I - Para a determinação concreta da pena conjunta é essencial obter uma visão de conjunto dos factos que tenha em vista a eventual conexão dos mesmos entre si e a relação deles com a personalidade do agente.
II - O crime de roubo é um crime complexo, que atenta contra bens jurídicos patrimoniais – o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – bem como contra bens jurídicos pessoais – a liberdade individual de decisão e acção, ou mesmo a própria liberdade de movimentos, a integridade física ou, nas hipóteses de roubo agravado, mesmo a própria vida.
III - Englobando o ilícito de conjunto quatro crimes de roubo (sendo um agravado) e tendo em conta a moldura penal abstrata com um limite mínimo de 3 anos e 4 meses e máximo de 10 anos e 6 meses de prisão, que os factos ocorreram num curto período de tempo de cerca de 1 (um) mês e durante o período de suspensão de execução de pena em que o arguido foi condenado, a pena aplicada de 5 anos e 6 meses de prisão, abaixo do nível médio da moldura abstrata, é justa, equilibrada e proporcional, satisfazendo as necessidades de prevenção geral e especial sem ultrapassar os limites da culpa, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para casos semelhantes.
1. Relatório
1.1.Nos presentes autos, a correr termos no Juízo Central Criminal de Lisboa-J..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, requerendo o julgamento em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido AA, devidamente identificado nos autos, acusado pelo Ministério Público, imputando-lhe a prática, em autoria material, de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal (NUIPC´s 712/24.3... e 614/24.3...), - um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea b), do nº 1 do artigo 204º, do mesmo Código (NUIPC 386/24.1...), e um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea b), do nº 1, e nº 4, do artigo 204º, do mesmo Código (NUIPC 574/24.0...), tudo conforme os termos constantes da acusação de fls. 182/191 (referência ...64), que se dão aqui por reproduzidos.
1.2. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 23 de Outubro de 2024, decidiu:
a. a) condenar o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal (NUIPC 712/24.3...), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
b) condenar o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal (NUIPC 614/24.3...), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
b. c) condenar o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea b), do nº 1, do artigo 204º, do mesmo Código (NUIPC 386/24.1...), na pena ena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
d) condenar o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea b), do nº 1, e nº 4, do artigo 204º, do mesmo Código (NUIPC 574/24.0...), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
e) Operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
1.3. Inconformado com a decisão dela vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o arguido AA, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
a. “A- Salvo o devido respeito, a medida da pena aplicada em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, é demasiado gravosa e excessiva;
B) – O recorrente confessou integralmente e sem reservas por corresponderem à verdade todos os factos descritos na acusação.
C) - O recorrente interiorizou o valor das suas condutas, pediu desculpa às vítimas e mostrou arrependimento pela prática de tais factos.
D) - O recorrente explicou em pormenor toda a dinâmica criminosa que o levou à prática dos factos e tudo relacionado com o consumo de estupefacientes o que lhe causou sérios e graves problemas de saúde, pessoais e familiares.
E) - O recorrente encontra-se em situação de superação e fim de consumo de quaisquer estupefacientes, tendo tido há poucos meses a oportunidade de lhe ter sido atribuída uma habitação social pela Câmara Municipal de Lisboa para o seu agregado familiar, constituído por si, companheira e 3 filhos menores, de 9, 5 e 3 anos menores de idade.
F) - O recorrente está em condições de retomar a sua vida pessoal de acordo com as regras do Direito e endireitar a sua vida e retomar uma actividade laboral que lhe permita contribuir para a estabilidade económica da família.
G) - Preso preventivamente desde 10/05/2024 no EP 1 e no EP 2 desde 20/09/2024, AA apresenta até à data condutas normativas e ajustadas ao contexto prisional.
H) - Durante os meses de reclusão, o recorrente tem recebido visitas de forma regular da companheira, e familiares, constituindo-se a manutenção destes contactos um importante suporte psicológico para si, durante a reclusão.
I) – Em prisão preventiva desde 10.05.2024 tem pautado o seu comportamento pelo respeito pelas normas institucionais, sem registar sanções disciplinares e, com apoio em terapêutica medicamentosa, abandonou os consumos de produtos estupefacientes e mantém-se ocupado com práticas desportivas e religiosas.
J) - A pena de prisão aplicada ao recorrente deverá ser ponderada e diminuída de modo a que a justiça possa desempenhar um papel relevante no seu futuro de vida pessoal e contexto familiar;
TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão e substituindo-o por outro e determinar uma diminuição da pena de prisão, inferior 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, a que o recorrente AA foi condenado.”
