus filhos, houve sentimentos amorosos mútuos entre ambos (a ofendida assim o referiu, e das mensagens que o arguido enviou à ofendida também é possível constatar que o mesmo também gostava dela), o arguido manifestou junto da ofendida que queria ter uma relação exclusiva (conforme resulta do teor das mensagens ora constantes dos autos e nos termos em que resultaram provados), houve atracção física entre ambos conforme a ofendida o referiu, tanto que tentaram ter relações sexuais conforme o referiu igualmente a ofendida e, ainda, há que atentar que se encontravam-se várias vezes durante o período de relacionamento ora em causa, como a ofendida também o precisou.
Ademais, note-se que do teor das mensagens de fls. 171 e ss. e das mensagens constantes da pen USB de fls. 180-181 é possível alcançar igualmente que o arguido também levou a sério tal relação com a ofendida, ainda que tenha tentado fazer crer o contrário em sede de audiência de julgamento. A título de exemplo, atentou este Tribunal ao teor das seguintes mensagens, de cujo teor resulta evidente tal convicção alcançada: “…Estavamos a ir tão bem. Faz o que quiseres. Sabes que gosto de ti mas metes nojo de chinelos. (…) Queres que ligue a outra minha irma que nos estamos a dar bem e vamos lá passar uma semana a ... com om os miúdos?”, “Sabes que gosto de ti e não queria abandonar-te.”, “Queria te ver uma mulher de família”, “Dei te tudo a ti e aos teus filhotes”, “Gostei tanto de ti e dos teus filhotes.”, “Amei te e queria te a ti e aos teus filhos para família”, “Da me as mi has coisas e a chave de casa. Aqui há mto dinheiro. Quero ver. Tu sabes onda está algum”, “Nunca te trai nem andei metido com quer que fosse. Fui sempre um homem fiel a ti. Os teus filhos são um de qualquer pai mas sempre os aceitei e respeitei.”, “Nao quiseste uma familia.”, “So queria que fosses minha mulher.”, “Nunca na vida gostei de alguém e me trata se como tu.”, “…percebeste quer queria juntar família.”, “Queria te como mulher enão como amante.”, “Podiamos ter sido tao felizes”, “Casas comigo?”, “Eu queria te para mulher não para dancarina.”, “Sempre te disse que te queria para minha mulher e não para amante.”, “Eu só queria uma família”, “Não penses nada mal de mim. Só queria ser uma família. Sou um doido que te ama e por ti faço tudo.”, “Podemos ser uma família, mas tens que torcer CROMA. Se mulher”, “Queria tudo de ti (…)”, “Tinha tantos planos para nós. Nós, os teus filhos e a minha (nossa) família.”. Aqui chegados, e tendo o presente o teor de tais mensagens (em que o arguido chegou ao ponto de lhe pedir em casamento…!...), forçoso é concluir que o arguido não apresentou uma versão minimamente verosímil, tanto que foi completamente infirmada pelo teor das mensagens ora mencionadas, cuja autoria o próprio assumiu espontaneamente. Ademais, não se afigura plausível que o arguido não tivesse manifestado já tais intentos (de constituir família) junto da ofendida (note-se que a própria referiu que se estavam a conhecer e que para ela era uma relação séria).
No que respeita em concreto ao ponto 3) dos factos provados, note-se que o arguido referiu que houve amigos que lhe perguntaram se tinha uma relação com a arguida: ora, tendo em conta tal circunstância, aliado ao teor do auto de notícia de ---, afigurou-se plausível que o arguido tenha proferido as expressões “és uma puta andas a foder com todos!”, “toda a gente me diz que és uma puta!”, pese embora a ofendida não as tenha espontaneamente confirmado em sede de declarações, uma vez que foi visível o estado de ansiedade da mesma.
Quanto à factualidade vertida nos pontos 8) a 17) dos factos provados, para além das declarações da demandante/ofendida, mais se atendeu ao teor do auto de notícia de fls. 3-6, do assento de nascimento de fls. 197-188, da aludida participação de acidente de viação e do auto de notícia do NUIPC 51/23...., sendo que tal prova se apresentou coerente entre si e com os depoimentos das testemunhas CC e EE. Na verdade, e pese embora a ofendida não tenha logrado precisar datas, o certo é que tal resulta do aludido auto de notícia, sendo que tal factualidade foi igual e prontamente corroborada pelo depoimento da testemunha CC que se afigurou espontâneo e verosímil, tendo precisado toda a dinâmica de tal abordagem do arguido e as expressões que dirigiu à ofendida e, posteriormente, a abordagem do arguido quando as três (tal testemunha, a ofendida e a filha desta) já se encontravam à porta de sua casa. Também a testemunha EE, cujo depoimento se afigurou igualmente espontâneo e verosímil, precisou tal abordagem na estrada feita pelo arguido (ter-se colocado em contramão e obrigado a ofendida a parar), bem como o encontro à porta da casa da testemunha CC onde acabou por ouvir o arguido a dizer à ofendida que lhe cortava o pescoço.
Quanto à factualidade vertida no ponto 19) e 23) a 27) dos factos provados, mais se atendeu ao depoimento da ofendida, que foi espontânea e precisa ao afirmar que o arguido se dirigiu ao seu local de trabalho por três vezes, sendo que apenas em duas a seguiu de carro.
Quanto à factualidade vertida nos pontos 20) a 22), 28) e 29) a 30) dos factos provados, mais se atendeu ao teor dos aditamentos de fls. 19, do aditamento de fls. 5 do apenso A e do aditamento de fls. 36, respectivamente.
Também no que respeita à factualidade vertida no ponto 41) dos factos provados, mais se atendeu ao teor do depoimento da testemunha CC, que precisou que a ofendida ficou muito abalada, triste e com medo, tendo, inclusive, alterado rotinas.
Já no que respeita à factualidade vertida no ponto 18) dos factos provados, atendeu-se ao teor da certidão junta aos autos a 24-04-2024, relativa ao processo em causa e, bem assim, ao teor da participação de Acidente de Viação de fls. 113-115 e do auto de Notícia NUIPC 51/23.... de fls. 116-117.
No que concerne ao vertido nos pontos 32) a 40) dos factos provados, cumpre explicitar que o dolo, sendo um elemento interno do agente, é insusceptível de directa apreensão e, como tal, apenas é possível apreendê-lo através do preenchimento dos elementos objectivos da infracção, aliado a presunções de normalidade e às regras da experiência. Assim, no caso em apreço, e tendo presente a factualidade dada como provada acima, forçoso é concluir que o arguido sabia que ofendia a integridade psíquica da vítima e, bem assim, que as expressões que lhe dirigiu era aptas a ofender e a provocar medo na mesma e, também, que ao enviar-lhe mensagens a diversas horas do dia e da noite, e a seguir a ofendida, a inquietava e agitava a vida privada e particular da mesma, afectando a respectiva paz e sossego e, não obstante, actuou da forma descrita, conformando-se com o facto de tal poder vir, como efectivamente veio, a acontecer, pelo que também se conclui que o mesmo agiu livre e conscientemente, não ignorando que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
No que se refere aos antecedentes criminais do arguido, o tribunal considerou o Certificado de Registo Criminal junto aos autos supra referido [ponto 42) dos factos provados].
Quanto às condições pessoais, sociais e económicas do arguido nos termos que resultaram vertidos nos pontos 43) a 47) dos factos provados, o Tribunal atendeu ao às declarações do mesmo que, nesta parte, se afiguraram totalmente verosímeis e que vão de encontro com o teor da certidão da sentença proferida no processo n.º 51/23.... e da pesquisa na base do ISS, I.P..
No que respeita à factualidade vertida nas alíneas a) a j) dos factos não provados, atendeu-se à circunstância de a vítima não ter confirmado a mesma, não tendo a mesma resultado demonstrada de forma cabal por outros meios de prova e, ainda, quanto à factualidade vertida nas alíneas k) e l) dos factos não provados, a mesma negou que tal tivesse acontecido, ou seja, que tivesse sentido dores em tais episódios.
A final, cumpre explicitar que não se atendeu ao teor do depoimento das testemunhas FF, GG, HH e II, por se afigurar que as mesmas não demonstraram ter qualquer razão de ciência quanto aos factos ora em apreço.
No que tange aos demais factos enunciados e consubstanciados no pedido de indemnização civil, os mesmos consideram-se instrumentais, asserções genéricas ou inócuas ou meros juízos de inferência ou apreciações jurídicas, bem como repetição de factualidade acima vertida nos factos provados e não provados, em suma, inidóneos para integrarem a supra matéria fáctica nuclear ou pertinente para a boa decisão da causa”.

