RECURSO PER SALTUM
ROUBO
FURTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I - A medida concreta da pena não poderá ficar dependente do resultado de uma operação aritmética, mas antes de uma ponderação dos factos e da personalidade do agente e demais critérios a que se referem os artigos 40º e 71º do Código Penal.
II - Valorando o ilícito global perpetrado, 10 (dez) crimes praticados pelo arguido entre 09.05.2021 e 22.09.2021, sendo 5 (cinco) deles de roubo, 2 (dois) crimes de furto qualificado, 1 (um) de furto simples, 1 (um) de coação e 1 (um) de ameaça, ponderando em conjunto todos os factos em presença, a sua relacionação com a personalidade do recorrente e os fins das penas, entendemos adequada a pena única conjunta de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado o recorrente pelo acórdão recorrido, que está dentro daqueles parâmetros referidos e em consonância com a jurisprudência deste Supremo Tribunal.

Texto Integral


Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório

1.1.Nos presentes autos, a correr termos no Juízo Central Cível e Criminal de ...-J..., do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foi o arguido

AA, além do mais e depois de “desfeito o cúmulo jurídico levado por diante nos autos 1529721.2..., condenado em cúmulo jurídico, na “pena única para os crimes que temos nas alíneas a) a d) – processos n.ºs 147/21.0..., 1327/21.3..., 1529/21.2... e 1172/21.6..., em 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.

1.2. Inconformado com a decisão dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa o Exmo. Procurador da República junto daquele Juízo Central Cível e Criminal, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. A nossa discordância reporta-se ao quantum da pena única, em concreto entende o Ministério Público que a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, pois consideramos desadequada atendendo à gravidade e às circunstâncias atinentes à globalidade dos factos praticados pelo arguido e que se estendem por um período temporal já significativo, violando assim a função primordial da pena é a de tutelar os bens jurídicos tipificados, de modo a assegurar a paz jurídica dos cidadãos. Pelo que o tribunal a quo violou, assim do disposto no artigo 40.º e 71.° Código Penal, bem como foi violado o princípio da proporcionalidade latu sensu.

2. No caso dos autos, compõem o concurso de infrações por que o arguido vem

condenado nos autos 5 crimes de roubo, 3 furtos qualificados, 1 furto simples 1 crime de coação e ameaça.

3. O arguido manteve a prática criminosa, com grande intensidade, durante cerca de 1 ano. Que só interrompeu quando foi preso.

4. Ao nível das consequências, assinala-se o elevado número e a especial fragilidade das vítimas, de oferecer resistência a um agente criminoso na força

da idade (com 29 anos).

5. Ao nível da vivência socia-laboral do arguido sublinha-se a ausência, à data

dos cometimentos dos crimes, de uma profissão e de uma atividade lícita remunerada.

6. Quanto à personalidade evidencia forte tendência para, nos últimos tempos

em liberdade, angariar proventos exclusivamente através da atividade delituosa. Evidenciando limitações ao nível da sua consciência crítica no reconhecimento de vítimas e danos.

7. Se as necessidades de prevenção geral são elevadas, as necessidades de prevenção especial revelam-se vivamente prementes.

8. Factos e crimes em série que, em si mesmos e na intensidade, na persistência

da atividade delituosa, mas também encadeados com a personalidade do recorrente, demonstram que revela tendência acentuada para cometer crimes de roubo.

9. Não tivesse sido preso e é praticamente certo, - extrai-se da ponderação dos

factos provados à luz das regras da experiência e da racionalidade lógica -, que prosseguiria, imparavelmente, com a mesma ou idêntica atividade criminosa. Sem que o acompanhamento pelos serviços de reinserção social tenha sido minimamente capaz de o afastar daquela intensa e persistente prática delituosa.

10. Conclui-se assim que o “comportamento global”, englobando crimes referidos e igual número de penas parcelares, evidencia uma forte propensão do arguido para este tipo de criminalidade.

11. Propensão que urge tentar atalhar, quer pela tendência criminosa, quer também pela fraca sensibilidade do arguido à intervenção dos serviços de reinserção social.

12. A medida da pena conjunta aplicada pelo tribunal a quo situa-se ligeiramente abaixo da metade da moldura penal do respetivo concurso, daí entendermos que à luz do princípio da proporcionalidade da pena única pela sua referência ao sistema punitivo global e teria de ser ligeiramente mais elevada. Pugnamos por uma pena 13 anos e 6 meses de prisão.

13. Os factos e personalidade neles revelada, bem como as necessidades de proteção dos bens jurídicos grave e persistentemente violados que confirmam que a pena única aplicada peca por ser muito benevolente e por isso desproporcionada. Consequentemente, deve merece intervenção corretiva a pena única – 10 anos e 6 meses de prisão para uma pena de 13 anos e 6 meses

de prisão.

14. Assim, considerando que o no nosso sistema de pena única, essencial é desde logo a gravidade global dos factos. A avaliação do comportamento “unificado” pelo concurso de crimes deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade das penas parcelares englobadas, da sua medida concreta e da respetiva grandeza no âmbito da moldura da pena do concurso.

15. A pena única determinada pelo Tribunal a quo não tem essa virtualidade, violou assim os critérios contidos nas disposições conjugadas dos artigos 40.º,

70.º, 71.º, todos do Código Penal, pois o Tribunal a quo, não atendeu factualidade constantes nos autos, que evidencia não só ou não tanto a ineficácia do acompanhamento para prevenir a reincidência como também a ausência de vontade do arguido em pautar a sua conduta em termos de cidadania responsável.