1.4. Ao recurso respondeu o Ministério Público, pela Senhora Procuradora da República, junto do Juízo Central Criminal de Lisboa, concluindo da seguinte forma:
“I. Inconformado com o Douto Acórdão que o condenou pela prática em autoria
material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo
artigo 210º, nº 1, do Código Penal (NUIPC 712/24.3...), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal (NUIPC 614/24.3...), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea b), do nº 1,
do artigo 204º, do mesmo Código (NUIPC 386/24.1...), na pena ena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão; pela prática, em autoria material e na
forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea b), do nº 1, e nº 4, do artigo 204º, do mesmo Código (NUIPC 574/24.0...), na pena de 2(dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; e em cúmulo jurídico na pena única
de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, vem o arguido interpor recurso formulando para tal as correspondentes conclusões.
II. O recurso interposto pelo recorrente assenta fundamentalmente na sua discordância relativamente à pena aplicada, considerando-a face às circunstâncias do caso, excessiva e prejudicial à sua ressocialização, sem que, no entanto, indique qual a pena que consideraria justa.
III. Adianta-se desde já que, em nosso entender, e salvaguardando-se sempre o devido respeito por opinião dissonante, não assiste razão ao recorrente, pelo que, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se o douto Acórdão recorrido nos seus precisos termos.
IV. O Tribunal indicou expressamente as circunstâncias que depõe a favor e contra o arguido para justificar a aplicação da pena única em causa.
V. Consideramos que a pena única é adequada e justa, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece reparo.
VI. Estamos perante uma área da criminalidade que suscita na comunidade intensas exigências punitivas.
VII. As exigências de prevenção geral são bastante elevadas face à frequência com que ocorre este tipo de crime, praticados com violência, gerador de grande
alarme social, existindo necessidades prementes de devolver confiança à comunidade reprimindo e punindo atos como o dos autos.
VIII. As necessidades de prevenção especial, são também muito elevadas, considerando o registo criminal que o arguido apresenta, já condenado pela pratica do mesmo tipo legal de crime em pena de prisão.
IX. O dolo é direto, a modalidade mais grave de culpa; é elevada a ilicitude da
conduta e bem assim o juízo de censurabilidade face às circunstâncias em que
os crimes foram perpetrados; os modos de atuação do arguido revelam personalidade agressiva e insensibilidade para com terceiros; o tipo legal tutela bens jurídicos patrimoniais (o direito de propriedade e detenção) e bens
jurídicos pessoais (a liberdade de decisão e de acção, a integridade física e até avida); este tipo de crime é daqueles que a Comunidade mais repudia atendendo ao sentimento de insegurança que para ela se transpõe; já foi condenado várias vezes, pela prática inclusivamente de crime idêntico, não se coibindo de continuar com a sua conduta delituosa.
X. Tudo visto e ponderado à luz das molduras legais em referência, entendemos como necessária, adequada, proporcional e justa a pena única que lhe foi aplicada, pena esta que, face supra referido de que se destaca a indiferença do recorrente perante a censura social e judiciária, terá que ser, no nosso entender, necessariamente uma pena de prisão efetiva.
XI. Na verdade, ainda que a pena única aplicada fosse igual ou inferior a 5 anos, um juízo de prognose perante os factos disponíveis, nomeadamente relativos à sua acentuada ilicitude, aos antecedentes criminais que patenteia, à personalidade do arguido e às suas condições de vida, não permite concluir,
com probabilidade de segurança, que a ameaça da pena seja bastante para cumprir as finalidades da punição, e que, em face de idênticas necessidades, não volte a aderir a praticar fatos de idêntica natureza, que como se viu tem vindo a praticar ao longo dos anos.
XII. Bem andou o Tribunal à quo, o Acórdão não merece censura, pelo que deverá ser confirmado.
Assim, se conclui no sentido de ser negado provimento ao recurso e,
consequentemente, ser mantido o Acórdão recorrido.”
1.5. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, concluindo, que o Tribunal a quo apreciou adequadamente todos os factos e circunstâncias que aqui lhe cumpria apreciar e aplicou, também, corretamente as normas legais que regem a determinação da medida da pena única em concurso de crimes. Examinados os fundamentos do recurso e por todo o exposto, emite-se parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida.
Foi cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2 do CPP.
Foram os autos aos vistos e à conferência,
Decidindo,
2. Fundamentação
2.1. De Facto:
A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte (transcrição):
2.1.1 – Factos Provados:
… … …
“1. No dia 24 de abril de 2024, pelas 18 horas e 20 minutos, encontrava-se o arguido na ..., em Lisboa, quando verificou que ali caminhava BB, pelo que de imediato formulou o propósito de se apoderar de bens e valores que o mesmo tivesse, recorrendo para tanto à intimidação e à força física.