2. Consta de sentença recorrida, no que respeita ao “Pedido de Indemnização Civil”:
“(…) É patente que se verificam os pressupostos do facto ilícito praticado pelo arguido e do dolo na sua execução.
No caso, a ofendida foi vítima de ofensas à sua integridade psíquica perpetradas pelo arguido nos termos vertidos em 2) a 39) e 41) dos factos provados, que aqui se dão por reproduzidos para efeitos de economia processual, que se consideram graves, pelo que é evidente que a vítima também sofreu danos psíquicos, sendo os mesmos são consequência directa e necessária da conduta do arguido. Importa, pois, fixar o quantum indemnizatório a atribuir à demandante (…).
Assim, e atento o exposto e por equidade, tendo em conta a condição económica do arguido, decide-se arbitrar a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de reparação dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima BB.
À quantia acima arbitrada a título de danos não patrimoniais acrescem juros de mora, à taxa supletiva dos juros civis, fixada em 4%, nos termos da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, nos termos dos artigos 559.º, n.º 1, 804.º, n.º 1, 805.º, n.os 1 e 3, 806.º, n.os 1 e 2, do Código Civil, a contar da presente sentença, atento o Acórdão de Fixação Jurisprudência n.º 4/2002, publicado no DR, I Série A, de 27.06.2002.
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Apreciação dos Recursos

Nos termos do estatuído no art. 368.º aplicável ex vi do disposto no art. 424.º n.º 2 do C.P.Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer em primeiro lugar das questões que obstem ao conhecimento do mérito da decisão.
Nessa medida, independentemente da sequência pela qual os recorrentes suscitam as questões, na sua apreciação o tribunal de recurso deve seguir uma ordem de precedência lógica que atende ao efeito do conhecimento de umas em relação às outras, tendo por referência a ordem indicada na disposição legal citada.
Assim sendo, será de começar pelas questões que podem determinar a anulação do julgamento e eventual reenvio (nulidades da decisão), seguidas daquelas que podem determinar a alteração da matéria de facto (erros de julgamento) e, finalmente, as questões de direito suscitadas.
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1. Recurso do recorrente AA

1.1. Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º, nº 1 e 2, al. a) do C.P.Penal
O recorrente alega que a factualidade considerada provada é insuficiente para sustentar a condenação pela prática do crime de violência doméstica (conclusão 1ª) pois considera que inexiste “matéria que permita concluir que existiam laços afectivos, emocionais de cooperação mútua, com publicidade, entre o arguido e a assistente, pelo contrário tratou-se de uma relação esporádica, ocasional e descomprometida” (conclusão 25ª).
Antes de mais, importa relembrar os pressupostos da impugnação da matéria de facto em sede de recurso.
Os poderes de cognição dos tribunais da relação abrangem a matéria de facto e a matéria de direito (art. 428º do C.P.Penal), podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (art. 410º, nº 1 do C.P.Penal).

Como é sobejamente sabido, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:
a) no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no mencionado art. 410º, nº 2 do C.P.Penal;
b) através da impugnação ampla da matéria de facto.

Estabelece o art.º 410º, nº 2 do C.P.Penal que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) O erro notório na apreciação da prova”.

Tratam-se de vícios da decisão sobre a matéria de facto que são vícios da própria decisão, como peça autónoma, e, uma vez demonstrada a existência desses vícios e a impossibilidade de se decidir a causa, o tribunal de recurso deve determinar o reenvio do processo para um novo julgamento relativamente à totalidade do objeto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio (art.º 426º, nº1 do C.P.Penal).
Estes vícios são de conhecimento oficioso, pois têm a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorrem do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, mesmo constantes do processo (neste sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17. ª ed., pág. 948). Mas, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127º do CPP. Pois o que releva “é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função do controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410º, nº 2 do C.P.Penal, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos” (Cfr. Acórdão do STJ de 2008.11.19, Proc. nº 3453/08-3 referido por Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 9.ª ed., 2020, pág. 76).
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A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição, ou seja, quando os factos provados são insuficientes para poderem sustentar a decisão recorrida ou quando o tribunal recorrido, devendo e podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com relevo para a decisão da causa, o que determina que a matéria dada como assente não permite, dada a sua insuficiência, a aplicação do direito ao caso.
Contudo, este vício decisório não se deve confundir com a errada subsunção dos factos (devida e totalmente apurados) ao direito, o que consubstancia um caso de erro de julgamento, nem, por outro lado, tal vício se reconduz à discordância sobre a factualidade que o tribunal, apreciando a prova com base nas “regras da experiência” e a sua “livre convicção”, nos termos do art. 127º do C.P.Penal, entendeu dar como provada. A insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão que pertence ao âmbito do princípio de livre apreciação da prova, não é sindicável caso não seja suscitada a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido, Acórdão do TRL de 29.03.2011, Proc. nº 288/09.1GBMTJ.L1-5).
Está em causa a omissão de pronúncia aferida de acordo com o objeto do processo. Ocorre quando o tribunal não aprecia toda a factualidade levada perante si.
Por tal motivo, a insuficiência em causa não se confunde com a omissão de diligências probatórias essenciais (art. 120º, nº 2, al. d) do C.P.Penal) ou necessárias (art. 340º do C.P.Penal) nem com o erro de julgamento na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Como refere Sérgio Poças[1]: “num discurso argumentativo, encorpado e completo, mas ao mesmo tempo simples e claro, o recorrente deve procurar convencer o tribunal de recurso que faltam factos (identificando-os) necessários (fundamentando esta necessidade, nomeadamente invocando as normas jurídicas pertinentes) para a decisão e que não foi levada a cabo indagação a respeito deles, quando (fundamentando) podia e devia ser feita”. Acrescenta que, invocando tal vício, critica-se “o tribunal por não ter indagado (e depois conhecido) os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de acordo com o objeto do processo”, enquanto que, no caso da insuficiência da prova “censura-se a errada apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal; teriam sido dados como provados factos sem prova para tal. Com é evidente, esta segunda questão tem a ver com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3, com a reapreciação da prova e não com a verificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, que hão-de ser inequivocamente visíveis no texto da decisão, sem recurso a quaisquer provas documentadas, como se sabe. Como também nada tem a ver com o vício da insuficiência que analisamos, como erroneamente por vezes se vê nomeado, quando o recorrente enumera uma série de factos que foram dados como não provados e que na sua perspectiva deviam ser dados como provados (há insuficiência de factos provados, alega). Parece clara a confusão: verdadeiramente, o que o recorrente não aceita é a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal”.
Acrescenta que “sob a ilícita protecção do vício da insuficiência … nunca pode surgir a criação de um processo novo, um remédio para uma acusação inepta, por exemplo. Explicitando: a mais ampla e possível indagação da matéria de facto (sem prejuízo das situações contempladas nos artigos 358.º e 359.º) tem de ser sempre no respeito da estrutura acusatória do processo, sempre no objecto do processo. Do que se trata é de indagar e conhecer de toda a matéria necessária àquele processo, com um determinado objecto, para uma decisão justa e não um outro processo.
Concluindo: o recorrente quando alega este vício não pode pretender a subversão do processo; não pode querer outro julgamento de um outro processo”.
Analisado o texto do acórdão recorrido, temos que concluir que os factos provados (com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, em conformidade com o disposto no art. 374º, nº 2 do C.P.Penal) permitem o proferimento da decisão de direito, não resultando dos mesmos a existência de qualquer dúvida que beneficie o recorrente.
Com efeito, resultou provado que o arguido e a assistente mantiveram uma relação de namoro desde um dia, não concretamente apurado, situado no final do mês de maio até ao dia ../../2023, data em que a assistente colocou termo a tal relacionamento (cfr. factos provados 1º e 5º). Na motivação da matéria de facto provada e não provada o tribunal a quo explicou as razões pelas quais concluiu que a relação entre o arguido e a assistente foi de namoro: “Desde logo, atente-se, tal relação que o arguido e a ofendida mantiveram durou cerca de um mês e meio. Por outro lado, e como a própria ofendida referiu, tal relação não se resumiu a encontros de natureza fortuita, sem prejuízo da ofendida ter admitido que talvez tivesse avançado depressa demais, tanto que a mesma precisou que terminou na data em causa (para se terminar algo, é igualmente necessário começar, no caso, uma relação com outra pessoa que foi claramente mais do que uma amizade). Mais: o arguido frequentava a casa da ofendida, conheceu os seus filhos, houve sentimentos amorosos mútuos entre ambos (a ofendida assim o referiu, e das mensagens que o arguido enviou à ofendida também é possível constatar que o mesmo também gostava dela), o arguido manifestou junto da ofendida que queria ter uma relação exclusiva (conforme resulta do teor das mensagens ora constantes dos autos e nos termos em que resultaram provados), houve atracção física entre ambos conforme a ofendida o referiu, tanto que tentaram ter relações sexuais conforme o referiu igualmente a ofendida e, ainda, há que atentar que se encontravam-se várias vezes durante o período de relacionamento ora em causa, como a ofendida também o precisou. Ademais, note-se que do teor das mensagens de fls. 171 e ss. e das mensagens constantes da pen USB de fls. 180-181 é possível alcançar igualmente que o arguido também levou a sério tal relação com a ofendida, ainda que tenha tentado fazer crer o contrário em sede de audiência de julgamento”.
Com base na concatenação dos meios de prova mencionados na fundamentação, o tribunal recorrido considerou provados os factos que constam dos pontos 1 a 7, para além de qualquer dúvida razoável sobre qualquer deles, e não teve dúvidas em fixar a sua ocorrência tal como se encontram descritos.
Por conseguinte, nenhum dos argumentos invocados pelo recorrente se subsume a este concreto vício, confundindo o recorrente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, com a insuficiência da prova para a comprovação dos factos (menciona que resultou das declarações do arguido e da assistente, bem como do depoimento da testemunha CC, que entre o casal nunca houve uma relação de namoro).
Resulta do exposto que os factos provados permitem o proferimento da decisão de direito, do que concluímos pela inexistência do invocado vício decisório.
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1.2 Vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nos termos do art. 410º, nº 2, al. b) do C.P.Penal
O recorrente alega que os factos que constantes dos pontos 1 a 7 dos factos dados como provados mostram-se contraditórios (conclusão 1ª).  
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada (há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada, ou seja, quando é de concluir que não é perfeita a compatibilidade de todos os factos provados).
Simas Santos e Leal Henriques[2] afirmam que este vício traduz-se numa “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entes este e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os factos provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente”.
Porém, “para que exista contradição insanável da fundamentação, não basta que haja contradição entre factos provados ou entre factos provados e não provados ou entre factos provados e a fundamentação da convicção formada pelo tribunal. É necessário ainda que tal contradição seja de todo em todo irreparável e insusceptível de saneamento” (Acórdão do STJ de 09.07.1998, Proc. nº 262/98).
Conforme bem refere, a este propósito, o Acórdão do STJ, de 23.03.2022, Proc. nº 4/17.4SFPRT.P1.S1, “o vício da contradição insanável da fundamentação – al. b) do n.º 2, do art. 410.º/CPP – invocado pelo recorrente, perfectibiliza-se quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto. Como se esclarece no acórdão do STJ, de 19.11.2008 (Proc. n.º 3453/08-3.ª), “a contradição insanável da fundamentação, ou entre esta e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluem mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão…”. Assim, há manifesta contradição porquanto, sobre o mesmo ponto, fazem-se afirmações inconciliáveis que se excluem mutuamente”.
A sentença recorrida considerou demonstrado que o arguido e a assistente mantiveram uma relação de namoro desde um dia, não concretamente apurado, situado no final do mês de maio até ao dia ../../2023 e fundamentou tal conclusão na prova produzida que interpretou e concatenou entre si e com as regras da experiência e a normalidade do acontecer, com base num juízo de valoração livremente realizado por quem compete julgar os factos, de acordo com a imediação (que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova) e tendo por base as regras da experiência comum.

Ora, ponderada a prova produzida, constatamos que o tribunal a quo considerou demonstrado que:
a) a relação entre o arguido e a ofendida “durou cerca de um mês e meio” e, nesse período, encontraram-se várias vezes;
b) “não se resumiu a encontros de natureza fortuita”;
c) “o arguido frequentava a casa da ofendida, conheceu os seus filhos, houve sentimentos amorosos mútuos entre ambos”;
d) “o arguido manifestou junto da ofendida que queria ter uma relação exclusiva”;
e) “houve atracção física entre ambos”;
f) “tentaram ter relações sexuais”;
g) ”o arguido também levou a sério tal relação com a ofendida”;
h) ”não se afigura plausível que o arguido não tivesse manifestado já tais intentos (de constituir família) junto da ofendida (note-se que a própria referiu que se estavam a conhecer e que para ela era uma relação séria) o arguido também levou a sério tal relação com a ofendida”.

E, foi precisamente em harmonia com o exposto e com base em tais comportamentos e interações entre o arguido e a assistente, que o tribunal a quo considerou provada a relação de namoro entre ambos, no período constante dos factos provados.
Resulta do exposto que não se verifica a contradição invocada pois a fundamentação apresentada pelo tribunal a quo conduz à decisão probatória que foi tomada.
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1.3 Erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, al. c) do C.P.Penal
O recorrente invoca também o erro notório na apreciação da prova alegando que, na sentença recorrida, foram dados como provados os factos constantes dos pontos 1 a 7 quando não foi produzida qualquer prova que o sustente, nem essa mesma prova permite a condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica (conclusão 28ª).
O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal, na análise da prova, violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis. Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, ao homem médio ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar (cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. pág. 341).
Este vício distingue-se, assim, do erro de julgamento da matéria de facto pois que este último apenas é percetível através da análise da prova produzida.
Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 9ª ed., pág. 81). Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício.
Quanto a este vício – erro notório na apreciação da prova – importa referir que o tribunal decide, salvo no caso de prova vinculada, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção.
O art. 127º do C.P.Penal dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Rege, pois, o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminados de valor a atribuir à prova (salvo exceções legalmente previstas, como sucede com a prova pericial) e, por outro lado, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre convicção da prova e na sua convicção pessoal.
No entanto, tal não significa apreciação arbitrária ou valoração puramente subjetiva da prova, mas antes apreciação motivada de acordo com critérios lógicos e objetivos em função da razoabilidade e das regras da experiência comum.
Por conseguinte, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detetar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.
O recorrente invoca a existência de erro notório na apreciação da prova porquanto foram dados como provados os factos constantes dos pontos 1 a 7, os quais não se mostram sustentados na prova produzida, a qual não permite a condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica.
No entanto, o que, na realidade, o recorrente não aceita é a apreciação da prova levada a cabo pelo tribunal, pretendendo, com esta invocação, questionar a apreciação que o tribunal fez dos elementos probatórios perante si produzidos, sustentando uma particular visão do evento que deverá prevalecer por referência à caracterização da relação entre o arguido e a assistente (o recorrente contesta a circunstância de o tribunal a quo a ter qualificado como de namoro).
Assim sendo, neste concreto aspeto, a convicção do tribunal recorrido, para além de se mostrar congruente com a prova produzida (tal como enunciada na decisão recorrida), aferida segundo juízos de normalidade decorrentes das regras da experiência comum (e, portanto, com o princípio da livre apreciação da prova), é perfeitamente suportada pelo princípio in dubio pro reo. No percurso de raciocínio para a fundamentação da matéria de facto, não se deparou com qualquer dúvida insanável sobre a verificação da factualidade dada como provada (nomeadamente quanto à existência de uma relação de namoro entre o arguido e a assistente) atenta a motivação acima transcrita e as considerações expendidas sobre a consistência e plausibilidade dessa motivação, bem como, dos meios de prova que a sustentam.
O tribunal a quo apreciou concatenadamente os meios de prova, conjugou-os e estabeleceu correlações internas entre todos os meios de prova produzidos sendo certo que, na valoração conjunta dos elementos probatórios disponíveis, não encontramos qualquer erro de raciocínio, conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória, infração de regras de experiência comum ou das regras da apreciação da prova que nos imponha uma solução diferente da que consta da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida.

Concretizando.
O tribunal recorrido considerou provado que “ arguido e a vítima BB iniciaram um relacionamento de namoro” (ponto 1 dos factos provados) e resulta da motivação da matéria de facto a análise que o tribunal a quo faz das declarações da assistente, a qual descreveu o início, a evolução (“precisou como se começou a relacionar com o arguido e como tal relação foi evoluindo de uma amizade para algo mais”) e o fim do relacionamento com o arguido.
Da motivação da matéria de facto também resulta que a assistente começou por afirmar que não se tratou de uma relação de namoro (“embora a mesma não se tenha inicialmente referido a ela como uma relação de namoro e, inclusivamente tenha dito que não era um “namoro” tendo inclusive dito ao seu filho, ”aquando da apresentação do arguido, que iriam tentar ter uma relação de namoro”) mas de uma “relação íntima, nunca assumida, que terminou em ../../2023”.  Resultam ainda expostas as razões pelas quais, não obstante a posição da assistente, o tribunal recorrido considerou resultar inequivocamente da prova produzida (nomeadamente do teor das mensagens que o arguido lhe enviou, do qual concluiu que “também é possível constatar que o mesmo também gostava dela”) que a relação entre eles foi de namoro.
O exposto é demonstrativo de que o tribunal a quo explicou, de forma clara e transparente, o processo lógico que conduziu à factualidade constante dos factos provados.
Em conclusão, o tribunal a quo não se limitou a indicar os concretos meios de prova geradores do seu convencimento, revelou as razões pelas quais, apoiando-se no teor das mensagens juntas aos autos e examinadas em audiência de julgamento, adquiriu a convicção sobre a realidade dos factos tidos por provados (a existência de uma relação de namoro entre o arguido e a assistente). Razões essas que se mostram perfeitamente válidas e enquadradas em parâmetros de racionalidade decisória, não merecendo qualquer censura.
Na verdade, não se deteta na decisão recorrida uma irrazoabilidade patente a qualquer observador comum – não se podendo afirmar que o raciocínio do julgador se opõe à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum (sem análise das provas sobre as quais aquele se fundamenta e para as quais o recorrente sempre vai apelando).
Do texto da decisão recorrida não se deteta qualquer erro de raciocínio, conclusão ilógica, arbitrária ou contraditória, ou sequer violadora das regras de apreciação da prova.
Resulta do alegado pelo recorrente que este entende que a prova foi mal apreciada e não concorda com o juízo probatório do tribunal a quo. Mas, tal constitui, como vimos, uma discordância do recorrente face ao resultado da apreciação da prova. Nessa medida, já não nos movemos no âmbito do erro notório na apreciação da prova, que tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida (o que, no caso, como vimos, não se verifica), mas antes em contexto de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do preceituado no art. 412º nº 3 e 4 do C.P.Penal.
Em suma, concluímos pela inexistência de erro notório na apreciação da prova, improcedendo, nesta parte, o recurso em análise.
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1.4. Erro de julgamento quanto aos pontos 1 a 7 da matéria de facto dada como provada
O recorrente defendeu que existe erro de julgamento quanto aos pontos 1 a 7 da matéria de facto dada como prova em virtude de não ter sido produzida qualquer prova que a sustente (conclusões 1ª e 27º).
No caso da impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites legalmente impostos.
Quando se pretenda a impugnação ampla da decisão de facto, o recorrente tem de cumprir o aludido ónus de tríplice especificação, impondo-se que o recorrente, nos termos do disposto no art. 412º, nº 3 do C.P.Penal, especifique:
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas”.
A especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados, a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida e a especificação das “provas que devem ser renovadas” implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, o que pressupõe a existência de um dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do C.P.Penal (no atual quadro legal a renovação, na Relação, da prova que foi produzida em 1ª instância só é admitida se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artº 410º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo – artº 430º do C.P.Penal).
“Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido:  «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações». Em síntese: para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens)” – cfr. Acórdão do TRL de 02.12.2020, proc. nº 3606/15.0T9SNT.L1-5.
Se o recorrente assim proceder pode o tribunal de recurso reapreciar a prova produzida concretamente indicada e vir a modificar a decisão quanto à matéria de facto, nos termos do artº 431º, al. b) do C.P.Penal.
Como bem refere o Acórdão do TRL de 11.03.2021, Proc. nº 179/19.8JDLSB.L1-9: “embora este Tribunal da Relação tenha poderes de intromissão em aspetos fácticos (cfr. artº 428º e 431º, al. b) do C.P.Penal), não pode sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto. A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, referindo-se a relevância que têm para a formação da convicção do julgador «elementos intraduzíveis e subtis», tais como «a mímica e todo o aspecto exterior do depoente» e «as próprias reacções, por vezes quase imperceptíveis, do auditório» que vão agitando o espírito de quem julga (no mesmo sentido Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, vol. III, pág. 211, para acrescentar depois, a págs. 271, que «existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percebidos, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores»). O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado». E convém referir que quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes. Normalmente, os erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar”.
Por conseguinte, o recurso amplo da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento nem a reapreciação total dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação sobre a matéria impugnada, com base na audição ou análise das provas concretamente indicadas, sem prejuízo de o tribunal de recurso poder ouvir e visualizar outras passagens que não as indicadas (nº 6 do artº 412º do C.P.Penal), procurando indagar sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto impugnados que o recorrente especifique como incorretamente julgados.
Nessa medida, na reapreciação da prova há que articular os poderes de conhecimento do tribunal de recurso com os princípios relativos à produção e à valoração da prova no tribunal de 1.ª instância, especialmente com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º do C.P.Penal (nos termos do qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente), e com princípio do in dubio pro reo (postulado do princípio da presunção de inocência – consagrado no art. 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa - que impõe a absolvição sempre que a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da atuação do acusado e constitui um verdadeiro limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, regulando o procedimento do Tribunal quando tenha dúvidas sobre a matéria de facto), princípios que valem também para o tribunal de recurso.
No entanto, nesse poder de fiscalização ou reapreciação o tribunal de recurso está condicionado pela ausência de imediação e de oralidade que acontece na grande maioria dos recursos em que tal questão é suscitada (pelo facto de não haver a produção direta da prova) e se realizam plenamente em 1ª instancia onde o tribunal “viu e ouviu o arguido, as testemunhas e os peritos, apreciou o seu comportamento não verbal, formulou as perguntas que considerou pertinentes da forma que entendeu ser mais conveniente e confrontou essas pessoas com a prova pré-constituída indicada pelos sujeitos processuais, tudo faculdades que o tribunal da Relação, pelo menos quando não é requerida a renovação da prova, não pode  não beneficiar. Por isso, e não por força do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal da 2ª instância não tem, quanto ao recurso da matéria de facto, os mesmos poderes que tinha a 1ª instância, só podendo alterar o aí decidido se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida – alínea b) do n.º3 do artigo 412.º do C.P.P.” (Acórdão do TRL de 10.10.2007, Proc. nº 8428/2007-3).
Como bem refere o Acórdão do TRL de 02.12.2020, supra referido, cumpre “não olvidar, como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção”.
Face ao exposto e tendo presente estes princípios vejamos a impugnação de facto do recorrente.
O recorrente identifica os concretos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados (pontos 1 a 7 da matéria de facto provada) e insurge-se contra a consideração como assente que o relacionamento que existia entre o arguido e a assistente tenha sido uma relação de namoro. Alega, no essencial, a análise que o mesmo faz da prova produzida, com recurso às declarações do arguido e da assistente e ao depoimento da testemunha CC (por referência às passagens das gravações áudio que identifica).
Sustenta que deve ser considerado não provado que o arguido e a assistente mantiveram uma relação de namoro entre finais de maio de 2023 e o dia ../../2023 pois tal foi negado pela assistente e pelo arguido e a testemunha CC em momento algum se refere ao arguido como ex-companheiro ou ex-namorado da assistente.
O arguido, fazendo tábua rasa do teor das mensagens, bem como, da articulação das mesmas com as declarações da assistente, tudo conjugado com as regras da experiência e normalidade do acontecer, pretende ver o seu próprio juízo pessoal prevalecer sobre a livre apreciação que serviu de base à convicção do tribunal recorrido e ao resultante juízo de condenação formulado pelo tribunal recorrido – propugnando a substituição da convicção formada pelo tribunal pela sua própria, numa inversão legal de papéis funcionais que não sustenta o regime processual aqui em causa, e, por essa via, a alteração dos factos provados de forma a ir ao encontro dos seus interesses.
A pretensão do recorrente tem subjacente a circunstância de, em virtude da revisão de 2013 (Lei nº 19/2013, de 21 de fevereiro), ter sido estendida a proteção, do tipo de crime violência doméstica, à relação de namoro[3], a qual está relacionada “com a atual consciência da sociedade que reclama uma maior intervenção nas questões relacionadas com a violência do género e com a violência doméstica em particular” (Acórdão do TRL de 11.06.2019, Proc. nº 340/17.0PBOER.L1-5).
Ouvida, na íntegra, a gravação das declarações do arguido notamos que negou ter mantido com a assistente uma relação de namoro e insistiu na classificação de tal relação como de amizade (“era uma amiga minha como sempre foi, nunca tive nenhuma relação amorosa com ela, foi sempre amiga” – gravação áudio 15:56; “nunca tive nada com a BB … já a conheço há 14, 15 anos ou 16 … eramos amigos” – gravação áudio 19:55; “chegamo-nos a encontrar prai duas vezes por semana, se calhar no máximo três … à tarde … à noite saímos uma altura …. a um bar, com a BB e com a senhora CC” – gravação áudio 49:35; negou ter mantido relações sexuais com ela – gravação áudio 20:40 – e negou ter havido atração física ou intelectual, troca de afetos ou intimidade – gravação áudio 55:40).
E, ouvida, na íntegra, a gravação das declarações da assistente constatamos que afirmou que, em maio, começaram a conviver mais (gravação áudio 2:55) porque “ele queixou-se das unhas … ele ia lá a minha casa fazer o tratamento” (gravação áudio 3:15), tendo inclusive o acompanhado a uma consulta. Acrescentou que depois “começou a querer sufocar-me, tipo queria que eu fosse mulher dele, à força toda e tudo e eu não quis” (gravação áudio 3:58) e concluiu que “não houve um namoro assumido mas tentamos ter uma relação sim … íntima só que não deu porque ele estava já com aquele problema” (gravação áudio 4:38) que nunca assumiram perante terceiros (gravação áudio 5:30).
Relativamente à caraterização do relacionamento que manteve com o arguido, a assistente assumiu que trocavam carinhos e disse “nós dávamos nos muito bem” (gravação áudio 5:10); conviviam em grupo, no qual não assumiram o relacionamento, pois “a intimidade foi mesmo à parte” (gravação áudio 5:25); descreveu-o como controlador (“ele controlava muito, estava sempre a ver onde eu estava” – gravação áudio 6:30); acusou-o de a querer proibir de falar com certas pessoas, de sair com as amigas (“eu tinha de estar ali só para ele, cem por cento” - gravação áudio 7:00);  afirmou que nunca viveram juntos (gravação áudio 1:22) e à pergunta: ”vocês viam-se como namorados”, a assistente respondeu: “eu gostava dele, ao princípio ... é assim, eu não sei se posso chamar namoro ou não. Foi um mês e meio. Tivemos a nossa relação. Tentámos. Eu gostava dele. Só que depois deixei de gostar” (gravação áudio 2:35), do que se infere que as expectativas que tinha relativamente ao arguido não foram correspondidas e a partir de certa altura não se sentiu feliz na relação que haviam estabelecido.
Cumpre destacar que, no que respeita às declarações do arguido, bem andou o tribunal a quo ao concluir que “o arguido não apresentou uma versão minimamente verosímil, tanto que foi completamente infirmada pelo teor das mensagens ora mencionadas, cuja autoria o próprio assumiu espontaneamente. Ademais, não se afigura plausível que o arguido não tivesse manifestado já tais intentos (de constituir família) junto da ofendida (note-se que a própria referiu que se estavam a conhecer e que para ela era uma relação séria)”.
Da análise da motivação da matéria de facto, constatamos que o depoimento da testemunha CC não assumiu a relevância pretendida pelo arguido na medida em que a circunstância de a mesma não se reportar ao arguido como ex-companheiro ou ex-namorado da assistente tem plena correspondência no tipo de relação não assumida pelo arguido e pela assistente perante terceiros, tendo a imagem global dos factos resultado da correlação e conjugação entre vários elementos de prova (“atendeu-se ao teor das declarações da ofendida/demandante que se afiguraram verosímeis, espontâneas e coerentes com os demais elementos documentais juntos aos autos”), e não numa análise fragmentada e descontextualizada dos mesmo. A mesma mostra-se assente em critérios de senso comum e objetividade, está apoiada nos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório e revela absoluto respeito pelo princípio de livre apreciação da prova previsto no art. 127º do C.P.Penal, pelo que terá de prevalecer sobre a divergente convicção subjetiva do arguido acerca do sentido global da prova.
O juízo relativo de credibilidade que o tribunal recorrido fez em relação aos diversos depoimentos, pelo que resulta da sua audição, não merece reparo.
Com efeito, o tribunal a quo não escamoteou o teor objetivo das declarações do arguido e da assistente, os quais afirmaram, de forma coincidente, que se conheciam há vários anos (por a assistente ter sido inquilina dos pais do arguido) e que, em 2023, houve uma aproximação entre ambos que terminou por iniciativa da assistente (o arguido afirmou, a este propósito, que a assistente deixou de atender as suas chamadas). No entanto, divergiram quanto àquilo em que consistiu essa aproximação: enquanto que o arguido afirmou que, aquando da aproximação entre ambos, passou a desabafar com a assistente, insistindo que sempre se tratou de uma relação de amizade, a assistente manifestou ter dúvidas se se tratou, ou não, de uma relação de namoro.
  E, o tribunal recorrido, com base na conjugação dos elementos de prova a que alude (demonstrativos, nomeadamente, da estabilidade da relação, da sua natureza e âmbito íntimo e da constância da companhia mútua), interpretou o vínculo que o arguido e a assistente (enquanto adultos “maduros”, com relacionamentos anteriores e com filhos desses relacionamentos) mantiveram durante o período de um mês e meio, em função do caso concreto, da realidade de vida e, não obstante nenhum dos envolvidos denominar, de forma clara, a relação entre ambos como de namoro, considerou-a como tal.
Ora, apesar da relevância da visão que os envolvidos na relação têm dela mesma, tal não é, por si só, determinante da interpretação do julgador.
Para além dela, há que atentar à exteriorização e manifestação do relacionamento em causa, revelado através de circunstâncias concretas, seguramente demonstradas, para dela concluir (ou não) que a arquitetura do relacionamento corresponde “ao que, de acordo com normais regras de experiência, lógica e senso comum, poderá traduzi–se em namoro em termos suficientes para suscitar uma ponderação sobre a especial protecção da norma penal aqui em causa” (Acórdão do TRP de 05.06.2024, Proc. nº 466/21.5PAVNG.P1).

Na verdade, da prova produzida é manifesto que:
a) desde dia não concretamente apurado do final do mês de maio de 2023 até ../../2023, houve entre o arguido e a assistente laços afetivos e emocionais demonstrativos de uma estabilidade relacional (cfr. o teor das seguintes mensagens: ”Gosto muito de ti. Gosto mesmo muito…”, ”Sabes que gosto de ti”, “Sabes que gosto de ti e não queria abandonar-te”, “Gostei tanto de ti e dos teus filhos”, “Amei te …”, “Amei te tanto mulher. Adorava os teus filhotes”, “Tinhas tudo de mim. Tu e os teus filhotes”, “Fui sempre um homem fiel a ti …”  conjugado com as declarações da assistente que assumiu que se davam bem e que gostava dele);
b) o arguido conheceu os filhos da assistente e propôs-lhe passarem férias juntos, na casa da irmã dele, em ... (cfr. o teor das seguintes mensagens: “Queres que ligue a outra minha irmã que nos estamos a dar bem e vamos lá passar uma semana a ... com om os miúdos?”, “Gostei tanto de ti e dos teus filhotes”, “… queria te a ti e aos teus filhos para família”, “… Os teus filhos são um de qualquer pai mas sempre os aceitei e respeitei”);
c) apresentou a assistente à sua família (cfr. o teor da seguinte mensagem: “Desculpa por ter gostado de ti e te ter apresentada a toda a família”);
d) ambos consideraram ser possível que a relação evoluísse para vida em comum pois as mensagens enviadas pelo arguido demonstram a sua frustração pelo fracasso desse projeto (cfr. o teor das seguinte mensagens: “Queria te ver uma mulher de família”, “Só queria que fosses minha mulher”, “percebeste quer queria juntar família”, “queria te como mulher enão como amante”, “Eu queria te para mulher não para dançarina”, “Casa comigo?”) e depreende-se das declarações da assistente (atento o conteúdo e a forma como prestou declarações) que, no início da aproximação entre ambos, gostou do arguido, tentou manter a relação mas depois, devido ao seu comportamento controlador ao ponto de a fazer sentir sufocar, deixou de nutrir tal sentimento por ele o que culminou com o terminus da relação por sua iniciativa;
e) houve intimidade entre ambos pois tentaram manter trato sexual mas não conseguiram por razões relacionadas com a saúde do arguido (cfr. declarações da assistente só que não deu porque ele estava já com aquele problema” (gravação áudio 4:38);
f) o arguido procurou controlar a atividade da ofendida pois, mesmo após o fim do relacionamento, continuou a demonstrar desagrado por a assistente sair com as amigas (cfr. o teor das seguintes mensagens: “Não vás para o baile das putas”, “Se continuas ao baile das PUTAS esquece”, “Vai para o baile das putas”) e por o telemóvel da assistente ser atendido por indivíduo do sexo masculino (cfr. o teor das seguintes mensagens: “Quem foi o grande filho da puta que atendeu o telemóvel? Sabes que não bato bem dos cornos.”, “… Venha o filho da puta que atender o teu telemóvel mando pro caralho…”, “Nunca mais ponhas nenhum filho da PUTA a falar comigo o telemóvel BESTA”);
g) após a assistente ter posto um fim ao relacionamento, o arguido desencadeou comportamentos de retaliação e fortemente perturbadores da tranquilidade da assistente (cfr. factos provados 8 a 31).
A conduta do arguido, manifestada nas mensagens que enviou à assistente (das quais foi, inequivocamente, o autor), é reveladora de que entre aqueles existiu um relacionamento amoroso, evidenciando-se o descontentamento do arguido pelo termo desse relacionamento.
Atente-se, ainda, que apesar de a assistente, em audiência de julgamento, manifestar dúvidas quanto à classificação do relacionamento com o arguido como namoro, invocou essa qualidade quando apresentou uma queixa contra o arguido por violência doméstica (em 27.07.2023 – Refª ...84), em que lhe foi conferido o Estatuto de Vítima Especialmente Vulnerável, bem como, quando respondeu às questões colocadas no âmbito das Fichas de Avaliação de Risco para Vítimas de Violência Doméstica (cfr. fls. 48ss e 102ss) e quando preencheu o Modelo 2 – Ficha de Adesão ao Serviço Teleassistência (cfr. fls. 78). 
Essa indicação, contemporânea dos factos e da sua participação, constitui mais um índice relevante para a qualificação do relacionamento com o arguido.
Não podemos deixar de concordar com o juízo do tribunal recorrido pois a análise global da factualidade, por referência aos contornos do caso concreto, permite concluir, sem qualquer dúvida, que, apesar do curto período em que ambos mantiveram o relacionamento e da ausência de coabitação, houve entre ambos intimidade, inclusive de cariz sexual (tentaram manter trato sexual mas não conseguiram por razões relacionadas com a saúde do arguido), bem como consistência e intensidade de sentimentos (afetivos e emocionais) de ambas as partes, tendo equacionado uma vida em comum.
Em suma, resultou demonstrado que existiu, entre ambos, no período em causa, um vínculo afetivo que excede a mera amizade e as relações meramente ocasionais, fortuitas, o “flirt”. Desde logo, o facto de o arguido ter procurado controlar a atividade da assistente e retaliar por esta ter posto fim ao relacionamento revela, de forma evidente, que não se tratou de um relacionamento superficial ou meramente ocasional e desapegado em termos sentimentais. Mais demonstra que foi precisamente essa relação afetiva, assente num compromisso monogâmico, que motivou e condicionou a atuação do arguido, num manifesto abuso de poder, fragilizando a vítima.
A circunstância de não viverem juntos sob o mesmo teto não prejudica este entendimento nem descaracteriza o relacionamento mantido entre ambos como “namoro”.
Por conseguinte, foi possível formar um juízo positivo quanto à factualidade assente que consta dos pontos 1 a 7 da matéria de facto dada como provada, com base na conjugação da prova documental e testemunhal produzida e examinada em audiência de julgamento, com as regras da experiência e normalidade do acontecer, nos termos supra expostos.

Do que decorre a improcedência do recurso, também nesta parte.
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2. Recurso da recorrente BB

2.1. Se a indemnização civil por danos não patrimoniais que o arguido/demandado AA foi condenado a pagar à assistente/demandante BB deve ser elevada

A recorrente insurge-se contra o arbitramento da indemnização sustentando que fica aquém da justa compensação que a assistente merece para atenuar os sofrimentos por que passou e passa, pelo que deve ser aumentada para € 7.500,00.
A responsabilidade civil por facto penalmente ilícito é conhecida no processo-crime por força do princípio da adesão previsto no art. 71º do C.P.Penal, que estabelece que: “o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.
 Por sua vez, o art. 129º do C.Penal prevê que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Posto isto, no aspeto processual, tendo em conta o princípio da autonomia do processo penal, o correspondente pedido rege-se pelas normas pertinentes do Código de Processo Penal, sem prejuízo da aplicabilidade, como direito subsidiário, das normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal – cfr. art. 4º do C.P.Penal, nomeadamente quanto ao recurso da decisão de facto.
Ora, estabelece o art. 483º do C.Civil que: “1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei”.
No que aos danos não patrimoniais diz respeito, art. 496º nº 1 do C.Civil estabelece que: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Tais danos são insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens (saúde física e psíquica, bem estar, liberdade, beleza, honra, etc.) que não integram o património do lesado, visando-se antes uma compensação pelo mal sofrido que será decidida com recurso a critérios de equidade (art. 566º nº 3 do C.Civil).
O montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, medido por um padrão objetivo, embora atendendo às circunstâncias do caso concreto.
O legislador ao determinar a equidade como critério da fixação da indemnização por danos não patrimoniais teve em conta que, por um lado, é impossível aplicar ao ressarcimento o princípio da reconstituição natural previsto no art. 562º do C.Civil e, por outro, que, havendo a indemnização de ser paga em dinheiro, também não é possível quantificar com exatidão o valor do prejuízo com recurso ao critério do art. 566º nº 2 do C.Civil.
A maior dificuldade na fixação desta indemnização está em que, paradoxalmente, qualquer que ela seja, nunca cumprirá integralmente a função de ressarcimento. Tornar indemne é repor a situação anterior ao dano ou compensá-la com uma quantia equivalente em dinheiro. Aqui, todavia, qualquer dessas alternativas é inatingível, primeiro porque o sofrimento é naturalmente irrepetível e depois porque a quantificação da indemnização não pode, por impossibilidade lógica, avaliar violação da integridade pessoal em dinheiro. E, no entanto, a lei manda determiná-la.
Tendo em vista a natureza peculiar do dano não patrimonial, a ponderação da equidade sobrepõe-se à legalidade estrita. A indemnização não é fixada de acordo com a rigidez própria da lei positiva, mas sim atendendo às particularidades do caso concreto e de acordo com uma ponderação de valores e princípios que vai para além da norma escrita. Equidade é justiça, equilíbrio, proporção.
A adequação da indemnização ao objetivo de compensação indireta do dano impede a sua fixação em valor de tal modo reduzido que a torne irrelevante como fator de ressarcimento, mas também não admite que o seu valor se eleve a um patamar de exagero que transforme a sanção civil num sacrifício irrazoável.
O que se pretende é, sobretudo, repor com equilíbrio a situação jurídica alterada pela violação do direito, compensando indiretamente o dano pessoal do lesado com a atribuição de uma quantia em dinheiro que permita, na medida do possível, alcançar um prazer capaz de neutralizar a intensidade dos efeitos negativos da perturbação da sua personalidade.
Resulta do disposto nos art. 494º e 496º nº 4 do C.Civil que a ponderação equitativa deverá atender à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado e a todos os fatores que relevem para integrar os princípios da razoabilidade, prudência e justiça.
Por outro lado, como bem se diz no Acórdão deste TRG de 11.07.2024, Proc. nº 1217/19.0T9GMR.G1: “há que ter em conta, por razões de igualdade e harmonia, a evolução dos quantitativos praticados pela nossa jurisprudência, nomeadamente a respeito do dano morte, considerado o dano não patrimonial máximo e que, portanto, não devem ser ultrapassados”.
A compensação de danos não patrimoniais não deve ser meramente simbólica, não deve ser fixada em montante tão reduzido que, na prática, desvirtue a função preventiva, sancionatória ou repressiva da responsabilidade civil (neste sentido, Acórdão do TRC de 27.09.2023, Proc. nº 18/23.5GCGRD.C1).

Antes deve ter um alcance significativo.
No caso vertente, o arguido/demandado foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do C.Penal e a discordância da demandante reside na fixação do montante indemnizatório.
O tribunal a quo fixou a indemnização, a título de danos não patrimoniais em € 2.000,00 salientando que “a ofendida foi vítima de ofensas à sua integridade psíquica perpetradas pelo arguido nos termos vertidos em 2) a 39) e 41) dos factos provados, que aqui se dão por reproduzidos para efeitos de economia processual, que se consideram graves, pelo que é evidente que a vítima também sofreu danos psíquicos, sendo os mesmos são consequência directa e necessária da conduta do arguido. Importa, pois, fixar o quantum indemnizatório a atribuir à demandante (…). Assim, e atento o exposto e por equidade, tendo em conta a condição económica do arguido, decide-se arbitrar a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de reparação dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima BB (…)”.
Quanto à situação económica do demandado apurou-se que se encontra desempregado, desde o mês de maio de 2024; aufere subsídio de desemprego no valor de € 938,82; vive com a mãe; tem dois filhos, com 19 e 15 anos de idade que vivem com a progenitora, relativamente aos quais paga pensão de alimentos e foi-lhe diagnosticada uma perturbação de ansiedade generalizada, encontrando-se a ser seguido pela especialidade médica de psiquiatria desde 2023.
De notar que, no caso de indemnização por danos não patrimoniais, a intervenção do tribunal de recurso é, por natureza, limitada.
Com efeito, fixada a indemnização por danos não patrimoniais com base na equidade, em que os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos, “devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, só se justificando uma intervenção corretiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos. A Jurisprudência dos tribunais superiores aponta para que, uma vez fixada pelo tribunal da 1ª instância a indemnização por danos não patrimoniais com base na equidade, o tribunal de recurso só deve alterar o montante fixado quando colidir com os critérios jurisprudenciais que são geralmente adotados para assegurar a igualdade” (Acórdão do TRC de 27.09.2023, Proc. nº 18/23.5GCGRD.C1).
Transpondo as considerações expostas verificamos que o teor e o número de mensagens (308) enviadas (em diversos horários do dia e da noite) pelo demandado à demandante, bem como as várias perseguições rodoviárias perigosas que por ele lhe foram movidas, destinaram-se a perturbá-la psicologicamente, atemorizá-la, restringir a sua liberdade de movimentos, causar-lhe medo, insegurança, inquietação e ansiedade, o que conseguiu.
Em consequência direta e necessária das condutas levadas a cabo pelo demandado, a demandante sentiu receio pela própria vida e andou triste, desgostosa e envergonhada. Sublinha-se que estes últimos danos ainda se verificavam à data da decisão recorrida (proferida um ano após a situação descrita no facto provado 29).
Assim sendo, a conduta do demandado é merecedora de elevada censura e a factualidade apurada é reveladora da intensa pressão psicológica de que a demandante foi alvo e do clima de terror por ela vivido que lhe provocou, para além do mais, sofrimento psicológico, constante sobressalto e inquietação.

Em suma, face à atuação do demandado (à sua culpa e ao contexto em causa), às consequências da mesma (a intensidade dos danos psíquicos sofridos pela demandante, alguns dos quais se prolongaram no tempo), à situação económica de ambos bem como à bitola jurisprudencial em casos idênticos, entendemos razoável, adequado e, dentro dos condicionalismos referidos, justo e equitativo, alterar o montante indemnizatório referido por danos não patrimoniais para o valor de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
Pelo que procede parcialmente o recurso da demandante.
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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães, após conferência, em:

a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido JJ, declarando-o totalmente improcedente;
c) Revogar a sentença recorrida relativamente ao montante indemnizatório ali fixado, fixando-se o mesmo em € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
Custas pelos recorrentes na proporção do decaimento, fixando a taxa de justiça devida em 4 UCS (art. 513º, nº 1 do C.P.Penal e art. 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).
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Guimarães, 25 de março de 2025

Luísa Oliveira Alvoeiro
(Juíza Desembargadora Relatora)
Paulo Serafim
 (Juiz Desembargador Adjunto)
Paulo Almeida Cunha
(Juiz Desembargador Adjunto)


[1]“Processo Penal quando o Recurso incide sobre a Decisão da Matéria de Facto”, in Revista JULGAR Nº 10, pág. 25-27.  
[2] In “Recursos Penais”, 9ª ed., pág. 78.
[3] “O aditamento do elemento relação de namoro ao tipo de crime violência doméstica visou alargar o universo de vítimas e de agentes e estender a previsão da norma a outras realidades de vida, diferentes daqueles que o tipo já previa: diferente do casamento, diferentes da união de facto, das relações análogas às de cônjuge, com e sem coabitação” (Conselheira Ana Barata Brito in “A ‘relação de namoro’ como elemento do tipo de crime violência doméstica”, Estudos em Homenagem ao Juiz Conselheiro António Henriques Gaspar - https://tre.tribunais.org.pt/fileadmin/user_upload/docs/criminal/RELACAO_DE_NAMORO_VIOLENCIA_DOMESTICA.pdf .