16. Pelo que não ponderou bem as exigências de prevenção geral de integração, bem como as necessidades de prevenção especial de ressocialização que no caso se fazem sentir demandam justificadamente que o arguido tenha de cumprir prisão superior aos 10 anos e 6 meses, em concreto pugnamos como pena justa adequada e proporcional a pena de 13 anos e 6 meses porquanto só esta lhe fará perceber a importância dos bens jurídicos persistentemente ofendidos e as consequências que poderiam advir para a integridade física, a saúde e até a vida das vítimas.

17. Pelo que deve ser concedido provimento ao recurso, em consequência deverá merecer intervenção corretiva a pena única – 10 anos e 6 meses de prisão para uma pena de 13 anos e 6 meses de prisão.”

1.3. Não foi apresentada resposta ao recurso.

1.4. No Tribunal da Relação, na sequência de promoção da Exma. Procuradora Geral Adjunta, por despacho do Exmo. Juiz Desembargador relator foi decidido julgar incompetente em razão da matéria o Tribunal da Relação de Lisboa, determinando-se a remessa dos autos ao C. Supremo Tribunal de Justiça (art.º 11.º/4, al. b), 427.º, 432.º/1, al. c), do Código de Processo Penal).

1.5. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, concluindo, que o recurso interposto pelo Ministério Público/recorrente deve merecer integral provimento, julgando–se violadas as normas jurídicas indicadas no recurso e devendo aplicar–se a pena conjunta e única na medida requerida e aqui também sustentada.

Foi cumprido o disposto no art.º 417º, n.º 2 do CPP.

Foram os autos aos vistos e à conferência,

Decidindo,

2. Fundamentação

2.1. De Facto:

A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte (transcrição):

2.1.1 – Factos Provados:

… … …

“No processo a) - 147/21.0... - ficou, resumidamente, assente:

No dia 24 de julho de 2021, entre as 21h00 e as 23h50, BB contactou telefonicamente CC (= CC), a fim de a mesma se deslocar a sua casa, sita na Rua ..., porquanto se magoou no tornozelo e carecia de auxílio para endireitar o pé, pedido a que a mesma acedeu;

Assim, nesse dia, entre as 21h00 e as 23h50, a CC deslocou-se, como combinado à residência de BB na qual se encontrava o AA;

Nessa sequência, o AA dirigiu-se à residência da ofendida, a fim de fazer seus objetos de valor que encontrasse no interior da residência e que conseguisse transportar consigo;

Aí, o arguido AA trepou o muro do quintal dessa residência, e que dá acesso ao logradouro da mesma, com cerca de um metro e meio de altura; Uma vez chegado ao logradouro da referida habitação, AA, de maneira não concretamente apurada, estroncou a porta traseira, que se encontrava trancada e que dava acesso à cozinha, abrindo-a;

Ato contínuo, pelo espaço assim aberto, acedeu ao interior da habitação e levou consigo vários bens alimentares, no valor de pelo melo menos €50,49 (cinquenta euros e quarenta e nove cêntimos) e um relógio de marca “Celsus”, no valor de pelo menos €140,00, abandonando, de seguida, o local;

O arguido AA agiu com o propósito concretizado de fazer seus os objetos que se encontravam no interior da aludida residência e que conseguissem transportar consigo, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem o consentimento dos seus proprietários;

Para alcançar tal desiderato representou como necessário que tivesse de saltar o muro que dava acesso ao logradouro da residência e que tivesse que estroncar a fechadura para aceder ao interior da referida habitação;

Atuou, assim, representando e querendo introduzir-se na referida residência, trepando o muro que dava acesso ao logradouro daquela, como meio instrumental e necessário para alcançar tal desiderato;

Mais atuou representando e querendo introduzir-se na referida residência, estroncando a porta traseira que dava acesso à cozinha, que se encontrava trancada, como meio instrumental e necessário para alcançar tal desiderato;

O arguido agiu, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei penal; 1.2.

No processo b) - 1327/21.3... - ficou, resumidamente, assente:

No dia 15.8.2021, pelas 22h00, o Arguido AA dirigiu-se à residência sita na ..., em ..., pertencente a DD e EE com o intuito de se apropriar do que encontrasse e lhe interessasse. Uma vez naquele local, o arguido, transpôs o muro lateral de 1,60m que delimitava a residência e acedeu ao interior de uma arrecadação, retirando do frigorífico que ali se encontrava os seguintes bens/géneros alimentares no valor global inferior a €102,00 - 1 embalagem de salmão fumado com o peso de 250g da marca Lofoten; - 4 embalagens de salmão fumado, com peso unitário de 100g, da marca Rokt Orret; - 1embalagem de presunto com o peso de 135g da marca Stranda; - 1 garrafão de lixívia de 2L da marca Continente; - 1 embalagem de feijão verde com 1 Kg da marca Amanhecer; - 1 embalagem de lulas congeladas com 300g da marca Glacialis; - 1 couvet de miudezas de frango da marca Coprave; - 2kg de carne para guisar; - 10Kg de batatas. Na posse dos referidos artigos alimentares o arguido abandonou o local, integrando-os no seu património. O arguido agiu com o propósito concretizado de fazer seus os referidos géneros alimentares as referidas batatas, apesar de saber que não lhe pertenciam e de saber que agia contra a vontade do seu legítimo proprietário. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

1.3.