A. 2. Na execução do referido desiderato, o arguido acercou-se de BB, perguntando-lhe se tinha dinheiro consigo.
3. Respondendo BB negativamente, o arguido, exaltado, disse: “Mas tira lá a carteira para eu ver”, ao que aquele, receoso, acedeu.
4. No momento em que BB retirou a carteira do bolso, o arguido puxou-a na sua direção, retirando do seu interior a quantia de 10,00 € (dez euros) em moedas.
5. Seguidamente, o arguido perguntou a BB se este tinha telemóvel, ao que este respondeu afirmativamente e o retirou do bolso, momento em que o arguido lhe puxou o telemóvel da mão, ao mesmo tempo que perguntou de que marca era.
6. No seguimento da resposta que lhe foi dada, o arguido disse que não pretendia ficar com o telemóvel, mas que pretendia ver se se tratava do telemóvel que havia sido subtraído ao seu irmão, dizendo então a BB que o acompanhasse, ao que este, novamente por receio, acedeu.
7. Quando chegaram a uma zona menos movimentada daquela artéria, o arguido disse primeiramente a BB que não queria apoderar-se do telemóvel, mas que para o devolver, este teria de efetuar um levantamento no valor de 40,00 € (quarenta euros) e, de seguida, disse: “Vais comigo levantar os quarenta euros, se não eu mato-te! Dou-te porrada”.
8. Temendo pela sua vida e integridade física e pretendendo reaver o telemóvel, BB dirigiu-se ao ATM instalado na agência da Caixa Geral de Depósitos, sita no nº ... da ..., sendo acompanhado de perto pelo arguido, assim impedindo que aquele pudesse encetar fuga, ao
A. mesmo tempo que lhe dizia: “Não faças nada, vou confiar em ti, não tentes fugir se não é pior”.
9. Tentado o levantamento, e ante a constatação de que aquele ATM não tinha dinheiro, o arguido disse a BB: “então se não tens o dinheiro contigo, vamos ali a outro multibanco, que o outro tem dinheiro, uma vez que fiz isto a um rapaz há pouco e funcionou, quando chegares lá levantas 50 euros, entregas e eu vou-me embora”.
10. BB, sempre seguido de perto pelo arguido, dirigiu-se então ao ATM instalado na agência do Millennium BCP, sita no nº ... da mesma artéria, onde efetuou um levantamento de 50,00 € (cinquenta euros) em numerário, que entregou ao arguido.
11. Nesse momento, o arguido disse: “Levanta mais 50 euros porque já me estou a passar!”.
12. Ante a surpresa de BB, o arguido disse: “Despacha-te, porque já estou passado! Vou-te encher de porrada! Vou-te matar”, fazendo com que aquele obedecesse e levantasse mais 50,00 € (cinquenta euros), que igualmente entregou ao arguido, após o que este encetou fuga do local, apoderando-se daquelas quantias.
13. Ao atuar da forma descrita, o arguido quis fazer suas as referidas quantias, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que agia contra a vontade de BB, mediante intimidação e ameaça contra a vida e integridade física do mesmo.
14. No dia 30 de abril de 2024, pelas 9 horas e 59 minutos, o arguido avistou CC a dirigir-se para a estação de metro da ..., na ..., em Lisboa, e decidiu apoderar-se das quantias e valores que o mesmo tivesse consigo mediante a intimidação daquele.
15. Na execução daquele desígnio, seguiu no encalço de CC, tendo ambos entrado na referida estação.
16. O arguido abordou então CC, dizendo-lhe: “Vou-te pedir para não te roubar, Estás a ouvir-me caralho? Dá-me a tua carteira!”
17. Surpreendido pela presença do arguido e receoso pela sua integridade física, CC retirou a carteira do bolso e entregou àquele a quantia de 10,00 € (dez euros), correspondente à totalidade do dinheiro que tinha consigo.
A. 18. O arguido puxou a carteira da mão de CC, a fim de verificar se aquele possuía mais algum valor de que pudesse apoderar-se e, constatando que a mesma se encontrava vazia, devolveu-a àquele.
19. De imediato e sem que nada o fizesse prever, o arguido puxou do pulso de CC o relógio da marca “Timberland” que este envergava, no valor de 129,00 € (cento e vinte e nove euros), após o que saiu daquele local, levando consigo os referidos relógio e quantia.
20. Ao atuar da forma descrita, o arguido quis apoderar-se da mencionada quantia e relógio, bem sabendo que aqueles não lhe pertenciam e que agia contra a vontade de CC, através da intimidação do mesmo.
21. Pelas 10 horas e 15 minutos do mesmo dia, tendo regressado à referida estação de metro, o arguido avistou DD, que se dirigia à saída, tendo decidido, uma vez mais, apoderar-se das quantias que aquele tivesse consigo recorrendo para tanto à intimidação física.
