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CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA A ADOPÇÃO
RUTURA COM A FAMÍLIA BIOLÓGICA
PROIBIÇÃO DE CONTACTOS ENTRE IRMÃOS
Sumário
I - A medida de confiança judicial com vista a futura adoção pressupõe, além do perigo para o bem estar e desenvolvimento da criança, a verificação do requisito nuclear de que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação. II - O preenchimento desse requisito nuclear advém da verificação objetiva de alguma das situações previstas nas alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil, nomeadamente: que os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, coloquem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança (al. d)); que os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (al. e)); III - A medida de confiança com vista a futura adoção tem subjacente a rutura com a família biológica a partir do momento em que é aplicada, só em situações excecionais se aceitando uma abertura à manutenção de contactos entre irmãos, designadamente em casos devidamente fundamentados e em que essa manutenção seja imposta pelo superior interesse da criança.
Texto Integral
Processo n.º 13605/23.2T8PRT.P1 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores do Porto, Juiz 4
Recorrentes: AA e BB
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.- Sumário
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.- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,
I.- Relatório
1.- O Ministério Público requereu a abertura de processo judicial de promoção e proteção a favor da criança CC, nascida em ../../2016, filha de AA e BB, invocando que a criança se encontrava em situação de risco para o seu bem estar e desenvolvimento integral.
2.- A instauração do processo surgiu na sequência da retirada do consentimento da progenitora para a continuação da intervenção da CPCJ e depois de, no seio desta Comissão, ter sido, em 30-08-2022, subscrito acordo de promoção e proteção, pelo qual fora aplicada a favor da criança a medida de acolhimento residencial.
3.- Por despacho de 08-08-2023, foi declarada aberta a instrução, ordenada a elaboração de relatório social e aplicada a favor da criança, nos termos dos art.ºs 37.º, n.º 1 e 35.º, n.º 1 al. f) da LPP, a medida de acolhimento residencial, a título provisório, pelo período de 2 meses.
4.- Em 06-11-2023, em diligência realizada com esse fim, foi obtido acordo de promoção e proteção, mediante o qual foi aplicada a favor da criança a medida de acolhimento residencial, por 6 meses, com elaboração de relatórios semestrais e sujeito às seguintes cláusulas:
a.- os progenitores obrigam-se a frequentar todas as consultas que lhes sejam marcadas;
b.- os contactos com a criança devem ocorrer em contexto da casa de acolhimento, podendo ser visitada pela avó materna e irmãs uterinas da criança.
5.- O Ministério Público, intervindo no interesse da criança, apresentou, em 10-04-2024, nos termos do art.º 114.º, n.º 2 da LPP, alegações, pugnando por que no seu superior interesse fosse aplicada a medida de acolhimento institucional com vista à futura adoção, nos termos previstos nos art.ºs 35.º, n.º 1, al. g) e 38.º-A, al. b) daquele diploma legal.
6.- Também a criança, patrocinada pelo defensor nomeado, alegou, em 18-04-2024, concluindo por que, no seu superior interesse, fosse aplicada a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção.
7.- Os progenitores não apresentaram alegações.
8.- Sendo proposta a aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, determinou-se, por despacho de 30-04-2024, o prosseguimento dos autos para debate judicial.
9.- Foi realizado debate judicial, com intervenção de juízes sociais, findo o qual foi proferido Acórdão, no qual se decidiu:
i.- aplicar a favor da criança a medida de confiança à “A...” com vista à sua futura adoção, com duração até que fosse decretada a adoção ou, excecionalmente, até à sua revisão;
ii.- inibir os progenitores, após trânsito em julgado do Acórdão, do exercício das responsabilidades parentais respeitantes à criança;
iii.- proibir as visitas da família biológica à criança.
10.- Inconformado com esta decisão, o progenitor dela interpôs recurso, pugnando pela sua revogação e pela sua substituição por outra que determine a entrega da criança aos cuidados dos progenitores ou, sem prescindir, que autorize o contacto da criança com as irmãs.
Para o efeito, formulou as seguintes conclusões:
“I.- Não concorda o progenitor com a decisão de 25-11-2024, na qual o douto tribunal decidiu:
a. “(…) a manutenção do contacto entre irmãs não salvaguarda, no caso, o superior interesse da criança, pelo que não será autorizado.
b. Face a todo exposto, decide-se aplicar à criança CC a medida de confiança à “A...” com vista à sua futura adoção, (…)”.
II.- Pois que, não se encontrando cumpridos os pressupostos legais que justificam a medida de promoção e proteção que foi aplicada, existe erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios aplicáveis ao caso concreto.
III.- Considerou o douto Tribunal que a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança em perigo deve também obedecer aos princípios plasmados no artigo 4º da Lei 147/99, doravante LPP, mas ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou por completo tais princípios.
IV.- “O interesse superior da criança”, surge-nos no referido art.º 4.º, alínea a) como princípio fundamental a nortear qualquer decisão, impondo que a intervenção atenda, “prioritariamente, aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas.
V.- No mesmo artigo 4º, encontram-se plasmados três outros critérios orientadores determinantes no caso: intervenção mínima, proporcionalidade da medida e primado da continuidade das relações psicológicas profundas (alíneas d) e) e g).
VI.- O que significa que a medida de confiança a instituição com vista à adoção é o último reduto de proteção das crianças atenta a violência que tal implica: cortar totalmente os laços com os progenitores e no caso concreto com as próprias irmãs.
VII.- Por tal motivo, a aplicação da medida de confiança com vista à adoção pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, com a verificação objetiva de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do CC.
VIII.- Não obstante, atenta a prova produzida e constante dos autos, parece-nos afastada a necessidade absoluta dessa medida, tendo o douto tribunal violado os princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade da medida.
IX.- Por outro lado, deve ser ainda respeitado o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ou seja, a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (alínea g).
X.O que também não foi respeitado pela douta sentença.
XI.- Segundo a jurisprudência - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29/04/2014, proferido no Proc. n.º 2454/13.6TBVFX.L1-1, disponível in www.dgsi.ptdeve ser dada primazia às relações biológicas, quando há um mínimo de garantia que as mesmas não sejam perniciosas para a criança.
XII.- Existe no processo manifestação de interesse dos progenitores pela criança, que nunca deixaram de acompanhar a vida da menor e foi produzida prova no sentido de que a filha gosta e preocupa-se com os pais.
XIII.- Bem como resultada provada a ligação e afeto que a menor tem com as duas irmãs – note-se o ponto 66 dos factos provados.
XIV.- Ademais não se antevê na prova constante nos autos “perigo grave” ou “manifesto desinteresse” referidos no citado artigo 1978º CC.
XV.- Tudo o que deveria ter sido considerado e ponderado com todos os princípios orientadores acima mencionados e tendo em conta o superior interesse das crianças, e que não foi.
XVI.- Pelo que a medida aplicada, viola todos os princípios orientadores citados, desde logo porque, conforme referido, entendemos que não estamos perante qualquer uma das situações elencadas no artigo 1978º do código civil, encontrando-se, igualmente violado tal preceito.
XVII.- Decidir-se a adoção sem ser dada a oportunidade cabal da criança voltar para casa com medidas de apoio à família, ou sem prescindir decidir-se a adoção com quebra dos vínculos às irmãs é, salvo melhor opinião, uma medida desnecessária, desproporcional e fraturante das relações psicológicas profundas.
XVIII.- Pois que, note-se, junto do progenitor não foi tentada qualquer medida de apoio ao exercício da paternidade.
XIX.- Pelo que ao decidir como decidiu a douta sentença, fez errada interpretação do nº 1 do artigo 1978º do código civil e artigo 4º, alínea a), d), e) e g), violando tais preceitos, devendo ser revogada a decisão que determina a medida de confiança a instituição com vista à adoção, sem manutenção do contacto entre irmãs, e substituída por decisão que determine a entrega das menores aos cuidados dos progenitores, ou sem prescindir, por decisão que autorize o contacto entre irmãs.”
11.- Também inconformado com a decisão, dela interpôs recurso a progenitora, pugnando pela sua revogação e pela sua substituição por outra que aplique à criança a medida de apoio junto da progenitora.
Para o efeito, formulou as seguintes conclusões:
“a.- O Acórdão de que ora se recorre padece de erro na apreciação na prova, e erro na interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios aplicados.
Do Erro na Apreciação da Prova:
b.- Foram dados como “factos provados”, os seguintes:
No ponto 7. “em 29 de agosto de 2022, a progenitora circulava pela rua de mão dada com a CC, a cambalear por estar alcoolizada”;
No ponto 52. “não lhe é conhecida atividade profissional” – referindo-se à progenitora;
No ponto 56. “os progenitores não pagam renda de casa”;
c.- No ponto 58. “adquirem bebidas alcoólicas na mercearia junto a sua casa”;
d.- Com o devido respeito, em momento algum ficaram estes factos provados, em sede de audiência, ou por qualquer prova documental.
e.- No ponto 7, da matéria de facto provada, o Tribunal a quo, considerou que “em 29 de agosto de 2022, a progenitora circulava pela rua de mão dada com a CC, a cambalear por estar alcoolizada”.
f.- Pelo contrário, foi junta aos autos prova documental, nomeadamente comprovativo médico, demonstrando que a Recorrente padecia, à data, de uma tromboflebite, o que lhe causava dificuldades motoras.
g.- Por várias testemunhas ouvidas em juízo, foi dito que tal condição/justificação lhes foi transmitida pela Recorrente (destacando o depoimento das Técnicas da Segurança Social, EMAT e CAFAP).
h.- A imputação de embriaguez à Recorrente não foi corroborada por qualquer teste ou prova objetiva, limitando-se a assentar numa perceção subjetiva;
i.- Ou seja, a afirmação de que “em 29 de agosto de 2022, a progenitora circulava pela rua de mão dada com a CC, a cambalear por estar alcoolizada”, baseia-se na simples opinião de alguém que viu a progenitora a cambalear e entendeu que a mesma estaria alcoolizada.
j.- Com o devido respeito, entre o “parecer” e o “ser” vai uma grande distância.
k.- Infelizmente, foi a tónica neste processo: afirmações constantes de que a Recorrente se encontrava alcoolizada ou aparentava estar, mas sem qualquer sustentação factual.
l.- No entanto, o Tribunal dá como provado o Ponto 8 – “na altura, reconheceu não estar nas melhores condições para cuidar da filha, admitindo necessitar de tratamento médico.” –, o que reforça aquilo que foi dito pela progenitora: sofreu uma Tromboflebite, e necessitava de acompanhamento médico.
m.- No ponto 7. deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que “em 29 de agosto de 2022, a progenitora circulava pela rua de mão dada com a CC, tendo sido vista a cambalear”;
n.- No ponto 52, o Tribunal a quo, deu como provado que “não lhe é conhecida atividade profissional”, referindo-se à Recorrente.
o.- Tal conclusão é uma pura falácia, uma vez que foi amplamente demonstrado que a progenitora exerce duas atividades laborais.
p.- Foi dito pelos progenitores que a Recorrente tem dois trabalhos diferentes: durante a semana trabalha numa empresa de produtos químicos (limpezas) e ao fim de semana trabalha em eventos (casamentos, etc.).
q.- Foi igualmente demonstrado que a progenitora aufere um rendimento mensal, ainda que não declarado pela Entidade Empregadora.
r.- No entanto, no que toca ao Progenitor, nas mesmíssimas condições, já dá como provado que “trabalha como pintor da construção civil, em Braga, auferindo mensalmente € 850,00, rendimento não declarado pela entidade empregadora”.
s.- Com o devido respeito, há aqui uma clara dualidade de critérios do Tribunal a quo quanto o conceito de trabalho.
t.- Assim, deve considerar-se facto provado que “trabalha como empregada de limpeza, durante a semana, e empregada de mesa aos fins-de-semana, auferindo mensalmente cerca de € 800,00, rendimento não declarado pelas entidades empregadoras”.
u.- Já no ponto 56, o Tribunal a quo deu como provado que “os progenitores não pagam renda de casa”.
v.- Porém, tal facto não encontra qualquer sustentação na prova produzida, sendo que foi demonstrado que os progenitores habitam numa casa arrendada, pelo valor mensal de € 300,00, sem qualquer apoio habitacional ou camarário.
x.- Neste ponto deveria o douto Tribunal dar como provado: “os progenitores vivem em casa arrendada pelo preço de € 300,00”.
w.- Quanto ao ponto 58, o Tribunal deu como provado que os progenitores “adquirem bebidas alcoólicas na mercearia junto a sua casa”;
y.- Tal facto carece de qualquer prova documental, testemunhal ou factual, sendo particularmente grave o reconhecimento de um facto que não corresponde à realidade, uma vez que não existem mercearias nas proximidades da residência dos progenitores;
z.- Assim, deverá o ponto 58 ser eliminado, ou dado como não provado, por falta de fundamentação factual, documental ou testemunhal;
aa.- Existe ainda uma omissão relevante, não tendo o Tribunal a quo dado como provado o vínculo emocional profundo entre a menor e a Recorrente, nomeadamente as reações da menor durante as visitas e a manifestação verbal do desejo de estar com a progenitora;
bb.- Este vínculo foi expressamente relatado pela técnica da Casa de Acolhimento, Dra. DD, em depoimento gravado, que descreveu episódios de choro intenso da menor e declarações como “Eu quero a minha mãe!”;
cc.- A omissão deste facto prejudica a perceção da relação existente entre a menor e a progenitora, sendo essencial para avaliar o superior interesse da criança e a prevalência da manutenção do vínculo biológico;
dd.- Deve, pois, ser acrescido um facto dado como provado: “quando a progenitora termina as visitas à menor, esta chora compulsivamente, gritando: “Eu quero a minha mãe!”
ee.- Face ao exposto, a decisão recorrida assenta numa errada interpretação e valoração da prova produzida, devendo o acórdão ser alterado, com a sua consequente reformulação, tendo em vista a proteção dos reais interesses da menor, e a prevalência da família biológica.
ff.- Acrescente-se que o Tribunal a quo fez também uma errada interpretação e aplicação das normas legais consideradas (face ao sucesso da prévia impugnação da matéria de facto feita).
Do Erro na Interpretação e Aplicação das Normas Legais
gg.- A aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção pressupõe grave comprometimento dos vínculos próprios da filiação, o que não se verifica no caso em apreço.
hh.- Nenhuma das situações previstas no artigo 1978.º n.º 1 do Código Civil está preenchida, in casu, sendo evidente o vínculo afetivo entre a Recorrente e a menor.
ii.- A menor não é filha de pais incógnitos ou falecidos, uma vez que os seus progenitores são conhecidos e vivos;
jj.- Não existiu consentimento prévio dos progenitores para a adoção da menor;
kk.- Não se verifica abandono da menor pelos progenitores, sendo que estes têm mantido contacto regular e demonstrado preocupação constante com o bem estar da menor;
ll.- Os progenitores, por ação ou omissão, nunca colocaram em perigo grave a segurança, saúde, a formação, educação ou o desenvolvimento da menor;
mm.- Os pais da menor (acolhida por uma instituição) nunca revelaram desinteresse pela menor, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança;
nn.- A Recorrente sempre foi uma mãe extremamente preocupada, pugnando sempre pelo saudável desenvolvimento da menor.
oo.- Resulta claro da prova produzida que a menor sofre e chora bastante quando a mãe (Recorrente) termina a visita!
pp.- A esse respeito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/02/2014, proc. n.º 1035/06.5TBVFX-A.L1-2 (acessível in www.dgsi.pt): “I – Do regime legal e convencional em vigor emana a conceção de que o desenvolvimento feliz e harmonioso de uma criança se processa e deverealizar-se no seio da família biológica, tida como a mais capaz de proporcionar à criança o necessário ambiente de amor, aceitação e bem estar; porém, se esta não poder ou não quiser desempenhar esse papel, haverá que, sendo possível, optar pela sua integração numa outra família, através da adoção. II - Constitui pressuposto da medida de confiança de menor para adoção que “não existam” ou “se encontrem seriamente comprometidos os vínculos efectivos próprios da filiação” - tal situação será constatada “pela verificação objectiva” de qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil (corpo do n.º 1 do art.º 1978.º). - sublinhado nosso. qq.- Ou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2022, proc. n.º 93/20.0T8VCT.G1.S1: “A aplicação da medida de confiança com vista à adoção pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do CC. II. Essas situações são, entre outras, as dos pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, colocarem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança (alínea d), e de os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (alínea e).” - sublinhado nosso. rr.- Para além disso, a medida aplicada viola os princípios orientadores previstos no artigo 4.º da LPCJP, incluindo os da proporcionalidade, prevalência da família e respeito pelos vínculos afetivos estruturantes. ss.- A adoção é uma medida de última ratio, devendo ser apenas considerada após esgotadas todas as possibilidades de integração na família biológica. tt.- No caso em apreço, estão evidenciados claros indícios da existência de fortes laços afetivos entre a Recorrente e a menor, sendo manifesto o desejo da progenitora em manter essa vinculação emocional, e em assegurar os cuidados de que a menor necessita, não sendo, pois, de decretar a confiança com vista a futura adoção. uu.- Pese embora as dificuldades da Recorrente, existe uma ligação significativa que deve ser preservada. vv.- A Recorrente demonstrou esforços no sentido de encontrar emprego, e melhorar a sua situação habitacional de modo a possibilitar a integração da filha junto a si. ww.- A adoção, no caso em concreto traz apenas incerteza e mostra-se desnecessária. xx.- O princípio da prevalência da família e a manutenção dos laços sanguíneos devem ser privilegiados, salvo em situações de perigo grave, que não se verificam neste caso. yy.- Não se mostram, pois, preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para aplicar a medida de confiança com vista à adoção. zz.- Não se mostram, pois, preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para aplicar a medida mais drástica de confiança com vista à adoção. aaa.- Dito isto, fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação das normas legais consideradas (face ao sucesso da prévia impugnação da matéria de facto e Direito feitas), devendo ser alterada a decisão de mérito. aaa.- em consequência, o douto Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que aplique à menor a medida de apoio junto da progenitora, prevista no artigo 35.º n.º 1 alínea a) da LPCPJ, sem prejuízo da supervisão de terceiros.”
12.- O Ministério Público respondeu aos recursos, batendo-se por que lhes fosse negado provimento, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:
“1.- O Acórdão é claro quanto aos fundamentos da medida.
2.- A prova é clara a suficiente no sustento da medida decidida.
3.- Os progenitores não têm capacidade para assumir os cuidados de vida da CC nem se prevê que a venham a ter.
4.- Não existe perspectiva séria e credível que os progenitores (pelo menos um deles) se possa constituir como alternativa de vida da criança.
5.- A CC completa amanhã – dia 17-12-2024 – 8 anos.
6.- A CC, que foi negligenciada, adequou-se ao acolhimento.
7.- A CC pode ser querida, amada e educada por quem tenha competência e reconhecidas habilitações para tal.
8.- Como se vai vendo:
a.- para se ser progenitor de uma criança, não é preciso que lhe seja reconhecida “ab initio” qualquer tipo de competência, mas;
b.- para que alguém a possa adoptar, é preciso que se reconheça, sem margem para dúvida, que tem capacidade para tal, para mais, adequada à realidade e necessidade de uma concreta criança.
9.- Cumpre ponderar – e ponderou-o de forma séria e acertada o Tribunal “a quo” – se a CC deveria manter-se institucionalizada, aguardando que no futuro um dos seus progenitores (pelo menos um) pudesse recuperar competências parentais – o que, repetimos quase até à exaustão, está demonstrado que não acontecerá – ou se a menor CC estará imensamente melhor com quem, com demonstrada capacidade para tal, a possa fazer evoluir como criança, como jovem e como adulta, desde a sua terna idade de pouco mais de três anos.
10.- Quanto a tal os autos não deixam dúvidas!
11.- A resposta já a deu o Tribunal “a quo” ao decidir, de forma acertada pela medida aplicada.”
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Os recursos foram admitidos como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo e assim recebidos nesta Relação, que os considerou corretamente admitidos e com o efeito legalmente previsto.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
.- O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art. ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art. ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes:
i.- da impugnação da decisão da matéria de facto constante do Acórdão recorrido quanto:
.- aos factos provados com os n.ºs 7, 52, 56 e 58, no sentido da sua consideração como não provados;
.- à necessidade de aditamento, como provado, do seguinte facto: “quando a progenitora termina as visitas à menor, esta chora compulsivamente, gritando: eu quero a minha mãe!”;
ii.- da verificação dos requisitos de aplicação da medida de confiança judicial com vista a futura adoção;
iii.- na afirmativa, da manutenção dos contactos da criança com as irmãs.
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III.- Da Fundamentação III.I.-Da Fundamentação de facto
.- No Acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos:
1.- CC nasceu em ../../2016 e é filha de AA e de BB.
2.- Em julho de 2022, foi instaurado processo de promoção e proteção a favor da criança, na sequência da sinalização da escola por absentismo escolar.
3.- Nesse ano letivo, a criança beneficiou de terapia da fala em contexto escolar, embora com muitas faltas às sessões.
4.- Tinha igualmente faltas às consultas de desenvolvimento e psicologia no CMIN.
5.- Em agosto de 2022, em contexto de visita domiciliária pela CPCJ, foi a criança quem abriu a porta, por a mãe estar a dormir profundamente, o que justificou com a toma de medicação psiquiátrica.
6.- Havia vestígios de consumo de álcool pela progenitora.
7.- Em 29 de agosto de 2022, a progenitora circulava pela rua de mão dada com a CC, a cambalear por estar alcoolizada.
8.- Na altura, reconheceu não estar nas melhores condições para cuidar da filha, admitindo necessitar de tratamento médico.
9.- Em 30-08-2022, a criança foi acolhida na "A...".
10.- A mãe começou por fazer poucas visitas à filha, faltando a visitas agendadas sem avisar, o que criava muita ansiedade na criança.
11.- Em setembro de 2022, realizou 5 visitas, de 22 possíveis e, em outubro de 2022, realizou 2 visitas, de 17 possíveis.
12.- Foi encaminhada para o CRI, tendo faltado às primeiras consultas mas acabando por aderir ao tratamento 4 meses depois.
13.- Entretanto, os progenitores juntaram-se, passando o progenitor a visitar também a criança, em conjunto com a mãe, sendo mais assíduos.
14.- No final de 2022, a criança começou a passar fins-de-semana com os pais, com pernoita.
15.- Numa dessas visitas, os progenitores desentenderam-se e discutiram na presença da criança, o que deixou a CC muito perturbada.
16.- Em janeiro de 2023, os progenitores não apareceram para ir buscar a CC num dos fins-de-semana que deveria passar com aqueles.
17.- Em consequência dos factos referidos em 15. e 16., a CC acabou por deixar de ir passar fins-de-semana a casa.
18.- Os progenitores separaram-se, acusando o progenitor a progenitora de ter piorado os seus hábitos etílicos e acusando a progenitora o progenitor de a ter agredido.
19.- A partir dessa altura, começaram a visitar a CC separadamente, pois ambos faziam queixas do outro à filha, gerando ansiedade na criança.
20.- Em março de 2023, reataram a relação.
21.- As visitas à criança continuaram a ser feitas de forma individualizada, por se ter entendido que seria mais estável para a CC.
22.- Em 16 de junho de 2023, depois de ter garantido à criança que estaria presente na sua festa de finalistas, a progenitora comunicou à casa de acolhimento que não iria, nem o pai, o que levou a CC a chorar compulsivamente quando soube.
23.- Contactada a avó materna, a mesma esteve presente na festa.
24.- No final da festa, a CC voltou a chorar e a afirmar "Os meus pais não gostam de mim".
25.- Em outubro de 2023, os progenitores foram novamente autorizados a visitar a criança conjuntamente.
26.- Continuaram a faltar a várias visitas, depois de telefonicamente prometerem à criança que compareceriam.
27.- No aniversário da CC, em 17/12/2023, os progenitores prometeram visitá-la e levar-lhe prendas, mas não apareceram nem avisaram.
28.- Reagendaram a visita para o dia de Natal, e também não compareceram nem avisaram.
29.- No ano de 2024, mantiveram o mesmo registo de faltas às visitas, chegando a estar mais de um mês sem visitar a criança.
30.- Não contactam a casa de acolhimento a fim de obter informações sobre a criança.
31.- Aquando da pendência do processo na CPCJ, foi proposta à progenitora a intervenção do CAFAP, o qual esta rejeitou.
32.- Posteriormente, acabou por aceitar a intervenção, mas nunca reconheceu as suas fragilidades.
33.- Mantém consumo de álcool juntamente com comprimidos, o que a deixa sonolenta.
34.- A criança está bem adaptada às rotinas e dinâmicas da casa de acolhimento, mas demonstra sofrimento e instabilidade emocional associadas às ausências dos progenitores sem justificação ou aviso prévio.
35.- É uma criança carinhosa, meiga e extremamente carente, que pede carinho e afeto a todos os adultos da A....
36.- A progenitora tem mais 3 filhos, sendo o mais velho já maior de idade, que viveu com a mãe até aos 8 anos.
37.- Posteriormente, passou a residir com o pai e não mantém quaisquer contactos com a mãe.
38.- Esse filho equacionou visitar a irmã na casa de acolhimento, mas acabou por desistir face à possibilidade de ser confrontado pela mãe.
39.- As outras 2 filhas da progenitora, de 13 e 14 anos, vivem com o pai.
40.- Foram acolhidas em janeiro de 2014.
41.- Nessa altura, a progenitora era irregular nas visitas às filhas e contactos telefónicos.
42.- Em 2015, as crianças passaram a residir com o pai, situação que se mantém até hoje.
43.- Foram agendadas visitas supervisionadas da progenitora às crianças, às quais a progenitora chegou a faltar sem avisar ou justificar a ausência.
44.- Atualmente, mantêm contactos esporádicos com a mãe.
45.- Em situações de maior tensão ou exigência emocional, a progenitora exibe dificuldade na gestão dos afetos, centrando-se em si própria.
46.- Apresenta um discurso difuso relativamente à problemática que deu origem ao presente processo e a sua capacidade para implementar estratégias com vista a ultrapassar a situação atual, centrando o discurso mais em si própria e menos na filha;
47.- Apresenta imaturidade, instabilidade emocional, fragilidade e vulnerabilidade psicológicas, passíveis de condicionar o seu comportamento enquanto figura parental.
48.- Carece de supervisão no que respeita ao seu quotidiano enquanto figura materna, mas resiste à intervenção, o que é passível de comprometer a mobilização para a mudança.
49.- Manteve atividade numa empresa de limpezas entre maio e julho de 2024, onde apresentava muitas faltas.
50.- Em 28 de julho de 2024 acabou por abandonar o posto de trabalho;
51.- Desde fevereiro de 2024 aufere RSI.
52.- Não lhe é conhecida atividade profissional.
53.- O progenitor revela dificuldades na sua regulação emocional, assim como imaturidade afetiva;
54.- Apresenta desresponsabilização pelo seu comportamento e pelo da progenitora, a qual é passível de comprometer uma adequada mobilização para a mudança.
55.- Trabalha como pintor da construção civil, em Braga, auferindo mensalmente € 850,00, rendimento não declarado pela entidade empregadora.
56.- Os progenitores não pagam renda de casa.
57.- Têm apoio da Legião da Boa Vontade, através da entrega de cabaz alimentar e roupa.
58.- Adquirem bebidas alcoólicas na mercearia junto a sua casa.
59.- A casa onde residem não reúne as condições mínimas de conforto, devido à entrada de água e humidade.
60.- A avó materna visita a criança mas não se encontra disponível para acolher a mesma, devido a problemas de saúde e idade.
61.- Vive com um filho com problemas de dependência de álcool.
62.- O progenitor das duas outras filhas da progenitora, EE, manifestou o propósito de eventualmente acolher a CC.
63.- Vive com as suas 2 filhas.
64.- Foi acusado de agressão às mesmas, tendo aceite a suspensão provisória do processo;
65.- Mantém uma relação muito conflituosa com a progenitora.
66.- Assegura as visitas das filhas à irmã (CC), as quais são do agrado desta.
67.- O seu contacto com a CC é apenas o que resulta dessas visitas, que se centram na CC e irmãs.
68.- A sua motivação é a de garantir que o contacto entre as irmãs não é interrompido, não se verificando um propósito sério de assumir os cuidados a prestar à CC.
69.- FF foi indicada pela progenitora como pessoa capaz de acolher a CC.
70.- Conheceu os progenitores enquanto utentes da Legião da Boa Vontade, onde trabalhava.
71.- Conhece a CC por esta por vezes acompanhar os pais.
72.- Tem 67 anos e vive com uma filha.
73.- Foi interpelada pela mãe da CC no sentido de ser "tutora" da criança.
74.- Sabia do acolhimento da CC, mas nunca providenciou por qualquer aproximação à mesma, nomeadamente através de visitas, tendo aguardado que a contactassem para o efeito.
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IV.-Do objeto do recurso 1.- Da impugnação da decisão da matéria de facto
A apelação da progenitora BB versa, desde logo, sobre a decisão da matéria de facto constante do Acórdão recorrido.
Na perspetiva da Apelante, o tribunal a quo julgou incorretamente os factos que incluiu no elenco de factos provados sob os n.ºs 7, 52, 56 e 58, já que, na sua perspetiva, tais factos não resultaram provados.
Outrossim, segundo a Apelante, o elenco de factos provados não contém um facto determinante para a decisão da causa, designadamente, por evidenciar o “vínculo” da CC à mãe, o seguinte, a aditar àquele elenco de factos:
.- “Quando a progenitora termina as visitas à menor, esta chora compulsivamente, gritando: “eu quero a minha mãe!”
Analisemos, pois, a impugnação, reportando a análise individualmente a cada um dos factos em apreço.
.- Do facto provado n.º 7
O teor deste facto é o seguinte:
.- “7.- Em 29 de agosto de 2022, a progenitora circulava pela rua de mão dada com a CC, a cambalear por estar alcoolizada”.
Na sua impugnação, a Apelante não põe em causa que, no dia mencionado no facto, circulasse na rua com a CC e que cambaleasse, pondo em causa sim que o fizesse alcoolizada. Segundo a mesma, o facto de caminhar a “cambalear” deveu-se ao facto de ter dificuldades em andar por ter tido uma ‘tromboflebite’ numa perna.
Não tem razão a Apelante, contudo, na sua argumentação, na certeza de que a prova de que o fazia alcoolizada revelou-se, na nossa perspetiva, concludente.
Assim, do procedimento relativo à CC que correu na CPCJ, junto com a petição que deu origem a estes autos, retira-se, da informação de fls. 158, que, no dia em questão no facto, a Dr.ª GG, assistente social da Junta de Freguesia ..., contactou a CPCJ a informar que encontrou a Apelante na rua, próximo de casa, com a CC, “aparentemente alcoolizada”, garantindo que as acompanhava a casa até à chegada de elementos da Comissão.
Mais resulta da informação que, na sequência desse contacto, duas técnicas da CPCJ deslocaram-se à residência da Apelante e, uma vez ali, a Apelante pôs em causa que tivesse bebido álcool em excesso, mas não só não aludiu a qualquer problema relacionado com uma perna, nomeadamente, uma trombose, como afirmou que tomava medicação “psiquiátrica”, que a deixava “sonolenta” e “atordoada”. Ainda assim, à pergunta sobre se assumia um consumo regular de álcool, admitiu que “bebia um bocadinho às refeições”.
Tal descrição dos factos surge replicada no relatório social de 04-08-2023 constante do mesmo procedimento (v. fls. 21), onde também se afirma que a Apelante “concordou que não estaria nas melhores condições para cuidar da filha e que necessitava de tratamento médico para o efeito.
Também HH, técnica da CPCJ inquirida como testemunha em julgamento, relatou o sucedido em função dos elementos contidos no aludido procedimento, descrevendo a deslocação das suas Colegas a casa da Apelante, onde viram indícios de consumo de álcool por parte da mesma.
Ou seja, dos referidos registos, constantes do procedimento da CPCJ, consta a menção de que uma concreta pessoa, a assistente social da Junta de Freguesia, viu a Apelante a caminhar com aspeto de alcoolizada, que, por esse motivo, contactou a CPCJ e que duas técnicas desta Comissão se deslocaram propositadamente à residência da Apelante.
Ora, a informação e o relatório social em causa constituem, nos termos do n.º 1 do art.º 108.º da LPP, meio de obtenção de prova juridicamente válido e relevante, no que diz respeito à situação da criança e do seu agregado familiar.
Nestes elementos de prova atesta-se, como se viu, o facto contra o qual se insurge a Apelante e a descrição que neles é feita do episódio ocorrido, além de objetiva, é credível, já que foi atestada por uma pessoa cujo interesse não foi outro que não o de acautelar a segurança e o bem estar da CC. Ademais, tratava-se de pessoa que desempenhava funções de assistente social e, portanto, com um mínimo de experiência profissional que torna inverosímil que confundisse comportamentos tão distintos como são os decorrentes de um estado de alcoolemia e os de uma trombose numa perna.
Finalmente, a Apelante, quando confrontada com a presença das Técnicas da CPCJ, pôs em causa que tivesse bebido álcool em excesso, não pela causa que invoca na sua peça recursória, isto é, a trombose na perna, mas pela toma de medicação “psiquiátrica”.
Os elementos de prova quanto à circunstância de a mãe caminhar na rua no dia em causa alcoolizada são, assim, concludentes, nenhuma razão havendo, por conseguinte, para questionar a decisão do tribunal a quo quanto à sua consideração como provado.
Improcede, consequentemente, a impugnação da Apelante, mantendo-se o facto provado n.º 7 nos exatos termos que constam do Acórdão recorrido.
.- Do facto provado n.º 52
O facto em apreço é do seguinte teor:
.- “52.- Não lhe é conhecida [à progenitora] atividade profissional”.
Segundo a Apelante, este facto foi desmentido pelas declarações prestadas pelos próprios progenitores em julgamento, os quais, a esse respeito, teriam dito que a Apelante “trabalha numa empresa de produtos químicos (limpezas) e ao fim de semana trabalha em eventos (casamentos, etc.)”.
Não tem razão, contudo, também aqui, a Apelante, nenhuma razão havendo para alterar a decisão da 1.ª instância quanto a tal facto.
É verdade que a Apelante, nas declarações que prestou em julgamento, referiu que era “vendedora de produtos químicos”; que “auferia o ordenado mínimo mais as comissões, que podiam ir aos € 1.000,00”; “que, aos fins de semana faz casamentos, ganhando € 60,00 aos domingos”.
Todavia, referiu não ter recibos, confirmando que “trabalhava ao negro”. Por outro lado, o valor do vencimento que auferiria foi dito de forma genérica e sem tradução em factos que o materializassem, aludindo a supostas comissões de vendas sem identificação ou quantificação. Finalmente, aludiu ao facto de estar numa “empresa há dois meses” e que nesta lhe iriam “fazer contrato”, mas fê-lo de forma vaga e inconsistente.
Acresce que o progenitor, AA, nas declarações que prestou, apesar de referir que a progenitora, com quem supostamente viveria, fazia “limpezas”, ganhando “€ 600,00/€700,00”, não fez qualquer alusão ao facto de a mesma ser vendedora de produtos químicos, como seria natural que fizesse se realmente essa atividade fosse desempenhada (relembre-se que, de acordo com o progenitor, ambos residiriam juntos).
De referir, ainda, que tal versão da progenitora relativamente à sua atividade profissional, além de não confirmada por qualquer outro elemento de prova, foi desmentida ou, pelo menos, abalada pelo depoimento da testemunha II, técnica da EMAT, a qual, no contexto da respetiva atividade, acompanha a situação da CC e do agregado familiar dos seus progenitores.
Assim, referiu a testemunha que uma das questões que trabalharam com a progenitora foi a da necessidade de esta ter trabalho fixo, o que não ocorria, justificando a progenitora que não arranjava trabalho porque os horários não eram compatíveis com os horários de ver as filhas e de ir às consultas. Ou seja, de acordo com a testemunha, era irregular e precária a situação laboral da progenitora.
Acrescentou que a progenitora, como registos de trabalhos, tinha os seguintes: “outubro a dezembro de 2020; janeiro de 2021; e maio a julho de 2024”, data esta em que “abandonou o trabalho”. Esclareceu que se a progenitora, depois desta data, continuou a trabalhar, por exemplo, em “hostels”, referiu que a progenitora dizia que o fazia, mas, quando questionada, não dizia onde, nem quanto ganhava. Ou seja, de acordo com a testemunha, além de a progenitora ter posto termo aos registos formais de trabalho em julho de 2024, desde então a situação profissional da mesma passou a uma total incógnita.
Não só não há, pois, prova de que a Apelante exerça, como no seu recurso diz que exerce, atividade remunerada, como, pelo contrário, o que resulta da prova produzida é que a sua situação profissional é desconhecida.
Nenhuma censura merece, por conseguinte, a decisão da 1.ª instância quanto ao facto em apreço, impondo-se a sua manutenção como facto provado, com a consequente improcedência da impugnação também nesta parte.
.- Do facto provado n.º 56
No facto em apreço diz-se o seguinte:
.- “56.- Os progenitores não pagam renda de casa.”
A propósito deste facto, e à semelhança dos anteriores já apreciados, concorda-se com o juízo decisório feito pelo tribunal a quo quanto à sua consideração como facto provado.
Com efeito, o relatório do CAFAP junto aos autos em 25-03-2024 é claro a evidenciar que “[r]elativamente à habitação, o casal não paga renda desde agosto do ano transato”.
Acresce que dele resulta, não só uma fragilidade significativa das condições económicas do agregado familiar da Apelante, que conduzem a que beneficiem de “apoio alimentar na Legião da Boa Vontade e da Qualificar para Incluir”, como, também, uma “incapacidade de gestão do orçamento familiar”
Outrossim, a habitação em causa apresenta “parcas condições de conforto e salubridade”, sendo “notória a excessiva humidade na habitação, tanto na casa de banho, como na cozinha”, que levaram a que a própria progenitora tivesse preferido “atendimentos presenciais no serviço por sentir vergonha”, além do que “o casal encetou uma candidatura a habitação social”, que, contudo, não foi aceite.
Ou seja, o relatório social, que, como se viu, constitui meio de prova relevante, atesta o facto em apreço. Por outro lado, as condições de vida, mormente habitacional, da Apelante, quer em termos de fragilidade económica, quer em termos de organização do seu orçamento familiar, são consentâneas com a omissão descrita no facto provado, conclusão esta reforçada pelo facto de ambos os Apelante terem tentado obter uma habitação social.
Perante estes dados, e sem deixar de se salientar que a Apelante, quanto ao facto em apreço, impugna-o por impugnar, não aduzindo factos concretos suscetíveis de, pelo menos, suscitar a dúvida sobre a sua verificação, nem muito menos alegar e evidenciar que algum pagamento de renda tenha feito, concluímos que se trata de facto provado, nenhuma censura merecendo a decisão da 1.ª instância quanto a ele.
Improcede, pois, a impugnação.
.- Do facto provado n.º 58
Este facto é do seguinte teor:
.- “58.- Adquirem bebidas alcoólicas na mercearia junto a sua casa.”
A Apelante bate-se por que tal facto seja considerado não provado, por não ter sido produzida prova suscetível de o atestar.
Nesta parte, entende-se que com razão.
Na verdade, dos elementos (informações e relatórios sociais) constantes dos autos não consta referência clara e precisa a tal facto. Outrossim, nenhuma das testemunhas ou declarantes o confirmou de forma esclarecedora em julgamento.
Não há, pois, elemento de prova nos autos no qual, de forma segura, nos possamos estribar para considerá-lo provado.
Ora, além de não provado, o facto em apreço nenhum relevo autónomo tem para de definição do direito a aplicar ao caso. Com efeito, evidenciando os restantes factos o consumo do álcool pelos Apelantes, o efeito útil que o facto em apreço teria seria o de identificar o local onde o álcool era adquirido, o que se mostra irrelevante para definir a situação jurídica da CC.
Pelo exposto, trata-se, como referido pela Apelante, de facto não provado, mas, porque irrelevante para a decisão da causa, determina-se a sua exclusão do acervo de factos a considerar nessa decisão.
.- Do aditamento ao elenco de factos provados do seguinte facto: “Quando a progenitora termina as visitas à menor, esta chora compulsivamente, gritando: “Eu quero a minha mãe!”
A Apelante pretende a inclusão do facto em apreço, por forma a que se possa aferir que entre a CC e a mãe há um “vínculo”.
Na sua perspetiva, tratar-se-ia de facto atestado pela testemunha DD – relembre-se, assistente social da A....
A Apelante - à semelhança, aliás, do que fizera relativamente aos factos acima apreciados - serve-se das declarações de uma pessoa ouvida em julgamento para sustentar a sua impugnação, sem, contudo, como era seu dever (v. al. a), do n.º 2, do art.º 640.º do CPC), indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso, nem transcrever os excertos do depoimento que considerou relevantes.
Como quer que seja, apesar de tal vício implicar a rejeição do próprio recurso em matéria de facto (v. o n.º 1 do citado preceito), procedeu-se, atenta a natureza das questões que aqui importa decidir, à audição integral do depoimento da referida testemunha (aliás, procedeu-se à audição integral de toda a prova produzida em julgamento) e a conclusão a retirar é a de que o sentido do mesmo é totalmente distinto do apontado pela Apelante.
Na verdade, está aqui em causa a parte do depoimento em que a testemunha aludiu aos “efeitos devastadores” (palavras da testemunha) no estado emocional da CC da conduta dos progenitores de não a visitarem na casa de acolhimento depois de prometerem que o fariam.
Segundo a testemunha, o comportamento da CC à segunda-feira, na escola, era diferente do comportamento que tivera na sexta-feira anterior.
Para evidenciar esta afirmação, a testemunha aludiu ao facto de, antes do julgamento, ter conversado com o professor da CC e de ter constatado que “a situação permanece a mesma: quando a CC não tem visita do pais, entra na escola na segunda-feira, começa a chorar e diz constantemente e consecutivamente: - eu quero a minha mãe, eu quero a minha mãe!”.
Ou seja, a testemunha referiu, na verdade, que a CC afirmou ‘querer a mãe’, mas, num contexto de uma situação específica – na escola, numa segunda feira – e não, como afirma a Apelante, regularmente no fim das visitas – e, bem assim, num quadro de absoluta frustração por não ter tido a visita dos pais no fim de semana – e não, como sugere a Apelante, num quadro de sofrimento perante o facto de não poder estar com a mãe.
Aliás, a propósito do suposto vínculo da CC a que a Apelante alude, a testemunha também referiu, facto que é omitido pela Apelante, que “se vier a funcionária da escola e disser - “anda para a minha beira um bocadinho -, aquela senhora serve para fazer de mãe, a mãe que ela quer naquele momento”.
Mais aludiu a testemunha a um episódio ocorrido em dezembro de 2023, em que a CC foi passar dois dias de Natal em casa da “madrinha da instituição”. Segundo a testemunha, a CC, logo que saíu da casa de acolhimento, “desde o primeiro minuto fora da instituição, chamou a senhora de mãe” e veio a fazer o mesmo com o companheiro, a quem chamou de “pai”, sendo que “quando regressou, a CC chorou horrores, porque não queria ficar na instituição”, mas com aquela família.
Ficou claro, assim, do depoimento da testemunha, que todo o sofrimento da CC, inclusive aquele que a levou a dizer que ‘queria a mãe’, representou mais a manifestação – triste e pungente – de sofrimento de uma criança carente por não ter uma família, do que propriamente por a sua mãe estar ausente.
Ou seja, uma realidade totalmente distinta daquela que a Apelante, no segmento da sua peça recursória aqui em análise, pretendeu, de forma desvirtuada e descontextualizada, passar.
Não há, pois, fundamento para a inclusão nos factos provados da matéria a que a Apelante se refere no recurso.
Improcede, pois, a sua impugnação também nesta parte.
.- Em suma, em face do recurso em matéria de facto da Apelante, há que excluir apenas o facto que constava do n.º 58 do elenco de factos provados constante do Acórdão recorrido, quer por se tratar de facto não demonstrado, quer por se tratar de facto sem efeito útil para a decisão a proferir.
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2.- Do enquadramento jurídico dos factos 2.1.- Da verificação dos requisitos de aplicação da medida de confiança judicial com vista a futura adoção
Este processo de promoção e proteção corre termos no superior interesse da criança CC, nascida em ../../2016 e, portanto, com 8 anos de idade.
Foi instaurado perante a constatação de que a criança, mercê de ação e omissão dos progenitores AA e BB, se encontrava em perigo para o seu bem estar e desenvolvimento integral.
Entretanto, prosseguiu com vista à aplicação da medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, no pressuposto de, além do perigo, estarem comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.
A promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a que seja garantido o seu bem estar e desenvolvimento integral, está prevista na Lei n.º 147/99, de 01.09 (com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 31/2003, de 22.08, 142/2015, de 08.09 e 26/2018, de 05.07 – doravante, LPCJP) – v. o seu art.º 1.º.
De acordo com o n.º 1 do seu art.º 3.º, em linha com o regime substantivo fixado no art.º 1918.º do Código Civil, a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando, além do mais, os pais ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
Por seu turno, de harmonia com o n.º 2 do mesmo preceito, considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a.- está abandonada ou vive entregue a si própria;
b.- sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c.- não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d.- está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e.- é obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f.- está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g.- assume comportamentos ou se entrega a atividade ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento, sem que, além do mais, os pais se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação;
h.- tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.
A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece, de acordo com o art.º 4.º, aos seguintes princípios:
a.- interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b.- privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
c.- intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d.- intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;
e.- proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f.- responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g.- primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h.- prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável;
i.- obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
j.- audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como, além do mais, os pais têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;
k.- subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.
Neste processo está em causa a aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção, prevista no art.º 35.º, n.º 1, alínea g), da LPCJP.
A propósito de tal medida, dispõe o n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil que o tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva, além doutras, das seguintes situações:
a.- se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b.- se tiver havido consentimento prévio para a adoção;
c.- se os pais tiverem abandonado a criança;
d.- se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou desenvolvimento da criança (alínea d)).
e.- se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição, ou família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
Por seu turno, de acordo com o n.º 2, deve o tribunal, na verificação das situações previstas no número anterior, atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança, sendo que, de harmonia com o n.º 3, considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
Finalmente, nos termos do n.º 4, a confiança com fundamento, além do mais, na alínea d), não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela.
In casu, importa começar por dizer que o progenitor, nas conclusões do seu recurso, pugna em primeira linha por que se decida pela entrega da CC aos cuidados dos progenitores, sem menção à sujeição a qualquer medida.
Tal pretensão sugere a ideia de que, para o mesmo, a CC não se encontraria sequer em perigo a ponto de, no seu superior interesse, haver necessidade de aplicação de uma medida de promoção e proteção.
Tal não é, contudo, o caso, sendo o perigo, no caso, indesmentível.
Com efeito, como refere Tomé d’Almeida Ramião, “[o] perigo a que se reporta este normativo traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efectiva lesão da segurança, saúde formação, educação ou desenvolvimento”.
Segundo o Autor, “[b]asta, por isso, a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe do dano sério”. Ainda assim, “tem de ser actual, como decorre do art.º 111.º” (v., neste sentido, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, 6.ª edição, Quid Juris – Sociedade Editora, p. 27 e 28).
No caso, e como resulta da factualidade apurada, na origem dos autos esteve, desde logo, uma situação de absentismo escolar, bem como de faltas a sessões de terapia da fala e de consultas de desenvolvimento e psicologia que a criança frequentava.
Outrossim, a progenitora apresentava padrões de consumo excessivo de álcool, a ponto de, em 29 de agosto de 2022, circular pela rua de mão dada com a CC, a cambalear por estar alcoolizada.
Acresce que os progenitores têm um relacionamento instável, marcado por sucessivas separações e reconciliações e, bem assim, por episódios de tensão que já conduziram a desentendimento e discussão na presença da CC.
De referir, ainda, que, uma vez acolhida a CC, os progenitores foram, como melhor se dirá à frente, absolutamente irregulares no exercício dessas visitas, com notórias repercussões negativas no seu estado emocional, frustrando, como bem se disse no Acórdão recorrido, “as expectativas da criança, prometendo visitas a que não compareciam, deixando de ir buscar a criança e estando ausentes em datas importantes, como a festa final da escola e o Natal, causando sofrimento à criança”.
Finalmente, ambos os progenitores evidenciam lacunas e dificuldades ao nível da regulação emocional e de organização da sua vida pessoal, vivendo em condições habitacionais precárias e laborais incertas.
Perante este quadro, é claro que a CC não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal e, bem assim, que está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos dos progenitores que afetam gravemente a sua segurança e o seu equilíbrio emocional, o que, reconduzindo-se à previsão das alíneas c) e f) do n.º 2 do citado art.º 3.º da LPCJP, a coloca numa situação de perigo que impõe a aplicação de uma medida de promoção e proteção no seu interesse.
A posição do progenitor no sentido do simples retorno da CC aos cuidados dos progenitores não tem, pois, fundamento, estando plenamente justificada, como se disse, a aplicação de uma medida de promoção e proteção.
Importa, então, apurar se a medida de confiança judicial com vista a futura adoção, que foi a medida efetivamente aplicada pelo tribunal a quo, é ou não a adequada, o mesmo é dizer se se verificam os pressupostos legais para a sua aplicação.
Como se viu, a aplicação desta medida pressupõe a verificação do requisito nuclear de que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das situações previstas nas alíneas que integram o n.º 1 do art.º 1978.º do CC.
Ou seja, preenchendo o caso a previsão de algumas destas alíneas, tem-se por verificado aquele requisito nuclear, da inexistência ou do sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação.
No caso, temos por verificada a previsão, quer da alínea d), quer da alínea e).
No caso da alínea d), vale aqui tudo quanto já se disse atrás e que nos permitiu reconduzir a situação da CC a uma situação de perigo para o seu bem estar e desenvolvimento integral.
Acrescenta-se agora – o que, de resto, valerá, não só para a alínea d), como, também, para a alínea e) – o seguinte.
A CC, mercê da precária situação em que se encontrava no seio do agregado dos seus progenitores, foi acolhida em 30-08-2022 na “A...”.
Logo no início do acolhimento, a mãe primou a sua conduta, não só pela realização de poucas visitas à filha, como pela não realização de visitas agendadas. A “perda” temporária da CC, apesar de causada pelo seu comportamento, não serviu de incentivo suficiente para, desde logo, evidenciar um claro e notório interesse em mudar a sua postura e adotar uma trajetória de vida que viesse a justificar o regresso da CC aos seus cuidados.
Veja-se que, em setembro de 2022, de 22 visitas possíveis, realizou apenas 5 (faltando, portanto, a 17) e, em outubro de 2022, em 17 possíveis, realizou 2 (faltando, portanto, a 15).
É certo que, a dada altura do acolhimento, no final de 2022, e pelo facto de os progenitores terem retomado a vida juntos, a CC começou a passar fins de semana com os pais, inclusive, com pernoita; todavia, numa desses visitas os pais desentenderam-se e discutiram na presença da CC e, em janeiro de 2023, não a foram buscar para passar o fim de semana com eles, o que levou a que cessassem as idas a casa aos fins de semana.
Este quadro de inconsistência das visitas continuou e perdurou ao longo do tempo.
Assim, em 16 de junho de 2023, depois de ter garantido à criança que estaria presente na sua festa de finalistas, a progenitora comunicou à casa de acolhimento que não iria, nem o pai, o que levou a CC a chorar compulsivamente quando soube.
Após outubro de 2023, os pais continuaram a faltar a várias visitas, depois de telefonicamente prometerem à criança que compareceriam, chegando ao cúmulo de, no dia do aniversário da CC, e apesar de terem prometido visitá-la e levar-lhe prendas, não aparecerem nem avisarem.
O mesmo ocorreu no dia de Natal, sendo que, em 2024, mantiveram o mesmo registo de faltas às visitas, chegando a estar mais de um mês sem visitar a criança. Isto, a par da ausência de contactos de ambos da casa de acolhimento a fim de obterem informações sobre a criança.
Ora, todo este quadro é fortemente perturbador do estado emocional da CC, a qual, relembre-se, tem 8 anos de idade. Os pais faltam a visitas à CC na instituição, revelando, assim, alheamento quanto ao facto de esta estar institucionalizada e, nesse quadro, desprovida do afeto familiar. Além de faltarem a visitas, não comparecem em dias essenciais da vida da criança, como foi o caso da festa de finalistas da escola e do seu aniversário, revelando, assim, incúria e desconsideração para com a pessoa da filha. E fazem-no, mesmo depois de terem prometido que o fariam, denotando desprezo pela situação da CC, que, relativamente a tudo isto, não fica indiferente, manifestando o seu sofrimento, inclusive, com choro compulsivo.
Temos, pois, um quadro revelador, não só de que os pais são responsáveis por comportamentos que colocam a CC em perigo sério para o seu bem estar e desenvolvimento integral, como também que primam a sua relação com a CC pela falta de interesse, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos afetivos próprios da filiação.
Faltar à festa de finalistas da escola, faltar ao aniversário e faltar no dia de Natal, inclusive depois de garantias de presença, tudo associado à irregularidade e inconstância das visitas na instituição, é revelador de total desconsideração e de falta de ligação emocional dos pais para com a filha, em termos, de resto, que impressionam.
Ora, este desinteresse perdura já desde o início do acolhimento institucional da CC, ocorrido em 30 de agosto de 2022 e, portanto, além dos três meses que precederam o pedido de confiança judicial em vista da futura adoção (formulado em 10-04-2024 pelo Ministério Público e em 18-04-2024 pela criança, patrocinada pelo seu defensor).
Temos, pois, por verificadas as previsões das alíneas d) e e) do n.º 1 do citado art.º 1978.º do Código Civil e, consequentemente, por verificado, também, pelo menos, o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, que justificam a aplicação da medida em apreço.
Importa agora aferir se tal medida é ou não justificada no quadro dos princípios norteadores da sua aplicação, previstos no supra citado art.º 4.º da LPCJP.
Segundo os Apelantes, a medida em apreço não se justificaria, justificando-se antes uma outra que privilegiasse o regresso da CC ao seio do seu agregado familiar, por força dos seguintes princípios: do superior interesse da criança; da intervenção mínima; da proporcionalidade e atualidade; do primado da continuidade das relações psicológicas profundas; e da prevalência da família.
Carecem, contudo, de razão.
Reproduz-se aqui tudo quanto acima se disse a propósito da situação de perigo em que se encontra a CC e da ostensiva falta de interesse dos progenitores relativamente à situação da sua filha.
Acrescenta-se agora que a CC está acolhida institucionalmente desde agosto de 2022 e, portanto, há bem mais de dois anos, aproximando-se dos três anos, o que é um período excessivamente longo de permanência num local que, independentemente da qualidade dos cuidados que ali lhe sejam prestados, não lhe assegura as condições de afeto essenciais à sua formação e desenvolvimento integral.
A progenitora apresenta problemas de consumo excessivo de álcool, agravados pela toma de medicação que a deixa sonolenta. Evidencia dificuldades na gestão dos afetos relativos a si própria e incapacidade para implementar estratégias com vista a ultrapassar a situação atual, centrando o discurso mais em si própria e menos na filha. Isto, além de imaturidade, instabilidade emocional, fragilidade e vulnerabilidade psicológicas.
Além destas fragilidades, com notórios reflexos nas suas competências parentais, abandonou o trabalho em 28-07-2024, não lhe sendo conhecida atualmente atividade profissional.
Este quadro assemelha-se ao do progenitor, que revela dificuldades na sua regulação emocional, assim como imaturidade afetiva, bem como desresponsabilização pelo seu comportamento e pelo da progenitora, a qual é passível de comprometer uma adequada mobilização para a mudança.
As lacunas individuais de ambos projetam-se na dinâmica do relacionamento quando constituem um casal, pautado por tensão e sucessivas separações e reconciliações, associadas a precárias condições de vida, que passam pelo não pagamento da renda de casa e necessidade de apoio de instituição para entrega de cabaz alimentar.
Todas estas debilidades são claramente comprometedoras da conclusão de que ambos, como casal, ou individualmente, como progenitores, tenham ou possam vir a ter competências parentais para acolherem a CC.
Já decorreu um período de tempo suficiente longo para que organizassem a sua vida e se munissem de condições para exercerem as suas funções parentais.
Foram-lhes, por outro lado, asseguradas todas as condições para o efeito – veja-se que foram permitidas visitas dos Apelantes à filha na instituição; promoveu-se a ida da CC a casa aos fins de semana; adequou-se as visitas à separação dos progenitores, permitindo-se-lhes visitas separadamente; e proporcionou-se visitas em momentos especiais da vida da CC.
Ainda assim, todo o quadro que legitimou a instauração do processo manteve-se, não registando qualquer evolução e, pelo contrário, agravando-se. São impressionantes os episódios acima referidos respeitantes à ausência dos progenitores da festa de finalistas da CC, do seu aniversário e do Natal.
Ora, o interesse da criança não se confunde com o interesse dos adultos. E apesar de, em geral, a criança ter na família biológica o campo natural de prossecução do seu superior interesse, por ser ali que encontra apoio, suporte, convívio e aprendizagem, mas, sobretudo, afeto e carinho, situações há em que, como a dos autos, tal não acontece e o interesse da criança tem naturalmente de prevalecer.
Por outro lado, o tempo da criança, nomeadamente de uma criança como a CC, que tem 8 anos, não é o tempo dos adultos, sendo o período de quase três anos de institucionalização em que se encontra uma eternidade a que urge dar resposta.
Todo o quadro de facto já acima múltiplas vezes abordado evidencia, contudo, não só um comportamento, mas, sobretudo, uma postura geral de falta de consciência daquilo que representa o exercício básico das funções parentais e, bem assim, uma total incapacidade de proporcionarem à CC um qualquer projeto de vida consistente e sustentado, em vista do seu desenvolvimento integral.
Temos, assim, como se concluiu no Acórdão recorrido, como impossível formular um juízo de prognose favorável relativamente às capacidades parentais de ambos os progenitores – repita-se, quer individualmente considerados, quer como casal – a ponto de se poder equacionar a possibilidade de serem solução para a CC.
O superior interesse da CC exige, no caso, e posto que, mais uma vez de acordo com o Acórdão recorrido, “não se nos afigura legítimo prolongar o acolhimento até um momento futuro, incerto e hipotético em que os progenitores consigam reunir condições para cuidar da filha, tanto mais que resultou provado que a criança sofre com a sua permanência em contexto institucional, mostrando-se carente”, uma rutura com a situação atualmente existente, no sentido de lhe ser proporcionado um novo projeto de vida, que passe pela sua integração numa família que a possa acolher como filha.
Esta solução é, outrossim, atento o que foi dito, absolutamente necessária e adequada à situação de perigo em que a CC se encontra, não evidenciando os progenitores, como se viu que não evidenciam, a possibilidade de serem solução para a filha; isto é, é proporcional.
De referir, também, que, não se pondo em causa a existência de uma relação afetiva da CC para com os pais, o certo é que os Apelantes não conseguem estar ao nível desse sentimento, frustrando repetida e frequentemente as suas expectativas de estar com eles. É impossível descortinar aqui, por conseguinte, da parte dos progenitores, uma relação de afeto para com a filha estruturante e de grande significado, bem como de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, a ponto de impelir à aplicação de uma medida que promovesse o acolhimento da CC por qualquer um deles. Vale o mesmo por dizer que não há, no caso, relações psicológicas profundas entre Apelantes e CC que se imponha acautelar e privilegiar.
Finalmente, sendo certo que na promoção dos direitos e na proteção da criança deve ser dada prevalência às medidas que a integrem em família, o certo é que a família biológica da CC não é, por tudo quanto se disse, capaz de lhe proporcionar o espaço de acolhimento de que carece.
Outrossim, subjacente ao princípio da prevalência da família aqui em consideração está o conceito de família em sentido amplo, abrangendo, por conseguinte, não só a família biológica como a integração em família adotiva, se for esta e não aquela que em melhores condições está de proporcionar o melhor ambiente ao seu desenvolvimento integral. Como referido no Acórdão do STJ de 13-10-2020, “a intervenção para salvaguarda do superior interesse [da criança], perante a situação de perigo em que se encontra, deve obedecer ao princípio da prevalência da família, mas no sentido lato que abarca a prevalência às medidas que a integre em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável, a par dos princípios da indispensabilidade, da proporcionalidade, da actualidade e da (necessidade da) intervenção precoce” (disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
E o certo é que, não oferecendo a família biológica um projeto de vida para a CC, o princípio da prevalência da família impele precisamente para a busca desse projeto na adoção.
Os princípios que norteiam a aplicação das medidas de promoção e proteção, mormente os referidos pelos Apelantes, não só não afastam, como, pelo contrário, impõem a aplicação, no superior interesse da CC, de medida de promoção e proteção efetivamente aplicada no Acórdão recorrido.
Isto, tanto mais que, não só é grave, pela natureza dos atos e omissões dos progenitores e pelo período de duração, a situação de perigo em que se encontra a CC, como o acolhimento da mesma pelos pais não é adequado a assegurar suficientemente o seu interesse, o que, à luz do n.º 4 do art.º 1978.º do Código Civil também justifica a medida aplicada.
Improcedem, em suma, as pretensões dos Apelantes, com a consequente manutenção da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção aplicada pelo Acórdão recorrido.
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2.2.- Da manutenção dos contactos da criança com as irmãs
Resulta da factualidade apurada que a progenitora da CC tem mais três filhos, sendo o mais velho já maior de idade e tendo as outras duas filhas 13 e 14 anos.
Estas residem com o pai, EE, que mantém uma relação muito conflituosa com a progenitora, mas, ainda assim, assegura as visitas das filhas à CC.
Tais visitas são do agrado da CC, mas o contacto entre as irmãs é apenas o que resulta dessas visitas; isto é, as visitas estão centradas na CC e nas irmãs.
No Acórdão recorrido, decidiu-se que a manutenção do contacto entre as irmãs não salvaguardava, no caso, o superior interesse da CC, pelo que, como consequência da confiança da CC em vista da sua futura adoção, não foi autorizado.
O Apelante, com base no enquadramento de facto acima transcrito, bateu-se por que, sendo mantida a medida decretada no Acórdão recorrido, fossem mantidos, pelo menos, os contactos entre a CC e as irmãs.
Entende-se, contudo, que tal não deve ocorrer, concordando-se com a decisão do tribunal a quo a esse respeito.
Na verdade, a medida de promoção e proteção em causa tende a ser definitiva e sem retrocesso, perdurando até ser decretada a adoção e não estando, sequer, sujeita a revisão. É o que determina o n.º 1 do art.º 62.º-A da LPCJP.
Só excecionalmente, nas situações em que a criança atinja a idade limite para a adoção sem que o projeto adotivo se tenha concretizado e em que, portanto, a execução da medida se mostre inviável, é que, nos termos do n.º 2, pode haver revisão da medida.
Corolário deste princípio é o de, uma vez aplicada a medida, passarem a estar proibidas, por força do n.º 6 do preceito, as visitas por parte da família biológica.
Mais uma vez, só em situações excecionais, designadamente, em casos devidamente fundamentados e em função da defesa do superior interesse do adotando poderão ser autorizados contactos entre irmãos.
Ou seja, o princípio a seguir é o da rutura com a família biológica a partir do momento em que a medida é aplicada, só em situações excecionais se aceitando uma abertura à manutenção de contactos entre irmãos, em casos devidamente fundamentados e em que essa manutenção seja imposta pelo superior interesse da criança.
Trata-se aqui de uma solução conexa com a do regime decorrente dos art.ºs 56.º, n.º 5 da Lei n.º 143/2015, de 08/09, que aprovou o Regime Jurídico da Adoção, e 1986.º, n.º 3 do Código Civil, segundo o qual excecionalmente, ponderada a idade do adotado, a sua situação familiar ou qualquer outra circunstância atendível, pode ser estabelecida a manutenção de alguma forma de contacto pessoal entre aquele e algum elemento da família biológica ou, sendo caso disso, entre aquele e a respetiva família adotiva e algum elemento da família biológica, favorecendo-se especialmente o relacionamento entre irmãos, desde que, em qualquer caso, os pais adotivos consintam na referida manutenção e tal corresponda ao superior interesse do adotado.
Ora, no caso, tal situação excecional não se verifica.
Na verdade, o único contacto existente entre a CC e as irmãs advém das visitas na instituição, na certeza de que, como salientado no Acórdão recorrido, nunca residiram juntas no quadro de uma “vivência típica entre irmãs” ou em família. Note-se que as irmãs uterinas da CC residem com o pai desde antes do nascimento desta.
Acresce que, como se viu, a medida de confiança decretada nos autos significará uma rutura com o passado da CC em vista do seu futuro, o que, como salientado no Acórdão recorrido, poderia ser comprometido pela manutenção dos contactos entre irmãs, mantendo estas como mantêm, ainda que pontualmente, contactos com a mãe.
Relembre-se, ainda, que a progenitora e o pai das irmãs da CC mantêm entre si uma relação muito conflituosa, daí emergindo o risco de, a qualquer momento, esse conflito se projetar para a esfera pessoal da CC e, ao menos reflexamente, prejudicar a concretização do novo projeto de vida que, com a medida aplicada, se pretende proporcionar-lhe.
A proibição de contactos entre irmãs decretada no Acórdão recorrido é, por isso, ainda que triste e dolorosa, compreensível, em função daquilo que, com a medida aplicada, se pretende obter.
Nenhum reparo há, por conseguinte, a fazer ao Acórdão recorrido também nesta parte, que, como tal, deve ser mantido, com a consequente improcedência da pretensão do Apelante também nesta parte.
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Em suma, nenhuma censura merece o Acórdão recorrido, que, como tal, deve ser mantido na íntegra, com a consequente improcedência de ambas as Apelações.
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Porque vencidos no recurso, suportarão os Apelantes as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV.- Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto julgar improcedentes ambos os recursos de apelação interpostos e, consequentemente, confirmar na íntegra o Acórdão recorrido.
Custas pelos Apelantes.
Notifique.
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Porto, 10-04-2025 (assinado eletronicamente)
Os Juízes Desembargadores,
José Manuel Correia
Francisca Mota Vieira
António Carneiro da Silva