No processo c) - 1529/21.2... - ficou, resumidamente, assente:

NUIPC 732/21.0...:

No período compreendido entre as 19h15 do dia 9 de Maio de 2021 e as 00h10 do dia 10 de Maio de 2021, o arguido dirigiu-se ao veículo automóvel com a matrícula ..-..-FQ, que se encontrava estacionado na Rua ..., pertencente a FF, e, uma vez lá chegado, de forma não concretamente apurada, partiu o trinco da janela traseira do lado direito da referida viatura, e retirou do interior da mesma vários objetos pertencentes a GG, que utilizava a viatura, nomeadamente:

- um par de óculos graduados da marca Guess, com o valor de 89 €,

- um par de óculos de sol da marca Arnett, de cor preta, com o valor de 95 €,

- uma carteira porta-cartões, sem marca, com o valor de 15,00 €,

- um cartão do cidadão,

- uma carta de condução,

- um cartão bancário multibanco emitido pelo Banco Novo Banco, um cartão bancário emitido pela Cetelem, um cartão bancário emitido pela Wizink, e outros documentos pessoais, bens que se encontravam no interior do porta-luvas e que o arguido levou consigo.

Mais o arguido retirou e levou consigo o livro com as instruções e o livro de inspeções da viatura, e outros documentos pessoais, bens que se encontravam no interior do porta-luvas, pertencentes a FF. O arguido quis apropriar-se dos referidos bens pertencentes aos dois ofendidos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, e que atuava contra a vontade dos dois ofendidos, o que conseguiu.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação.

NUIPC 131/21.3...:

Às 00:00h do dia 4 de setembro de 2021, na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., o arguido dirigiu-se a HH, que se encontrava no interior da sua viatura com a matrícula ..-AE-.., num local ermo e escuro, e, sem que nada o fizesse prever, entrou na mesma e sentou-se ao seu lado, na cadeira do passageiro.

Assim que se sentou, de imediato exibiu a HH um objeto cortante de características não concretamente apuradas, com o qual se tinha previamente munido, e proferiu a seguinte expressão: “Dá-me o meu dinheiro! Já estive preso sete anos e não me importo de ir preso outra vez!”.

Após, o arguido saiu da viatura, retirando e levando consigo a carteira de HH que se encontrava no banco contendo no seu interior 15 €, bens que fez seus.

O arguido quis retirar e apropriar-se da carteira e da quantia de 15 € em numerário que sabia pertencerem ao ofendido, contra a vontade deste, tendo para o efeito, através da exibição do objeto cortante e das expressões acima reproduzidas, proferidas com a intenção de lhe causar receio para a vida e para a integridade física, aproveitando ainda a circunstância de estarem num local ermo e escuro, o constrangido à entrega de tais bens, impossibilitando-o de lhe resistir, tudo o que conseguiu.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação.

NUIPC 1529/21.2...:

No dia 13 de setembro de 2021, pelas 22h45, na Estrada ..., freguesia de ..., concelho de ..., o arguido aproximou-se do assistente II, abordou-o e exigiu-lhe a entrega de quantias em numerário. Perante a recusa do assistente, o arguido foi seguindo-o, a pé, e já na Av. ..., após passar a R. ..., num local ermo e escuro, o arguido exibiu-lhe uma navalha, com a qual se tinha previamente munido, direcionando-a para si, ao mesmo tempo em que lhe dirigiu a expressão: “Passa-me o dinheiro! Senão, dou-te um enfardamento!”.

O assistente, com medo que o arguido atentasse contra a sua vida ou a sua integridade física, entregou ao arguido a carteira que trazia consigo.

De seguida, o arguido abriu e retirou da carteira pertencente ao assistente a quantia de 20 € em numerário, quantia que o arguido fez sua.

O assistente tinha escondido outras quantias em numerário no interior do seu vestuário, por recear que poderia ser vítima da prática de ilícitos criminais por parte do arguido.

Insatisfeito por só ter encontrado a quantia de 20 € em numerário no interior da carteira, o arguido disse ao assistente que no dia seguinte estaria à sua espera, causando-lhe atemorização em voltar a ser vítima de factos idênticos.

O arguido quis retirar e apropriar-se da carteira e da quantia de 20 € em numerário que sabia pertencerem ao assistente, contra a vontade deste, tendo para o efeito, através da exibição da navalha e das expressões acima reproduzidas, proferidas com a intenção de lhe causar receio para a vida e para a integridade física, aproveitando ainda a circunstância de estarem num local ermo e escuro, o constrangido à entrega de tais bens, impossibilitando-o de lhe resistir, tudo o que conseguiu.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação.

No dia 19 de setembro de 2021, pelas 22h, na Avenida ..., freguesia de ..., concelho de ..., o arguido aproximou-se novamente do assistente, abordou-o e exigiu-lhe a entrega de quantias em numerário.

Perante a recusa do assistente, que lhe respondeu que não tinha qualquer quantia em numerário consigo, o arguido foi seguindo-o, a pé, e, num local ermo e escuro, revistou-o, explorando o conteúdo dos bolsos do seu vestuário, retirou-lhe a carteira, abriu-a, forçou-o a descalçar-se, disse-lhe que o agrediria caso não o fizesse, mas pese embora todas as suas investidas, não encontrou qualquer quantia em numerário. O assistente, com medo que o arguido atentasse contra a sua vida ou a sua integridade física, não lhe ofereceu qualquer resistência, seguindo todos os seus comandos.