22. Em conformidade, dirigiu-se a DD, perguntando-lhe se tinha um cigarro, ao que aquele respondeu que não é fumador.
23. De imediato, o arguido disse “Estás a responder assim porquê?”, ao mesmo tempo que avançou na direção de DD, fazendo com que este temesse pela sua integridade física.
24. O arguido disse depois: “Então tens de me dar tudo o que tens contigo!” e, ante a tentativa de DD de encetar diálogo, disse “Abre a carteira e dá-me o dinheiro que tens aí, se não isto pode correr mal!”.
25. Receoso do que pudesse suceder caso não acatasse o que lhe fora dito, DD abriu a carteira e entregou a quantia de 2,25 € (dois euros e vinte e cinco cêntimos) ao arguido, após o que este se colocou em fuga.
26. Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito de fazer sua a referida quantia, bem sabendo que a mesma não lhe pertencia e que agia contra a vontade de DD, através da atemorização do mesmo.
NUIPC 574/24.0...
A. 27. No dia 9 de maio de 2024, pelas 14 horas e 30 minutos, o arguido avistou o EE junto a um dos acessos ao ..., no cruzamento entre a Avenida ... e o ..., em Lisboa, decidindo apoderar-se das quantias e artigos de valor que este tivesse consigo, se necessário mediante a intimidação ou o recurso à força física.
28. Em conformidade, acercou-se de EE, perguntando-lhe “de que zona era” e ante a resposta deste de que era “daquela zona”, perguntou-lhe se tinha dinheiro consigo.
29. EE retorquiu-lhe que não tinha dinheiro consigo e, para o demonstrar, bateu com a mão na zona dos bolsos, retirando dos mesmos as chaves de casa que trazia consigo, após o que começou a tentar afastar-se do arguido.
30. O arguido disse então a EE que lhe mostrasse o telemóvel da marca e modelo “Samsung Galaxy 21 FE”, no valor de 600,00 € (seiscentos euros), que tinha consigo, o que este recusou, após o que o arguido lhe agarrou o braço e lhe ordenou que exibisse aquele equipamento.
31. Persistindo EE na recusa, o arguido desferiu-lhe um puxão no telemóvel e retirou-lho das mãos, apoderando-se do mesmo.
32. Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito de fazer seu o referido telemóvel, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade de EE, vencendo a resistência que este impunha enquanto o segurava.
33. Em cada uma das ocasiões acima descritas, o arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
34. Em 15.10.2024 foi concretizado um depósito autónomo nos autos, no valor de 112,25 € (cento e doze euros e vinte e cinco cêntimos), pretendendo o arguido que venha a ser objeto de entrega na proporção de 110,00 € (cento e dez euros) a BB e de 2,25 € (dois euros e vinte e cinco cêntimos) a DD.
35. Em 30.04.2024 foi apreendido ao arguido e depois entregue a CC em 09.05.2024 o relógio referido em 19.
NUIPC 614/24.3...
*
I. Provou-se, ainda, que:
36. Em 30.04.2024 foi apreendida ao arguido e nessa mesma data entregue a DD a quantia de 2,25 € (dois euros e vinte e cinco cêntimos).
37. Em 09.05.2024 foi apreendido ao arguido e nessa mesma data entregue a EE o telemóvel referido em 30.
1. 38. O arguido foi já condenado por:
i) sentença de 01.02.2007, transitada em julgado em 20.11.2007, proferida no processo nº 131/07.6..., do ...º Juízo, ...ª Secção, do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, pela prática, em 24.01.2007, de um crime de furto, em pena de multa, já extinta;
ii) acórdão de 29.02.2008, transitado em julgado em 20.03.2008, proferido no processo nº 953/06.5..., da ...ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 2006, de dez crimes de roubo, ma pena sete anos de prisão;
iii) acórdão de 27.03.2009, transitado em julgado em 03.08.2009, proferido no processo nº 1/07.8..., da ...ª Vara Criminal de Lisboa, pela prática, em 01.01.2007, de um crime de roubo, na pena quatro anos de prisão;
iv) em cúmulo jurídico dos processos referidos em ii. e iii., foi neste último processo, por acórdão proferido em 18.01.2010, transitado em julgado em 08.02.2010, condenado na pena única de nove anos e seis meses de prisão;
v) sentença de 20.11.2009, transitada em julgado em 14.12.2009, proferida no processo nº 284/06.9..., do ...º Juízo Criminal de Lisboa, ...ª Secção, pela prática, em 05.07.2006, de um crime de furto, em pena de multa;
vi) sentença de 11.05.2009, transitada em julgado em 14.06.2011, proferida no processo nº 317/06.0..., do ...º Juízo Criminal de Lisboa, ...ª Secção, pela prática, em 26.07.2006, de um crime de furto, na pena de 4 meses de prisão substituída por pena de multa;
vii) em cúmulo jurídico dos processos referidos em ii., iii., v. e vi., por acórdão de 22.11.2012, transitado em julgado em 22.11.2012, proferido no processo nº 266/12.3..., da ...ª vara Criminal de Lisboa, foi condenado na pena de nove anos e seis meses de prisão e na pena de trezentos dias de prisão, substituídos por trezentos dias de multa;
viii) acórdão de 11.10.2023, transitado em julgado em 02.02.2024, proferido no processo nº 7/18.1..., Juiz ..., do Juízo Central Cível e Criminal de Évora, pela prática, em 14.05.2018, de um crime de falsificação de documento, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa por igual período, com regime de prova.
