CRIME DE BURLA
QUALIFICAÇÃO
CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
CONDENAÇÃO
PENA ÚNICA
PENA DE PRISÃO
CONTEXTUALIZAÇÃO
CONSEQUÊNCIAS
PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE
CUMPRIMENTO DA PENA DE PRISÃO
Sumário

I – Tendo a arguida cometido um crime de burla qualificada e um crime de falsificação de documento, sendo-lhe aplicada uma pena única de 4 anos e 4 meses de prisão, impõe-se a efetividade de tal pena de prisão, pois uma nova suspensão da execução da pena não iria satisfazer as finalidades da punição, pese embora a confissão dos factos e do pedido de indemnização civil, o facto de aquela beneficiar de uma situação familiar normal e de ter mudado de profissão.
II – Na verdade, estamos perante condutas que se iniciaram pouco tempo antes de transitar em julgado a sua condenação pela prática de um crime de burla qualificada, pelo qual tinha sido condenada em 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 5 anos, e que, aproveitando-se a arguida do facto de ser então responsável pela contabilidade de uma empresa familiar, se traduziram em múltiplas compras pessoais supérfluas, sendo a vantagem ilícita obtida pela mesma com a prática dos crimes de valor muito elevado e tendo a vítima dos crimes enfrentado por isso graves problemas de tesouraria, sem que a arguida tenha restituído qualquer importância.

Texto Integral

Processo nº 2463/21.1T9VFR.P1

Data do acórdão: 2 de Abril de 2025

Desembargador relator: Jorge M. Langweg

Desembargadora 1ª adjunta: Isabel Namora

Desembargadora 2ª Adjunta: Cláudia Sofia Rodrigues

Origem:

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira

Acordam, em conferência e por unanimidade, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

nos presentes autos, em que figura como recorrente a arguida AA;

I - RELATÓRIO

1. Em 18 de novembro de 2024 foi proferido o acórdão recorrido nos presentes autos, que terminou com a seguinte condenação da arguida:

a) pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 a) do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão;

b) pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 256.º n.º 1 alíneas a), d) e e), do Código Penal, na pena de um ano de prisão; e

c) em sede de cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de quatro anos e quatro meses de prisão efetiva.

2. Inconformado com a efetividade da pena de prisão aplicada, a arguida interpôs recurso da decisão, terminando a respetiva motivação com a formulação das seguintes conclusões:

«1 - A arguida foi condenada a uma pena de prisão efetiva de quatro anos e quatro meses.

2- De acordo com o artigo 50º, n. º1 do Código Penal, o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão quando a pena concreta aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

3- No caso em apreço, a pena aplicada é inferior ao limite máximo de cinco anos, estando, portanto, preenchido o pressuposto formal para a suspensão da pena de prisão, conforme exige o referido artigo.

4- O artigo 50º, n. º1 do Código Penal estabelece que a pena de prisão pode ser suspensa se o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça de pena são adequadas e suficientes para as finalidades da punição.

5- A decisão do tribunal a quo, ao negar a suspensão, não reflete corretamente o juízo de prognose sobre o comportamento da arguida.

6- O tribunal a quo deveria ter ponderado sobre a personalidade da arguida, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias do crime, elementos que indicam que a pena aplicada, suspensa na sua execução, seria adequada e suficiente para alcançar as finalidades da punição.

7- A arguida demonstrou, em todas as fases do processo, uma personalidade consciente, empática e introspetiva.

8- Antes e após o crime, a arguida revelou-se uma pessoa capaz de reconhecer os erros cometidos, refletindo sobre as consequências dos seus atos e assumindo total responsabilidade pelos mesmos.

9- A mudança na sua conduta, nomeadamente com a cessação, voluntária e definitiva, da sua atividade profissional como contabilista (onde os crimes ocorreram), demonstra uma alteração de comportamento que garante que a simples ameaça da pena será suficiente para as finalidades da punição.

10- A arguida, ao iniciar uma nova atividade como esteticista, mostra uma verdadeira autorreforma social, sem imposições externas, o que reflete a sua responsabilidade e compromisso com a reintegração social.

11- A arguida encontra-se socialmente integrada, exercendo, atualmente a profissão esteticista, atividade em que tem gerido, de forma independente, as suas obrigações.

12- A sua condição familiar é estável, sendo a família a sua prioridade, com uma filha de dois anos e estando grávida do segundo filho.

13- O tribunal a quo deveria ter considerado, ao decidir pela execução da pena de prisão efetiva, o impacto devastador desta sobre a sua família, especialmente em relação à dependência da filha pequena e a necessidade de cuidados essenciais que a arguida proporciona.

14- O cumprimento da pena de prisão efetiva, que a arguida foi condenada, desestabilizaria a estrutura familiar da arguida e traria consequências excessivas e desproporcionais no contexto de sua situação familiar e profissional.

15- A execução da pena de prisão afetaria gravemente a estabilidade emocional e material da arguida e da sua família, principalmente pela sua filha pequena, de apenas 2 anos, e o filho que está por nascer!

16- O agravamento da sua situação familiar e a possível interrupção do vínculo com os seus filhos, a privação da sua presença e apoio, são fatores que deveriam ser ponderados como elementos desproporcionais e desajustados para alcançar a ressocialização pretendida.

17. A arguida já demonstrou comportamentos de autorresponsabilização e mudança, o que sugere que uma pena de prisão efetiva é, em grande parte, desnecessária e prejudicial ao seu processo de reintegração familiar e social.

18- Após a prática dos factos, a arguida adotou uma postura de arrependimento genuíno, demonstrado pela sua confissão integral dos crimes e pelo compromisso em reparar o dano causado.

19- A arguida fez questão de assumir total responsabilidade pelos danos causados à vítima, confessando integralmente o pedido de indemnização civil deduzido, no montante de 238.097,56€, obrigando-se ao pagamento mensal de 800,00€.

20- Esse compromisso financeiro, que representa metade do seu rendimento mensal, é um esforço significativo que reflete a sua disposição em reparar o mal causado e em evitar futuros desvios comportamentais.

21- A mudança do comportamento da arguida, nomeadamente o seu dedicar-se ao cumprimento das suas obrigações civis, demonstram que a aplicação da pena de prisão efetiva não é mais necessária para alcançar a ressocialização e finalidade pedagógica da punição.

22- Como preceitua a jurisprudência, a pena de prisão não deve ser desproporcional ao objetivo de punição e reintegração do arguido.

23- No caso em apreço, a pena de prisão efetiva aplicada à arguida, dadas as suas circunstâncias pessoais, familiares, o seu comportamento subsequente à prática do crime, é excessiva, especialmente considerando que a arguida já está a cumprir as finalidades da punição por intermedio da sua reparação civil dos danos causados e da mudança substancial da sua vida.

24- A simples ameaça de prisão, acompanhada da censura de facto, teria o mesmo efeito pedagógico e retributivo que a execução efetiva da pena, sem causar os desequilíbrios familiares e sociais que a privação da liberdade acarretaria.

25-A arguida tem demonstrado, de forma clara e eficaz, que está comprometida com a sua própria ressocialização.

26- A sua decisão de cessar o exercício da profissão de contabilista e mudar de área de atividade, concretamente para esteticista, foi voluntária e solitária, sem qualquer imposição judicial.

27- A punição, portanto, já foi eficaz e, considerando a mudança na vida da arguida, a pena de prisão efetiva não contribuiria para o cumprimento das finalidades da pena, mas apenas interromperia sua ressocialização de forma desnecessária e excessiva.

28- O tribunal a quo deveria, assim, ter decidido pela suspensão da pena de prisão, que permitiria à arguida continuar com a sua reintegração na sociedade, sem o impacto desproporcional de uma pena de prisão efetiva.

29- Tendo em conta a personalidade da arguida, a mudança substancial de vida, o compromisso em reparar o dano causado, a ausência de risco de cometimento futuro dos crimes em causa, conclui-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena são adequadas e suficientes para atingir as finalidades da punição, sem a necessidade de privação de liberdade.

30- A pena de prisão efetiva é excessiva e desproporcional, especialmente quando comparada aos esforços da arguida na reparação civil e mudança comportamental, que já se encontram em curso.

31- Em face do exposto, requer-se que seja revista a decisão do tribunal a quo, suspendendo a execução da pena de prisão aplicada, considerando à personalidade da arguida, às suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a confissão, o seu arrependimento, a reparação do dano e a prática de atos que obstem ao cometimento futuro dos crimes em causa).»

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos, com efeito suspensivo.

4. O Ministério Púbico apresentou resposta ao recurso, da qual se extraem as seguintes passagens mais impressivas:

«O presente recurso abrange apenas matéria de direito e, em síntese, a recorrente considera que a pena de prisão deveria ser suspensa na sua execução.

Na ótica da recorrente, as suas condições pessoais, a confissão, a inserção familiar e o arrependimento deviam ter conduzido à suspensão da execução da pena de prisão.

Ora, no nosso entendimento, o Tribunal a quo levou em devida consideração todos os elementos referidos pela recorrente.

O que o Tribunal não podia fazer, e não fez, era deixar de apreciar as fortíssimas exigências de prevenção geral e especial que se verificam em concreto.

(…)

No que respeita à possibilidade de suspensão da execução da pena prisão, repita-se que a recorrente sofreu já uma anterior condenação, por crime da mesma natureza, da qual foi condenada em pena de prisão suspensa na sua execução - 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 5 anos -, mas tal não a demoveu de novamente ter praticado idêntico crime, nem a ameaça de cumprimento dos 3 anos e 2 meses de prisão por força de eventual revogação da suspensão no PCS n.º 5098/16.7T9MTS foi suficientemente dissuasora para a recorrente pautar, doravante, a sua vida com respeito ao direito e às normais legais.

Em termos de condições pessoais da recorrente, se é verdade que confessou os factos, estar integrada profissionalmente e familiarmente, encontra-se a trabalhar em ramo diferente e tem o apoio familiar, certo é que a opção pela prisão efetiva e a inviabilidade de qualquer pena substitutiva encontra-se devidamente explicitada no Acórdão recorrido, sendo absolutamente percetível o juízo operado pelo Coletivo de Juízes a quo que, ao considerarem os crimes praticados e a personalidade da arguida, expressa também nos seus antecedentes criminais, concluiu ser inequívoco que uma nova suspensão da execução da pena de prisão não iria satisfazer minimamente as finalidades de prevenção geral positiva e as finalidades de prevenção especial positiva, criando sim um sentimento de total impunidade.

Acolhendo o ensinamento de FIGUEIREDO DIAS, diremos que a recorrente “infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade” – cfr. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, 2005, p.357.

Ponderando os factores de determinação da escolha e medida concreta da pena, plasmados nos artigos 40.º, 41º, 50º, 70º a 73º, 77º, todos do Código Penal, afigura-se-nos que a pena única de 4 anos e 4 meses de prisão efetiva nos parece justa, proporcional e adequada.

Face ao exposto, s.m.o, deverá ser confirmadoa in totum o Acórdão recorrido.»

5. O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer, do qual se extraem as seguintes passagens:

"(…) o presente recurso deve ser rejeitado, uma vez que não dá integral cumprimento ao disposto no art. 414º, nº2 do CPP.

Ressalta claramente da estatuição do artigo 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal – C.P.P. que o recurso é composto pela motivação, onde se enunciam os fundamentos da impugnação, e pelas conclusões, destinadas a sintetizar o pedido.

Assim, a motivação, além de obrigatória e jusvinculativa, compreende duas obrigações processuais essenciais que de decompõem em dois ónus inarredáveis: o de alegar e o ónus de concluir.

Porém, a Recorrente arguida, através do seu Exº Mandatário não indica nenhuma norma que, na sua visão, tenha sido violada perante a interpretação que efectua.

Ora, tal é o mesmo que não apresentação de conclusões, pelo que o recurso não deve ser admitido.

Se assim não se entender, sempre se dirá que:

(…)

Como objeto do recurso, põe em causa a arguida:

A pena de prisão efectiva em que foi condenada, sendo a sua pretensão a mesma pena, mas suspensa na sua execução.

A Recorrente arguida, então, impugna apenas matéria de direito, ainda que sem indicação das normas que considera violadas pelo tribunal a quo.

Porém,

Analisados os fundamentos do recurso, e os demais elementos processuais, consideramos que a sentença recorrida mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito, tendo observado o disposto no art. 374.º do Código de Processo Penal.

No acórdão proferido pelo tribunal a quo verificamos pragmática e sinteticamente que todos os elementos de facto e de direito, são ponderados, e devidamente explicados os critérios de valoração.

Não se verificam quaisquer erros ou omissões na apreciação da matéria de facto e/ou de direito, e nenhuma norma legal foi violada, nem tão pouco a Recorrente indicou qualquer norma que o reflita.

Pelo que entendemos que não houve falta de qualquer exame crítico ou erro de apreciação da matéria de facto e de direito.

A personalidade da arguida evidenciada nos factos e na sua postura em julgamento, a inexistência de juízo de autocensura adequado, visível ao tentar imputar a impulsos não controlados os gastos excessivos e a forma de os cobrir, e a imagem global resultante dos factos, que é causadora de acentuada reprovação social e a frequência dos tipos de ilícito, são reveladores de especiais necessidades de prevenção especial e geral.

Pretende a arguida que, na verdade, o tribunal atribua mais peso à confissão, ao dito arrependimento, e ao facto de ter efectuado um acordo do pagamento com a assistente/ofendida. Mais não fez que a sua obrigação, e o assistente vê-se privado do valor do qual a arguida se apropriou durante 297 meses.

A este nível importará reter que, conforme entendimento assumido a 9 de Fevereiro de 2022, pela Relação de Lisboa no Processo n.º 717/21.6PFSXL.L1-3 (relator: Rui Teixeira), “Não é toda e qualquer confissão que releva positivamente para a determinação da medida da pena”, pois que: “A confissão, enquanto atitude colaborante do arguido, pode traduzir-se ou não numa circunstância atenuante de carácter geral, influindo directamente na determinação da medida concreta da pena, ou relevando indirectamente, ao nível da valoração das exigências de prevenção especial, se no contexto em que for feita transmitir indicações positivas relativamente à atitude/personalidade do agente”; na realidade e conforme se afirma no arresto sob citação e cujo entendimento se sufraga, “O seu valor processual, em termos práticos, acaba por variar na razão directa da sua relevância, podendo assumir um vasto leque de graduações que vão da confissão extremamente relevante (a que permite ultrapassar acentuadas dúvidas ou ter como assentes factos para os quais não existe outra prova) à confissão absolutamente irrelevante (a título de exemplo, a confissão feita após concluída a produção da prova, quando todos os factos confessados se oferecem já como manifestamente provados; a confissão do óbvio, quando tiver havido prisão em flagrante delito), podendo ainda ser subjectivamente valorada na determinação da atitude interna do agente relativamente aos factos praticados e à interiorização da gravidade da sua conduta” (destaques e sublinhados do signatário).

Já no que ao alegado arrependimento concerne, remete-se para o entendimento assumido pela Relação de Guimarães na decisão proferida a 22 de Fevereiro de 2021 no Processo n.º 39/20.0GTBRG.G1 (relator: Armando Azevedo) “[…] Mas do facto de se verificar confissão, daí não decorre necessariamente que haja arrependimento. Ou seja, a interiorização do desvalor da conduta e o propósito de arrepiar caminho, não voltando a praticar qualquer crime”.

Praticou o crime durante o cumprimento de uma pena de prisão suspensa na sua execução, por crime de idêntica natureza, o que esta parece desvalorizar.

Termos em que não se verifica, como pretende, a possibilidade de se alcançar um juízo de prognose positiva quanto ao seu comportamento futuro sem praticar crimes, não bastando afirmar que não voltará a exercer a profissão que tinha, como bastante para que a pena aplicada seja suspensa na sua execução.

Torna-se, pois, claro que carece de fundamento a pretensão recursiva da arguida.

Assim,

Analisados os fundamentos do recurso, e os demais elementos processuais, acompanhamos a posição do Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância, aderindo-se à argumentação oferecida, por fundada e clara, que fazemos nossa, para não repetirmos a argumentação apresentada, com a qual concordamos inteiramente e aqui se dá por transcrita, na resposta à motivação do recurso apresentado pelo arguido. (…)»

6. Não foi apresentada qualquer resposta ao parecer.

7. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questão a decidir

Do «thema decidendum» do recurso:

Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o "thema decidendum" que foi colocado à apreciação do tribunal "ad quem", mediante a formulação de um juízo de mérito.

Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir apenas se o acórdão condenatório incorreu num erro em matéria de direito, ao não suspender a execução da pena de prisão aplicada, violando o disposto no art. 50º, nº 1, do Código Penal.

Para decidir a questão controvertida, importará, primeiramente, recordar os factos provados, a decisão respeitante ao pedido de indemnização civil, bem como a fundamentação jurídica da pena aplicada no acórdão recorrido.

II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES

Conforme já enunciado, torna-se essencial - para a devida apreciação do mérito do recurso - recordar os factos provados, a decisão respeitante ao pedido de indemnização civil, bem como a fundamentação jurídica da pena aplicada no acórdão recorrido:

"1.2. Foi deduzido pedido de indemnização cível pela ofendida/assistente contra a arguida.

(…)

A arguida confessou o pedido de indemnização cível deduzida contra si pela ofendida/assistente, e transacionada a forma de pagamento, vindo a ser homologada.

II. Fundamentação fáctica

2. 1. Da matéria de facto provada:

Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos:

» Da acusação

1. A Assistente A... Lda. é uma sociedade por quotas, com sede em Rua ..., ..., ..., de cariz familiar, com 34 anos de existência, com o capital social de € 100.000, um volume de negócios de €1.200.000 em 2020 e onze trabalhadores, que se dedica ao comércio por grosso e a retalho de máquinas, ferramentas e acessórios industriais.

2. São seus gerentes BB e CC.

3. A arguida AA é contabilista certificada e exerceu as funções de responsável pela contabilidade da assistente, ao abrigo dum contrato de trabalho a termo incerto com início em 01.02.2021.

4. Pela prestação do seu labor, a Assistente acordou com a mesma o salário de € 841,73, acrescido de subsídio de alimentação.

5. As funções de contabilista que a arguida exercia nas instalações da Assistente, sitas em Rua ..., em ..., incluíam a introdução de pagamentos a realizar a fornecedores e funcionários.

6. Mercê das funções que exercia, foi pela gerência da Assistente facultado à arguida AA os códigos de acesso online das contas bancárias daquela, nos Banco 1... e Banco 2..., para que esta procedesse a transferências bancárias e outros assuntos relacionados, tendo também livre acesso ao aparelho de telemóvel a operar com o n.º ..., propriedade da Assistente, associado ao homebanking de ambas as contas bancárias.

7. Todavia, logo desde o início da relação laboral, a arguida aproveitando-se das suas funções de contabilista na Assistente, criou um esquema, através da emissão de documentos tipo faturas falsas de fornecedores, para que tais faturas fossem pagas através de transferências bancárias de contas tituladas pela Assistente para contas bancárias movimentadas exclusivamente por si, quer tituladas por si, quer pelo marido, quer por outros familiares diretos, nomeadamente as seguintes:

a) IBAN  ..., titulada pela arguida, sediada no Banco 3...,

b)  ..., movimentada pela arguida, sediada no Banco 4..., titulada pelos pais, DD e EE,

c)  ..., titulada pela arguida e companheiro FF, sediada no Banco 1....

8. Nesse desiderato, a arguida utilizou os dados de identificação do seu companheiro FF, dos seus próprios pais, EE e DD, da irmã do companheiro, GG e outros terceiros.

9. A arguida possuía os códigos de acesso e autorização de movimentação online das contas bancárias referidas supra.

10. A arguida era titular, a parte do seu companheiro FF, da conta bancária com o IBAN  ..., sediada no Banco 3..., mas era ela quem a movimentava.

11. No decurso do ano de 2021, a arguida AA efetuou, pelo menos, 84 transferências eletróncias que não correspondiam a qualquer compra por banda da Assistente a partir das contas bancárias de que esta é titular (IBAN's  ... (Banco 1...) e  ... (Banco 2...), que tiveram como destino as contas bancárias supra indicadas que a arguida titula/gere, constantes da lista infra:

N.º Banco Data Fornecedor Descritivo Conta de destino Banco Valor

1 Banco 1... 04/02/2021 B... FT ... NIB ... Banco 3... €880,70

2 Banco 1... 05/02/2021 B... NIB ... Banco 3... €1 229,32

3 Banco 2... 08/02/2021 B... ---------------- NIB ... Banco 3... €859,10

4 Banco 1... 09/02/2021 B... FT ... NIB ... Banco 3... €527,50

5 Banco 2... 10/02/2021 B... FT ... NIB ... Banco 3... €295,42

6 Banco 2... 11/02/2021 B... FT ... NIB ... Banco 3... €295,13

7 Banco 2... 12/02/2021 C... -------------------- NIB ... Banco 3... €321,13

8 Banco 2... 15/02/2021 C... FT ... NIB ... Banco 3... €371,18

9 Banco 2... 15/02/2021 C... --------------- NIB ... Banco 3... €373,18

10 Banco 2... 15/02/2021 D... --------------- NIB ... Banco 3... €149,78

11 Banco 2... 17/02/2021 SOCIEDADE IMPORTADORA ----- NIB ... Banco 3... €812,10

12 Banco 2... 23/02/2021 C... -------------------- NIB ... Banco 3... €1 022,36

13 Banco 1... 24/02/2021 B... FT NIB ... Banco 3... €741,68

14 Banco 2... 25/02/2021 E... ------------- NIB ... Banco 3... €1 080,00

15 Banco 1... 01/03/2021 F... FT ... NIB ... Banco 3... 1 754,50

16 Banco 1... 03/03/2021 C... FT ... NIB ... Banco 3... €687,00

17 Banco 1... 05/03/2021 G... FT FEV NIB ... Banco 3... €1 381,25

18 Banco 1... 08/03/2021 C... FT ... NIB ... Banco 3... €1 978,58

19 Banco 2... 08/03/2021 H... ------------ NIB ... Banco 3... €1 323,99

20 Banco 2... 11/03/2021 CART PROF ... NIB ... Banco 3... €759,98

21 Banco 1... 12/03/2021 TRF P/ POL FPRO ... NIB ... Banco 3... €431,08

22 Banco 1... 15/03/2021 TRF P/ DREAM CONTRATO ... NIB ... Banco 3... €633,88

23 Banco 2... 16/03/2021 I... FT ... NIB ... Banco 3... €516,26

24 Banco 2... 16/03/2021 J... --------------- NIB ... Banco 3... €212,74

25 Banco 1... 18/03/2021 K... FT ... NIB ... Banco 3... €606,07

26 Banco 2... 18/03/2021 L... FT ... NIB ... Banco 3... €398,95

27 Banco 1... 22/03/2021 L... CONTRAT ... NIB ... Banco 3... €775,92

28 Banco 2... 23/03/2021 M... FT ... NIB ... Banco 3... €379,88

29 Banco 2... 23/03/2021 C... -------------- NIB ... Banco 3... €202,10

30 Banco 2... 23/03/2021 N... --------------- NIB ... Banco 3... €270,00

31 Banco 2... 23/03/2021 O... --------------- NIB ... Banco 3... €879,00

32 Banco 2... 24/03/2021 P... --------------- NIB ... Banco 3... €787,00

33 Banco 2... 25/03/2021 Q... FAT.PROFORMA ... NIB ... Banco 3... €295,00

34 Banco 1... 26/03/2021 R... FT ... NIB ... Banco 3... €1 020,01

35 Banco 2... 26/03/2021 ... ... NIB ... Banco 4... €1 334,00

36 Banco 1... 29/03/2021 S... FT janeiro/FEV NIB ... Banco 3... €1 097,46

37 Banco 2... 30/03/2021 T... ------------- NIB ... Banco 3... €1 033,84

38 Banco 1... 31/03/2021 G... FT NIB ... Banco 3... €887,14

39 Banco 1... 01/04/2021 U... FT ... NIB ... Banco 3... €1 127,14

40 Banco 1... 06/04/2021 V... ... NIB ... Banco 3... €842,08

41 Banco 2... 06/04/2021 V... ------------- NIB ... Banco 3... €2 166,25

42 Banco 1... 07/04/2021 B... ... NIB ... Banco 3... €658,30

43 Banco 1... 12/04/2021 PROJECTOS FAT JAN/FEV/MAR NIB ... Banco 3... €3 405,15

44 Banco 2... 12/04/2021 W... -------------- NIB ... Banco 3... €547,20

45 Banco 2... 13/04/2021 W... -------------- NIB ... Banco 3... €570,90

46 Banco 2... 13/04/2021 L... --------------- NIB ... Banco 3... €385,60

47 Banco 1... 14/04/2021 X... FT QUIZENA NIB ... Banco 3... €3 572,85

48 Banco 1... 20/04/2021 HH NIB ... Banco 3... €10 974,85

49 Banco 2... 20/04/2021 X... FT ... NIB ... Banco 3... €3 770,21

50 Banco 2... 22/04/2021 Y... FT ... E ... NIB  ... Banco 4... €1 226,38

51 Banco 2... 22/04/2021 Z... FAT-PROFORMA ... NIB  ... Banco 4... €3 333,30

52 Banco 1... 27/04/2021 TTI FT NIB ... Banco 3... €4 329,85

53 Banco 1... 04/05/2021 X... FT ... NIB ... Banco 3... €2 210,00

54 Banco 1... 12/05/2021 Aa... FT ...+... NIB ... Banco 3... €4 953,00

55 Banco 2... 17/05/2021 H... FT ... NIB ... Banco 3... €249,98

56 Banco 2... 17/05/2021 Ab... PROF ... NIB ... Banco 3... €2 885,23

57 Banco 1... 25/05/2021 Aa... FAT MAR NIB ... Banco 3... €3 803,50

58 Banco 1... 09/06/2021 Ac... RC 05.2021 NIB  ...... €5 520,97

59 Banco 2... 14/06/2021 TTI ------------- NIB ... Banco 3... €2 672,76

60 Banco 2... 16/06/2021 Ad... FT ... NIB ... Banco 3... €2 150,20

61 Banco 1... 24/06/2021 Ae... NIB ... Banco 3... €7 949,89

62 Banco 1... 09/07/2021 S... FT 33 NIB ... Banco 3... €4 854,46

63 Banco 1... 12/07/2021 Ae... FT ... NIB ... Banco 3... €1 569,48

64 Banco 1... 13/07/2021 X... FT ... NIB ... Banco 3... €1 569,48

65 Banco 1... 14/07/2021 TTI FT ... NIB ... Banco 3... €640,81

66 Banco 1... 15/07/2021 S... FT ... NIB ... Banco 3... €893,04

67 Banco 1... 19/07/2021 S... FT ... NIB ... Banco 3... €4 946,35

68 Banco 1... 26/07/2021 Ac... FT ... NIB ... Banco 3... €5 520,97

69 Banco 1... 26/07/2021 Af... FT ... NIB ... Banco 3... €1 639,31

70 Banco 1... 26/07/2021 Ag... FT ... NIB ... Banco 3... €1 830,98

71 Banco 2... 29/07/2021 Ah... PROF ... NIB ... Banco 3... €2 587,60

72 Banco 1... 02/08/2021 Aa... PROF ... NIB ... Banco 3... €3 288,62

73 Banco 1... 06/08/2021 S... FT ... NIB ... Banco 3... €3 770,21

74 Banco 1... 09/08/2021 G... FT junho NIB ... Banco 3... €3 184,21

75 Banco 2... 12/08/2021 Aa... DIVERSOS NIB ... Banco 3... €1 353,99

76 Banco 2... 13/08/2021 Ai... ------------ NIB ... Banco 3... €1 310,27

77 Banco 1... 03/09/2021 Aj... julho E AGOSTO NIB ... Banco 3... €5 783,20

78 Banco 1... 06/09/2021 TSU ... NIB ... Banco 3... €2 825,00

79 Banco 1... 08/09/2021 AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA REC 08/2021 NIB ...... €5 225,97

80 Banco 1... 28/09/2021 TSU -... NIB ... Banco 4... €6 220,31

81 Banco 2... 06/10/2021 Ak... ---------- NIB ... Banco 4... €15 000,00

82 Banco 2... 11/10/2021 TTI 09 NIB ... Banco 4... €1 206,23

83 Banco 2... 13/10/2021 Al... PROF ... NIB ... Banco 4... €591,08

84 Banco 2... 21/10/2021 Am... REFERÊNCIA MULTIBANCO Ent. €74,70

Total: €173 796,07

12. Das 84 transferências bancárias efetuadas pela arguida, supra referidas, quarenta e três foram realizadas a partir da conta da Assistente domiciliada no Banco 5..., num total de € 117.742,07 e quarenta e uma foram realizadas a partir da conta da Assistente domiciliada no Banco 2..., num total de € 56.054,00, conforme listas infra:

Banco 1... - LISTA DE PAGAMENTOS INDEVIDOS

N.º Data Beneficiário indicado Descritivo Conta de destino Banco Valor

1 04/02/2021 B... FT ... NIB ... Banco 3... €880,70 001

2 05/02/2021 B... NIB ... Banco 3... €1 229,32 002

3 09/02/2021 B... FT ... NIB ... Banco 3... €527,50 003

4 24/02/2021 B... FT NIB ... Banco 3... €741,68 004

5 01/03/2021 F... FT ... NIB ... Banco 3... 1 754,50 005

6 03/03/2021 C... FT ... NIB ... Banco 3... €687,00 006

7 05/03/2021 G... FT FEV NIB ... Banco 3... €1 381,25 007

8 08/03/2021 C... FT ... NIB ... Banco 3... €1 978,58 008

9 12/03/2021 TRF P/ POL FPRO ... NIB ... Banco 3... €431,08 009

10 15/03/2021 TRF P/ DREAM CONTRATO ... NIB ... Banco 3... €633,88 010

11 18/03/2021 K... FT ... NIB ... Banco 3... €606,07 011

12 22/03/2021 L... CONTRAT ... NIB ... Banco 3... €775,92 012

13 26/03/2021 R... FT ... NIB ... Banco 3... €1 020,01 013

14 29/03/2021 S... FT janeiro/FEV NIB ... Banco 3... €1 097,46 014

15 31/03/2021 G... FT NIB ... Banco 3... €887,14 015

16 01/04/2021 U... FT ... NIB ... Banco 3... €1 127,14 016

17 06/04/2021 V... ... NIB ... Banco 3... €842,08 017

18 07/04/2021 B... ... NIB ... Banco 3... €658,30 018

19 12/04/2021 PROJECTOS FAT JAN/FEV/MAR NIB ... Banco 3... €3 405,15 019

20 14/04/2021 X... FT QUIZENA NIB ... Banco 3... €3 572,85 020

21 20/04/2021 HH NIB ... Banco 3... €10 974,85 021

22 27/04/2021 TRF P/TTI FT NIB ... Banco 3... €4 329,85 022

23 04/05/2021 X... FT ... NIB ... Banco 3... €2 210,00 023

24 12/05/2021 Aa... FT ...+... NIB ... Banco 3... €4 953,00 024

25 25/05/2021 Aa... FAT MAR NIB ... Banco 3... €3 803,50 025

26 09/06/2021 Ac... RC 05.2021 NIB ...... €5 520,97 026

27 24/06/2021 Ae... NIB ... Banco 3... €7 949,89 027

28 09/07/2021 S... FT 33 NIB ... Banco 3... €4 854,46 028

29 12/07/2021 Ae... FT ... NIB ... Banco 3... €1 569,48 029

30 13/07/2021 X... FT ... NIB ... Banco 3... €1 569,48 030

31 14/07/2021 TTI FT ... NIB ... Banco 3... €640,81 031

32 15/07/2021 S... FT ... NIB ... Banco 3... €893,04 032

33 19/07/2021 S... FT ... NIB ... Banco 3... €4 946,35 033

34 26/07/2021 Ac... FT ... NIB ... Banco 3... €5 520,97 034

35 26/07/2021 Af... FT ... NIB ... Banco 3... €1 639,31 035

36 26/07/2021 Ag... FT ... NIB ... Banco 3... €1 830,98 036

37 02/08/2021 Aa... PROF ... NIB ... Banco 3... €3 288,62 037

38 06/08/2021 S... FT ... NIB ... Banco 3... €3 770,21 038

39 09/08/2021 G... FT junho NIB ... Banco 3... €3 184,21 039

40 03/09/2021 Aj... julho E AGOSTO NIB ... Banco 3... €5.783,20 040

41 06/09/2021 TSU ... NIB ... Banco 3... €2 825,00 041

42 08/09/2021 AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA REC 08/2021 NIB ...... €5 225,97 042

43 28/09/2021 TSU -... NIB  ... Banco 4... €6 220,31 043

Total: €117 742,07

Banco 2... - LISTA DE PAGAMENTOS INDEVIDOS

N.º Data Beneficiário indicado Descritivo Conta de destino Banco Quantia Nota Extrato

1 08/02/2021 B... -----------  ... Banco 3... €859,10 ---------- Feb-21 3

2 10/02/2021 B... FT ... ... Banco 3... €295,42 002 Feb-21 4

3 11/02/2021 B... FT ...  ... Banco 3... €295,13 003 Feb-21 4

4 12/02/2021 C... ------------  ... Banco 3... €321,13 ---------- Feb-21 4

5 15/02/2021 C... FT ...  ... Banco 3... €371,18 005 Feb-21 5

6 15/02/2021 C... ------------  ... Banco 3... €373,18 ---------- Feb-21 5

7 15/02/2021 D... ------------  ... Banco 3... €149,78 ---------- Feb-21 5

8 17/02/2021 SOC. IMPORTADORA --------- ... Banco 3... €812,10 ---------- Feb-21 5

9 23/02/2021 C... -----------  ... Banco 3... €1 022,36 --------- Feb-21 6

10 25/02/2021 E... --- -----  ... Banco 3... €1 080,00 ---------- Feb-21 7

11 08/03/2021 H... -------------  ... Banco 3... €1 323,99 011 Mar-21 3

12 11/03/2021 CART PROF ...  ... Banco 3... €759,98 012 Mar-21 4

13 16/03/2021 I... FT ...  ... Banco 3... €516,26 013 Mar-21 5

14 16/03/2021 J... -----------  ... Banco 3... €212,74 ---------- Mar-21 5

15 18/03/2021 L... FT ...  ... Banco 3... €398,95 015 Mar-21 5

16 23/03/2021 M... FT ...  ... Banco 3... €379,88 016 Mar-21 6

17 23/03/2021 C... -------------  ... Banco 3... €202,10 ------- Mar-21 6

18 23/03/2021 N... -------------  ... Banco 3... €270,00 ----- Mar-21 6-7

19 23/03/2021 O... ------------  ... Banco 3... €879,00 ------- Mar-21 7

20 24/03/2021 P... -------------  ... Banco 3... €787,00 ------- Mar-21 7

21 25/03/2021 Q... FAT.PROFORMA ...  ... Banco 3... €295,00 021 Mar-21 7

22 26/03/2021 ... ...  ... Banco 4... €1 334,00 022 Mar-21 8

23 30/03/2021 T... -----------  ... Banco 3... €1 033,84 ------ Mar-21 8

24 06/04/2021 V... ------------  ... Banco 3... €2 166,25 ------ Apr-21 2

25 12/04/2021 W... -------------  ... Banco 3... €547,20 ------ Apr-21 4

26 13/04/2021 W... -------------  ... Banco 3... €570,90 ------- Apr-21 4

27 13/04/2021 L... --------------  ... Banco 3... €385,60 ------ Apr-21 4

28 20/04/2021 X... FT ...  ... Banco 3... €3 770,21 028 Apr-21 5

29 22/04/2021 Y... FT ... E ...  ... Banco 4... €1 226,38 029 Apr-21 5

30 22/04/2021 Z... FAT-PROFORMA ...  ... Banco 4... €3 333,30 030 Apr-21 5

31 17/05/2021 H... FT ...  ... Banco 3... €249,98 031 May-21 5

32 17/05/2021 Ab... PROF ...  ... Banco 3... €2 885,23 032 May-21 5

33 14/06/2021 TTI ----------- ... Banco 3... €2 672,76 ------- Jun-21 4

34 16/06/2021 Ad... FT ...  ... Banco 3... €2 150,20 034 Jun-21 5

35 29/07/2021 Ah... PROF ...  ... Banco 3... €2 587,60 035 Jul-21 7

36 12/08/2021 Aa... DIVERSOS ... Banco 3... €1 353,99 036 Aug-21 4

37 13/08/2021 Ai... -------  ... Banco 3... €1 310,27 ---------- Aug-21 4

38 06/10/2021 Ak... -------  ... Banco 4... €15 000,00 --------- Oct-21 3

39 11/10/2021 TTI 09 ----------- ... Banco 4... €1 206,23 039 Oct-21 4

40 13/10/2021 Al... PROF ...  ... Banco 4... €591,08 040 Oct-21 4

41 21/10/2021 Am... REFERÊNCIA MULTIBANCO Ent. €74,70 041 Oct-21 6

Total: €56 054,00

13. A arguida utilizou ainda as contas bancárias da Assistente para efetuar diretamente, através delas, três pagamentos/transferências pessoais, para as seguintes contas bancárias:

a) Transferência para IBAN ..., sediada no Banco 4..., titulada por An..., para pagamento de uma passadeira de fitness, no valor de € 1.334,00,

b) Transferência para IBAN ..., sediada na Banco 6..., titulada por Ao... SL, para pagamento de halteres e protetor de solo, no valor de € 948,99,

c) Transferência para IBAN ..., sediada no Banco 4..., titulada por II, para pagamento de um carrinho de chá, no valor total de € 990,00.

14. A Assistente confiou as chaves de acesso e movimentação das supra referidas contas à arguida AA, exclusivamente no interesse do serviço de contabilidade, para execução de pagamentos aos trabalhadores, fornecedores e entidades públicas.

15. Tal procedimento tinha por base uma relação de confiança da Assistente na arguida.

16. A arguida AA utilizou, sem o conhecimento e consentimento da Assistente, as chaves de acesso às contas bancárias destas para se apropriar, no período que mediou entre 01/02/2021 e 24/09/2021, da quantia de, pelo menos, €173 798,07.

17. Com o objetivo de ludibriar a Assistente, a arguida AA fez falsamente figurar credores habituais da empresa (entre outros, como os seus familiares diretos) como beneficiários das 84 transferências que realizou, com descrições inverídicas e, na sua grande maioria, sem suporte documental, ou tituladas por faturas emitidas por entidades que não correspondem às descritas nos dados constantes das ordens de pagamento.

18. Para o efeito, introduziu os seus NIBs pessoais em vez dos Nibs dos fornecedores, no banco online, para que as operações fossem validadas e não detetadas.

19. Com o desígnio de “maquilhar” contabilisticamente a sua atividade delituosa, escondendo-a, a arguida fez emitir diversas faturas referentes a compras pessoais (em restaurantes, lojas, supermercados), em que fez constar o número de contribuinte da Assistente (...), integrando-as na contabilidade desta.

20. Em tais faturas, aparece o nome da arguida, mas com o NIF da Assistente.

21. Com o mesmo desígnio, integrou na contabilidade da empresa Assistente diversas falsas faturas/recibos “verdes” emitidos por ela própria e pelo companheiro da arguida, FF, e ainda em nome de EE, DD, GG e JJ, fazendo falsamente figurar a Assistente como adquirente de bens ou serviços, titulando créditos fictícios sobre esta.

22. Tais faturas/recibos foram anuladas posteriormente à arguida AA ter abandonado as suas funções na Assistente.

23. A arguida emitiu, de mote próprio, no desconhecimento e sem consentimento da Assistente, um recibo “verde” no valor de € 20.000,00, datado de 15/10/2021, alegadamente subscrito pelo ofendido KK, que este, ao aperceber-se da situação, anulou em 05/11/2021.

24. Apesar da introdução na AT destes recibos, os mesmos foram anulados, não resultando para o ofendido II, a final, qualquer prejuízo.

25. O ofendido KK é sogro do gerente da Assistente, BB, residente no ..., tendo a arguida tomado conhecimento da sua senha de acesso online ao site das Finanças por ter sido ela que submeteu a declaração de IRS daquele, respeitante ao ano de 2020.

26. A arguida emitiu diversas faturas – recibos verdes, em seu nome e no nome de terceiros, no montante total de € 122.182,58, que foram incluídos na contabilidade da Assistente com o propósito de ocultar e dar aparência de veracidade às retiradas de dinheiro.

27. Tais faturas-recibos não têm correspondência com quaisquer prestações de serviços ou transmissões de bens.

28. Tal atuação (emissão de faturas-recibos em seu nome e em nome de terceiros de serviços não prestados) teve a finalidade de legitimar as transferências bancárias e pagamentos que a arguida efetuou através das contas bancárias da Assistente.

29. A Assistente procedeu à anulação dos registos contabilísticos das faturas-recibos, que ascenderam a 35, no montante total de € 11.069,76.

30. A arguida AA era a verdadeira titular de facto das contas para as quais foram transferidas as quantias de que se apropriou.

31. A arguida AA encomendou uma passadeira tipo “fitness”, a qual foi paga através de transferência bancária de €1.334,00 da conta Banco 2... da Assistente para a conta  ..., do Banco 4..., titulada por uma entidade/empresa que a Assistente desconhece e com quem nunca teve relação, tendo sido indicado como local de entrega desse bem a Rua ..., ..., ..., em nome de LL.

32. As faturas-recibos “verdes” emitidos em nome de FF, EE, DD, GG e JJ, foram usados pela arguida AA para justificar os dados contabilísticos da requerente e lograr conseguir transferir o dinheiro para si própria sem que fosse detetada pelos gerentes ou pelas colegas de trabalho.

33. A arguida não voltou a apresentar-se ao serviço a partir de 08/11/2021, data em que terminou o gozo de férias, tendo a Assistente feito cessar o contrato por abandono do posto de trabalho.

34. A arguida AA comentava, perante os colegas de trabalho, ter registado em seu nome um imóvel, propriedade dos seus pais, para proteger o mesmo de execução que os visava em razão de fiança prestada a favor de terceiro.

35. A arguida AA é contabilista certificada, dispondo de conhecimentos técnicos que lhe permitem organizar fluxos financeiros complexos, aptos para a dispersão da quantia de que se apropriou, de modo a ocultar e/ou dissipar as ditas quantias pecuniárias, fazendo gorar a sua recuperação.

36. Agiu a arguida, através da conduta supra descrita, com o propósito conseguido de, por meio de engano e aproveitando-se das funções que exercia por conta da Assistente, obter benefício ilegítimo, correspondente às quantias por si legitimamente obtidas, no total de €178.597,56, que fez suas, causando um correspetivo prejuízo no património da Assistente.

37. Para tanto, utilizou abusivamente as matrizes de acesso às contas bancárias com o IBAN  ... (Banco 1...) e  ... (Banco 2...), tituladas pela Assistente, que lhas confiara exclusivamente no interesse do serviço e da relação contratual de trabalho subordinado.

38. Acedeu furtivamente ao telemóvel com o n.º ..., propriedade da Assistente, para os supra referidos Bancos enviavam os códigos numéricos de validação de transferências, recolhendo a referida informação e usando-a para se locupletar do dinheiro da assistente, no desconhecimento e contra a vontade desta.

39. Introduziu informações que não correspondiam à verdade e alterou dados no sistema informático da assistente.

40. Emitiu documentos contabilística e fiscalmente relevantes, que não correspondiam à verdade, nomeadamente faturas – recibos “verdes”, referentes a serviços que não foram solicitados / prestados, criando obrigações fiscais sem causa para a assistente, nomeadamente de retenção de IRS na fonte, o que só não ocorreu por rápida deteção da Assistente.

41. Porquanto possuía códigos de acesso à AT de terceiras pessoas, faturou à Assistente bens que esta não adquiriu e que a própria arguida se locupletou.

42. A arguida integrou na contabilidade da Assistente compras e despesas falsas e inexistentes, provocando irregularidades fiscais em sede de IVA e IRS perante a Autoridade Tributária, com o objetivo de encobrir as transferências e pagamentos efetuados.

43. Beneficiou do facto de não existir na Contabilidade da Assistente um controlo imediato e eficaz das saídas de dinheiro das contas bancárias.

44. A Assistente tinha confiado à arguida por ato jurídico – contrato de trabalho – o encargo de assegurar a fiscalização do património da Assistente, causando-lhe propositadamente prejuízo patrimonial muito elevado, superior ao capital social da Assistente, com grave violação dos deveres que lhe incumbiam por imposição legal e estatutária.

45. Mercê da atuação da arguida, a Assistente enfrentou graves problemas de tesouraria.

46. Com os valores locupletados, a arguida adquiriu bens de luxo e supérfluos como, por exemplo (para além dos milhares de euros pagos através de referências de entidades de pagamento):

a) € 482,00 em lingerie, no dia 07/04/2021,

b) € 282,82 em roupa na loja Salsa, em 13/04/2021,

c) € 251,40 em Café Nespresso, em 15/04/2021,

d) € 1.150,00 na loja Louis Vuitton, em 20/04/2021,

e) € 2.150,00 em roupa de luxo Varga, em 21/04/2021,

f) € 2.000,00 em eletrodomésticos, em 27/04/2021,

g) € 300,60 em bijuteria Tous, em 09/05/2021,

h) € 1.869,96 num telemóvel na loja worten mobile, em 12/05/2021,

i) € 848,19 na loja Zara, em 21/05/2021,

j) € 5.000,00 em mobiliário, em 24/06/2021,

k) € 403,90 no restaurante Oxalá, em 30/06/2021,

l) € 540,35 na loja Levis, em 12/07/2021,

m) € 279,85 no cabeleireiro, em 14/07/2021,

n) € 308,91, em sapatos Aldo, em 15/07/2021,

o) € 627,82 em roupa Lion of Porches, em 16/07/2021,

p) € 246,00 em perfumes, em 18/07/2021,

q) € 252,72 em carteiras cavalinho, em 27/07/2021,

r) € 322,20 na Rituals (loja de cremes e perfumes para casa), em 27/07/2021,

s) € 710,00 num vestido de cerimónia na Best Bridal, em 07/08/2021,

t) € 1.456,00 em roupas e acessórios no El Corte Inglês, em 07/08/2021,

u) € 1.683,50 numa estadia num hotel, em 23/08/2021,

v) € 759,00 em perfumes, em 16/09/2021.

47. O ordenado da arguida e do seu companheiro nunca lhe permitiriam adquirir os referidos bens de luxo.

48. No total, no período compreendido entre 27/03/2021 e 21/09/2021, a conta bancária da arguida registou, apenas em compras e pagamentos de serviços (através de referência) e levantamentos em numerário em ATM e por Chave …, a quantia total de € 87.935,52 (restaurantes, roupas, sapatos, perfumes, carteiras, hotéis, joias).

49. Agiu a arguida de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de obter para si benefícios ilegítimos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.


*

Da situação económica e social da arguida

50. À data dos factos indicados nos autos, a arguida residia em conjunto com o seu companheiro na morada sinalizada nos autos, ou seja: Av. ..., ... – 3º esqº - ..., tratando-se de um apartamento arrendado, localizado no centro da cidade de S. J. da Madeira.

- Há já pelo menos 2 anos que a arguida passou a residir, conjuntamente com o companheiro e filha de ambos (menos de idade) na Rua ..., ... – .../Santa Maria da Feira. Trata-se da habitação propriedade dos pais da arguida e onde esta sempre residiu, à exceção de um ano em que residiu na morada indicada nos autos e já anteriormente referida.

- Assim, no momento atual o agregado familiar compõe-se pelos seguintes elementos: a) EE / pai / 61 anos / casado / reformado, b) DD / mãe / 61 anos / casada / op. Fabril, c) Própria, d) FF / companheiro de c) / 34 anos / desempregado e) MM / filha de c) e d) / 2 anos – frequente de creche.

- A ambiência familiar mostra-se ajustada, recebendo a arguida no seio desta família manifestações de afeto e solidariedade, o que a mesma realça como importante para conseguir gerir o desconforto emocional que sente no presente face à atual situação processual em curso.

- Em termos financeiros, a arguida depende do vencimento que aufere com a sua atual atividade profissional de esteticista, que concretiza por conta própria em instalações existentes na habitação. Os rendimentos auferidos vão-se mostrando minimamente ajustados às necessidades.

- O companheiro aufere subsídio de desemprego, o que se mostra importante para o equilíbrio financeiro do agregado familiar. Em paralelo, a arguida, tem contado com o apoio dos pais, o que se mostra importante aos mais diversos níveis, incluso em termos financeiros.

- A arguida anteriormente laborou como contabilista, sendo que em termos académicos prosseguiu os estudos até à conclusão do curso superior de contabilidade.

- Quanto ao presente processo a arguida observa e vivencia o mesmo com especial preocupação e desconforto emocional, realçando-nos que tem conseguido, minimamente, gerir a situação a este nível com o apoio da sua família.

- A arguida assume um quotidiano, aparentemente, enquadrado na norma jurídica vigente, dedicando-se ao trabalho e aos cuidados a prestar à filha menor, contando sempre com o apoio dos pais, os quais se mostram disponíveis para ajudar a arguida, aos mais diversos níveis.

- Beneficiou de apoio psicológico e psiquiátrico no Centro Hospitalar ..., situação que veio, posteriormente, a interromper, mas que, no presente, considera como importante retomar estas consultas, mencionando-nos já o ter solicitado estando a aguardar marcação de nova consulta.

- Assume a arguida postura de respeito perante as instâncias judiciais e, nomeadamente quanto à decisão judicial que vier a ser proferida.


*

Dos antecedentes criminais da arguida

51. A arguida foi condenada no processo n.º 5098/16.7T9MTS, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, J 2, Local Criminal da Maia, por sentença transitada em julgado em 02.06.2021, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 5 anos, com a condição de pagar à Assistente a quantia de 14 mil euros, pela prática, em 27.09.2016, um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217.º e 218.º, ambos do Código Penal.

(…)

4.6. Da suspensão da execução

Dispõe o artigo 50.º, no seu n.º 1 que «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»

Ora, adiante-se que não obstante o disposto no art.º 50.º permitir a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos, opta-se pela não suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada à arguida, por não se vislumbrar, atendendo à sua personalidade e ao percurso anterior de antecedentes criminais que esta regista, que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. Na verdade, a condenação anterior à prática dos factos aqui em causa em pena suspensa por crime de burla não foi de molde a afastar a arguida da prática de crimes, tendo mesmo voltado a delinquir em pleno período de suspensão da pena.

Resulta, assim, de forma inequívoca que a simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam (como, efetivamente, não realizaram) de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. Na verdade, não obstante a arguida já ter sido condenada por um crime de burla qualificada e mesmo ainda no período de suspensão da execução dessa pena continuar a praticar os factos ilícitos em causa nestes autos.

Na verdade, a arguida ao ser punida com pena prisão suspensa, e ter estado ao seu alcance escolher comportamento compatível com as normas legais e sociais, decidiu continuar a praticar crimes, demonstrando dessa forma que a condenação anterior não foi suficiente para a afastar do crime. A realçar que os factos aqui em apreço foram praticados, em parte, em pleno período de suspensão de uma pena de prisão que não foi bastante para a dissuadir da prática de novos factos ilícitos. Como podemos, assim, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizem de forma adequada o propósito de “prevenção da reincidência”.

E, tão importante como a circunstância de ser portadora de antecedentes criminais, é o facto de ter já sido condenada pela prática de crime por violação de normas que tutelam o mesmo bem jurídico.

O percurso de vida da arguida não autoriza a formulação de um sentimento de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro, de modo a criar no tribunal a convicção de que a aplicação de uma pena suspensa na sua execução será suficiente para satisfazer as finalidades da punição e adequada a apontar à própria arguida o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como fator pedagógico de contestação e autorresponsabilização pelo comportamento posterior.

Ora, tendo em atenção as referidas caraterísticas já desvaliosas da sua personalidade, a sua conduta anterior aos factos destes autos, os seus antecedentes criminais, fazem prever que uma suspensão da execução da pena, ainda que com deveres ou regras de conduta, levaria o tribunal a correr um risco desproporcionado face à alta probabilidade de voltar a delinquir nos mesmos termos.

Pelo exposto, entendemos que não é possível fazer um juízo positivo de que as finalidades da punição serão alcançadas com a simples ameaça de prisão e a censura do facto. A prisão, a penosidade que ela implica e a introspeção que lhe imporá, mostram-se neste momento imperiosos para fazer a arguida repensar toda a sua vida e alcançar a sempre almejada ressocialização.

Em suma, estando inviabilizada a formulação do juízo de prognose favorável à arguida, não pode este ver suspensa a execução da pena de prisão.

A pena de prisão aplicada deve, portanto, ser efetiva.

Nestes termos, o tribunal entende ser de aplicar à arguida uma pena de prisão efetiva de quatro anos e quatro meses de prisão.»

III – FUNDAMENTAÇÃO

Da suspensão da execução da pena de prisão

§ 1 – A arguida aponta um erro em matéria de direito à decisão recorrida, que resultou na não suspensão da execução da pena de prisão.

Para tanto, alega, em suma, o seguinte:

O artigo 50º, n. º1 do Código Penal prevê que o tribunal possa suspender a execução da pena de prisão quando a pena concreta aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos, logo a pena aplicada preenche o aludido pressuposto formal.

De resto, a pena deve ser suspensa, se o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça de pena são adequadas e suficientes para as finalidades da punição e é precisamente nesta vertente que a recorrente conclui que o tribunal a quo, ao negar a suspensão, não ponderou de forma adequada o juízo de prognose sobre o comportamento, as condições de vida e a personalidade da arguida, bem como a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.

No entender da recorrente, esta demonstrou possuir uma personalidade consciente, empática e introspetiva, reconhecendo os erros cometidos, refletindo sobre as consequências dos seus atos e assumindo total responsabilidade pelos mesmos.

A mudança na sua conduta, nomeadamente com a cessação, voluntária e definitiva, da sua atividade profissional como contabilista (onde os crimes ocorreram), demonstra uma alteração de comportamento que garante que a simples ameaça da pena será suficiente para as finalidades da punição.

A arguida encontra-se socialmente integrada, exercendo, atualmente a profissão esteticista, atividade em que tem gerido, de forma independente, as suas obrigações.

A sua condição familiar é estável, sendo a família a sua prioridade, com uma filha de dois anos e estando grávida do segundo filho.

O tribunal a quo deveria ter ponderado que a execução da pena de prisão efetiva terá um impacto devastador sobre a família da arguida e a estabilidade emocional e material desta, especialmente em relação à dependência da filha pequena e a necessidade de cuidados essenciais que a arguida proporciona.

A arguida já demonstrou comportamentos de autorresponsabilização e mudança, o que sugere que uma pena de prisão efetiva é, em grande parte, desnecessária e prejudicial ao seu processo de reintegração familiar e social.

Após a prática dos factos, a arguida adotou uma postura de arrependimento genuíno, demonstrado pela sua confissão integral dos crimes e pelo compromisso em reparar o dano causado, tendo confessado integralmente o pedido de indemnização civil deduzido, no montante de 238.097,56€, obrigando-se ao pagamento mensal de 800,00€.

Como preceitua a jurisprudência, a pena de prisão não deve ser desproporcional ao objetivo de punição e reintegração do arguido.

No caso em apreço, a pena de prisão efetiva aplicada à arguida, dadas as suas circunstâncias pessoais, familiares, o seu comportamento subsequente à prática do crime, é excessiva, especialmente considerando que a arguida já está a cumprir as finalidades da punição por intermedio da sua reparação civil dos danos causados e da mudança substancial da sua vida.

A simples ameaça de prisão, acompanhada da censura de facto, teria o mesmo efeito pedagógico e retributivo que a execução efetiva da pena, sem causar os desequilíbrios familiares e sociais que a privação da liberdade acarretaria.

§ 2 – O Ministério Público, em resposta, pugnou pela confirmação da decisão, essencialmente, pelas razões constantes da fundamentação da mesma, destacando que a arguida cometeu o crime durante o cumprimento de uma pena de prisão suspensa na sua execução, por crime de idêntica natureza, o que esta parece desvalorizar.

Conclui ser claro carecer de fundamento a pretensão recursiva da arguida.

§ 3 - Cumpre apreciar e decidir.

Conforme constitui entendimento pacífico nos autos, na doutrina e na jurisprudência, que a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão se encontra prevista no artigo 50º, nº 1, do Código Penal: “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Como assinalado na motivação de recurso e também foi reconhecido na decisão recorrida, mostra-se preenchido, in casu, o pressuposto formal de que depende a suspensão da execução da pena, tendo sido aplicada à arguida recorrente uma pena de quatro anos e quatro meses de prisão, logo não superior a cinco anos de prisão.

Porém, quanto aos requisitos materiais, a globalidade dos factos apurados impossibilita a suspensão de execução da pena.

Concretizando.

O tribunal recorrido decidiu não suspender a execução da pena por entender ”(…) não se vislumbrar, atendendo à sua personalidade e ao percurso anterior (…) que esta regista, que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. Na verdade, a condenação anterior à prática dos factos aqui em causa em pena suspensa por crime de burla não foi de molde a afastar a arguida da prática de crimes, tendo mesmo voltado a delinquir em pleno período de suspensão da pena.

(…) Na verdade, não obstante a arguida já ter sido condenada por um crime de burla qualificada e mesmo ainda no período de suspensão da execução dessa pena continuar a praticar os factos ilícitos em causa nestes autos.

Na verdade, a arguida ao ser punida com pena prisão suspensa, e ter estado ao seu alcance escolher comportamento compatível com as normas legais e sociais, decidiu continuar a praticar crimes, demonstrando dessa forma que a condenação anterior não foi suficiente para a afastar do crime. A realçar que os factos aqui em apreço foram praticados, em parte, em pleno período de suspensão de uma pena de prisão que não foi bastante para a dissuadir da prática de novos factos ilícitos. Como podemos, assim, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizem de forma adequada o propósito de “prevenção da reincidência”.

(…) Ora, tendo em atenção as referidas caraterísticas já desvaliosas da sua personalidade, a sua conduta anterior aos factos destes autos, (…) fazem prever que uma suspensão da execução da pena, ainda que com deveres ou regras de conduta, levaria o tribunal a correr um risco desproporcionado face à alta probabilidade de voltar a delinquir nos mesmos termos.

Pelo exposto, entendemos que não é possível fazer um juízo positivo de que as finalidades da punição serão alcançadas com a simples ameaça de prisão e a censura do facto. A prisão, a penosidade que ela implica e a introspeção que lhe imporá, mostram-se neste momento imperiosos para fazer a arguida repensar toda a sua vida e alcançar a sempre almejada ressocialização. (…)”

Tal raciocínio é cristalino.

Às razões plasmadas na fundamentação jurídica acima reproduzida impõe-se ainda acrescentar o seguinte: a arguida cometeu alguns dos factos integrantes do crime pelo qual a arguida foi condenada nos presentes autos, pouco tempo antes de transitar em julgado o seu antecedente criminal por crime de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 217.º e 218.º, ambos do Código Penal (um dos dois tipos legais de crime pelo qual voltou a ser condenada neste processo) e realizou 13 (treze) compras pessoais supérfluas com os proventos do crime após aquele trânsito em julgado.

Mais: a vantagem ilícita obtida pela arguida com a prática do crime é de valor muito elevado 178.597,56€, tendo a arguida confessado o pedido de indemnização civil formulado no montante de 238.097,56€.

A arguida pretende beneficiar da sua confissão dos factos e do pedido de indemnização civil, manifestando de algum modo um arrependimento pela prática do crime.

Somando estes fatores à sua situação familiar, bem como à mudança de profissão (profissão que lhe permitiu aceder aos meios instrumentais para a prática do crime), a recorrente expressa a sua discordância com a efetividade da pena de prisão, por entender que tais fatores deverão permitir concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, correspondendo, este modo, à exigência legal prevista no art. 50º, nº 1, do Código Penal.

Porém, salvo o devido respeito, sem razão.

A arguida encontrava-se a beneficiar da suspensão da execução de uma pena de prisão por crime de burla qualificada, quando praticou muitos dos atos que integram os dois crimes que constituíram o objeto deste processo, apesar de se encontrar empregada e já a viver com o seu companheiro e ciente de que os factos por si cometidos eram puníveis com pena de prisão e arriscava a ver revogada a suspensão da execução da pena.

Sublinha-se: a arguida cometeu a maior parte dos factos que integram os crimes in iudicium, apesar de saber que se arriscava a ver revogada a suspensão da execução da pena de 3 anos e 2 meses de prisão a que foi condenada – além de estar sujeita a novas penas de prisão pelos novos crimes -.

A confissão dos crimes neste processo também era quase incontornável, no interesse na arguida, pois os crimes encontravam-se amplamente documentados nos autos e a mesma tinha um antecedente criminal grave muito recente, razão pela qual não pode assumir a relevância jurídica pretendida pela recorrente, em especial, atentas as demais circunstâncias já enunciadas.

Como acreditar, então, que uma nova suspensão da execução da pena irá satisfazer as finalidades da punição, se a própria arguida reincidiu na prática criminosa antes e após o trânsito em julgado da primeira condenação por burla qualificada, inviabilizando a formulação de um juízo de prognose positiva que é exigido pelo art. 50º, nº 1, do Código Penal, bem como o fim de prevenção especial mediante a “proteção de bens jurídicos” previstas no art. 40º, 1, primeira parte, do Código Penal?

Repare-se que a arguida ficou com uma vantagem patrimonial ilícita de, pelo menos, 178.597,56€ - tendo-se provado que a vítima dos crimes enfrentou por isso graves problemas de tesouraria -, sem que a arguida tenha restituído à ofendida até ao julgamento, sequer, um único cêntimo, nem explicado o destino que deu a esse dinheiro, além de se terem provado algumas compras de bens supérfluos que foram provadas por iniciativa probatória do Ministério Público, mas que constituem apenas uma fração reduzida do montante ilícito obtido com a prática dos crimes. Será isto qualificável como “arrependimento”? A resposta não poderá ser positiva.

A avaliar dos factos considerados provados, a arguida cometeu os crimes movida apenas pela sua ganância, limitando-se, agora, a assumir um compromisso financeiro com a ofendida, no sentido de restituir a quantia em “suaves prestações”, ao longo de 24 anos e 9 meses[3]. A arguida parece encarar a prática de crimes contra o património, apenas, numa perspetiva de obtenção de financiamento para os seus desvarios consumistas e que, na sua ótica, apenas geram uma responsabilidade financeira, apressando-se por isso a confessar as dívidas emergentes da prática dos crimes.

Se a arguida estivesse genuinamente preocupada com as repercussões penais das suas condutas, teria esclarecido devidamente o destino que deu aos imensos proventos do crime (o dinheiro não pode ter simplesmente desaparecido) e arranjado forma de indemnizar a ofendida antes do julgamento.

Mesmo tendo agora responsabilidades familiares acrescidas, uma nova situação profissional e um compromisso jurídico de indemnizar a ofendida ao longo de quase um quarto de século, tal não se mostra suficiente, per se, para permitir concluir que a arguida não voltará a cometer crimes, perante o seu histórico comportamental.

Nestes termos, impõe-se negar provimento ao recurso.


*

Das custas:

Negando-se provimento ao recurso, a arguida recorrente tem de suportar as custas pelo seu decaimento, nos termos do disposto no artigo 513°, nº 1, do Código de Processo Penal e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça, de acordo com o grau de complexidade médio/reduzido do recurso em 4 (quatro) unidades de conta.

IV – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência e por unanimidade os juízes do Tribunal da Relação do Porto, ora subscritores, em negar provimento ao recurso da arguida AA.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.


Porto, 2 de Abril de 2025.
Jorge Langweg
Isabel Matos Namora
Cláudia Rodrigues
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[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] Este valor resulta da divisão do valor da indemnização, fixada em 238.097,56€, pelo valor da prestação mensal.