O arguido quis, através das expressões que lhe dirigiu, proferidas com a intenção de lhe causar receio para a integridade física, aproveitando ainda a circunstância de estarem num local ermo e escuro, constranger o assistente a ser revistado e descalçado, impossibilitando-o de lhe resistir.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação.

NUIPC 1541/21.1...:

Em data não apurada pouco antes do dia 20 de setembro de 2021, o arguido dirigiu-se à residência de JJ, sita na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ... e, uma vez lá chegado, depois de bater à porta da referida residência e de ser atendido pelo ofendido, que já se encontrava reformado e residia sozinho, de imediato exigiu-lhe que lhe entregasse dinheiro.

Contudo, como o ofendido lhe transmitiu que não tinha dinheiro, o arguido, de imediato, exibiu-lhe uma faca, com a qual se tinha previamente munido, e exigiu-lhe que lhe entregasse dinheiro.

O ofendido, por recear pela sua integridade física e até pela sua vida, entregou ao arguido a quantia de 20 €, quantia que o arguido fez sua.

O arguido quis retirar e apropriar-se da quantia de 20 € em numerário que sabia pertencer ao ofendido, contra a vontade deste, tendo para o efeito, através da exibição da faca e das expressões acima reproduzidas, proferidas com a intenção de lhe causar receio para a vida e para a integridade física, o constrangido à entrega de tal quantia em numerário, impossibilitando-o de lhe resistir, tudo o que conseguiu.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação.

NUIPC 130/21.5...:

No dia 22 de setembro de 2021, pelas 7h45, na Avenida ..., freguesia de ..., concelho de ..., o arguido aproximou-se de KK, que se encontrava de pé ao lado do seu motociclo, num local ermo e escuro, e, depois de encetar um diálogo com ele, perguntou-lhe se ele não o conhecia.

De seguida, sem que nada o fizesse prever, o arguido deu dois passos em frente, em direção à mochila do ofendido que se encontrava na mota.

Para evitar que o arguido retirasse e levasse consigo a sua mochila, o ofendido sentou-se na mota.

De seguida, o ofendido pegou no telemóvel e fingiu que estava a telefonar para a polícia.

Ato contínuo, o arguido dirigiu-lhe a seguinte expressão: “se telefonas para a polícia esfaqueio-te todo! Eu roubo-te tudo das algibeiras, sem te sentires!”.

Perante as referidas expressões, o ofendido foi sempre dizendo que não tinha nada com ele.

De seguida, o arguido, exibiu-lhe uma navalha, com a qual se tinha previamente munido, apontou-a ao ofendido, e ordenou-lhe que abrisse a mochila.

Contudo, o ofendido não o fez e manteve que não tinha nada com ele.

Entretanto, chegou ao local a testemunha LL, colega do ofendido e, nesse momento, apercebendo-se que já não estavam sozinhos, o arguido dirigiu ao ofendido a seguinte expressão: “Vou-te apanhar numa canada e vais ver o que te acontece!”, causando-lhe receio que viesse a ser agredido ou mesmo morto pelo arguido, tendo de seguida abandonado o local.

O arguido quis retirar e apropriar-se de bens que sabia pertencerem ao ofendido, contra a vontade deste, tendo para o efeito, através da exibição da navalha e das expressões que lhe dirigiu, proferidas com a intenção de lhe causar receio para a vida e para a integridade física, aproveitando ainda a circunstância de estarem num local ermo e escuro, o constrangido à entrega de tais bens, impossibilitando-o de lhe resistir, apenas não conseguindo a apropriação de bens pertencentes ao ofendido por razões alheias à sua vontade.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação.

À data da prática dos factos, não eram conhecidos quaisquer rendimentos obtidos de forma lícita pelo arguido. O arguido atuou sempre através do mesmo modus operandi, fazendo da prática de crimes contra bens jurídicos pessoais e o património modo de vida.

1.4.

No processo d) - 1172/21.6... - ficou, resumidamente, assente:

No dia 25 de julho de 2021, pelas 3H30, quando se encontravam na Rua ..., em ..., o arguido AA, ao aperceber-se de que MM ali passava, a pé, com uma mala de senhora, de cor preta, da marca “Parfois”, no valor de €20,00, contendo €10,00 em notas do BCE, um perfume e artigos de maquilhagem no valor global de €15,00, chaves de casa e da casa da madrinha e documentos, abeirou-se da mesma, agarrou a referida mala, exercendo força muscular e puxou-a. MM tentou impedir os intentos do arguido, agarrando-se à sua mala, mas não resistiu ao puxão feito pelo arguido, que, assim subtraiu e integrou no seu património a referida mala, objetos, valores e documentos. O arguido, agiu com o propósito logrado de fazer seus os referidos bens, valores e documentos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam, que o fazia contra a vontade da sua legítima dona. Agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

2.