39. Contando atualmente 37 anos de idade, o arguido cresceu integrado na família de origem, de acordo com as características culturais da sua etnia, em que se salienta um fraco investimento escolar que se refletiu, no seu caso, numa condição de iliteracia, mas também no âmbito do trabalho, pautado essencialmente por atividades irregulares e indiferenciadas na venda ambulante ou na construção civil.
40. Cedo adquiriu hábitos aditivos no consumo de produtos estupefacientes, o que evoluiu essencialmente para heroína e cocaína, vindo nessa decorrência a pautar o seu quotidiano por uma dinâmica disruptiva e que motivou o início dos contactos com a justiça criminal.
41. Entre 2007 e 2013 cumpriu pena de prisão, no decurso da qual apresentou um comportamento normativo e sem registo de punições disciplinares. Esteve ocupado laboralmente e deixou os consumos de produtos estupefacientes.
42. Restituído à liberdade, reintegrou a família nuclear, vindo depois a constituir família, cujo relacionamento, tido como estável e gratificante, perdura há cerca de 10 anos e do qual nasceram três filhos, atualmente com 3, 5 e 9 anos de idade.
43. O agregado residia, por último, em apartamento camarário, na zona ... de Lisboa.
44. Em termos económicos o agregado dependia essencialmente do rendimento social de inserção, no valor mensal de cerca de seiscentos euros e da ajuda de familiares próximos, em particular dos progenitores da companheira.
45. No período dos factos imputados e apurados acima, o arguido havia recaído no consumo de produtos estupefacientes, essencialmente heroína e cocaína, no que despendia cerca de vinte a trinta euros/dia, chegando a ausentar-se de casa, em paradeiro desconhecido, regressando apenas por períodos curtos, alturas em que a companheira e os filhos permaneciam junto dos progenitores da companheira.
A. 46. Durante essa fase mostrou disponibilidade em tratar-se, chegando a frequentar consultas médicas e a tomar a medicação prescrita, mas sem que tivesse interrompido esses consumos.
47. Em prisão preventiva desde 10.05.2024 tem pautado o seu comportamento pelo respeito pelas normas institucionais, sem registar sanções disciplinares e, com apoio em terapêutica medicamentosa, abandonou os consumos de produtos estupefacientes.
48. É visitado de forma regular pela companheira e outros familiares.
49. Mantem-se ocupado com práticas desportivas e religiosas.
50. Uma vez restituído à liberdade pretende regressar para junto da companheira e dos filhos, tirar a carta de condução e trabalhar como motorista de entregas, para um amigo.
*
Inexistem outros factos provados ou não provados com relevância para a boa decisão da causa.
*
C) Motivação da decisão da matéria de facto
A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada fundou-se na prova produzida em audiência de julgamento, bem como no acervo documental dos autos, tudo a merecer apreciação segundo as regras da experiência e a livre convicção dos julgadores, em conformidade com o artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Desde logo, impõe-se clarificar que não cumpre reproduzir o conteúdo das declarações produzidas no decurso do julgamento, as quais se mostram documentadas, mas tão-só expor as razões subjacentes à formação da sobredita convicção.
Posto isto, a factualidade dada como provada resultou das declarações prestadas pelo arguido, o qual confessou integralmente e sem reservas corresponderem à verdade todos os factos descritos na acusação.
Estas declarações foram conjugadas com o auto de notícia por detenção de fls. 2/4, autos de apreensão de fls. 17/18 e 86/87, autos de exame de fls. 19 e 88, termos de entrega de fls. 20, 89 e 99, extratos bancários de fls. 48/49, autos de reconhecimento pessoal de fls. 56/57 e 73/74, fotografias de fls. 90 e 91 e autos de visionamento e respetivos fotogramas de fls. 144/146, 148/153 e 164/171. Por outro lado, considerando o depósito autónomo junto a fls. 276/278 e as declarações do arguido, apurou-se ainda a factualidade elencada em 34., sendo que a factualidade elencada de 35. a 37. tem respaldo nos já acima mencionados autos de apreensão e termos de entrega.
