I - A omissão de pronúncia constitui um vicio da sentença/acórdão, que o torna nulo (art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP), e apenas se verifica quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões de facto ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais no recurso ou que deve conhecer oficiosamente impostas pela lei, sendo que as questões sujeitas a pronúncia são as questões ou os problemas concretos a decidir e não os argumentos, opiniões ou doutrinas que o recorrente aponte em suporte da sua pretensão.
II - Em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, a pena única há de ser encontrada tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos, e de reintegração social (ressocialização) – art. 40.º do CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global a apreciar no momento da decisão, e limitada no seu máximo pela culpa, como suporte axiológico de toda a pena.
III - O art. 3.º, n.º 4, da Lei n.º 38-A/23, de 02-08, dispõe que “Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única” e, como a lei não distingue, comporta tanto o concurso normal de crimes como o concurso resultante do conhecimento superveniente (arts. 77.º e 78.º do CP).
IV - Integrando o concurso superveniente penas parcelares por crimes que eram beneficiárias do perdão de 1 ano, por virtude do cúmulo jurídico (emergente desse conhecimento superveniente do concurso) que englobou todas condenações, tendo em conta o que estatui o n.º 1 do art. 3.º citado, e incidindo o perdão sobre a pena única e sendo esta superior a 8 anos de prisão, o condenado não beneficia de qualquer perdão, pois se impõe a reponderação sobre a aplicação do perdão em face da mesma lei em face da nova situação de concurso.
V - O n.º 3 do art. 7.º da Lei de Amnistia que permite a aplicação do perdão a outros crimes cometidos e não excluídos do perdão por aquela norma pressupõe que o arguido tenha sido condenado em pena até 8 anos de prisão, sendo-o em pena superior funciona a exclusão do art. 3.º, n.º 1, citado.
VI - As leis de amnistia e perdão, como atos de graça ou clemência, e de interferência do poder legislativo no poder judicial, são normas de exceção que devem/têm de ser interpretadas literalmente, mas harmonizando as respetivas normas buscando o seu sentido.
VII - Todas as penas de prisão, sejam elas individuais ou únicas (estas resultantes de cúmulos jurídicos), são perdoadas um ano de prisão salvo se superiores a 8 anos de prisão, e estando em causa um cúmulo jurídico e logo uma pena única esse perdão incidiria sobre essa pena se não fosse superior a 8 anos de prisão, tudo de acordo com os arts. 3.º, n.º 1, e 4.º da Lei n.º 38-A/2023. Se a pena única é superior a 8 anos de prisão, o arguido não beneficia do perdão, não porque os crimes em causa sejam excluídos do perdão, mas porque a pena única a que o arguido foi condenado é superior a 8 anos de prisão.
VIII - Foi intenção e opção legislativa que a Lei de Amnistia abrangesse apenas as situações de menor gravidade e excluísse as de maior gravidade, estabelecendo esse limite nos 8 anos de prisão, medida a partir da qual qualquer pena de prisão (individual ou única) não beneficiaria do perdão, sendo que como medida de clemência o legislador é livre de conformar o seu desejo e determinar os seus beneficiários, posto que com justificação bastante para evitar situações de arbitrariedade e com submissão às normas constitucionais, nomeadamente, da igualdade e proporcionalidade.
No Proc. C. C. nº 1295/24.0T8PTG do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo Central Criminal de ... – juiz ..., em que é arguido AA,
Foi por acórdão de 14/11/2024 proferida a seguinte decisão:
“Nestes termos e pelo exposto e ao abrigo do preceituado nos arts. 77º e 78º do Cód. Penal, acordam os juízes deste tribunal colectivo proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, no proc. nº 472/15.9... e 470/16.5..., e condená-lo na pena única de 21 (vinte e um) anos, e 6 (seis) meses de prisão.
- determinar que o período de prisão já sofrido pelo arguido seja descontado no cumprimento da pena única, nos termos do disposto no art. 78º, nº 1, “in fine”, do Cód. Penal.
Não são devidas custas.(…)”
Recorre o arguido, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões:
“1º- Não se conformando com o douto acórdão proferido nos presentes autos, que o condenou numa pena única de prisão de 21 (vinte e um) anos e 6 (seis) meses, vem o arguido AA do mesmo interpor recurso, o qual versa apenas sobre matéria de direito.
2º- O ora recorrente considera, salvo o devido respeito e melhor opinião, que o douto acórdão recorrido padece de omissão de pronúncia, isto porque, não fez qualquer alusão ao perdão de 1 (um) ano que lhe foi aplicado, por força da Lei nº 38º-A/2023, de 2 de Agosto, à pena de prisão em que havia sido condenado no âmbito do processo nº470/16.5..., que correu termos no Juízo Central Criminal de ..., J ..., por acórdão proferido em 22/06/2017, no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 25º, nº1, da Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
3º-E, por outro lado, foi feita uma errada interpretação do artigo 3º, nº4 da Lei nº38º-A/2023, de 2 de Agosto, o que redundou na violação dos artigos 12º e 32º da CRP.
4º-Concomitantemente foram violados os artigos 13º e 32º da CRP.
5º-Senão vejamos: por douto despacho proferido em 22.09.2023 foi determinado que o arguido AA deveria beneficiar de um perdão de 1 (um) ano na pena em que fora condenado nesses autos, no que concerne ao mencionado crime, em virtude da entrada em vigor da Lei nº 38º-A/2023, de 2 de Agosto; perdão esse que ficou subordinado à condição resolutiva prevista no artigo 8º, nº1 daquele diploma legal, nos termos do qual: “o perdão a que se refere a presente lei é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada.”
6º-Em 27.09.2024, pelo referido Juízo Central Criminal de ..., J ..., foi proferido douto despacho com a referência nº ...25, nos seguintes exatos termos: “(…) desde a data em que havia sido determinado o perdão de 1 ano na pena a que o arguido AA havia sido condenado nesses autos, não constava o averbamento da prática de qualquer crime, bem como não existia qualquer processo criminal pendente contra ele, para além do dos presentes autos (ou seja, desses autos).
Face ao exposto: Considero verificada a condição resolutiva do perdão concedido.”
7º-Em momento algum, no douto acórdão recorrido foi feita menção ao perdão de penas concedido ao arguido AA nos autos acima identificados, pelo que padece o mesmo de omissão de pronúncia. (sublinhado nosso)
8º-No âmbito do processo nº 472/15.9..., que correu termos no Juízo Local Criminal de ..., foi de igual modo perdoado 1 (um) ano de prisão ao arguido AA; perdão que também foi sujeito à condição resolutiva prevista no aludido artigo 8º, nº1, da Lei nº38º-A/2023, de 2 de Agosto, e em 01.0.2023, declarado perdoado 1 (um) ano de prisão da pena de 3 (três) anos aplicada ao condenado AA nesses autos e em consequência, considerado extinta a parte da pena perdoada, sob a condição resolutiva a que alude o artigo 8º, nº1 da Lei nº38º-A/2023, de 2 de Agosto.
9º-Do supra exposto flui, que no âmbito do processo nº 470/16.5..., que correu termos no Juízo Central Criminal de ..., J ..., a pena de 20 (vinte) anos de prisão na qual o aqui recorrente havia sido condenado, por consequência daquele perdão, passou a ser de 19 (dezanove) anos.
10º-E que, no âmbito do processo nº 472/15.9..., que correu termos no Juízo Local Criminal de ..., atento também perdão de 1 (um) ano de prisão concedido, a pena de 3 (três) anos na qual o aqui recorrente havia sido condenado, passara a ser de 2 (dois) anos.
11º-Acontece que, o perdão de penas concedido ao arguido AA nos supra identificados processos por força da Lei nº 38ºA/2023, de 2 de Agosto, não foi considerado nos presentes autos, e deveria tê-lo sido.
12º-O Tribunal a quo considerou que, no caso vertente, em virtude de haver concurso superveniente de crimes, a pena única deverá ser encontrada tomando em consideração as penas originalmente aplicadas, devendo o eventual perdão incidir sobre a pena única, fundamento a sua posição no artigo 3º, nº4 da Lei nº38º-A72023, de 2 de Agosto, e que esta seria a única interpretação adequada deste preceito legal, nos termos do qual: “Em caso de condenação em cúmulo jurídico o perdão incide sobre a pena única.”
13º-O ora recorrente não ignora a previsão legal supra transcrita, contudo, e salvo o devido respeito, que é muito – discorda deste entendimento.
14º-De facto o artigo nº3, nºs 1 e 4 do citado diploma legal prevê que em caso de cúmulo jurídico o perdão deverá incidir sobre a pena única, no caso vertente, 21 (vinte e um) anos e 6 (seis) meses de prisão.
15º-No entanto, é entendimento do recorrente que neste tipo de situações, deverá ter-se em consideração as penas parcelares para os requisitos do perdão, e assim no caso vertente, deverão ser perdoados 2 (dois) anos de prisão ao recorrente AA, na medida em que isso já lhe foi concedido, não lhe devendo ser retirado.
16º-De facto, a Lei diz que o perdão terá de incidir sobre a pena aplicada em cúmulo, no caso vertente, 21 (vinte) anos e 6 (seis) meses, à qual deverão ser perdoados 2 (dois) anos de prisão.
17º-Por outras palavras, o desconto de 1 (um) ano – caso o haja – como de facto, houve – existindo aliás, não um perdão, mas sim dois perdões, de 1 (um) ano cada um - aplicados ao aqui recorrente, hão de ser sobre a pena aplicada em cúmulo.
18º-O que a lei não diz, de todo, é que as penas superiores a 8 (oito) anos, em cúmulo jurídico não são abrangidas pelo perdão.
19º-Deste modo, ainda que a pena cumulatória se afigure superior a 8 anos (em cúmulo jurídico), o facto de esta ser composta por crimes que sejam abrangidos pela Lei do perdão e sobre os quais não tenha sido aplicada pena superior a 8 (oito) anos, tem forçosamente de importar o perdão de 1 (um) ano de pena de prisão.
20º-Diferente entendimento revela um manifesto atropelo ao princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 13º da CRP, na medida em que duas pessoas condenadas pelo mesmo crime, na mesma pena possam vir a ter tratamento diferente perante a lei.
21º-Pelo que, deverão ser descontados 2 (dois) anos de prisão – 1 (um) por força do perdão de 1 ano já operado no processo nº 470/16.5..., outro por força do perdão de 1 (um) ano já operado no processo nº 472/15.9....
22º- Uma interpretação do artigo 3º, nº4 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, segundo a qual se entenda que uma pena única (cumulatória) superior a 8 (oito) anos de prisão não merece o perdão concedido por essa Lei, ainda que seja integrada por crimes que sejam abrangidos pela mesma e sobre os quais não tenham sido aplicada uma pena –parcelar – superior a 8 (oito) anos, inquina de inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 13º e 32º da CRP.
23º-Ainda que a pena cumulatória se afigure superior a 8 (oito) anos, o facto de esta ser composta por crimes que sejam abrangidos pela Lei do perdão e sobre os quais não tenha sido aplicada pena superior a 8 (oito) anos, tem forçosamente de importar o perdão de 1 (um) ano, da pena de prisão.
24º-E, por outro lado, foi feita uma errada interpretação do artigo 3º, nº4daLei nº38º-A/2023, de 2 de Agosto, o que redundou na violação dos artigos 12º e 32º da CRP.
25º- Mas ainda que assim não venha a ser entendido, o que apenas se concede por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a pena única que a final o aqui recorrente veio a se r condenado afigura-se excessiva, porque ,se por um lado é inequívoco que os ilícitos em causa nos autos supra identificados são dotados de gravidade, não se pode olvidar que à data da prática dos factos o arguido era um jovem, ainda sem experiência de vida, que dava os primeiros passos no mercado laboral, que convivia com grupos de pares que o terão influenciado na tomada de decisões menos corretas, e bem assim, há que atentar no teor do relatório social do relatório social elaborado pela DGRSP, que dá nota do percurso prisional do arguido, que se encontra privado da liberdade há 8 (oito) anos e 3 (três) meses, ininterruptamente, tendo um comportamento bastante assertivo em meio prisional, mantendo ocupação laboral como eletricista, sendo-lhe reconhecidas capacidades de trabalho, contribuindo para as despesas do seu agregado familiar, já tendo completado o 12º ano de escolaridade, mostra-se focado na construção do seu projeto de reinserção social, e não menos importante, tem vindo a adquirir, de modo crescente capacidade de auto crítica e descentração, revelando-se capaz de reconhecer a gravidade dos seus comportamentos, bem como as consequências dos mesmos; o que permite fazer um juízo de prognose favorável acerca da sua pessoa.
26º- Tudo isto devendo ser objeto de uma cuidadosa ponderação, devendo por conseguinte, a pena única aplicada ao arguido ser fixada em 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses.
TERMOS QUE, SEMPRE COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V/EXAS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER APRECIADO, MERECENDO PROVIMENTO, DEVENDO A PENA ÚNICA RESULTANTE DO CÚMULO JURÍDICO DAS PENAS APLICADAS AO RECORRENTE NO PROCESSO Nº470/16.5..., E NO PROCESSO Nº 472/15 .P..., SER FIXADA EM 19(DEZANOVE) ANOS E 6(SEIS) MESES.”
Respondeu o Mº Pº defendendo a improcedência do recurso
Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (sendo que as imprecisões expressas na motivação não têm influencia na apreciação das questões suscitadas)
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
Não foi apresentada resposta.
Cumpridas as formalidades legais procedeu-se à conferência
Cumpre apreciar.
Consta do acórdão recorrido (transcrição):
“ II. Fundamentação
Estão provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
O arguido foi condenado:
1. No âmbito do processo comum singular nº 470/16.5..., que correu termo no Juizo Central Criminal de ... – Juiz ..., por acórdão proferido em 22/06/2017, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art. 132º, , nº 1 e 2, al. g) e j), do Cód. Penal, na pena de 18 anos de prisão, um crime roubo agravado, p. e p. pelo art. 204º, nº 1, al. a), e nº 2, al. f), todos do Cód. Penal, na pena de 5 anos de prisão, e de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 25º, nº 1, da Lei nº 15/93, de 22 de fevereiro, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão; operando o cúmulo jurídico de penas, o arguido foi condenado na pena única de 20 anos de prisão; os factos subjacentes foram praticados em 25/09/2016 e a decisão transitou em julgado em 02/01/2018.
A condenação baseou-se nos seguintes factos:
“1. Em data não concretamente apurada, mas situada no decurso em outubro de 2015, o arguido AA foi contactado por BB para vender canábis a CC e DD.
2. Após acertar com BB a venda daquele produto, em data não concretamente apurada, mas posterior à data supra referida, mas situada no decurso dos meses de outubro ou novembro de 2015, o arguido dirigiu-se a Coimbra, casa de BB, em morada não concretamente apurada, onde foi apresentado a CC e DD.
3. Naquele local o arguido AA vendeu a CC e DD 230 gramas de canábis e dois quilos de tabaco avulso, pelos quais estes pagaram 1.200€.
4. Em data não concretamente apurada, mas entre o dia 25 e o dia 28 de janeiro de 2016, o arguido AA foi contactado por CC, que lhe perguntou se lhe poderia vender um quilo de haxixe (bolotas) e dois quilos de erva (canábis).
5. Como o arguido AA confirmou a CC que lhe poderia vender aquelas substâncias, combinaram que o primeiro iria fazer a entrega daquelas a Coimbra.
6. Após o mencionado telefonema, o arguido AA firmou o propósito de não entregar qualquer substância estupefaciente a CC, mas de se apropriar do dinheiro que aquele tinha para fazer o pagamento daquela.
7. Para cumprir aquele propósito, o arguido AA acordou com dois indivíduos de nacionalidade espanhola, de nomes EE e FF, que aqueles acompanhariam para se apropriarem daquela quantia.
8. De acordo com o estabelecido, também em data não concretamente apurada, mas entre os dias 29 e 30 de janeiro de 2016, o arguido AA acompanhado daqueles indivíduos, dirigiu-se até umas bombas de abastecimento de combustível da Galp em Coimbra.
9. Ali chegados, o arguido AA contactou, via Wirckme, o ofendido CC, que foi ter com ele, acompanhado de DD, e dali seguiram, em carros distintos até casa de CC.
10. Já à porta da casa de CC, sita na Rua ..., em Coimbra, enquanto EE e FF aguardavam no interior do carro com que se haviam deslocado, o arguido AA acompanhou aquele e DD até ao interior da casa do primeiro.
11. Ali chegados, o arguido AA pediu-lhe, bem como a DD, a quem se destinavam parte dos produtos estupefacientes, para ver o dinheiro para pagamento das substâncias que lhe haviam encomendado.
12. Após ter visto que aqueles tinham na sua posse 9.000€, o arguido AA telefonou aos indivíduos que o acompanhavam, que de imediato se dirigiram para aquele local, alegadamente para levarem a droga.
13. Logo após entrarem na casa de CC, e de acordo com o plano previamente gizado pelo arguido AA, EE empunhou um revolver, de características não apuradas, que apontou na direção de CC, enquanto FF empunhava uma navalha na direção do pescoço de DD.
14. Nesse momento, e aproveitando que CC e DD não podiam reagir, o arguido AA aproximou-se da mesa onde se encontrava o dinheiro, pegou no mesmo e abandonaram os três, aquele local.
15. Alguns meses depois destes factos, CC e DD conseguiram o contacto da entidade patronal do arguido AA, e contactaram-no por diversas vezes, ameaçando-o.
16. Então, o arguido AA resolveu ganhar tempo dizendo a DD que iria cultivar as plantas para lhes pagar.
17. Assim, o arguido AA, após ter comprado quatro clones de cannabis em Espanha, dirigiu-se a uma das margens do rio ..., nas proximidades de ..., onde plantou aqueles quatro clones, de que passou a cuidar.
18. Porém, por factos alheios à sua vontade, as plantas de canábis secaram, tendo o arguido AA decidido que iria matar CC e DD.
19. Para concretizar aquele propósito, o arguido AA contou o seu plano de matar CC e DD ao arguido GG, que resolveu aderir ao mesmo.
20. Em data não concretamente apurada, mas no início de setembro de 2016, o arguido AA contactou DD informando-o de que já lhe poderia entregar o canábis para lhe pagar.
21. Após acordar com o arguido GG como proceder, no dia 23 de setembro de 2016 o arguido AA enviou, via Wirckme, uma mensagem a DD combinando o local e a hora em que se deveria encontrar com este e com CC, para lhes entregar a droga, no estacionamento da barragem do ..., pelas 00h, do dia 25 de setembro de 2016.
22. Ainda no dia 23 de setembro, durante a noite, os arguidos dirigiram-se no veículo automóvel do arguido AA, de matrícula ..-QF-.., ao monte denominado ..., em ..., propriedade do pai do arguido GG, para dali retirarem uma caçadeira, para assim poderem matar CC e DD.
23. Ali chegados, enquanto o arguido AA aguardava no carro, GG entrou num barracão ali existente e retirou uma caçadeira de calibre 12 e dois cartuchos que lá se encontravam.
24. Já na posse daquela arma, o arguido AA levou o arguido GG para a sua casa, sita na Rua ..., ..., onde aquele guardou a arma e recolheu mais nove cartuchos que ali tinha, também de calibre
12, guardando a arma desmontada e aqueles cartuchos, dentro de uma mala de viagem, tipo trolley.
25. No dia 24 de setembro de 2016, AA e GG deslocaram-se para o local combinado, parque de estacionamento da barragem do ..., na margem norte daquela barragem, fazendo-o na viatura do primeiro, de marca Opel Corsa, de matrícula ..-QF-.., trazendo consigo a mala de viagem que tinha no seu interior a espingarda caçadeira e 11 cartuchos.
26. Os arguidos chegaram àquele local cerca das 22h, para efetuarem um reconhecimento daquela zona, constatando tratar-se de um local ermo, possibilitando uma rápida fuga, caso fosse necessário.
27. Depois de estacionarem a viatura, o arguido GG montou e municiou a espingarda, entregando ainda mais dois cartuchos ao arguido AA, que os guardou no bolso das calças.
28. Após, o arguido GG escondeu-se, deitando-se sobre o banco traseiro da viatura, com a espingarda devidamente municiada com dois cartuchos, enquanto o arguido AA, no seu exterior, aguardou a chegada de CC e DD.
29. Cerca das 00h e 20min, DD e CC chegaram ao parque de estacionamento contíguo à Barragem do ..., deslocando-se na viatura de DD, um Ford Fiesta, com a matrícula ..-LV-.., e estacionaram do lado esquerdo paralelamente à viatura do arguido AA.
30. Depois de estacionarem, DD e CC saíram da viatura e dirigiram-se a AA, cumprimentando-o.
31. Nesse momento, DD perguntou a AA pela “cena” (referindo-se ao produto estupefaciente), tendo o arguido AA retirado a mala de viagem, já referida, do banco dianteiro do passageiro da sua viatura, que colocou num pequeno muro ali existente.
32. Enquanto CC permaneceu entre as viaturas, DD dirigiu-se à mala para confirmar o seu conteúdo e o arguido AA, a pretexto de ir buscar o resto dos produtos, encaminhou-se para a porta traseira do lado direito da sua viatura.
33. Nisto, o arguido AA abriu aquela porta e recebeu a espingarda que o arguido GG lhe entregou, empunhou-a e apontou-a na direção de DD, que se encontrava de costas voltadas e a menos de 3 metros de si.
34. Acto contínuo, o arguido AA efetuou dois disparos, em simultâneo, que atingiram DD a meio das costas e ombro direito, tendo este ficado prostrado no chão.
35. Em seguida, o arguido AA, empunhando a caçadeira perseguiu CC, que começou a fugir, circundando mais que uma vez as viaturas que ali se encontravam.
36. Como o arguido AA não deixava de o perseguir, CC correu em direção à zona da mata que rodeia o local onde se encontravam, ficando a descoberto.
37. Nesse momento, o arguido AA, continuando a apontar a espingarda na direção de CC premiu o gatilho, não tendo a arma disparado, porquanto se encontrava sem munição.
38. De seguida, o arguido AA recarregou a arma com dois cartuchos e foi no encalço de CC, que, entretanto, tinha desaparecido na zona da mata.
39. Como não conseguiu ver CC, o arguido AA voltou para trás, aproximou-se do seu carro e chamou o arguido GG, a quem passou a espingarda seguindo este na direção da mata, tentando encontrar CC.
40. Entretanto e porque o corpo de DD se encontrava caído num local visível da estrada, o arguido AA pegou-lhe pelos pés e arrastou-o para trás da sua viatura, juntando-se depois ao arguido GG para tentar encontrar CC.
41. Porém, e como aquele local não tinha luz, os arguidos decidiram ir buscar o carro de DD para seguir no encalço de CC, o que o arguido GG fez, passando a caçadeira ao arguido AA.
42. Já ao volante do veículo de DD, o arguido GG seguiu por um caminho de terra batida existente no local, iluminando a zona de mata, enquanto o arguido AA seguia à sua frente empunhando a caçadeira.
43. Todavia, não obstante os seus esforços os arguidos não lograram encontra CC porquanto o mesmo continuou a fugir, apenas parando já na A... a alguns quilómetros daquele local.
44. Assim, após percorrerem parte do caminho de terra batida, os arguidos inverteram a sua marcha, voltando ao parque de estacionamento.
45. Já naquele local, o arguido AA revistou o corpo de DD, retirando-lhe o telemóvel, e pegando nas chaves do seu veículo, abandonaram o local, no veículo do arguido AA, em direção à A....
46. Porém, alguns minutos após, os arguidos voltaram atrás com o intuito de ver se CC ali havia voltado.
47. Como não encontraram CC, os arguidos saíram do parque de estacionamento, tendo, alguns minutos depois, invertido a marcha para regressar àquele local, porquanto se lembraram de ter visto no chão um telemóvel que não tinham recolhido.
48. Ao aproximarem-se, novamente, do parque de estacionamento, os arguidos depararam-se com uma outra viatura automóvel que passava e, por isso, não pararam, continuando o seu trajeto até ....
49. Como sequência direta e necessária dos tiros desferidos pelo arguido AA, DD sofreu:
i. No hábito externo:
1) Tórax:
No terço inferior da face postero-lateral do hemotórax esquerdo denotavam-se múltiplas saliências, de consistência dura à alpação, de localização superficial, numa área que se apresentava equimótica (arroxeada), medindo doze centímetros de eixo maior por dez centímetros de eixo menor; nesta região apresenta também uma solução de continuidade, com extremidades angulosas e de bordos muito discretamente evertidos, medindo três milímetros de comprimento – orifício de saída de projétil de arma de fogo de cano longo. Nesta área era ainda evidente à palpação, enfisema subcutâneo alargado a grande parte da grelha costal esquerda.
No terço inferior da face posterior do tórax, ao nível da linha média, área escoriada, enegrecida, disposta longitudinalmente, medindo oito centímetros de diâmetro, não se identificando a este nível, infiltração sanguínea. Membro superior direito: solução de continuidade orificial, de bordos muito irregulares, embora globalmente ovalada, na face póstero-superior do ombro, medindo cinco centímetros e meio de eixo maior por quatro centímetros e meio de eixo menor; evidenciava bordos escoriados e discretamente invertidos – ferimento perfurante; perifericamente encontrava-se rodeada de pequenos orifícios satélite, de predomínio ao nível dos quadrantes anterior e póstero- inferior ocupando uma área de dispersão de aproximadamente onze centímetros de eixo maior por nove centímetros de eixo menor – orifício de entrada de disparo da arma de fogo projeteis múltiplos. Membro superior esquerdo: três escoriações apergaminhadas no dorso da mão, a maior medindo um centímetro e meio de eixo maior por um centímetro de eixo menor. Membro inferior direito: não foram encontrados sinais de lesões traumáticas.
ii. No hábito interno:
1- Cabeça: Edema moderado no encéfalo, traduzido por apagamento dos sulcos e de achatamento das circunvoluções cerebrais;
2- Tórax:
i. Nas paredes: perfuração dos músculos intercostais externos, intermédios e internos dos segmentos médios do 1º ao 3º espaços intercostais à direita e dos segmentos posteriores do 5º ao 10º espaços intercostais à esquerda, bem como dos músculos eretor da espinha, latíssimos dorsal e oblíquo externo esquerdos, encontrando-se nestes últimos, alojados múltiplos projeteis de arma de fogo de cano longo; todos os músculos acima mencionados se encontravam rodeados de infiltração sanguínea.
ii. Clavícula, Cartilagens e Costelas Direitas: fraturas pelos arcos médios da 1a, 2a e 3a costelas, com perda de substância óssea e muscular, rodeada de extensa infiltração sanguínea a qual se encontrava também presente ao nível dos segmentos médios do 4º espaço intercostal.
iii. Clavícula, Cartilagens e Costelas Esquerdas: fraturas pelos arcos posteriores 7º, 8º, 9º e 10º costelas, com alguma perda de substância óssea e muscular e rodeadas de infiltração sanguíneas; várias soluções de continuidade orificiais de aproximadamente 2-3 mm cada, ao nível dos segmentos posteriores do 5º, 6º, 7º, 7º, 9º e 10º espaços intercostais, correspondentes a orifícios de saída de projéteis múltiplos de disparo de arma de fogo.
iv. Aorta: seção completa da aorta torácica descendente, de bordos extremamente irregulares e com perda de substância e infiltração sanguínea; recuperada bucha plástica a este nível.
v. Pulmão direito e pleura visceral: solução de continuidade orificial de grandes dimensões na face costal superior do lobo superior, prolongando-se em trajeto pelo parênquima deste lobo, até à face costal postero-medial do mesmo lobo;
vi. Pulmão esquerdo e pleura visceral: trilobado; solução de continuidade orificial de grandes dimensões na face costal medial do lobo inferior, prolongando-se em trajeto pelo parênquima deste lobo, até à face costal posterior do mesmo lobo;
vii. Esófago: zona de infiltração sanguínea não muito exuberante, ao nível da adventícia do terço médio da parede anterior do esófago, onde se recuperaram 2 prójeteis;
viii. Diafragma: Três soluções de continuidade orificiais a nível da hemicúpula diafragmática esquerda, rodeadas de infiltração sanguínea;
3- Abdómen: Baço: três soluções de continuidade orificiais na face superior, rodeada de infiltração sanguínea discreta, prolongando-se em trajeto pela polpa, que se apresentava muito difluente ao corte; recuperação de três projéteis a este nível.
4- Coluna vertebral e medula: vértebras e estruturas articulares: fratura-arrancamento de metade anterior dos corpos vertebrais da 4ª, 5ª, 6ª e 7ª vertebras dorsais, rodeadas de extensa infiltração sanguínea, não se verificando atingimento meníngeo ou medular.
5- Membros: membro superior direito: fratura multiesquirolosa do terço superior do úmero direito e da escápula homolateral, rodeadas de infiltração sanguínea, que foram causa adequada e direta da sua morte.
50. Em consequência da fuga motivada pela conduta dos arguidos, CC teve necessidade de ser assistido no Hospital ... 1 em ... e sofreu:
i) No abdómen: várias escoriações com crosta sanguínea na metade esquerda da região abdominal, longitudinais e paralelas entre si com algumas entrecruzadas, oblíquas inferolateralmente, medindo a maior 17cm de comprimento e a menor 7cm de comprimento e ocupando uma área com 20cm x 16cm;
ii) No membro superior direito: equimose arroxeada no terço médio da face anterior do braço, medindo 1cm de diâmetro e lateralmente a esta, escoriação com crosta sanguínea medindo 3cm de comprimento; escoriação transversal com crosta sanguínea na face anterior do punho, medindo 4cm de comprimento; vestígio cicatricial rosado com restos de crosta e zonas de pigmentação cutânea enegrecida (tatuagem e alcatrão) na região tenar da mão, medindo 5cm x 4cm; escoriação com crosta sanguínea na face palmar da falange distal do primeiro dedo, medindo 1 cm de comprimento; escoriação com crosta sanguínea no bordo medial da falange média do 3º dedo medindo 3cm de comprimento; 2 escoriações com crosta sanguínea no bordo medial da falange média do 4º dedo, medindo 2cm de comprimento e 1,5cm x 1cm; escoriação com crosta sanguínea no bordo lateral da falange média do 5º dedo, medindo 0,7cm de diâmetro; sem limitação das mobilidades articulares;
iii) No membro superior esquerdo: escoriação com crosta sanguínea no terço médio da face lateral do braço, medindo 3,5cm de comprimento; várias escoriações com crosta sanguínea dispersas pela face posterior do cotovelo e antebraço, a maior no terço superior deste último com 2,5cm de comprimento e a menor no seu terço médio com 0,3cm de comprimento; área escoriada na face palmar da mão, medindo 2,5cm x 2cm; várias escoriações com crosta sanguínea na face dorsal da mão e do 2º dedo, a maior no 1º espaço interdigital medindo 4,Scm de comprimento e a menor na falange proximal do 2º dedo com 0,5cm de comprimento;
iv) No membro inferior direito: 2 escoriações com crostasanguínea no terço superior da face anterior da coxa, medindo 3cm de comprimento e 0,3cm de comprimento; várias escoriações com crosta sanguínea na face anterior do joelho, a maior com 3cm de comprimento e a menor punctiforme, com limitação dolorosa das mobilidades; varias escoriações com crosta sanguínea dispersas por toda a face anterior da perna, a maior oblíqua inferolateralmente, no terço médio e inferior e medindo 7cm x 0,2cm e a menor no terço superior com 1,5cm de comprimento;
v) No membro inferior esquerdo: várias escoriações com crosta sanguínea na face anterior do terço médio e distal da coxa, a maior no terço médio com 2cm de comprimento e a menor punctiforme; área escoriada na face anterior do joelho medindo 5cm de diâmetro, sem limitação funcional; múltiplas escoriações milimétricas com crosta sanguínea dispersas por toda a face anterior da perna, localizando-se no seu terço distal área escoriada medindo 7cm x 6cm;
51. As supra referidas lesões causaram direta e necessariamente a CC 8 (oito) dias de afetação para o trabalho geral e atividades escolares do qual resultou vestígio cicatricial da mão direita que não o desfigura de forma grave.
52. A arma utilizada pelos arguidos é uma caçadeira de tiro a tiro, de marca Bettinsoli, calibre 12 e nº de série ...09, propriedade de HH.
53. Os arguidos AA e GG não têm licença de uso e posse de arma.
54. O arguido GG não tem licença que o habilite a conduzir veículos motorizados.
55. O arguido AA conhecia a natureza do estupefaciente das plantas que vendeu e cultivou, como sabia que a sua posse, aquisição, transporte, venda, cultivo, distribuição ou cedência a terceiros é proibida e punível por lei.
56. O arguido AA agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito, concretizado, de cultivar e deter produto estupefaciente, vendendo-o aos ofendidos, com intenção de obter lucro, não obstante conhecer a sua natureza e características.
57. O arguido AA ao atuar da forma descrita, agiu livre, deliberada e conscientemente, de acordo com um plano previamente delineado com EE e FF, pretendendo fazer sua a quantia referida, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que atuava sem autorização e contra a vontade dos respetivos proprietários, o que quis e conseguiu.
58. Para o efeito, o arguido AA não hesitou em ameaçar DD e CC, do modo já descrito, a quem foram apontadas a arma e a navalha já mencionadas, fazendo-os crer que poderiam ser atingidos com as mesmas, causando-lhes receio pela sua integridade física e pela própria vida, de modo a impossibilitar qualquer capacidade de resistência e de reação por parte dos mesmos, sabendo que só assim determinaria aqueles – como determinou – a deixá-lo apropriar-se dos referidos 9.000€.
59. O arguido AA sabia que as armas usadas eram adequadas a ser utilizadas como instrumento de agressão, podendo ser utilizadas para molestar fisicamente ou mesmo provocar a morte de outrem.
60. Sabia, ainda, o arguido AA que, ao serem utilizadas tais armas, da forma descrita, provocaria nos ofendidos sério receio pela sua integridade física e pela própria vida, impossibilitando-os de qualquer capacidade de resistência, o que quis e conseguiu.
61. Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, gizando AA um plano para matar CC e DD e aderindo GG àquele plano, agindo em comunhão de esforços para atingir tal objetivo.
62. Agiram ainda os arguidos pretendendo encobrir o crime praticado por AA, persistindo a sua intenção de matar CC e DD desde o dia 23-09-2016 até às cerca de 00h e 30 min do dia 25-09-2016, em que a concretizaram.
63. Para concretizarem aquele plano os arguidos muniram-se da arma de fogo referida e dos respetivos cartuchos, cujas características conheciam, bem sabendo que tal arma, municiada, era adequada a causar a morte, não tendo licença para a sua detenção e utilização.
64. Prosseguindo de acordo com o plano gizado e com as funções que a cada um foram distribuídas, ao verificarem os arguidos que o DD se encontrava de costas para os veículos automóveis, a uma distância de cerca de 3 metros, o arguido GG que se encontrava escondido para esse efeito, passou a espingarda ao arguido AA, para este, nesse momento efetuar o disparo, que efetuou, bem sabendo ambos, que naquelas condições iria determinar, como determinou, a morte daquele.
65. Ainda de acordo com o plano que haviam gizado, o arguido AA premiu o gatilho da caçadeira, apontando a arma na direção de CC com o propósito de o matar, apenas não o logrando fazer porquanto, em vez de um, tinha disparado dois tiros sobre DD, pelo que a arma não estava municiada, naquele momento.
66. Seguidamente, o ofendido CC fugiu do local enquanto o arguido AA voltou a carregar a arma em causa, não tendo voltado a ser visto pelos arguidos, não obstante estes terem tentado localizá-lo com a intenção de pôr fim à sua vida.
67. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, ao deter e utilizar a mencionada arma, cujas características conheciam, bem sabendo que não tinham autorização para a deter e utilizar, o que fizeram.
68. O arguido GG atuou de forma livre, deliberada e consciente, ao conduzir o veículo automóvel, bem sabendo que não ser titular de licença que o habilite a conduzir veículos motorizados.
69. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei”.
2. No âmbito do processo comum comum colectivo nº 472/15.9..., que correu termo no juizo local criminal de ..., por sentença proferida em 02/05/2022, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, nº 1, al. a, e nº 2, al. e), do Cód. Penal, na pena de 3 anos de prisão; os factos subjacentes foram praticados em 13/11/2015, e a decisão transitou em julgado 02/06/2022.
A condenação baseou-se nos seguintes factos:
“2.1.1. Entre as 23:00 horas do dia 13 de Novembro de 2015 e as 09:30 horas do dia seguinte, o arguido AA, acompanhado de outro(s) individuo(s) cuja identidade se desconhece, em execução de plano previamente delineado, fazendo-se transportar no veículo automóvel pertencente a este co-arguido, dirigiram-se ao armazém da S...Lda, sito na Rua ..., em ...;
2.1.2. Aí chegados, o arguido AA ficou no veículo a vigiar, enquanto outro individuo cuja identidade se desconhece entrou no interior da Rádio, mediante utilização de chaves que tinha na sua posse, e que se haviam extraviado, revistou o respectivo interior e retirou os seguintes objectos, que colocou no veículo do co-arguido AA:
a. Duas mesas de mistura, da marca Mackie;
b. Uma coluna IPST5W Power Dynamic;
c. Quatro colunas da marca Fonestar;
d. Duas colunas de cor preta;
e. Um gerador da marca Red Star;
f. Uma lanterna de leds;
g. Um conversor de energia;
h. Um microfone sem fios, com adaptador e receptor, da marca Fame;
i. Um cabo áudio da marca Klotz;
j. Uma caixa da marca Behringher;
k. Cinco gravadores da marca Olympus;
l. Um gravador talk to talk;
m. Cinco adaptadores mini disk da marca Sony;
n. Um adaptador para directos, de cor preta;
o. Uma mesa de misturas da marca Yamaha, modelo MG 16.
p. Uma máquina fotográfica da marca Fujifilm;
q. Um gravador da marca Tascam;
r. Um par de auscultadores wireless;
s. Tudo no valor global total de 7.000,00 Euros;
2.1.3. Imediatamente a seguir, o arguido AA e o(s) outro(s) individuo(s) cuja identidade se desconhece abandonaram o local, levando consigo os objectos supra descritos, fazendo-os seus, apesar de saberem que para tal não estavam autorizados e que o faziam contra a vontade do legal representante do estabelecimento, e em prejuízo deste;
2.1.4. No dia 14 de Novembro de 2015, o arguido II dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado Cash Converters, sito em Calle Prin, 1, em Badajoz, e vendeu duas mesas de mistura, ambas da marca Mackie;
2.1.5. No dia 16 de Novembro de 2015, o arguido II dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado Cash Converters, sito em Calle Prin, 1, em Badajoz, e vendeu um gravador da marca Tascam;
2.1.6. No dia 18 de Novembro de 2015, JJ reconheceu os objectos supra descritos no estabelecimento comercial denominado Cash Converters, sito em Calle Prin, 1, em Badajoz, tendo os mesmos sido apreendidos pelo Cuerpo Nacional de Policia;
2.1.7. No dia 18 de Novembro de 2015, pelas 01:00 horas, o arguido AA tinha na sua posse, dentro do seu veículo automóvel, no interior da garagem, os seguintes objectos:
a. Um gerador da marca Red Star, GE 1500;
b. Quatro colunas de som, da marca Fonestar, Prisma 50 BTW;
c. Uma coluna de som da marca Power Dynamics, PD-ISPT 5;
d. Duas colunas de som com estrutura em MDF;
e. Uma lanterna de leds;
f. Um conversor de energia;
g. Um microfone sem fios, com adaptador e receptor, da marca Fame, HT-405;
h. Um cabo áudio da marca Klotz;
i. Uma caixa para material electrónico da marca Behringer;
j. Cinco gravadores da marca Olympus;
k. Um talk to talk;
l. Cinco adaptadores mini disc da marca Sony;
m. Um adaptador de directos;
n. Uma mesa de misturas da marca Yamaha, modelo MG 16;
2.1.8. O arguido AA e o(s) outro(s) individuo(s) cuja identidade se desconhece previram e quiseram entrar no estabelecimento comercial supra referido, com o intuito concretizado de fazer seus os bens que ali encontrassem, e que tivessem por convenientes para seu proveito, bem sabendo que tais bens não lhes pertenciam e que estavam a agir contra a vontade, e sem autorização dos seus proprietários e legais representantes, e em prejuízo destes;
2.1.9. Ao agir do modo supra descrito, o arguido AA e o(s) outro(s) individuo(s) cuja identidade se desconhece previram e quiseram utilizar chaves do armazém, que não lhes pertenciam, bem sabendo que o mesmo se encontrava fechado com o fim de impedir qualquer entrada ou acesso ao respectivo interior, sem o conhecimento e contra a vontade dos seus legítimos donos ou representantes legais;
2.1.10. O arguido AA e o(s) outro(s) individuo(s) cuja identidade se desconhece agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;
3. - No âmbito do processo referido em 2, por decisão proferida em 01/09/2023, foi declarado perdoado um ano de prisão e, em consequência, extinta a parte da pena perdoada, sob a condição resolutiva a que alude o art. 8º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023
*
4. AA encontra-se no EP de ..., em cumprimento de pena efetiva de prisão, com inicio em 29-09-2016.
5. Tem um registo comportamental global positivo, revelando facilidade de adaptação ao contexto institucional, uma vez que regista apenas uma infração por posse de telemóvel em 2018, mantendo ocupação laboral regular como eletricista e tendo terminado o 12º ano de escolaridade.
6. Permanece em regime celular normal, sem ter usufruído, até ao momento, de
medidas de flexibilização da pena, não havendo informação sobre eventuais recaídas no consumo de drogas em meio prisional.
7. Os factos subjacentes aos autos em concurso para cúmulo, contextualizam-se temporalmente entre 2015 e 2016, sendo que à data da sua detenção, permanecia a viver ..., junto da mãe – KK (50 anos) e irmã – LL (16 anos).
8. Mantinha-se ativo e a trabalhar na empresa ..., onde lhe eram reconhecidas capacidades de trabalho, contribuindo nas despesas do agregado.
9. No meio de residência habitual, era visto como “um jovem que andava metido em problemas”, mas nunca evidenciou atitudes desrespeitosas para com a vizinhança e população em geral.
10. Em termos de rotinas e ocupação de tempos livres, foi referido o interesse pelo melhoramento e afinação de carros e motas, atividade vulgarmente conhecida por “Tunning”.
11. Quando lhe for concedida a liberdade, pretende reintegrar o agregado da mãe e irmã de 16 anos, com quem mantém contactos regulares, constituindo estas as suas principais referências ao nível familiar, ainda que tenha mais família a residir em ..., nomeadamente avós e tios, sendo o pai já falecido.
12. Se a oportunidade se lhe apresentar, AA pretende ficar a viver e a trabalhar na zona do litoral alentejano, por considerar que o afastamento do meio de convivência habitual anterior, será a melhor estratégia para reiniciar a sua nova vida em meio livre.
13. A família reside em casa propriedade da mãe, de construção antiga, mas que foi recuperada e reúne boas condições de habitabilidade e de tipologia T3, em zona tranquila, sem conotações sociais negativas.
14. Apesar do previsível regresso à morada anterior, não são igualmente de esperar reações negativas à sua presença, sendo que os crimes cometidos ocorreram fora da localidade de ..., não residindo os familiares das vítimas próximo, não havendo, do mesmo modo, possibilidade imediata de associação a pares pró-criminais, face ao tempo de afastamento já decorrido.
15. No seu processo interativo com a família de origem, o arguido parece ter estado sujeito a um ambiente que lhe proporcionou um desenvolvimento normativo, vindo a completar o 9ºano de escolaridade e o curso profissional de eletrónica e eletricidade, num registo regular ao nível da interação escolar.
16. Seguiu-se um estágio profissional e em 2011, passou a exercer atividade de operador de moinho industrial de café na empresa ..., onde a mãe já trabalhava.
17. Sem perspetivas concretas de colocação laboral no presente, face também à dimensão da pena que cumpre, mostra forte motivação em conseguir novas qualificações enquanto técnico de eletricidade, sobretudo na área dos painéis solares, pelo que pretende frequentar formação profissional dirigido a esse setor, logo que essa possibilidade lhe seja permitida.
18. A mãe tem o seu próprio negócio de massagens e estética, auferindo um rendimento mensal que se situa os 700€ e 800€, constituindo esta a sua fonte de subsistência e da sua filha que é estudante.
19. O agregado vive num registo de contenção de despesas face aos gastos mensais, das quais se destacam os gastos com água, luz, gás e comunicações, no montante aproximado de 180€ mensais e ainda o pagamento de um empréstimo bancário para pagamento das obras efetuadas na habitação, no montante mensal de 300€.
20. Beneficiando o agregado do auxílio dos avós do arguido, a situação financeira é descrita como suficiente para garantir o auxílio a AA, até este conseguir reorganizar-se ao nível laboral.
21. Este mostra estar consciente da situação de vida económica do agregado, manifestando intenção em dar o seu contributo ao nível da economia familiar, logo que inicie atividade laboral.
22. O seu quotidiano era centrado na companhia do grupo de pares, mantendo, paralelamente, um modo de vida desregrado, com registo de consumo regular de haxixe.
23. Não obstante, AA não aceita a sua dependência, nem atribuiu uma relação única do cometimento de crimes com as necessidades aditivas.
24. Encontra-se abstinente há largo tempo, num processo aparente de consolidação da sua recuperação, não se antevendo, de momento, a necessidade de acompanhamento médico/terapêutico especializado.
25. O arguido considera que a sua prisão permitiu a interrupção de um ciclo negativo e promoveu uma mudança no seu anterior modo de vida, mostrando-se empenhado na mudança e construção do seu projeto de reinserção social.
26. Observa-se preocupação da família no apoio ao arguido, mantendo o seu apoio e contactos muito assíduos com o mesmo.
27. AA reconhece a negatividade dos vários factos em que foi condenado e aceita a oportunidade da intervenção do sistema de justiça e tende a justificar a sua atividade criminal como resultado da influência do grupo de pares com quem mantinha convivência habitual.
28. Ao nível das características e competências pessoais e tendo em conta o seu historial de vida e criminal, apresenta-se como um indivíduo educado, humilde e assertivo, com facilidade comunicacional, bem como com total disponibilidade para colaborar com os diversos intervenientes judiciais.
29. Considera ter hoje uma situação e perspetiva de vida completamente distinta daquela que viveu à data da prática dos crimes, considerando ainda o forte impacto e efeito dissuasor que teve sobre si, o momento privação da liberdade a que está presentemente sujeito.
30. A prisão tem sido vivida com pesar, nomeadamente perante a família de origem, percebendo que o atual momento constituiu um retrocesso ao nível da construção dos seus projetos de vida, atendendo ànidade bastante jovem no momento em que foi preso.
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Não resultaram quaisquer factos não provados.
*
A factualidade supra referida, resulta do teor do CRC e das decisões respectivas juntas aos autos, bem como do relatório social realizado.”
+
O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12).
São as seguintes as questões suscitadas:
- Omissão de pronúncia
- aplicação do perdão da Lei nº 38-A/2023.
- excessividade da pena única
+
Conhecendo:
Avança o arguido que na efetivação do cumulo jurídico entre as penas aplicadas no processo, o tribunal não teve em conta o perdão da lei da amnistia da JMJ (Lei nº 38-A/2023) que até já lhe fora aplicada em ambos os processos em cúmulo, pelo que “deverão ser descontados 2 (dois) anos de prisão – 1 (um) por força do perdão de 1 ano já operado no processo nº 470/16.5..., outro por força do perdão de 1 (um) ano já operado no processo nº 472/15.9....”
A omissão de pronuncia constitui um vício da sentença /acórdão, que o torna nulo (artºs 379º1 c) CPP), e ocorre “ Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” pelo que apenas se verifica quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões de facto ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais no recurso ou que deve conhecer oficiosamente impostas pela lei, sendo que as questões sujeitas a pronúncia, são os problemas concretos a decidir e não os argumentos, opiniões ou doutrinas que o recorrente aponte em suporte da sua pretensão1.
Vejamos então se o tribunal recorrido omitiu tal apreciação
Ora ali se escreve: “À pena aplicada no proc. nº 472/15.9... foi declarado perdoado um ano da pena de prisão, perdão esse sujeito à condição resolutiva prevista no art. 8º, nº 1, da Lei nº 38-A/2023.
Todavia, havendo concurso superveniente de crimes, a pena única deverá ser encontrada tomando em consideração as penas originalmente aplicadas, devendo o eventual perdão incidir sobre a pena única. Esta é, salvo melhor opinião, a única interpretação adequada em vista do disposto no art. 3º, nº 4, do referido diploma legal, de acordo com o qual, em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.
Tendo em consideração a pena única encontrada, superior a 8 anos de prisão, nos termos do nº 1 do art. 3º não é a pena em causa suscetível de ser perdoada e resulta sem efeito o perdão anteriormente efetuado.” e em abono desta posição assume para si o decidido pelo ac. R. G. nº 23/01/2023, proc. 438/07.2PBVCT-AE.G1 em cujo sumário se lê: “III - Ainda que uma pena parcelar seja objecto de perdão, caso a mesma venha, posteriormente, a integrar um cúmulo jurídico de conhecimento superveniente, tal perdão deixará de ser aplicável, se a pena única que vier a ser aplicada for superior a 8 anos.”
Por aqui se vê que o tribunal recorrido se pronunciou sobre aplicação ou aplicabilidade ou não, da lei da amnistia pelo que não ocorre a omissão de pronúncia, aceitando a doutrina a sua inaplicabilidade em face da pena única ser superior a 8 anos. O facto de apenas se referir ao perdão no proc. 472/15, é neste contexto irrelevante, porquanto para além de ser o único processo mencionado nos factos provados que tinha sido aplicado o perdão da lei de amnistia, desconhece-se se o colectivo tinha ou não conhecimento da aplicação do perdão no proc. 470/16, como alega o recorrente que ocorreu (caso em que não haveria o dever de se pronunciar), sendo certo que a razão de decidir seria a mesma e já invocada quer estivesse em causa um ou ambos os processos.
Improcede assim esta questão, no que à omissão de pronuncia respeita.
Aplicando ou não a lei de amnistia / perdão, pretende o arguido recorrente o mesmo efeito: cumprir menos pena, e para tanto alega que a pena única é excessiva e deve ser fixada em 19 anos e 6 meses (ou seja menos 2 anos do que a pena que lhe foi condenado), sumariando as razões porque assim entende “…se por um lado é inequívoco que os ilícitos em causa nos autos supra identificados são dotados de gravidade, não se pode olvidar que à data da prática dos factos o arguido era um jovem, ainda sem experiência de vida, que dava os primeiros passos no mercado laboral, que convivia com grupos de pares que o terão influenciado na tomada de decisões menos corretas, e bem assim, há que atentar no teor do relatório social do relatório social elaborado pela DGRSP, que dá nota do percurso prisional do arguido, que se encontra privado da liberdade há 8 (oito) anos e 3 (três) meses, ininterruptamente, tendo um comportamento bastante assertivo em meio prisional, mantendo ocupação laboral como eletricista, sendo-lhe reconhecidas capacidades de trabalho, contribuindo para as despesas do seu agregado familiar, já tendo completado o 12º ano de escolaridade, mostra-se focado na construção do seu projeto de reinserção social, e não menos importante, tem vindo a adquirir, de modo crescente capacidade de auto crítica e descentração, revelando-se capaz de reconhecer a gravidade dos seus comportamentos, bem como as consequências dos mesmos; o que permite fazer um juízo de prognose favorável acerca da sua pessoa.”
Estando em causa um cúmulo jurídico superveniente, e sendo a pena única fixada partindo das penas parcelares (sem ter em conta anterior cúmulo jurídico se houver sido feito), resulta evidente que o anterior cúmulo e pena única se desfaz em ordem a encontrar em face da totalidade dos factos / crimes, a pena única que lhe seria aplicável se todos estes crimes tivessem sido apreciados conjuntamente.
O tribunal recorrido ponderou na sua decisão ”… os factos em causa nas decisões referidas são todos anteriores à data do trânsito da primeira das decisões transitadas em julgado, há que proceder ao cumulo jurídico das penas referidas nos pontos 1 a 4 dos factos provados.
A pena aplicável ao cúmulo jurídico, e relativamente ao arguido, tem como limite máximo o previsto no art. 41º, nº 2, do Cód, Penal, 25 anos, uma vez que a soma das penas concretamente aplicadas é superior e como limite mínimo a mais elevada concretamente aplicada – dezoito anos de prisão.
Nos termos do artº 71º do Cód. Penal na determinação das penas únicas há a considerar toda a matéria factual constante nas decisões em causa, que aqui se dão por reproduzida e, em especial as condições de vida do arguido.
Dos factos subjacentes às decisões e como nelas já foi escrito, resulta a especial gravidade dos ilícito em causa.
O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, cuja intensidade se revela igualmente elevada, tendo em consideração a reiteração dos propósitos.
Os fins que determinaram também o arguido a cometer os crimes, que necessariamente foram a obtenção de uma vantagem económica.
Há, ainda, que ponderar as exigências de prevenção, sendo elevadas as de prevenção geral, face à gravidade intrínseca do crime de homicídio em causa.
Sem prejuízo, do relatório social resulta que, no cumprimento da pena o mesmo tem-se empenhado em adquirir novas competências, tendo completado o 12º ano de escolaridade e frequentado formação profissional.
Além do mais, mostra ter interiorizado o desvalor da sua conduta e mantém suporte familiar.
Tudo ponderado entende-se por adequado a pena única de 21 anos e 6 meses de prisão.”
Tendo em conta os factos provados, e só estes que podem ser valorados, cremos que não tem razão o recorrente, na medida em que nem todos os elencados factos são provados, pois o que fazia antes de detido hoje não faz, como seja contribuir para as despesas da família, e nem era um jovem sem experiencia de vida pois tinha uma actividade laboral certa, que se deixou levar pelo consumo de droga e os proventos de que poderia auferir nessa actividade, onde ingressou pelo modo mais errado.
Por isso há que averiguar se a pena única em que foi condenado é ou não excessiva, ofendendo as regras sobre a sua determinação, regras essas que fixam os seus limites, e os critérios a observar para encontrar a medida justa, como decorre do artºs 77º 1 e 2 CP ao estabelecer “1…Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”
Quanto aos limites, ela deve ser encontrada entre os 18 anos (homicídio) e os 25 anos (mas tendo presente que a soma das penas é de 27 anos e 8 meses) que constitui a moldura do concurso, para o que não relevam a pena única em que foi condenado anteriormente (cujo cúmulo é desfeito para integrar a nova pena) sob pena de violação do principio da legalidade expresso no artº 77º2 CP.
No que respeita aos critérios da sua determinação, traduzidos na apreciação, em conjunto dos factos e da personalidade do arguido (critério especial) há a considerar que a pena única é fruto “das exigências gerais de culpa e de prevenção”2 a coberto do artº 40º CP, e que se exige uma apreciação dos factos, na sua globalidade, e da personalidade do arguido neles revelada artº 77º1 CP), e como se expressa F. Dias “ tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global…“3, - o que é interpretado pelo STJ no ac. 18/6/2014 www.dgsi.pt/jstj4 como “A explanação dos fundamentos que, à luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os factos que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade.”- e também no ac. STJ de 03/04/2013 www.dgsi.pt5, onde se defende que “…importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos e da motivação que lhes subjaz, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele” - e na “avaliação da personalidade – unitária- do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutivel a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade … “6, - sendo que esta (pluriocasionalidade) como se escreve no texto do Ac STJ 12/9/2007 www.dgsi.pt/7 “verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime.
A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes”.
Como em qualquer pena a justa medida, limitada no seu máximo pela culpa,- suporte axiológico de toda a pena - da pena única, há-de ser encontrada, tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos e de reintegração social (ressocialização) – artº 40º CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global 8 a apreciar no momento da decisão.
Assim em termos de prevenção geral há a ponderar a natureza dos crimes, sendo o homicídio e o roubo violentos e numa violência (aquele) desmedida, querida e preparada em que apenas não ocorreu um outro por acto completamente alheio à vontade em execução, o trafico de droga e o furto, tudo conexionado e interligado ao seu modo de vida de consumo e tráfico de droga e de obtenção fácil de vantagens financeiras todos eles de grande abrangência e relevo social causadores de sentimento de insegurança, tendo em conta o modo de atuação, incluindo a arma de fogo e a emboscada quer no tráfico de droga quer no homicídio, como manifestação de uma personalidade desajustada, a exigir uma maior atenção preventiva e reafirmação enérgica da validade das normas jurídicas violadas.
Nessa medida mas tendo também em conta que pondera a sua evolução positiva em reclusão, esperemos que não num excesso de confiança num efeito benéfico e ressocializador da pena no comportamento futuro do arguido seguindo Figueiredo Dias ao considerar que “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”9, pois o quantum exacto da pena deverá ser determinado também em função das exigências de prevenção especial, afigura-se-nos que tendo em conta a moldura do concurso, e apreciando os factos na sua globalidade e a personalidade violenta do arguido neles revelada e as penas parcelares aplicadas, as exigências de prevenção quer geral quer especial, a elevada ilicitude dos factos e a culpa do arguido, e a sua capacidade de observar as regras sociais, não se vê como necessária a intervenção corretiva deste Supremo Tribunal no sentido de reduzir a pena única em que foi condenado o arguido, a qual se mostra justa por necessária, adequada e proporcional, e por isso se mantém.
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Pretende o arguido a aplicação do perdão da lei de amnistia Lei nº 38º-A/2023, de 2/8 que já teria sido aplicada em cada um dos processos em cúmulo (com o perdão de um ano de prisão em cada), pelo que importa saber se o perdão que lhe foi concedido é de manter em face da nova decisão que procedeu ao cúmulo jurídico das penas.
Para tal há que ponderar que o artº 3º nº4 da Lei 38 A/23 dispõe que “ Em caso de condenação em cumulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única” e, como a lei não distingue, comporta tanto o concurso normal de crimes como o concurso resultante do conhecimento superveniente (artºs 77º e 78º CP).
Em face da exclusão do perdão e da amnistia relativa aos condenados pelos crimes que são enumerados no artº7º da Lei, resulta que o crime de tráfico de menor gravidade do artº 25º Lei 15/93 e o crime de furto, por tais excepções não abrangidos, beneficiam do perdão da Lei nº 38 A/23, o que em face do disposto no artº 7º nº3 da mesma Lei com o seguinte teor “ A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos” parece ser reafirmado, pelo que em tese tal devia acontecer.
Todavia como ambos os crimes beneficiavam, porque julgados autonomamente, de 1 ano de perdão cada um (artº 3º 1 da Lei ) por força do cúmulo jurídico (a que estariam sujeitos se tivessem sido julgados autonomamente) o arguido condenado beneficiaria apenas de um ano na pena de prisão conforme dispõe a norma citada.
Mas ocorre que, por virtude do cúmulo jurídico (emergente do conhecimento superveniente do concurso) que englobou todas condenações supra referenciadas, tendo em conta o que estatui o nº1 do artº 3º citado, resulta que o arguido não beneficia de qualquer perdão de pena. Na verdade nos termos do artº 3º1 da Lei 38 A/2024 apenas é perdoado 1 ano de prisão, se o condenado não o for em pena superior a 8 anos de prisão, pois esse perdão apenas é concedido “ a todas as penas de prisão até 8 anos” e incidindo o perdão sobre a pena única e sendo esta superior a 8 anos de prisão, o condenado não beneficia de qualquer perdão. Assim o nº 3 do artº 7º que permite a aplicação do perdão a outros crimes cometidos e não excluídos do perdão por aquela norma pressupõe que o arguido tenha sido condenado em pena até 8 anos de prisão, sendo-o em pena superior funciona a exclusão do artº 3º1 citado.
Na verdade, convirá desde logo esclarecer que as decisões relativas à pena antes do conhecimento do concurso superveniente estão sujeitos à tangibilidade do caso julgado “rebus sic standibus”10 ou seja, enquanto as mesmas condições se mantivessem o que não ocorreu. Integrando os ilícitos em causa, a aplicação do perdão, consignado na lei posterior à prática dos factos, e impondo-se a sua integração no cúmulo jurídico superveniente, que manda aplicar o perdão à pena única, há que reponderar também a aplicação do perdão em face da mesma lei11 até porque como se refere no ac. STJ 11/7/2024 12“II. O legislador, na determinação da pena aplicável, no concurso de crimes, não atende à aplicação de perdões, mas antes aos limites máximos e mínimos das molduras das penas dos crimes em concurso, como estabelece o art. 77.º, n.º 2, do CP.”
Por outro lado, convirá ter presente que as leis de amnistia e perdão, como actos de graça ou clemência, e de interferência do poder legislativo no poder judicial, são normas de excepção que devem/têm de ser interpretadas literalmente, mas harmonizando as respetivas normas buscando o seu sentido.13
A situação do arguido, pela idade e pelos factos enquadra-se no estabelecido na Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, (em vigor desde 01/09/2023) que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude abrangendo as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º (artº 2º1), ou seja, o perdão de penas (artº 3.º) o qual extingue a pena, em todo ou em parte e a amnistia (art. 4.º) de infrações que extingue o procedimento criminal ou faz cessar a execução da pena conforme artº 128.º, n.ºs 1 e 3 CP.
Mas nem todos os crimes e penas beneficiam desse perdão e da amnistia e entre eles no artº 7º nº1 a) i), é excluído o homicídio, mas não o são o tráfico de droga do artº 25º da Lei 15/93 nem o crime de furto, pelo que estes beneficiariam do perdão, face ao disposto no artº 7º 3 da mesma lei que dispõe: “A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.”
Só que a mesma Lei n.º 38-A/2023, cria uma limitação na aplicação do perdão no artº 3º1 - (e não está, nos autos, em causa qualquer situação de amnistia) ao dispor que “ Sem prejuízo do disposto no artigo 4º [caso de amnistia, que não está em causa] é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos “ acrescentando no nº4 do mesmo artº onde incide esse perdão “Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.”
Assim todas as penas de prisão sejam elas individuais ou únicas (estas resultantes de cúmulos jurídicos) são perdoadas um ano de prisão salvo se superiores a 8 anos de prisão, e estando em causa um cúmulo jurídico e logo uma pena única esse perdão incidiria sobre essa pena se não fosse superior a 8 anos de prisão, tudo de acordo com o artº 3º 1 e 4º da Lei 38 A/ 2023.
E assim sendo o arguido não beneficia do perdão, não porque os crimes de furto e trafico de droga fossem excluídos do perdão mas porque a pena única a que o arguido foi condenado é superior a 8 anos de prisão.
E é-o porque foi intenção e opção legislativa, que a lei abrangesse apenas as situações de menor gravidade e excluísse as de maior gravidade, estabelecendo esse limite nos 8 anos de prisão, medida a partir da qual qualquer pena de prisão (individual ou única) não beneficiaria do perdão,14 sendo que como medida de clemência o legislador é livre de conformar o seu desejo e determinar os seus beneficiários, posto que com justificação bastante para evitar situações de arbitrariedade e com submissão às normas constitucionais nomeadamente da igualdade e proporcionalidade. E no caso mostra-se aplicável às pessoas penalmente imputáveis até aos 30 anos15 em face do evento comemorativo da JMJ a tais jovens dirigido, quer para os ilícitos e as penas, evitando os crimes graves e as penas mais elevadas, estabelecendo o seu limite nos 8 anos de prisão, estando na mente do legislador, como se escreve no ac. STJ de 31/10/2024 (Cons.Vasques Osório)16 por referência ao parecer, “o propósito, não arbitrário, mas eticamente justificado, de excluir do perdão actividades criminosas que justifiquem a aplicação de pena de prisão superior a oito anos, mesmo que em cúmulo jurídico”, a que acrescenta que “O exercício do direito de graça através de um perdão de penas e de uma amnistia de infracções constitui um acto de soberania do Estado de Direito, naturalmente sujeito aos princípios fundamentais da CRP, designadamente, ao princípio da igualdade e da proporcionalidade, não afectando a fixação na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, de um limite máximo da pena de prisão a que é aplicável o respectivo perdão, e a prevista equiparação, para este efeito, da pena parcelar à pena única resultante de cúmulo jurídico, qualquer princípio constitucional, nomeadamente, os referidos, sendo, aliás, longa a tradição legislativa nesta questão” sendo nos trabalhos preparatórios apresentada a seguinte justificação “Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina.
Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação. (…)»17.
Donde a aplicação e harmonização entre o artº 3º nºs 1 e 4 e o artº 7º 3 da Lei 38 A/ 2023 exige que a pena única aplicada o seja até 8 anos de prisão para beneficiar de um ano de perdão, pois sendo superior é excluído qualquer perdão, e esta opção legislativa mostra-se justificada e por isso não padece de inconstitucionalidade.
Na ausência de outras questões improcede o recurso
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Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça decide:
- julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, e em consequência mantém o acórdão recorrido.
Condena o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 6 Ucs e nas demais custas
Registe e notifique.
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Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 2/4/2025
José A. Vaz Carreto (Relator)
Horácio Correia Pinto
Jorge Raposo
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1. Cfr por todos Ac. STJ de 5/5/2021, Proc. nº 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1, in em www.dgsi.pt com o seguinte sumário “I - A sentença ou acórdão devem ser esgotantes e autossuficientes, no sentido de conhecer da totalidade das pretensões e de conter todos os elementos indispensáveis à compreensão do juízo decisório. II - Omissão de pronúncia significa ausência de conhecimento ou de decisão do tribunal sobre matérias que a lei impõe que o juiz resolva. III - Ocorre quando o tribunal deixa de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos e não argumentos mais ou menos hipotéticos, opinativos ou doutrinários.
2. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pág. 291,
4. Proc. 585/09.6TDLSB.S1 Conselheiro Santos Cabral
5. Proc. 789/11.1TACBR.C1.S1 Cons. Oliveira Mendes
6. Figueiredo Dias, ob. loc. cit.
7. Ac. STJ de 2007-09-12 (Proc. nº 07P2601) Cons. Raul Borges
8. Ac. STJ de 16/05/2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1 (Cons. Nuno Gonçalves), in www.dgsi.pt ;
9. As consequências, ob. loc. Cit.… , págs. 291 e 292)
10. Ac. STJ de 28-11-2012: “I. O caso julgado relativo à formação do cúmulo jurídico entre as penas de um processo vale rebus sic standibus, ou seja, se as circunstâncias se alterarem por, afinal, do concurso fazer parte outro crime e outra pena, o caso julgado fica sem efeito e as penas parcelares adquirem toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura penal do concurso” sumário in https://www.pgdlisboa.pt/leis/ - Nota 19 ao artº 78 CP.
- Ac. STJ 31/10/2024 Proc. 271/21.9PBBRG.S1, Cons. Vasques Osório www.dgsi.pt “III - Havendo conhecimento superveniente do concurso de crimes, resulta das disposições conjugadas dos arts. 77.º, n.os 1 e 2, e 78.º, n.º 1, do CP, que as penas a relevar para efeitos da determinação da pena única, designadamente, para efeitos de determinação da moldura penal abstracta aplicável ao concurso de crimes, são as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes que integram o concurso, o que significa que, nos casos, como o dos autos, em que as penas parcelares de cada processo tenham, neles, sido objecto de cúmulo, o disposto na referidas normas impõe que estes cúmulos sejam desfeitos – deixando as respectivas penas únicas de ter qualquer relevo – e que as penas integrantes de cada um venham a integrar o novo cúmulo, pois a validade dos cúmulos anteriores está sujeita à cláusula rebus sic stantibus.”
11. Cfr neste sentido ac STJ 15/11/2006 proc. 06P3183 Cons. Oliveira Mendes In www.dgsi.pt “II - Daqui decorre que, sempre que haja lugar à aplicação do perdão a dois ou mais crimes em relação de concurso, mesmo que só conhecido supervenientemente, se impõe a efectuação de cúmulo jurídico para determinação da pena conjunta, sobre a qual incidirá o perdão. III - Com efeito, o perdão aplicado a uma pena que mais tarde vem a ser integrada num cúmulo jurídico, em virtude de superveniente conhecimento do concurso, pode e deve ser reconsiderado, por força do dispositivo da lei de clemência que manda aplicar o perdão à pena única.”
- Ac. STJ 26/6/2024 Proc 2773/22.0T8STB.S2, Cons. Mª Carmo Silva Dias, www.dgsi.pt “…Recorde-se que, nem mesmo o facto de uma ou mais penas individuais terem sido declaradas perdoadas impede que venham a ser posteriormente, desde que se verifiquem os pressupostos dos arts. 77.º e 78.º do CP, englobadas em cúmulo jurídico e, caso seja aplicada pena única superior a 8 anos de prisão, fique sem efeito o perdão anteriormente concedido.”
12. Cfr por todos Proc 537/17.2PLLRS.2.S1 cons. Mª Carmo Silva Dias, www.dgsi.pt
13. Idem, proc.537/17.2PLLRS.2.S1 “III. A legislação relativa à amnistia e ao perdão estabelece medidas de clemência excecionais (art. 11.º do CC), que não admitem interpretações além do seu texto, o que significa, desde logo, que não se podem fazer interpretações analógicas, nem que vão além dos seus precisos termos. Foi o legislador que escolheu - como podia, no âmbito dos seus poderes - o momento em que era aplicado o perdão em determinadas situações que indicou, como sucedeu quando há condenação em cúmulo jurídico, caso em que o perdão incide sobre a pena única (art. 3.º, n.º 4, da Lei n.º 38-A/2023)…”
14. Assim o Ac. STJ de 26/6/2024 Mª Carmo Silva Dias, citado, onde se escreve: “… a interpretação feita pelo tribunal recorrido conforma-se com o disposto no art. 3.º, n.º 1 e n.º 4, da citada Lei n.º 38-A/2023, não havendo qualquer violação do disposto nos arts. 77.º e 78.º do CP, uma vez que a pena única que lhe foi aplicada é superior a 8 anos e, por isso, não é passível de perdão.
Diferente já é a situação em que a pena única em que um arguido seja condenado for até 8 anos, caso em que poderia ser necessário (dependendo do caso concreto) ter de efetuar um cúmulo apenas das penas parcelares que beneficiavam de perdão, para efeitos de calculo do montante/quantitativo do perdão e depois far-se-ia o cúmulo jurídico de todas as penas nele incluídas (perdoáveis e não perdoáveis), aplicando-se a final, na pena única, o perdão anteriormente determinado.”
15. Cfr º recente ac . TC de 11/12/2024 DR nº 32/2025 IIª de 14/2/2025 que “ Não julga inconstitucional a norma contida no artigo 2º nº1 da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, ao estabelecer como condição do perdão da pena que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à prática do facto.”
16. Referindo-se ainda: “A fixação, na Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, de um limite máximo da pena de prisão a que é aplicável o respectivo perdão – pena de prisão até 8 anos –, e a prevista equiparação, para este efeito, da pena parcelar à pena única resultante de cúmulo jurídico, não afectam qualquer princípio constitucional, nomeadamente, os referidos, sendo, aliás, longa a tradição legislativa neste aspecto, existindo normas de conteúdo idêntico às supra transcritas, na Lei nº 17/82, de 2 de Julho (arts. 5º e 6º), na Lei nº 16/86, de 11 de Junho (art. 13º, nºs 1 e 2), na Lei nº 23/91, de 4 de Julho (art. 14º, nºs 1, b) e 3), na Lei nº 15/94, de 11 de Maio (art. 8º, nºs 1, d) e 4), na Lei nº 29/99, de 12 de Maio (art. 1º, nºs 1 e 4) e na Lei nº 9/2020, de 10 de Abril (art. 2º, nºs 1, 3 e 4) “
17. Apud ac. STJ 19/2/2025 Proc. Proc. n.º 217/22.7PVLSB.L2.S1, cons. Lopes da Mota e participámos como adjunto, www.dgsi.pt; Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª (em DAR II Série-A, n.º 245, de 19.6.2023, p. 348)