Das condições pessoais do condenado:

AA, à data dos factos, encontrava-se integrado no agregado reconstruído da progenitora, do qual nunca se autonomizou, composto por esta, pelo padrasto e por três irmãos, residindo o agregado em habitação social. Mais recentemente a progenitora separou-se do companheiro e integrou este agregado uma irmã do arguido, o respetivo companheiro e dois filhos. Em alguns períodos, marcados por uma maior desorganização e intensificação da toxicodependência e de conflitos com a família, AA permaneceu já na situação de sem abrigo, contudo acabando por retornar ao agregado de origem. À data dos factos, o arguido não exercia qualquer atividade profissional ou ocupacional, mantendo um quotidiano muito centrado na problemática aditiva e em sociabilidades a ela associadas, com impacto na construção de uma imagem social muito negativa. Apenas de forma muito ocasional exerceu funções na área da construção civil. O agregado familiar subsistia de prestações da segurança social, com poucos dos elementos a exercer atividade profissional regular. Do processo de desenvolvimento do arguido, refira-se que este é oriundo de um agregado de modesta condição socioeconómica e cultural, sendo o 5º de 6 filhos. O ambiente familiar era marcadamente disfuncional, com episódios de violência doméstica perpetrados pelo progenitor à progenitora, estando ambos associados a consumos etílicos excessivos. Quando o arguido era ainda menor de idade, o progenitor abandonou o agregado, o que culminou num agravamento da condição socioeconómica do núcleo familiar. A progenitora revelava défices em termos de competências e cuidados parentais, com acentuadas dificuldades no acompanhamento educativo da fratria e uma atitude tendencialmente desculpabilizante em relação a comportamentos desajustados do arguido. AA foi acolhida em contexto institucional durante a adolescência, em Instituição na ..., o que este e a família atribuem ao absentismo escolar e a dificuldades de cumprimento das regras neste contexto. Habilitado com o 6º ano de escolaridade, AA regista um percurso escolar caracterizado por absentismo e insucesso, tendo abandonado o sistema de ensino por volta dos 15 anos de idade. Desde então, na esfera laboral, regista experiências pontuais como servente de pedreiro, pouco consequentes. Iniciou, com cerca de 16 anos de idade, o consumo de estupefacientes, acentuando um percurso marginal e uma convivência social marcada pela problemática aditiva. Realizou tratamento de substituição opiácea com toma de metadona, e, posteriormente, em contexto de reclusão, com toma de suboxone. Chegou a ser internado no Instituto ... - Casa de Saúde de ..., para reabilitação aditiva, que abandonou apenas após um dia de internamento. Antes da presente reclusão (que decorre desde setembro de 2021), o arguido mantinha consumo de estupefacientes, nomeadamente heroína e drogas sintéticas. Durante a reclusão realizou tratamento da toxicodependência, com toma de suboxone, que concluiu em dezembro passado. AA encontra-se preso desde 24.09.2021, em cumprimento sucessivo de penas, atualmente em cumprimento duma pena única de 9 anos e 7 meses, à ordem do Processo 1534/23.4... Tem ainda pendente de cumprimento, a pena em que foi aplicada no processo 1411/19.3... Aguarda ainda julgamento no Processo 22/18.5... Em contexto prisional apresentou algumas infrações até ao início deste ano, denotando atualmente e após a transferência para o Estabelecimento Prisional ..., um comportamento mais ajustado. Tem participado em algumas atividades ocupacionais e realizou frequência do 3º ciclo, que, contudo, não concluiu, ainda que pretenda voltar a inscrever-se. Pelos menos desde 2011 que AA vem mantendo contactos com o sistema de Justiça, tendo sofrido condenações em penas probatórias e detentivas. Foi acompanhado pela DGRSP no âmbito dos processos 1776/18.4... e 1411/19.3..., (condenado em penas de prisão de 6 meses e 15 dias e 2 anos e 6 meses, suspensas na sua execução e sujeitas a regime de prova), contexto em que não cumpriu as obrigações aí previstas. O arguido concorda parcialmente com as penas de prisão em que se encontra condenado, entendendo-as, no entanto, como excessivas. Denota alguma consciência crítica sobre o seu comportamento criminal, ainda que mitigue a sua responsabilidade, que contextualiza sobretudo à dependência aditiva. É um indivíduo que indicia lacunas em termos de competências pessoais e sociais, de resolução de problemas e consequentemente dificuldades de estruturação duma situação mais autónoma. AA, de 32 anos de idade, é um indivíduo que tem evidenciado acentuadas dificuldades de inserção social e de concretizar um projeto de vida estruturado e normativo. O seu percurso de vida foi condicionado pela disfuncionalidade e conflituosidade do agregado familiar de origem, pelas baixas competências escolares e profissionais, por um quotidiano sem rotinas nem atividades estruturadas e pela associação a pares desviantes. O historial aditivo e as tentativas de reabilitação sem sucesso, mais acentuaram as dificuldades de estruturação do indivíduo, que mantém a dependência da família. Pese embora indicie alguma motivação quanto a uma mudança comportamental, as lacunas em termos de competências pessoais e sociais e as fragilidades ao nível da consciência crítica poderão condicionar negativamente o seu processo de reinserção social;

3.

O arguido já foi condenado:

. Por sentença de 10.10.2011, relativamente a factos integradores dos crimes de roubo e furto na forma tentada, praticados em 25.6.2010 e 12.2.211, na pena de prisão substituída por trabalho;

. Por sentença de 17.11.2011, relativamente a factos integradores dos crimes de furto qualificado, roubo e coação, praticados em 11.12.2010 e 23.12.2010, na pena de prisão;

. Por sentença de 27.4.2012, relativamente a factos integradores dos crimes de ofensa à integridade física simples e dano qualificado, praticados em 20.7.2010, na pena de prisão;

. Por sentença de 23.10.2019, relativamente a factos integradores dos crimes de injúria e dano simples, praticados em 5.8.2018, na pena de prisão suspensa na sua execução;

. Por sentença de 2.12.2020, relativamente a factos integradores do crime de roubo, praticados em 8.10.2019, na pena de prisão suspensa na sua execução;

. Por sentença de 15.11.2011, relativamente a factos integradores do crime de furto simples, praticados em 15.8.2021, na pena de prisão;

. Por sentença de 6.4.2022, relativamente a factos integradores dos crimes de roubo, ameaça, furto qualificado e coação, praticados em 13.9.2021, 20.9.2021, 4.9.2021, 9.5.2021 e 19.9.2021, na pena de prisão;

. Por sentença de 27.3.2013, relativamente a factos integradores do crime de roubo, praticados em 25.7.2021, na pena de prisão.

4.

Motivação de facto:

As condenações acima referidas constam das certidões relativas a todos os processos supra identificados e do crc. As condições pessoais constam do relatório social que está no processo.”

2.2. Direito

2.2.1. É pelas conclusões que se afere o objecto do recurso (402º, 403º, 410º e 412º do CPP), sem prejuízo, dos poderes de conhecimento oficioso (artigo 410.º, n.º 2, do CPP, AFJ n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995, 410º, n.º 3 e artigo 379.º, n.º 2, do CPP).

O presente recurso tem por objeto o acórdão proferido pelo tribunal colectivo, no Juízo Central Cível e Criminal de ...-J..., que efectuou o cúmulo jurídico de diversas penas e condenou o arguido AA na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 5 (cinco) crimes de roubo, 2 (dois) crimes de furto qualificado, 1 (um) crime de furto, 1 (um) crime de coação e 1 (um) crime de ameaça.

É limitado ao reexame de matéria de direito, da competência, efectivamente, do Supremo Tribunal de Justiça, (assim se concordando com o despacho supra referido, proferido no Tribunal da Relação), - artigos 432º, n.ºs 1 al. c) e 2 e 434º, do CPP) -, sem prejuízo de se poder recorrer com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410º do CPP - art.º 432º, n.º 1, al. c), parte final, (na redacção dada pela Lei 94/2021, de 21.12).

2.2.2. Levando em conta as conclusões da motivação de recurso, a questão a decidir, é a da medida da pena única, que se entende deveria ser de 13 anos e 6 meses (e não 10 anos e 6 meses).

2.2.2.1. Pena única.

a.Determina o art.º 77º, n.º 1 do CP, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

E, dispondo sobre o conhecimento superveniente do concurso, diz o art.º 78º, n.º 1 do CP que se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. Acrescentando o n.º 2 que o disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

A moldura penal do concurso, é obtida a partir das penas parcelares, que, por sua vez, são obtidas seguindo o procedimento normal de determinação e escolha das penas.

Em caso de conhecimento superveniente, como o dos autos, o processo está encerrado, quanto às penas parcelares, com o trânsito em julgado da decisão relativamente a cada uma delas, nos processos em que foram aplicadas1.

A pena única referida no artigo 77.º, n.º 1, do CPP, corresponde, assim, a uma pena conjunta que tem por base as correspondentes aos crimes em concurso, procedendo-se não ao cúmulo material, mas jurídico.

A pena aplicável aos crimes em concurso, tem como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e, como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sem ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa - artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal.

Sendo que “o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”2.

No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com os critérios legais, ou seja, de forma “juridicamente vinculada”. “Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”3, sem que, porém, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exacto de pena4.

Assim, em termos gerais, obtida a moldura penal, há a considerar no processo de determinação da medida concreta da pena as finalidades da punição, constantes do art.º 40.ºdo Código Penal, e os comandos para determinação da medida concreta da pena dentro dos limites da lei, a que se refere o art.º 71º do CPP.

“Como critério especial, rege o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sobre as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), dispondo que, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir da moldura do concurso, para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção atrás mencionados (artigo 71.º), são considerados, em conjunto, e como critério especial, os factos e a personalidade do agente (n.º 1 do artigo 77.º, in fine), com respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.

Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas, familiares e sociais, como a sua inserção na sociedade na comunidade em que reside e a situação laboral, reveladoras das necessidades de socialização, a receptividade das penas, a capacidade de mudança em consequência, a suscetibilidade de por elas ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta licita”5.

Vem sendo jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça que, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, em termos gerais, mas também, especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento.

“Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes, adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou”6.

“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura legal – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes7.

Em tudo devem ainda considerar-se “os princípio da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”8, que deve presidir à fixação da pena conjunta9.

“Tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só, uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”, como ensina o Prof. Figueiredo Dias10.

As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente11.

A pena deve, ainda, servir finalidades exclusivamente de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, não podendo ultrapassá-la”12.

E, para além dos factos praticados, importa, ainda, ponderar as condições pessoais e económicas do agente, a sua recetividade à pena e a suscetibilidade de ser por ela influenciado, elementos particularmente relevantes para apuramento das exigências de prevenção13.

b.No acórdão recorrido pode ler-se que para a determinação da pena única teve-se “em consideração a gravidade do conjunto dos factos praticados pelo condenado, extraindo-se desse conjunto a gravidade do ilícito global perpetrado. Os crimes julgados nos processos aqui em causa estendem-se por um período temporal já significativo e em grande parte são semelhantes. A gravidade individual de cada um deles foi relativamente baixa, como traduzem as penas concretas.