Quanto às condições sócio-económicas do arguido atendeu-se ao respetivo relatório social, a fls. 266/268, a par das declarações que o próprio, nessa parte, prestou em audiência.
Por fim, no que respeita aos antecedentes criminais conhecidos ao arguido, adveio da valoração e exame do certificado de registo criminal sob a referência ...36.
2.2. Direito
2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).
O recurso tem por objeto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo, no Juízo Central Criminal de Lisboa-J..., que condenou o arguido recorrente na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 4 crimes de roubo, sendo um agravado.
2.2.2. Levando em conta as conclusões do arguido recorrente, a questão a decidir, é a da medida da pena única.
2.2.2.1. Pena única.
a.Está em causa, como se disse, a medida da pena única em que o arguido recorrente foi condenado, e única de que o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer.
A partir das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes é encontrada a moldura penal do concurso que tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares e como limite máximo a soma destas sem que exceda 25 anos de prisão (art.º 77º, n.º 2, do CP), correspondendo a pena única a uma pena conjunta, obtida, procedendo-se não ao cúmulo material das penas parcelares, mas jurídico.
As penas parcelares estão fixadas, não estão questionadas e são inferiores a 5 anos de prisão. Este processo está definitivamente encerrado quanto a elas, com o trânsito em julgado da decisão em relação a cada uma delas, nos processos em que foram aplicadas.
O arguido recorrente foi condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal (NUIPC 712/24.3...), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal (NUIPC 614/24.3...), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea b), do nº 1, do artigo 204º, do mesmo Código (NUIPC 386/24.1...), na pena ena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea b), do nº 1, e nº 4, do artigo 204º, do mesmo Código (NUIPC 574/24.0...), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, e operando o cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
No caso a moldura penal tem, assim, como limite mínimo 3 (três) anos e 4 (quatro) meses e um máximo de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses.
b.Uma vez calculada e indicada a moldura penal abstrata do concurso, é dentro desta, que se determina a medida concreta da pena única a aplicar. Para tal devem considerar-se os “critérios gerais” a que se referem os art.º 40º e 71º do Código Penal, bem como aplicar-se o “critério especial” fixado no art.º 77º do mesmo diploma legal.
Em termos gerais, há a considerar no processo de determinação da medida concreta da pena as finalidades da punição, constantes do art.º 40.ºdo Código Penal, e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do CPP.
“Como critério especial, rege o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), dispondo que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, e como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração. Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas, familiares e sociais, como a sua inserção na sociedade na comunidade em que reside e a situação laboral, reveladoras das necessidades de socialização, a receptividade das penas, a capacidade de mudança em consequência, a suscetibilidade de por elas ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta licita”1.
Vem sendo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, em termos gerais, mas também, especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.
“Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes, adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou”2.
“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura legal – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes3.
Em tudo devem ainda considerar-se “os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”4, que devem presidir à fixação da pena conjunta.
Aliás, “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só, uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias5.
As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente6.
A pena deve, ainda, servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la”7.
E, para além dos factos praticados, importa, ainda, ponderar as condições pessoais e económicas do agente, a sua recetividade à pena e a suscetibilidade de ser por ela influenciado, elementos particularmente relevantes para apuramento das exigências de prevenção8.
c.No caso, o ilícito de conjunto, engloba 4 (quatro) crimes de roubo, (sendo um deles agravado).
Foram praticados entre 24.04.2024 e 09.05.2024, todos cometidos ou executados de forma semelhante e aparentemente relacionados com a toxicodependência do arguido recorrente.
São crimes complexos, que atentam contra bens jurídicos patrimoniais – o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – quer contra bens jurídicos pessoais – a liberdade individual de decisão e acção, ou mesmo a própria liberdade de movimentos, a integridade física ou mesmo a vida9.
Os factos, descritos dos números 1 a 35, assumem elevada gravidade revelada nas ameaças que o arguido fazia aos ofendidos e na violência empregue, como pode ver-se quando exaltado e dirigindo-se à vítima BB, lhe disse, “mas tira lá a carteira para eu ver”, ao que aquele, receoso, acedeu – facto 3 – quando lhe disse, “vais comigo levantar os quarenta euros, se não eu mato-te! Dou-te porrada” – facto 7 - … “não faças nada, vou confiar em ti, não tentes fugir se não é pior” – facto 8 – e ainda “então se não tens o dinheiro contigo, vamos ali a outro multibanco, que o outro tem dinheiro, uma vez que fiz isto a um rapaz há pouco e funcionou, quando chegares lá levantas 50 euros, entregas e eu vou-me embora” – facto 9 – ou levanta mais 50 euros porque já me estou a passar!” – facto 11 – e por fim, “despacha-te, porque já estou passado! Vou-te encher de porrada! Vou-te matar”, fazendo com que aquele obedecesse e levantasse mais 50,00 € (cinquenta euros), que igualmente entregou ao arguido, após o que este encetou fuga do local, apoderando-se daquelas quantias” – facto 12;
Quando dirigindo-se a CC lhe disse, “vou-te pedir para não te roubar, Estás a ouvir-me caralho? Dá-me a tua carteira!”- facto 16;
Quando dirigindo-se à vitima DD, a quem disse “estás a responder assim porquê?”, ao mesmo tempo que avançou na direção de DD, o arguido disse depois, “então tens de me dar tudo o que tens contigo!” e, ante a tentativa de DD de encetar diálogo, disse-lhe “abre a carteira e dá-me o dinheiro que tens aí, se não isto pode correr mal!” – factos 23 e 24;
J. E, por fim, à vítima EE na recusa, que persistindo em não lhe entregar o telemóvel, “o arguido desferiu-lhe um puxão no telemóvel e retirou-lho das mãos, apoderando-se do mesmo” – facto 31.
As necessidades de prevenção geral são grandes dada a frequência deste tipo de criminalidade e o elevado sentimento de insegurança que gera nos membros da comunidade, conduzindo à perda de confiança dos cidadãos nas instâncias judiciais e na validade das normas.
O modo de execução e gravidade dos factos pelos quais foi condenado, requerem, pois, exigências preventivas de socialização, ainda que o arguido recorrente, aparentemente, esteja a responder de forma positiva10.
Quanto à personalidade do agente vê-se que o arguido recorrente já anteriormente havia praticado ilícitos da mesma natureza pelos quais foi julgado e condenado, cumprindo pena de prisão efectiva.
E que, como se refere no acórdão recorrido, … “depois do cumprimento de uma pena de prisão de cerca de seis anos, tendo sido condenado em pena de prisão suspensa (em 11.10.2023), pela prática de um crime de falsificação de documento, o arguido vem a praticar os factos agora em causa cerca de escassos meses depois, em pleno período da suspensão daquela pena, o que muito desabona a seu favor e faz gorar qualquer juízo de prognose favorável, conquanto nada indica que, perante adversidades do quotidiano, não venha uma vez mais a reincidir no crime.”
O que, não podendo afirmar-se estarmos em presença de uma “carreira criminosa”, pode ver-se que estamos em presença de uma apetência do arguido, pela prática deste tipo de crimes (de furto e roubo).
N. A favor do recorrente tem o facto de as quantias de que se apropriou serem de pequeno montante, ter pedido desculpas e tentado reparar as vítimas. Sendo certo ainda que os factos foram cometidos em curto período de tempo.
E, que, “em prisão preventiva desde 10.05.2024 tem pautado o seu comportamento pelo respeito pelas normas institucionais, sem registar sanções disciplinares e, com apoio em terapêutica medicamentosa, abandonou os consumos de produtos estupefacientes. É visitado de forma regular pela companheira e outros familiares. Mantem-se ocupado com práticas desportivas e religiosas”. E, “uma vez restituído à liberdade pretende regressar para junto da companheira e dos filhos, tirar a carta de condução e trabalhar como motorista de entregas, para um amigo.”
d. Entende o recorrente que confessou integralmente e sem reservas todos os factos descritos na acusação, que interiorizou o valor das suas condutas, pediu desculpa às vítimas e mostrou arrependimento pela prática de tais factos, que na causa está o consumo de estupefacientes, de que depende, e tem bom comportamento prisional, pelo que a pena de prisão aplicada deveria ser ponderada e diminuída.
Como se lê no sumário do acórdão do STJ de 19.05.202111, “a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. Mantendo sempre o recurso o seu arquétipo de “remédio jurídico”, constatando-se que o acórdão recorrido cumpre, correctamente, as exigências de fundamentação de facto e de direito em matéria de pena, fazendo-o relativamente a cada pena parcelar aplicada, justificando-a(s) individualmente, e fazendo-o depois relativamente à pena única, procedendo à apreciação autónoma da pena aglutinadora, é de concluir que inexistem razões que devam conduzir à correcção da medida da pena única no sentido pretendido pelo arguido.”
O que se verifica neste caso. No acórdão recorrido pode ler-se que, “contando atualmente com 37 anos de idade, o arguido tem uma situação pessoal frágil, marcada por dificuldades várias, assente numa escolarização praticamente inexistente (iliteracia) e hábitos de trabalho irregulares e indiferenciados, que se refletem num historial de consumos de produtos estupefacientes (heroína e cocaína) desde cedo, vindo nessa decorrência a pautar o seu quotidiano por uma dinâmica disruptiva e que motivou o início dos contactos com a justiça criminal, até que cumpriu pena de prisão entre 2007 e 2013.