Assim, atendendo à gravidade e às circunstâncias atinentes à globalidade dos factos praticados, à semelhante natureza dos crimes praticados e à personalidade evidenciada nos mesmos, bem como no percurso criminal exposto e nas condições pessoais apuradas, a pena única para o AA deverá fixar-se nos 10 anos e 6 meses de prisão.

c.E considera o MP recorrente que a pena única aplicada peca por ser muito benevolente e por isso desproporcionada. Consequentemente, deve merece intervenção corretiva a pena única – 10 anos e 6 meses de prisão para uma pena de 13 anos e 6 meses de prisão, que, a pena única determinada pelo Tribunal a quo, violou, assim, os critérios contidos nas disposições conjugadas dos artigos 40.º, 70.º, 71.º, todos do Código Penal, pois não atendeu à factualidade constantes nos autos, que evidencia não só ou não tanto a ineficácia do acompanhamento para prevenir a reincidência como também a ausência de vontade do arguido em pautar a sua conduta em termos de cidadania responsável.

Pelo que não ponderou bem as exigências de prevenção geral de integração, bem como as necessidades de prevenção especial de ressocialização que no caso se fazem sentir.

Sendo idêntica a opinião do Exmo. Procurador Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça, dizendo, … “entendemos, em sintonia com o Ministério Público recorrente, que na avaliação da imagem global dos factos e da personalidade do arguido – particularmente quanto aos roubos, que revelam maior perigosidade e intensidade criminosa, a par com os demais fatores ponderáveis com reflexo para a tutela dos bens jurídicos violados e à luz dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal – a ponderação de todos os fatores em presença consentem que a pena conjunta adequada seja a pena de 13 anos e 6 meses de prisão, pedidos pelo recorrente, refletindo–se na pena conjunta fatores de compressão ainda temperados, mas equivalentes a ½ das penas parcelares aplicadas; o que nos parece proporcional à dimensão do ilícito global.”

E conclui que, … “o recurso interposto pelo Ministério Público/recorrente deve merecer integral provimento, julgando–se violadas as normas jurídicas indicadas no recurso e devendo aplicar–se a pena conjunta e única na medida requerida e aqui também sustentada.”

Não se ignora a existência dessa jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, como se refere no Ac. citado do STJ de 14.12.202314, “perante a amplitude da moldura penal do concurso, advoga que se adicione à parcelar mais elevada uma fracção variável das restantes penas parcelares (sendo frequente ver somada, à pena mais grave, fracções das demais penas que variam desde ½ até 1/5), tendo como referência diversos critérios jurisprudenciais e convocando um denominado “factor de compressão” que deve actuar entre o mínimo e o máximo da moldura penal prevista no art.º 77º, n.º 2, do Código Penal.”

Porém, a medida concreta da pena não poderá ficar dependente do resultado de uma operação aritmética, mas antes de uma ponderação dos factos e da personalidade do agente e demais critérios a que se referem os artigos 40º e 71º do CP.

Como se diz, ainda, no mesmo citado acórdão, “a convocação desses critérios apenas poderá ser entendida, porventura, como coadjuvante, e não mais do que isso, quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, tendo em vista as exigências dos princípios da proporcionalidade e proibição do excesso, mas sempre procurando a solução justa de cada caso concreto, apreciado na sua particular singularidade.”

Mas mesmo socorrendo-nos desta operação e adicionando ½ das penas parcelares, à parcelar mais elevada não se atinge aquela pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses. E, muito menos adicionando 1/5 ou 1/3. A pena aplicada aproxima-se antes da média obtida entre 1/5 e ½ (1/35) – das penas parcelares adicionadas à pena parcelar mais elevada, estando, por conseguinte, mesmo seguindo este critério em consonância com a pena aplicada15.

Mas, como se disse, a medida concreta da pena não poderá obter-se mediante uma simples operação aritmética, sendo esta apenas mais um factor a ponderar.

d.Neste caso, concorrem para o cúmulo jurídico:

i-a pena de 3 anos e 6 meses de prisão efetiva, em que o arguido foi condenado no processo nº.147/21.0..., por sentença de 17.11.2024, pela prática, em 24.7.2021, do crime de furto qualificado, transitada em julgado a 22.12.2023;

ii-a pena de 3 meses e 15 dias de prisão, aplicada ao arguido, no processo nº.1327/21.3..., por decisão de 15.11.2021, transitada em julgado no dia 15.12.2021, pela prática em 15.8.2021, de um crime de furto simples;

iii-as penas parciais de 2 aos e 2 meses de prisão; 3 anos e 2 meses de prisão; 3 anos e 4 meses de prisão; 1 ano e 4 meses de prisão; 3 anos e 2 meses de prisão; 2 anos e 2 meses de prisão; 6 meses de prisão, respetivamente fixadas no processo nº.1529/21.2..., por sentença de 06.04.2022, transitada em julgado a 16.05.2022, pela prática, entre 9 de maio de 2021 e 22 de setembro de 2021, dos crimes de furto qualificado; roubo; roubo; coação; roubo, roubo e ameaça, respectivamente.

iv-a pena de 1 ano e 10 meses de prisão fixada no processo nº.1172/21.6..., por sentença de 27.3.2023, pela prática de um crime de roubo, praticado em 25.7.2021, transitada em julgado em 05.05.2023.

A moldura penal é, assim, de 3 anos e 6 meses a 21 anos, 5 meses e 15 dias de prisão.

São 10 os crimes praticados, pelo arguido, entre 09.05.2021 e 22.09.2021, sendo 5 (cinco) deles de roubo, 2 (dois) crimes de furto qualificado, 1 (um) de furto simples, 1 (um) de coação e 1 (um) de ameaça.

São crimes complexos, que atentam contra bens jurídicos patrimoniais – o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – quer contra bens jurídicos pessoais – a liberdade individual de decisão e acção, ou mesmo a própria liberdade de movimentos, a integridade física ou mesmo a vida16.

Ocorreram num período delimitado no tempo, cerca de 4/5 meses, sendo semelhantes na sua natureza e execução e com os mesmos objectivos.

O arguido tinha 30 anos à data da sua prática. As quantias e objectos de que se apropriou não são de grande monta e alguns são bens alimentares.

Levando em conta a concentração dos crimes num período relativamente curto e a idade do arguido não é possível falar-se de uma “carreira criminosa”, que deveria prolongar-se por um maior período temporal, mas é patente uma apetência pela prática deste tipo de crimes, sobretudo motivada pela toxicodependência.

As necessidades de prevenção geral são grandes dada a frequência deste tipo de criminalidade e o elevado sentimento de insegurança que gera nos membros da comunidade, conduzindo à perda de confiança dos cidadãos nas instâncias judiciais e na validade das normas.

Como supra se diz, sobre as condições pessoais, “denota alguma consciência crítica sobre o seu comportamento criminal, ainda que mitigue a sua responsabilidade, que contextualiza sobretudo à dependência aditiva. O seu percurso de vida foi condicionado pela disfuncionalidade e conflituosidade do agregado familiar de origem, pelas baixas competências escolares e profissionais, por um quotidiano sem rotinas nem atividades estruturadas e pela associação a pares desviantes. O historial aditivo e as tentativas de reabilitação sem sucesso, mais acentuaram as dificuldades de estruturação do indivíduo, que mantém a dependência da família.”

O modo de execução e gravidade de parte dos factos pelos quais foi condenado, requerem exigências preventivas de socialização, embora indicie, “alguma motivação quanto a uma mudança comportamental”, parecendo estar a responder positivamente. E só, as lacunas em termos de competências pessoais e sociais e as fragilidades ao nível da consciência crítica poderão condicionar negativamente o seu processo de reinserção social, como se lê no relatório sobre as condições pessoais do arguido.

Na avaliação da imagem global dos factos importa sopesar a natureza dos diversos crimes, o respetivo grau de dolo e a ilicitude, particularmente quanto aos roubos e respetivo modo de execução, o desvalor do resultado e dos efeitos reais ou potenciais para os bens jurídicos tutelados pelos tipos criminais violados, tudo concorrendo para elevadas necessidades de prevenção geral.

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto todos os factos em presença, a sua relacionação com a personalidade do recorrente e os fins das penas, entendemos adequada a pena única conjunta de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão que foi imposta pelo acórdão recorrido que está dentro daqueles parâmetros que vimos referindo e em consonância com a jurisprudência deste Tribunal.

É, pois, equilibrada, proporcional e ajusta-se aos critérios emergentes dos art.ºs. 40º, 71.º e 77.º, n.º 1, parte final, todos do Código Penal, normas não violadas, não se justificando a intervenção corretiva deste Tribunal.

Improcede, assim, o recurso.

3. Decisão.

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, acorda em:

-negar provimento ao recurso do Ministério Público, confirmando, antes, a decisão cumulatória recorrida.

-sem tributação.

*

Lisboa, 02 de Abril de 2024

António Augusto Manso (Relator)

Jorge Raposo (Adjunto)

Carlos Campos Lobo (Adjunto)

_____________________________________________

1-Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt

2- Ac.FJ n.º 9/2016, DR n.º 111, série I, de 09.06.2016.

3- FD, Direito Penal Português - As Consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p. 194 e segs., citado no Ac. do STJ de 14.12.2023, proc. 130/18.2JAPTM.2.S1, in, www.dgsi.pt.

4- Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt

5-Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248 e segs, e o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S, e de 16.2.2022, Proc.160/20.4GAMGL.S1, www.dgsi.pt, citados no ac. do STJ de 21.02.2024, proc. 1553/22.8PBPDL.L1.S1.

6-Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. n.º 36/20.5GCTND.C1.S1, www.dgsi.pt

7-8- Ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1, www.dgsi.pt.

9- Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228, de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05. 8SOLSB-A.S1, como se lê no ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt, citando o ac. do STJ de 31.03.2011, proc. n.º 169/09.9SYLSB.S1.

10-Citado no Ac. do STJ de 25.09.2024, proferido no proc. 3109/24.1T8PRT, 3ª secção, e v. ainda, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele mencionada.

11- Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt

12-ac. do STJ de 06.01.2021, proferido no proc. n.º 634/15.9PAOLH.S2, in www.dgsi.pt

13-14- Ac. do STJ de 14.12.2023, proferido no processo n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, in www.dgsi.pt

15-adicionando 1/2 das penas parcelares à parcelar mais elevada, daria 12 anos 4 meses e 23 dias, e adicionando 1/3, daria 9 anos 5 meses e 25 dias.

16-Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial tomo II, Coimbra Editora, p. 160.