Acresce que, depois de um período a isso subsequente de razoável estabilização pessoal, altura em que constituiu família, sendo pai de três filhos, atualmente com 3, 5 e 9 anos de idade, veio a retomar em data contemporânea dos factos dos autos consumos de produtos estupefacientes (heroína e cocaína, com o que despendia 20 a 30 euros/dia), os quais só abandonou já em meio prisional, no âmbito da medida de coação de prisão preventiva a que se encontra sujeito.”
Que, “o arguido regista um extenso rol de antecedentes criminais, primacialmente centrado nos crimes contra o património (furto e roubo), desde 2007 e com sujeição a longas penas de prisão, mas que não terá sido suficiente para afastá-lo do cometimento de novos crimes.
Que “o arguido vem a praticar os factos agora em causa cerca de escassos meses depois, em pleno período da suspensão daquela pena, o que muito desabona a seu favor e faz gorar qualquer juízo de prognose favorável, conquanto nada indica que, perante adversidades do quotidiano, não venha uma vez mais a reincidir no crime. Sem prejuízo, olhando à respetiva postura em audiência, temos que o arguido admitiu todos os factos que resultaram apurados, o que sempre evidencia algum arrependimento e capacidade de autocensura, também refletiva na vontade que manifestou de reparar alguns dos danos patrimoniais das vítimas, nos moldes sobreditos.”
Donde pode ver-se que, a confissão integral e sem reservas de todos os factos descritos na acusação, a interiorização do valor das suas condutas, o arrependimento pela prática de tais factos, tudo foi considerado e valorado na decisão, diferentemente do que refere o arguido recorrente.
E quanto ao cúmulo jurídico das penas aplicadas, além do mais pode ler-se no acórdão recorrido que, … “ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa, monta em especial, o número de crimes praticados, e o que isso reflete da personalidade desvaliosa do arguido, a circunstância de resultar que têm por base atuações conexas e que se desenrolaram em moldes temporais e geograficamente próximos.
Ponderam-se, ainda, os assinaláveis antecedentes criminais do arguido, nos moldes já expendidos.
Assim, tudo considerado, dentro de uma moldura abstrata entre os 3 (três) anos e 4 (quatro) meses e os 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão, entende-se aplicar, em cúmulo, a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.”
A decisão recorrida fez, pois, adequada avaliação da situação valorizando devidamente tudo o que era favorável ao arguido.
E, da fundamentação da medida concreta da pena única verifica-se, ainda, que se mostra justificada esta pena que lhe foi imposta.
É imprescindível, porém, que o arguido recorrente abandone a toxicodependência, que serão causa da prática dos ilícitos cometidos, pois só assim logrará implementar as alterações que se impõe que realize na sua vida, e logrará abandonar o caminho do crime.
O recorrente discorda da avaliação que foi feita, nomeadamente do quantitativo da pena única em que foi condenado, sem que indique montante alternativo.
Porém, considerando a moldura do concurso de 3 anos e 4 meses a 10 anos e 6 meses de prisão, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto todos os factos em presença, o seu relacionamento com a personalidade do arguido recorrente e os fins das penas, entende-se que a pena única conjunta aplicada de 5 anos e 6 meses de prisão está dentro daqueles parâmetros que vimos referindo, e em consonância com a jurisprudência deste Tribunal para casos semelhantes.
É, pois, equilibrada, proporcional e ajusta-se aos critérios emergentes dos art.ºs. 40º, 71.º e 77.º, n.º 1, parte final, todos do Código Penal, não se justificando a intervenção corretiva deste Tribunal.
Improcede, assim, o recurso do arguido.
3. Decisão.
Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, acorda em:
-negar provimento ao recurso do arguido AA, confirmando, antes, a decisão cumulatória recorrida.
-condenar em custas o arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs - art.º 513º n.º 1 e 3 do CPP, art.º 8º, n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
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Lisboa, 02 de Abril de 2025
António Augusto Manso (relator)
José Luis Lopes da Mota (Adjunto)
José A. Vaz Carreto (Adjunto)
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1-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248 e segs, e o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, e de 16.2.2022, Proc.160/20.4GAMGL.S1, www.dgsi.pt, citados no ac. do STJ de 21.02.2024, proc. 1553/22.8PBPDL.L1.S1.
2-Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt
3-4-Ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1, citado no Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, www.dgsi.pt.
5-Citado no Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, e v. ainda, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada
6-Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, www.dgsi.pt.
7-ac. do STJ de 06.01.2021, proferido no proc. n.º 634/15.9PAOLH.S2, in www.dgsi.pt
8-Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, www.dgsi.pt.
9-Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial tomo II, Coimbra Editora, p. 160.
10-Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, www.dgsi.pt.
11-Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt