I - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sem prejuízo de poder retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença (art. 613.º do CPC, ex vi arts. 4.º, 379.º e 380.º do CPP, que, nesta matéria, contém disciplina própria). Esgotado o poder jurisdicional, não tendo que retificar erros ou suprir nulidades, o juiz (o tribunal recorrido) só readquire poderes jurisdicionais, limitados em função da decisão de recurso, se, aberta a instância de recurso, nessa instância for reconhecido erro ou anomalia da decisão que, em cumprimento de acórdão do tribunal de hierarquia superior, devam ser corrigidos, caso em que a sentença proferida deve ser modificada nos termos que forem determinados.
II - Assim delimitados os poderes do tribunal a quo, mantendo-se o procedimento, está-lhe vedada a possibilidade de, em nova decisão, conhecer de outros factos; não sendo o recurso um novo julgamento, mas apenas um meio processual de verificação da regularidade e legalidade da decisão recorrida e de correção de erros in procedendo ou in judicando, delimitado pela pretensão do recorrente e pelos poderes de cognição do tribunal ad quem, não pode este tribunal conhecer de questões que não tenham sido ou que não devessem ser apreciadas na decisão recorrida.
III - A apreciação do recurso da sentença reformada (art. 684.º, n.os 2 e 3, do CPC, ex vi art. 4.º do CPP), que deve corresponder à anterior com as modificações impostas em recurso, limita-se às questões suscitadas com base na situação existente à data da audiência para a realização do cúmulo jurídico no acórdão anulado, descrita no acórdão reformado, desconsiderando-se os factos posteriores alegados pelo recorrente que, na sua pretensão, seriam relevantes para efeitos de não consideração das penas de prisão suspensas na sua execução, por extinção ou decurso do prazo de suspensão, ou para efeitos de prescrição das penas.
IV - Estando os crimes numa relação de concurso e a decorrer o período de suspensão à data do conhecimento superveniente do concurso, deverá a pena de prisão substituída concorrer para a determinação da pena única, nos termos do art. 77.º, n.º 2, do CP.
V - Sendo aplicada uma pena conjunta, releva, para efeitos de prescrição, a pena conjunta, por ter ganho autonomia relativamente a cada uma das penas parcelares. Isto sem prejuízo de, sendo as penas aplicadas em decisões autónomas, o prazo de prescrição correr separadamente relativamente a cada uma das decisões, a partir do respetivo trânsito em julgado, o que, se fosse o caso, impossibilitaria a inclusão de uma pena prescrita em processo separado numa decisão de conhecimento superveniente do concurso.
VI - As penas agora em questão foram, conjuntamente com as penas correspondentes a outros crimes, objeto de uma mesma decisão, pelo que o prazo de prescrição se conta com referência à pena conjunta e à data do trânsito da decisão que a aplicou, e não com referência a cada uma delas, não importando solução diversa a circunstância de, por necessidade de efetivação de cúmulo superveniente, esse cúmulo dever ser reformulado.
VII - Na presença dos elementos da motivação em matéria de direito e da motivação em matéria de facto, carece de justificação a alegação do recorrente de que o acórdão sofre de nulidade por falta de fundamentação, a qual só ocorre nas situações em que, com as devidas adaptações, este não contém as menções referidas no n.º 2 e na al. b) do n.º 3 do art. 374.º do CPP [al. a) do n.º 1 do art. 379.º].
VIII - Considerando, em conjunto, a elevada gravidade dos factos praticados, evidenciada pela sua reiteração e prolongamento no tempo e pelo impacto financeiro das suas consequências, pela frequência da repetida violação dos deveres contributivos que ao arguido se impunham e pela persistência da intenção criminosa, bem como as caraterísticas de personalidade neles manifestada, a revelarem acentuadas necessidades de prevenção especial, aparentemente favorecidas pelas condições sociofamiliares mantidas na atual situação de reclusão, e tendo em conta todas as circunstâncias referidas, relevando por via da culpa e da prevenção nos termos dos arts. 71.º e 77.º do CP, não se mostra que a pena única, de 9 anos de prisão, tenha sido fixada em violação do critério de proporcionalidade legalmente imposto, pelo que não se justifica uma intervenção corretiva na medida da pena.
IX - A limitação do benefício do perdão de pena concedido pela Lei n.º 38-A/2023, de 2-08, a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática do facto (art. 2.º, n.º 1) não viola o princípio da igualdade estabelecido no art. 13.º, n.º 2, da CRP.
X - Não merece censura o acórdão recorrido que, seguindo a jurisprudência do STJ, não determinou a efetivação do desconto, a que se referem os arts. 78.º, n.º 1, e 81.º do CP, das penas de prisão suspensas na sua execução, por, num caso, não terem sido impostas obrigações ou regras de conduta e por, noutro caso, a suspensão com regime de prova não comportar a imposição de regras de conduta restritivas da liberdade, na consideração de que o desconto «equivaleria a premiar o decurso do tempo sem qualquer punição» ou «a prémio pelo simples decurso do tempo».
I. Relatório
1. Por acórdão de 30.11.2022, o Juízo Central Criminal do Porto, Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em conhecimento superveniente do concurso de crimes, procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos 7656/15.8..., 9492/05.0... e 2537/10.4TDPRT (presentes autos), condenando o arguido AA na pena única de 9 (nove) anos de prisão pela prática de crimes de burla qualificada, abuso de confiança fiscal, abuso de confiança contra a segurança social e falsificação.
2. Desse acórdão de 30.11.2022 interpôs o arguido AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando, em síntese, que a decisão recorrida:
(a) enfermava de «vários vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP»;
(b) procedia «a um juízo errado, de facto e de Direito, da matéria sub judice», por considerar «não prescritas penas que já prescreveram», ter procedido «ao cúmulo de penas de prisão efetivas conjuntamente com penas de prisão suspensas», não ter, quanto a penas suspensas com regime de prova, realizado o «respetivo desconto nos termos do referido artigo 81.º do CP», não ter ponderado «convenientemente a personalidade» do recorrente «violando o princípio da proporcionalidade e proibição do excesso que se lhe impunha observar» na determinação da pena e não ter observado «o critério específico consagrado no artigo 77.º, n.º 1 do CP»;
(c) sofria de nulidade por falta de fundamentação [artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP], por omissão da descrição dos factos do processo n.º 2537/10.4TDPRT e por violação do «dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta».
3. Conhecendo do recurso, o Supremo Tribunal de Justiça («STJ»), por acórdão de 13.03.2024, decidiu:
«a) Declarar nulo o acórdão recorrido, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte, e n.º 2, do CPP, por omissão de fundamentação de acordo com o n.º 2 do artigo 374.º e com o artigo 375.º do mesmo diploma, o qual deve, por isso, ser reformulado para suprimento da nulidade, tendo em conta o que na fundamentação se deixou expresso e o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, do Código Penal.
b) Não tomar conhecimento das demais questões suscitadas no recurso, que, assim, fica prejudicado.»
Em fundamentação do decidido nesse acórdão, verificou-se quanto ao processo n.º 2537/10.4 TDPRT que «(…) o acórdão [recorrido] é completamente omisso quanto aos factos que constituem [os] crimes de falsificação e quanto às respetivas circunstâncias relevantes para a determinação da pena», pelo que considerou justificar-se «concluir que não pod[ia]m considerar-se preenchidas as exigências legais de fundamentação relativamente à descrição dos factos e às suas circunstâncias de interesse para a conexão entre eles, para efeitos de apreciação da sua gravidade concreta, considerada na sua globalidade, e ao modo como, pelos fatores e circunstâncias relevantes, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, se relacionam com a personalidade do arguido, neles projetada e por eles revelada, o que imped[ia] a constituição da base necessária à aplicação do critério especial de determinação da pena única conjunta estabelecido no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal, segundo o qual, na medida da pena, são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
4. Em cumprimento do decidido pelo STJ, o Juízo Central Criminal do Porto – Juiz ... –, em acórdão de 28.04.2024, supriu a nulidade verificada e, seguindo os termos do anterior acórdão de 30.11.2022, aplicou ao arguido «a pena única de 9 (nove) anos de prisão, a qual engloba as penas parcelares aplicadas nos seguintes processos: 7656/15.8..., 9492/05.0... e 2537/10.4 TDPRT (presentes autos)».
5. Deste acórdão de 28.04.2024 do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal do Porto - Juiz ... – vem agora o arguido interpor novo recurso para o STJ, apresentando motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«Do Objeto do Recurso
1. O presente Recurso tem por objeto o Acórdão Cumulatório proferido pelo Tribunal a quo, nos termos do qual o Tribunal a quo procedeu ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos n.º 7656/15.8..., 9492/05.0... e 2537/10.4 TDPRT aplicando ao Recorrente a pena única de 9 (nove) anos de prisão.
2. A decisão de que se recorre vem no seguimento do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 13 de março de 2024, que declarou - e bem! – nulo o Acórdão Cumulatório proferido a 30 de novembro de 2022, nos termos do artigo 379.º n.ºalínea a), 1ªa parte e n.º 2do CPP, por omissão de fundamentação.
3. O Acórdão recorrido enferma de vários vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 e 3 do CPP e procede a um juízo errado, de facto e de Direito, da matéria sub judice.
4. O Tribunal a quo considerou como não prescritas penas que já prescreveram, não procedeu ao desconto pelo cumprimento de penas de prisão suspensas com fundamentos parcos e de difícil compreensão, não procedeu ao desconto pelo cumprimento parcial da pena de prisão que o Recorrente vem cumprindo e não teve devidamente em conta a personalidade do Recorrente como lhe era exigido ao abrigo do artigo 77.º do CP.
5. O Acórdão recorrido traduz uma decisão injusta e incompatível com os mais elementares princípios do Direito Penal e com as garantias constitucionais conferidas aos Arguidos.
Questões Prévias
Dos efeitos da pendência do recurso na liquidação da pena
6. À data de interposição do presente recurso, o Recorrente está prestes a cumprir trinta e um meses de prisão, tendo já cumprido muito mais que um quarto da pena aplicada, para os efeitos do disposto no artigo 79.º do CEPMPL.
7. O pedido de licença de saída jurisdicional formulado pelo Recorrente junto do Tribunal competente foi indeferido, entre outras razões, pela indefinição da situação jurídica do Recorrente atenta a pendência do acórdão Cumulatório que determinou a aplicação da pena única de 9 (nove) anos de prisão.
8. Cumpre esclarecer que, até trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida nos autos, a pena de prisão a ser cumprida pelo Recorrente se reporta à pena aplicada no âmbito do processo 9492/05.0..., única transitada em julgado. (…)
Da Fundamentação do Recurso
12. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre nenhuma das matérias indicadas pelo Recorrente no requerimento apresentado nos autos em 28 de março de 2024 e sobre o qual foi requerida a pronúncia e decisão por parte do Tribunal.
13. O Tribunal a quo omitiu o seu dever de pronúncia quanto ao Trânsito em Julgado da Pena Extinta no Processo n.º 7656/15.8..., à prescrição das penas aplicadas no âmbito do processo n.º 9492/05.0... e ao pedido de amnistia formulado ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto.
14. O Tribunal a quo elaborou o cúmulo envolvendo a pena principal aplicada ao Recorrente no âmbito do processo n.º 7656/15.8..., desconsiderando a declaração de extinção da pena emitida pelo Tribunal competente ao abrigo do artigo 57.º do CP.
15. O despacho que declarou a extinção da pena aplicada no âmbito do processo n.º 7656/15.8... transitou em julgado em 29 de novembro de 2023, estando tal decisão espelhada no boletim de extinção.
16. Readquirindo as penas a sua individualidade e autonomia, não poderia o Tribunal a quo deixar de atender ao trânsito em julgado da decisão que declarou extinta uma das penas que, erradamente, o Tribunal considerou para efeitos de cúmulo.
17. As consequências da nulidade do acórdão Cumulatório proferido em novembro de 2022, declarada pelo acórdão proferido por este Insigne Tribunal a 13 de março de 2024, obrigam a que a operação de cúmulo seja realizada ex nuovo, após a realização da audiência que teve lugar no dia 17 de abril de 2024.
18. Aquando da realização da audiência de cúmulo, a pena aplicada no âmbito do processo n.º 7656/15.8... já tinha sido declarada extinta, com decisão transitada em julgado.
19. É notório o entendimento deste Insigne Tribunal no sentido de “deve[re]m ser excluídas do concurso as penas de prisão suspensas declaradas extintas nos termos do art. 57.º, n.º 1, do CP, na medida em que, não podendo ser descontadas na pena única, por não terem sido cumpridas, o englobamento no concurso redundaria num agravamento injustificado dessa pena.”
20. Ao considerar tal pena na operação de cúmulo e determinação da pena única aplicável ao Recorrente, em clara desobediência dos limites de caso julgado formal e material e em manifesto prejuízo do Recorrente numa verdadeira reformatio in pejus operada por via da omissão de pronúncia de facto superveniente sobre o qual o Tribunal a quo se tinha, obrigatoriamente, de pronunciar, cometeu o Tribunal uma nulidade que, requer-se, seja sanada por este Insigne Tribunal mediante remoção da referida pena do cálculo do cúmulo jurídico que importa realizar nos presentes autos.
21. Nos termos do artigo 122.º, n.º 1, alínea d) do CP, as penas inferiores a dois anos de prisão prescrevem no prazo de quatro anos, começando o prazo de prescrição a correr no dia em que transita em julgado a decisão que tenha aplicado a pena.
22. O trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo n.º 9492/05.0... ocorreu em 10/09/2016.
23. As penas de 1 ano e 2 meses de prisão aplicada no processo 9492/05.0TDLSB, 1 ano e 6 meses de prisão aplicada no processo 494/10.6... e de 1 ano e 8 meses aplicada no processo 796/08.I..., sendo inferiores a 2 anos, prescreveram em 10/09/2020.
24. Estando prescritas, estas penas não poderiam ter sido consideradas pelo Tribunal a quo para efeitos de determinação da pena única aplicada ao Recorrente por meio do cúmulo jurídico.
25. «Se as penas foram declaradas extintas ou estão prescritas não entram no cúmulo jurídico» - cfr. acórdão deste Insigne Tribunal proferido no âmbito do processo n.º 626/07.1..., de 02-06-2021.
26. A moldura penal deve ser alterada de forma a retirar as penas prescritas que não podem ser consideradas para este cálculo, sob pena de o limite máximo configurar um injusto fator de dilação.
27. Ao incluir no cúmulo penas já prescritas, o Tribunal a quo incorre numa nulidade que deverá ser sanada mediante remoção das referidas penas da operação de cúmulo e redefinição da moldura penal abstratamente aplicável e da medida concreta da pena única a aplicar, que terá de ser necessariamente mais reduzida.
28. Nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 4, e 4.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (de ora em diante simplesmente designada por “Lei da Amnistia”), é perdoado um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos desde que o condenado tenha entre 16 (dezasseis) e 30 (trinta) anos à data da prática dos factos, incidindo tal perdão, em caso de condenação em cúmulo jurídico, sobre a pena única.
29. O Recorrente preenche todos os pressupostos para que lhe seja aplicado o perdão de pena previsto nos termos do artigo 3.º da Lei da Amnistia à exceção do limite de idade fixado no artigo 2.º da referida Lei.
30. A não aplicação do perdão de pena fixado na Lei da Amnistia ao Recorrente com fundamento exclusivo na idade que o mesmo tinha à data da prática dos factos que conduziram à sua condenação é claramente discriminatória e violadora do princípio basilar da igualdade, com proteção constitucional.
31. A única solução compatível com a observância das normas e princípios constitucionais será a aplicação da Lei da Amnistia, desaplicando-se o limite de idade previsto na parte final do n.º 1 do seu artigo 2.º com fundamento na inconstitucionalidade material que resulta da violação à norma ínsita no n.º 2 do artigo 13.º da CRP.
32. A previsão do limite de idade de 30 (trinta) anos no n.º 1 do artigo 2.º da Lei da Amnistia é arbitrária, infundada e desrazoável na medida em que trata arbitrariamente como desigual aquilo que é igual.
33. A omissão de pronúncia do Tribunal a quo fere o acórdão recorrido de nulidade, a qual deverá ser sanada mediante prolação de acórdão que considere e aplique, na decisão a tomar a final, o perdão de pena que resulta da aplicação do disposto no n.º 1 e 4 do artigo 3.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 2.º expurgado do limite de idade ali fixado com fundamento na inconstitucionalidade material assente na violação do princípio da igualdade na modalidade de proibição do arbítrio (artigo 13.º, n.º 2 da CRP).
34. Nos termos da aliena c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, é nula a sentença “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
35. “A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência deposição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC) [artigo 608.º Novo CPC] e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2011, no âmbito do processo 17/09.0TELSB.L1.S1.
36. Face à total ausência de pronúncia quanto às matérias elencadas supra pelo Recorrente perante o Tribunal a quo – desde logo no seu requerimento de 28 de março de 2024 – o Acórdão Recorrido padece de nulidade por evidente omissão de pronúncia.
37. As questões que foram suscitadas pelo Recorrente – nomeadamente, o trânsito em julgado da decisão que declarou extinta uma das penas que o Tribunal a quo integrou no cúmulo, a prescrição de penas que o Tribunal a quo também integrou no cúmulo e o pedido de amnistia que o Tribunal a quo ignorou – traduzem efetivas “questões” e não meros argumentos deduzidos pelo Recorrente.
38. Ao não se pronunciar sobre estas questões fundamentais suscitadas pelo Recorrente, incorreu o Acórdão Recorrido em nulidade por omissão de pronúncia.
39. “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.” – cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/95, de 28-12-1995, no âmbito do processo 046580.
40. Cabe nas competências deste Insigne Tribunal não só o conhecimento, mas também a decisão sobre estas nulidades previstas no artigo 379.º do CPP.
41. Deverá este Insigne Tribunal conhecer e decidir das questões aqui enunciadas, ao invés de reenviar o processo – de novo – para prolação de nova decisão pelo Tribunal a quo considerando, ademais, o prejuízo da situação do Recorrente no que toca à definição da sua situação com relevância para as medidas a adotar em sede de execução da pena a cumprir.
42. Procedendo-se à leitura da fundamentação do acórdão recorrido, constata-se que falhou o Tribunal a quo na obediência ao comando imposto pelo acórdão proferido por este Insigne Tribunal, mantendo-se, ainda que em diferente medida, o vício já antes apontado de falta de fundamentação da decisão que é tomada a final.
43. O Tribunal a quo violou o dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta ao recorrer ao emprego de fórmulas genéricas, tabelares ou conclusivas, sem reporte a uma efetiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente.
44. No ponto III do acórdão recorrido, em particular no capítulo 3.–“Medida concreta da pena única” –, é notório o recurso a formulações genéricas e conclusivas, sem reporte a uma efetiva ponderação abrangente da situação global e relacionação das condutas apuradas com a personalidade do agente.
45. Refugiando-se em fórmulas genéricas e vagas, o Tribunal a quo ensaia uma decisão imponderada e precipitada, que não procede à avaliação do caso concreto.
46. Nos três parágrafos que dedica à fundamentação da medida única aplicada o Tribunal a quo desconsidera, entre outros, (i) a qualidade em que o Recorrente foi condenado, (ii) as quantias pagas ao erário público por cada uma dessas sociedades, (iii) o número de funcionários a cargo de cada uma dessas sociedades e o impacto social e familiar da atividade de cada uma dessas sociedades, (iv) o facto de existirem dívidas resultantes de alterações à contabilidade das sociedades impostas por decisão do revisor oficial de contas, (v) o concreto grau de intervenção do Recorrente, e, sobretudo, não realiza o juízo autónomo e independente que, em sede de acórdão Cumulatório, lhe cabia efetivar.
47. Em momento algum o Tribunal a quo trata da questão da adequação da pena à culpa concreta global, não aborda devidamente a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e a sua extensão, omite o juízo relativo ao respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso que necessariamente tem de nortear a fixação da pena conjunta, a ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta e a fundamentação justificada da aplicação do princípio da justa medida em face da multiplicidade de penas parcelares englobadas no cúmulo.
48. A omissão do dever especial de fundamentação que era exigido ao Tribunal a quo na fixação da pena conjunta a aplicar fere de nulidade o acórdão recorrido.
49. A moldura penal do concurso é autónoma, resultante da consideração das penas aplicadas a cada um dos crimes integrantes do concurso, tendo como limiar mínimo a pena parcelar mais elevada e como limite máximo a soma de todas as penas aplicadas, devendo a fixação da pena judicial única resultar da atuação conjugada do binómio factos e personalidade.
50. Devem equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais, o que requer uma especial fundamentação da pena global.
51. O Tribunal a quo violou o dever especial de fundamentação que sobre si recaía, não se alcançando a razão de ser, o raciocínio ou a ponderação realizada para concluir pela aplicação da pena conjunta de 9 (nove) anos de prisão.
52. A formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível, devendo refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência – reflexão essa que não se encontra vertida no acórdão recorrido.
53. Para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, o critério geral do artigo 71º tem de ser conjugado com o critério específico consagrado no artigo 77.º, n.º 1 do CP, respeitando a proibição da dupla valoração.
54. Não resulta do acórdão recorrido a fundamentação que alicerça a decisão tomada a final.
55. No que concretamente respeita a dimensão da consideração da personalidade do agente, o Tribunal a quo, por referência ao relatório social elaborado em 2022, tendo o Tribunal deliberadamente optado por não pedir novo relatório social que refletisse a situação atual do Recorrente, como se a pena de prisão que tem vindo a cumprir desde então não fosse aspeto fulcral para o juízo que o Tribunal é convocado a realizar nos termos do disposto no artigo 77.º do CP.
56. O Tribunal a quo não procedeu a um julgamento com base nas características da personalidade do agente, aqui Recorrente: não foi tido em conta a idade do Recorrente, o facto de, além dos dois filhos mais velhos, ter dois filhos menores, em idade escolar, ou o estado de saúde mais fragilizado em que se encontra.
57. O Tribunal a quo inibiu-se de solicitar um Relatório Social atualizado que desse nota, inclusivamente, do cumprimento da pena e dos efeitos da reclusão para aferir das necessidades de prevenção especial e para atender no que respeita ao desconto que sempre teria de realizar por força do cumprimento parcial da pena de prisão que o Recorrente se encontra a cumprir.
58. É claro pela cominação da pena única de nove anos de prisão, que o Tribunal a quo não teve presente a imperativa dimensão humanizada que, perante um agente com idade avançada e com filhos menores, teria de ser impreterivelmente atendida, sendo que os ilícitos em apreço não podem considerar-se, face à gravidade da reação penal, como de grande criminalidade, respeitando a crimes de pequena ou média gravidade.
59. A adequação da conduta do Arguido ao “dever-ser” pode perfeitamente ser alcançável através da cominação do Recorrente a uma pena suspensa mediante sujeição a regime de prova onde sejam realizadas, por hipótese, entrevistas mais regulares – o que constituiria uma solução perfeitamente apta à finalidade de prevenção que aqui se pretende.
60. Se a aplicação de qualquer pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade (à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente), essa orientação deve ser especialmente ponderada quando se determina o quantum da pena conjunta.
61. No juízo de proporcionalidade que cabe realizar na fixação da pena conjunta, haverá que ponderar, de forma objetiva e justificada, a equivalência entre o desvalor legalmente atribuído aos factos contidos no comportamento global que sobreleva dos crimes em concurso, do número e dimensão das penas parcelares cumuladas, da gravidade da pena única e das finalidades da pena.
62. Sempre que tiver de convocar-se o princípio da «justa medida», impõe-se fundamentar o procedimento que conduziu à obtenção do juízo da desproporcionalidade da pena conjunta e da dimensão do correspondente excesso, enunciando o juízo comparativo efetuado e demonstrar as razões convincentes e o suporte normativo que podem justificar a intervenção corretiva e respetiva amplitude -artigo 205.º, n.º 1, da CRP.
63. No caso concreto, na avaliação da personalidade unitária do Agente que se impõe realizar conclui-se, à luz dos factos em discussão e dos relatórios sociais juntos aos autos, que o conjunto dos factos considerados é reconduzível a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do Recorrente, que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade que possam ser atendidas em desfavor do Recorrente, sendo fruto de uma conjuntura da vida do Recorrente, mas não um traço da sua personalidade.
64. Ponderando o circunstancialismo concreto apurado nos autos, será de convocar, in casu, o princípio da proporcionalidade de modo que não seja aplicada pena única mais elevada do que aquela que é exigida para reafirmar a estabilização dos bens jurídicos ofendidos e que no limite destas finalidades permita conter o perigo de estigmatização do condenado ou de adulteração irreversível da sua identidade humana.
65. Fazendo funcionar o princípio da proporcionalidade, entende-se que é de reduzir a pena única a aplicar nestes autos ao arguido à pena correspondente ao mínimo da moldura penal abstrata, equivalente à pena parcelar mais alta, de quatro anos.
66. Fixando-se a pena única em medida inferior a 5 anos de prisão, nos moldes peticionados, conclui-se, in casu, estar preenchido o pressuposto formal estabelecido no artigo 50º n.º 1 do CP para que este Insigne Tribunal possa equacionar a suspensão da respetiva execução, podendo este Tribunal prognosticar que a pena de substituição é, no caso concreto, adequada e suficiente para prevenir a reincidência.
67. Resulta dos factos provados que o Recorrente cumpriu já quase 31 meses de prisão efetiva e, bem assim, a totalidade das penas suspensas objeto de cúmulo, tendo manifestado sempre uma conduta exemplar.
68. Para determinação da pena única aplicável, o Tribunal considerou equivalentes, para efeitos de contagem, a pena de prisão efetiva e as penas de prisão suspensas sendo que estas últimas não são equiparáveis na íntegra: uma trata-se “apenas e só” de uma pena suspensa e a outra consiste numa pena suspensa sujeita a regime de prova.
69. Resulta do artigo 50.º do CP que a pena suspensa, enquanto pena de substituição, não constitui para efeitos de determinação da pena única do concurso, uma pena da mesma natureza do que a pena de prisão, sendo equivalente ao de uma pena substitutiva, regendo-se por normativos próprios, não sendo comparável, conceptual, político-criminalmente ou em termos de execução, à pena de prisão.
70. Trata-se de uma pena de substituição cuja matriz de origem e base está condicionada, e que pode vir a ser declarada extinta através do procedimento adequado sendo que, enquanto não puder decorrer o procedimento de execução da pena suspensa, com a decisão de extinção da pena ou revogação da suspensão, não é suscetível de execução como pena de prisão, pelo que esta pena não se mostra passível de ser objeto de cúmulo jurídico com uma outra pena, que não tenha a mesma natureza.
71. Cumular reclusão com liberdade é uma operação que se mostra, em si mesma, impossível, sendo que um entendimento diverso implica alterar a pena efetivamente imposta.
72. Tendo o Tribunal a quo considerado as penas parcelares de prisão suspensas na sua execução e tendo-as integrado no cúmulo, teria de, consequentemente, ter considerado o período já cumprido pelo Recorrente nesse regime à luz do disposto no artigo 81.º, n.º 1 e n.º 2 do CP.
73. No caso concreto, não existiu da parte do Recorrente qualquer incumprimento dos deveres e regras de conduta e tampouco praticou o Recorrente qualquer crime no decurso da suspensão, não resultando excluída a possibilidade de aplicação do desconto, à luz do disposto no artigo 56.º, n.º 2 do CP, que poderia e deveria ter sido realizado pelo Tribunal a quo.
74. À data da elaboração do cúmulo jurídico, a pena aplicada no âmbito do processo n.º 7656/15.8..., tinha já sido declarada extinta por declaração do tribunal nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal – declaração essa que, à data, havia já transitado em julgado.
75. À data, tinha também já decorrido o tempo de suspensão da pena de substituição aplicada nos presentes autos (no processo n.º 2537/10.4TDPRT), considerando que o trânsito em julgado – como resulta do acórdão recorrido – ocorreu a 7 de setembro de 2020 e o termo dos dois anos e nove meses ocorreu a 7 de junho de 2023.
76. Ainda que não tenha sido proferida decisão de extinção da pena, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão da pena suspensa aplicada no processo n.º 2537/10.4TDPRT, por maioria de razão, o decurso do período de suspensão deverá ter como consequência a impossibilidade de incluir tal pena na operação de cúmulo.
77. Caso se considere que o decurso do período de suspensão sem declaração do tribunal emitida nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 57.º do CP não seja suficiente para remover do cúmulo a pena aí aplicada, deverá, em qualquer caso, ser aplicado o desconto nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 81.º do CP.
78. O Tribunal a quo entendeu não aplicar o desconto por considerar que a sujeição a regime de prova não impunha ao arguido qualquer dever ou regra de atuação punitiva mas apenas formativa e preventiva, sendo certo que foi o Tribunal a quo quem decidiu o regime de prova a que sujeitou a pena de substituição.
79. A prevenção especial positiva, não tendo carácter punitivo, pretende, acima de tudo, promover a ressocialização do indivíduo, mas não deixa de implicar o cumprimento de obrigações – neste caso, o comparecimento e colaboração proativa nas entrevistas -, que o Recorrente sempre diligenciou para executar, cumprindo, desta forma, o regime de prova a que estava sujeita a suspensão da sua pena.
80. Tendo este mesmo regime sido cumprido, não deverá ser recusado qualquer desconto da pena, de acordo com a equidade.
81. In casu, a pena de substituição aplicada pelo Tribunal a quo, de suspensão acompanhada de regime de prova que assenta num plano de reinserção social, nos termos do artigo 53.º do CP, foi integralmente cumprida pelo Recorrente.
82. Este facto deve ser relevado para efeitos de desconto equitativo de pena, sendo a dimensão desse desconto uma questão distinta, ainda que não menos relevante, nos termos do artigo 81.º, n.º 2 do CP.
83. Como resulta do ponto 13 do acórdão proferido nos presentes autos a 13 de março de 2024, por este Insigne Tribunal, a fls. 65: “Quanto às penas principais, de prisão ou de multa, que estejam total ou parcialmente cumpridas, constitui jurisprudência constante deste Tribunal a de que, sendo estas consideradas nas operações de cúmulo, deve proceder-se ao respetivo desconto na pena única, como decorre dos artigos 78.º, n.º 1 parte final, e 81.º do Código Penal […]”.
84. O Tribunal a quo não se pronunciou quanto à pena principal parcialmente cumprida pelo Recorrente, incorrendo numa omissão de pronúncia que fere de nulidade o acórdão recorrido.
85. O instituto do desconto traduz-se num caso especial de determinação da pena.
86. Independentemente da posição adotada sobre a natureza jurídica do instituto do desconto, o tempo de privação de liberdade já sofrido pelo Recorrente à ordem de processo integrado no cúmulo jurídico – in casu, trinta e um meses – tem de ser objeto de desconto na pena única determinada em obediência ao disposto nos artigos 78.º, n.º 2, 80.º e 81.º do Código Penal.
87. Sendo o desconto como um caso especial de determinação da pena, deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de janeiro de 2016, no âmbito do processo n.º 8/12.3PBBGC-B.G1-S1.
88. “Perante o art. 80.º, n.º 1, do CPP, a importância de dispor de todos os elementos relativos às medidas processuais privativas de liberdade e, bem assim, relativos à contagem de penas de prisão que podem vir a ser objeto de desconto na pena única é essencial, quando se profere a decisão em que se elabora o concurso superveniente de penas, uma vez que pode ocorrer que, por via do desconto, aquela pena única que vier a ser aplicada fique extinta e, portanto, o arguido/condenado tenha de ser solto, no caso de estar preso ou até já não ser caso de emissão de mandados de detenção ou mandados de desligamento para cumprimento de pena única de prisão imposta (esteja ou não o condenado preso à ordem do processo onde é proferida a decisão final onde se realizou o cúmulo jurídico de penas). Daí que deva sempre, na sentença ou acórdão condenatório, em que se elabora o cúmulo jurídico de penas, fazer constar, a final, os elementos respetivos relativos ao desconto, fazendo nessa altura previamente os cálculos para apurar se há ou não pena a cumprir e, consoante cada caso concreto, determinar o que for conveniente.” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de setembro de 2022, no âmbito do processo n.º 3842/16.1T9VNG.S1.
89. Na determinação da pena única, suprindo a nulidade decorrente da falta de fundamentação assente no emprego, pelo Tribunal a quo, de expressões vagas, abstratas e genéricas que não permitem alcançar a razão da pena única aplicada, deverá este Insigne Tribunal proceder a nova elaboração do cúmulo, removendo do cúmulo a pena aplicada ao Recorrente no âmbito do processo n.º 7656/15.8... – com fundamento na sua extinção ao abrigo do artigo 57.º do CP – e aplicando o instituto do desconto às demais penas, concluindo com a fixação de uma pena única que se revele conforme às normas aplicáveis. (…)»
6. Respondeu o Ministério Público, concluindo:
«1. O arguido AA vem interpor recurso do douto Acórdão cumulatório, datado de 29.4.2024, que foi proferido no processo à margem referenciado e que o condenou na pena única de nove anos de prisão.
2. Por via de tal Acórdão cumulatório foram cumuladas as condenações sofridas pelo arguido nestes autos com o n.º 2537/10.4 TDPRT e nos processos 7656/15.8... e 9492/05.0....
3. No Processo n.º 9492/05.0..., foi o arguido condenado em 2.10.2014, por acórdão transitado em julgado em 10.9.2016, na pena única de pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, sendo esta que importa atender para efeitos de prescrição das penas e não as penas parcelares englobadas na mesma.
4. Dentro desta moldura penal, o Tribunal a quo fixou a pena única em 9 anos de prisão.
5. Em nosso entender, apenas assiste razão ao arguido quando aduz na sua peça processual que o Tribunal a quo não deveria ter considerado no cúmulo jurídico efectuado a condenação sofrida no processo 7656/15.8..., uma vez que esta pena suspensa na sua execução foi declarada extinta por decisão de 29.11.2023 já transitada em julgado.
6. A pena única foi determinada em estrita observância dos normativos legais.
7. O arguido nasceu em 8.4.1961 e, à data dos factos, tinha idade superior a 30 anos, não podendo, em consequência, de beneficiar do perdão previsto na Lei 38-A/2023.
8. A amnistia e o perdão não são um direito, mas antes medidas de clemência.
9. Entendemos que a opção político-criminal subjacente ao diploma 38-A/2023, não viola o princípio constitucional da igualdade ínsito do art. 13º da CRP.
Por tudo o exposto, deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelo arguido, à excepção da questão suscitada pelo recorrente relacionada com a não consideração da pena suspensa na sua execução que lhe foi determinada no processo 7656/15.8... por, entretanto, tal pena ter sido já declarada extinta, ponto onde nos parece que assiste razão ao recorrente.»
7. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer nos seguintes termos:
«(…)
II. Mérito do Recurso.
A) -Nulidade do acórdão cumulatório.
Omissão de pronúncia.
5. Alega o recorrente padecer a decisão sub judice da nulidade enunciada no preceito do art. 379º/1-c) do Código do Processo Penal, ou seja, que o tribunal “a quo” deixou de “...pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar...”.
6. Concretamente.
Que o Tribunal a quo não conheceu:
Da não inclusão da pena extinta no âmbito do processo n° 7656/15.8...;
Da declaração de extinção da pena aplicada nos presentes autos com a consequente exclusão da mesma;
Da expurgação das penas prescritas, para efeitos de definição da moldura penal abstractamente aplicável;
Da aplicação do perdão prevista na L-38-A/2023, de 02/08;
Da diminuição da pena única fixada para o cúmulo jurídico;
Questões, estas, suscitadas pelo arguido, ora recorrente, pela via do requerimento formulado nos autos a 28.03.2024.
7. Diz o Ministério Público:
Com todo o respeito – e cientes da complexidade e do melindre lógico-jurídico da natureza do vício suscitado –, cremos não ocorrer a nulidade em causa com a amplitude que é desenhada.
8. Por um lado, porque, por questões de razoabilidade – tão transversal ao Direito –, o tribunal, na busca de uma decisão lógica, coerente e sem lacunas, não está vinculado a ponderar e decidir sobre todas as questões que, jurídico-normativamente, poderiam ser susceptíveis de conformação do sentido da decisão, mas, tão-só, daquelas que efectivamente se insinuam objectivamente no caso.
9. Sejam elas de conhecimento oficioso ou objecto de requerimento expresso:
Ambas, se, razoavelmente, deverem insinuar-se, de modo efectivo, no espírito do julgador, impondo-se, para se alcançar a plenitude lógico-jurídica do decidido, que sejam objecto do processo lógico-intelectual da formação da convicção.
10. Donde:
Seja oficiosamente;
Seja a requerimento;
O tribunal não estar vinculado a conhecer de questões que, razoavelmente, não o são, por manifesto ser o seu sentido jurídico, sob pena de poder vir a ficar prisioneiro de um roteiro decisório abusivamente fixado.
11. Por outro lado, porque, na verdade, o Tribunal “a quo” ponderou e decidiu algumas das questões ora suscitadas.
12. E fê-lo expressamente no que respeita:
À cumulação jurídica superveniente das penas de prisão com execução suspensa, uma já declarada extinta, atinente ao Processo 7656/15.8..., outra por declarar ou não, não obstante o decurso do respectivo prazo, relativa aos presentes autos (2537/10.4TDPRT);
À ponderação da pena única fixada.
13. Mas não conheceu, expressa ou, mesmo, tacitamente (por não serem daquelas que não suscitem algumas dúvidas fundadas, tanto mais que têm sido objecto de pronúncia dos Tribunais Superiores, embora em sentido maioritariamente concordante):
-Da questão da prescrição de penas parcelares incluídas no cúmulo-jurídico superveniente de reformulação de cúmulos anteriores;
-Da questão da aplicação do perdão da L-38-A/2023, de 02/08, por pugnada da norma do respectivo art. 2º, face à sua invocada inconstitucionalidade, assente na alegada violação do princípio da igualdade (cfr, o art. 13º da Constituição da República).
14. Pelo que:
Cremos ser, efectivamente, nulo o Acórdão recorrido, na parte em questão, por omissão de pronúncia, vício que, sendo sanável, foi, no entanto, tempestivamente arguido, motivo por que deverá ser declarado e suprido no Tribunal “a quo”, com o conhecimento de tais questões (cfr, arts. 120º/1 e 379º/2 do Código de Processo Penal).
Se assim não se entender.
B) - Cúmulo de pena de prisão suspensa declarada extinta.
15. Acompanha-se, nesta parte, no essencial, o alegado pelo Ministério Público na 1ª Instância, a que se aduzem algumas notas.
16. Constituindo-se o cúmulo jurídico superveniente de penas um instituto que visa equiparar a situação jurídico-penal do arguido múltipla e separadamente condenado por diversos crimes cometidos antes do trânsito em julgado da condenação pela prática de qualquer um deles à daquele foi logo julgado e condenado de uma vez pelo cometimento da totalidade dos crimes, impõe-se que a situação daquele não deva ser agravada pela ponderação em tal operação lógico-jurídica de uma pena extinta (ou em condições de o ser).
17. Além de que não tendo sido cumprida (nem objecto da imposição de condições ou deveres), embora releve para a fixação da pena única, o certo é que, como se imporia, não induz a qualquer desconto compensatório legalmente fixado (cfr, o art. 81º do Código Penal).
18. Vejam-se, nesta matéria, entre outros, os Acórdãos do STJ de:
-02.06.2021, P- 626/07.1PBCBR.S1:
… … IV- Na realização de cúmulo jurídico impõe-se especial cuidado quando são consideradas penas de prisão suspensas na sua execução. Para o efeito de determinação da pena única do concurso só devem ser consideradas as penas de prisão suspensas que ainda não tenham sido declaradas extintas e não estejam prescritas. Se as penas foram declaradas extintas ou estão prescritas não entram no cúmulo jurídico.
V- Se o período de suspensão de execução da pena de prisão – inicialmente fixado, ou em resultado de prorrogação ditada por decisão transitada em julgado – ainda não decorreu, não se verifica óbice a que a pena suspensa se englobe no cúmulo jurídico.
VI- Relativamente às penas de prisão suspensas, em que decorreu o prazo de suspensão, não devem ser incluídas no cúmulo sem que antes se esclareça a situação jurídica, o que vale por dizer, sem que se averigúe sobre a sua extinção, prorrogação do prazo de suspensão ou revogação. É que, decorrido o prazo da suspensão, as penas são declaradas extintas se não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.
VII- As penas suspensas, quando cumpridas parcialmente e/ou em que foi satisfeita condição de suspensão, que não tenham sido revogadas – pois em caso de revogação determina-se o cumprimento da pena fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado –, mas que entrem em cúmulo jurídico de pena de «diferente natureza» no âmbito de conhecimento superveniente de crimes, podem dar origem a «desconto que parecer equitativo».
-15.07.2020, P- 3325/19.8T8PNF.S1
… …
I - O STJ tem examinado a questão da inclusão de uma pena suspensa numa decisão de cúmulo jurídico de penas, no âmbito de um concurso superveniente de crimes, entendendo que as penas suspensas deverão ser englobadas no cúmulo jurídico desde que não tenham sido declaradas extintas pelo decurso do prazo de suspensão.
II – De acordo com a posição predominante, no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defende-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução.
III - O STJ tem entendido de forma dominante que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respectivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do Código Penal, ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão, pois no caso de extinção nos termos do artigo 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o será nas restantes hipóteses.
IV - Se o tribunal incluir no cúmulo jurídico uma pena de prisão suspensa na sua execução tendo passado o respectivo período de suspensão, em relação à qual não foi averiguado se a mesma foi declarada extinta, revogada ou prorrogada a suspensão, incorre-se em omissão de pronúncia determinante de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
… …
19. Atente-se, por outro lado, no seguinte excerto do sumário do próprio Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (277/08.3TAEVR.S1) citado na decisão recorrida sobre a matéria:
… …
III - Entram na formação da pena única todas as penas de prisão parcelares substituídas não declaradas extintas; revogadas as penas de substituição (arts. 46.º, n.º 3, 56.º, n.º 2, e 59.º, n.º 2, do CP), há lugar ao cumprimento das penas de prisão substituídas, devendo proceder-se aos descontos que a lei impõe (art. 78.º, n.º 1, e 81.º do CP).
… …
20. Tais penas parcelares (7656/15.8...) deverão, pois, ser expurgadas do cúmulo jurídico realizado, a ser objecto de reformulação sem a sua ponderação.
21. Violou a douta decisão recorrida as disposições dos arts. 57º/1 e 78º/1 do Código Penal.
i) Cúmulo de pena de prisão suspensa (sob condição) cujo prazo já decorreu.
22. Alega também o arguido que a pena única de 02 anos e 09 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante sujeição a regime de prova, aplicada nos presentes autos (2537/10.4TDPRT) deverá também ser declara extinta, por decurso do respectivo prazo.
23. E, na verdade, tendo transitado em julgado a condenação em 07.09.2020, tal prazo completou-se em 07.06.2023.
24. Porém, no que concerne a esta pena, em vez de ser declarada extinta, haverá que, previamente, em sede própria averiguar sobre o cumprimento ou não do regime de prova, o que poderá levar à revogação da suspensão.
25. Nesta parte, a decisão sub judice padecerá de omissão de pronúncia (cfr, o Ac. supra citado), ou, porventura, mais propriamente, da nulidade, também sanável, de omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, com afeitação do Acórdão cumulatório (cfr, os arts. 120º1-d), 122º/1 e 340º do Código de Processo Penal).
26. Iura novit curia:
O vício (abstraindo do nomen iuris) deverá ser aqui declarado e ser reparado em sede própria.
ii) Revogação do cúmulo jurídico.
27. Donde:
Considerando que as penas parcelares ponderadas no cúmulo jurídico superveniente realizado (reformulação) foram as dos Processos 7656/15.8..., 9492/05.0... e 2537/10.4 TDPRT (presentes autos);
Considerando que restam, apenas, as relativas ao cúmulo jurídico que havia sido realizado no 9492/05.0...;
Impor-se-á a revogação da decisão de reformulação de cúmulo jurídico superveniente proferida nos autos, por falta dos seus pressupostos – podendo vir a ser proferida nova decisão caso em sede própria (em reparação da nulidade cometida) venha a ser revogada a suspensão da execução da referida pena única de 02 anos e 09 meses aplicada.
Se assim não se entender.
C)-Cúmulo de penas parcelares de prisão prescritas.
28. Acompanha-se também nesta parte, no essencial, o alegado pelo Ministério Público na 1ª Instância, a que se aduzem ainda algumas notas.
29. Não tem, na verdade, qualquer cabimento – pelas razões já aduzidas na Resposta do Ministério Público – a pretensão de declaração da prescrição de penas parcelares que integraram os cúmulos jurídicos objecto de unificação na decisão de reformulação proferida nestes autos:
Tais penas parcelares – ainda que sob a cláusula rebus sic stantibus – perderam, pois, autonomia lógico-funcional e jurídico-penal, sendo substituídas pelas respectivas penas únicas, sujeitas a novo regime prescricional (prazos e dies a quo).
30. A sua ponderação individualizada na reformulação dos cúmulos jurídicos anteriores não significa a sua repristinação, mas, tão-só, a mera consideração instrumental na operação lógico-jurídica da formação da nova pena única.
31. Aliás, assim o intuindo, o próprio recorrente não pugnou (mormente já no referido Requerimento de 28.03.2024):
Pela não inclusão das penas parcelares relativas ao Processo 7656/15.8..., mas da pena única (extinta);
Pela declaração de extinção das penas parcelares aplicadas nos presentes autos, mas da pena única respectiva, com execução suspensa, que pretende extinguir.
32. Veja-se, nesta matéria, entre outros, o Acórdão do STJ de 17.09.2015, P-134/10.3TAOHP.S3
… …
VII - Tendo havido lugar à determinação de uma pena única da decisão cumulatória, o prazo de prescrição da pena conta-se do trânsito em julgado da decisão que fixou essa pena, e não de cada uma das penas parcelares, que, incorporadas na pena única, perderam a sua individualidade, mesmo que, posteriormente haja que reformular o cúmulo.
… …
D)-Perdão da L-38-A/2023, de 02/08.
33. Acompanha-se ainda nesta parte, no essencial, o alegado pelo Ministério Público na 1ª Instância.
34. Efectivamente, tratar de forma desigual o que não é igual também se constitui em manifestação clara ao princípio da igualdade, que, como expressão estruturante do Estado-de-Direito-Democrático, não assenta numa ideia de igualitarismo, antes impondo ou permitindo a “obrigação de diferenciação” (cfr, nesta matéria, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, 1984, 2ª Ed., I, págs. 147ss).
35. A nível jurisprudencial, para além do citado Ac. 379/2021, veja-se, entre outros, o mais recente Acórdão do TC 471/2024, de 19/06.
A disposição do art. 2º/1 da L-38-A/2023, de 02/08, não é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade.
E)-Medida da pena única.
36. Constitui, esta, uma questão prejudicada em termos lógicos, pois que o recorrente pugna pela alteração da pena única apenas no pressuposto da mera remoção do cúmulo realizado da pena relativa ao Processo 7656/15.8....
III. Em síntese:
O recorrente não formulou conclusões segundo os ditames legais, pelo que deve ser notificado para cumprir tal ónus, sob pena de rejeição do recurso;
É nula, por omissão de pronúncia (na parte em que não ponderou e decidiu sobre a prescrição de penas parcelares objecto de cúmulos jurídicos anteriores, integradas em novo cúmulo jurídico de reformulação, e a inconstitucionalidade da disposição do art. 2º/1 da L-38-A/2023, de 02/08, suscitadas em requerimento anterior à audiência respectiva) a decisão recorrida, vício que, sendo sanável, foi, no entanto, tempestivamente arguido, motivo por que deverá ser declarado, com suprimento no Tribunal “a quo”, pelo conhecimento de tais questões;
Não devem integrar o cúmulo jurídico superveniente penas de prisão com execução suspensa já extintas ou pendentes de declaração ou não de extinção;
Tendo-o integrado e devendo ser expurgada ou objecto, em sede própria, do procedimento da eventual extinção, respectivamente, impor-se-á a revogação da recorrida decisão de reformulação dos cúmulos jurídicos por falta dos seus pressupostos – restarão apenas as penas parcelares atinentes à pena única relativa ao cúmulo realizado num terceiro processo.
Se assim não se entender:
As penas parcelares integradas nos antecedentes cúmulos jurídicos a reformular por integração num novo cúmulo jurídico superveniente, perderam – ainda que sob a cláusula rebus sic stantibus – autonomia lógico-funcional e jurídico-penal, sendo substituídas pelas respectivas penas únicas, sujeitas a novo regime prescricional (prazos e dies a quo);
A disposição do art. 2º/1 da L-38-A/2023, de 02/08, não é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade.
IV. Em conclusão:
Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:
- Deverá o recorrente ser notificado para formular conclusões, sob pena de rejeição do recurso (I);
- Se assim não se entender, deve o presente recurso ser julgado parcialmente provido e procedente:
Com declaração e sanação do vício de omissão de pronúncia na parte respectiva (II, A));
Com revogação da decisão recorrida, por ausência de pressupostos da realização do cúmulo jurídico superveniente (II, B));
- Se assim não se entender, deve o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, sendo de manter em conformidade também os restantes termos da decisão recorrida.»
8. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido reafirmou a posição assumida no recurso quanto às várias questões que suscita, concluindo:
«Nestes termos e nos mais de Direito (…), deverá o parecer do Digníssimo Magistrado do Ministério Público colher provimento no que respeita às nulidades identificadas e, consequentemente, deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, sendo revogado o Acórdão recorrido e ao Recorrente aplicada uma pena conjunta correspondente ao mínimo da moldura penal abstrata, equivalente à pena parcelar mais alta, de quatro anos, suspensa na sua execução.
Caso assim não se entenda, e na esteira do alegado supra, deverá este Insigne Tribunal concluir pela inutilidade superveniente do presente cúmulo, mantendo-se a pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses que o Recorrente se encontra atualmente a cumprir.
Outrossim requer-se conheça este Digníssimo Tribunal do mérito do recurso, sanando as nulidades e decidindo a final pela pena única aplicável por forma a clarificar a definição da situação processual do Recorrente, com todas as legais consequências.»
9. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.
Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual tem por objecto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou penas de prisão superiores a 5 anos e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP).
Sendo possível extrair das conclusões do recorrente, apesar da sua extensão, as indicações a que se refere o artigo 412.º do CPP, não se convidou o recorrente, em exame preliminar, a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, como proposto pelo Ministério Público, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 417.º, n.º 3, do mesmo diploma.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
10. A decisão recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos:
10.1. Fundamentação de facto:
«Nos presentes autos foi efectuada audiência de cúmulo jurídico das penas irrogadas ao arguido AA nos processos 7656/15.8..., 9492/05.0... e 2537/10.4 TDPRT (presentes autos), tendo sido proferida decisão que aplicou ao mesmo a pena unitária de 9 anos de prisão.
Inconformado, o arguido interpôs recurso da decisão, tendo o Supremo Tribunal de Justiça proferido acórdão que declarou nulo o acórdão recorrido, nos termos do artigo 379, n.º1, a), 1:ª parte e n.º 2 do CPP, por omissão de fundamentação de acordo com o n.º 2 do artigo 374e com o artigo 375 do mesmo diploma, ordenando a sua reformulação para suprimento da nulidade e não tomando conhecimento das demais questões suscitadas pelo recorrente.
Designou-se data para audiência de cúmulo, a qual teve lugar de acordo com o legal formalismo, como da respectiva acta se infere.
Passa-se a proferir o seguinte Acórdão em conformidade
(…)
Factos provados
A. O arguido sofreu, com relevância para os presentes autos, as seguintes condenações, transitadas em julgado:
1. Processo Comum Colectivo 7656/15.8...
Factos: 1.1.2015
Decisão: 9.2.2018
Trânsito em julgado: 6.1.2020
Crime e pena: prática, em autoria material de um crime de burla agravada, de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo artº 217 e 218/2/ a), do C.P. - pena de 3 anos de prisão - e crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo artº 256, nº1, als. a) e c) e nº 3 do C. Penal na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; em cúmulo condenar o arguido na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
3. Nos termos do disposto no artº 50 do C. Penal suspender a execução desta pena por igual período.
Descrição dos factos:
“1. O arguido AA foi casado com a assistente BB, até 14.11.2006, data em que se divorciaram por mútuo consentimento.
2. Não obstante o divórcio, o arguido e a assistente continuaram a viver maritalmente até Novembro de 2011 e a partilhar a mesma casa até Agosto de 2013.
3. O arguido possuía os dados de identificação e documentos assinados pela assistente.
4. Em 17.04.2012, em ..., foi celebrado entre a Caixa Económica Montepio Geral e a “SO..., Lda.”, um “Contrato de Mútuo e Fiança” com o nº ... 2-0, no qual era mutuado pela primeira à segunda a quantia de €130.000,00, pelo prazo de 36 meses.
5. Este contrato foi efectuado no âmbito de uma reestruturação de dívida da “SO..., Lda.” ao Montepio Geral decorrente de anteriores contratos de mútuo celebrados entre as duas partes.
6. Nesse contrato, o arguido AA e a assistente BB figuravam como fiadores.
7. Sucede que o arguido AA, ou alguém a seu mando, veio a apor no contrato acima mencionado, em data não concretamente determinada, posterior a 17.04.2012 e anterior a 11.07.2012, no local destinado aos fiadores e terceiros contraentes, a assinatura de BB, como se da própria se tratasse.
8. Em 11.07.2012, às 10h.38m, CC, portadora da Cédula Profissional ...7C, que prestava serviços, na qualidade de advogada, ao arguido AA, registou online o reconhecimento presencial da assinatura de BB no referido contrato, sob o n.º ...55.
9. Atestando, nesse acto de reconhecimento com menções especiais presenciais: “Reconheço a assinatura aposta no Contrato de Mútuo e Fiança com a Caixa Económica Montepio Geral e com o n.º ... 2-0, na qualidade de avalista da Sra. BB, portadora do cartão de cidadão n.º ...89, válido até 24/01/2014, emitido em Lisboa, o que conferi pela exibição do respectivo cartão de cidadão e que posteriormente devolvi”.
10. O montante mutuado foi creditado pelo Montepio Geral, em 3.08.2012, na conta nº ...2-1 da “SO..., Lda.” e, nesse mesmo dia, foi debitado o montante de 120.813,34€ pelo Montepio Geral, por conta do empréstimo ...6-7.
11. As prestações devidas à Caixa Económica Montepio Geral não foram pagas pela “SO..., Lda.”.
12. Por esta razão, BB veio a ser demandada, como executada, pela Caixa Económica Montepio Geral (CEMG), no processo n.º 3543/15.7..., da ...ª Secção de Execução – J..., da Instância Central de ..., Comarca de Leiria, pelo valor de €156.086,41.
13. O arguido AA agiu livre voluntária e conscientemente querendo, apor no Contrato de Mútuo e Fiança com o n.º ... 2-0 a assinatura de BB, como se da própria se tratasse, apresentando o mesmo a CC que atestou o reconhecimento da assinatura de BB nesse contrato, bem sabendo que tal reconhecimento, emitido por advogado conferia fé pública aos documentos.
14. Por essa forma, o arguido logrou ludibriar e prejudicar a Caixa Económica Montepio Geral e BB.
15. O arguido estava ciente que colocava em causa a genuinidade da assinatura de BB, bem como dos reconhecimentos emitidos por advogados nas circunstâncias descritas.
16. O arguido criando a convicção da assinatura de BB, ofereceu uma garantia adicional no contrato de pagamento da fiança, que não lhe era devido e causou prejuízo à Caixa Económica Montepio Geral e a BB, que veio a ser executada judicialmente.
17. O arguido sabia que tal conduta não lhe era permitida e, ainda assim, agiu deliberada, livre e consciente em todos os actos descritos. (…)
19. Condições pessoais do arguido
Cresceu num ambiente familiar funcional e afectuoso.
Licenciou-se em gestão na Universidade Internacional.
Parte do percurso académico do arguido foi realizado na qualidade de trabalhador-estudante.
Exerceu funções de assessoria, gestão de serviços de contabilidade e gestão financeira/contabilidade, tendo realizado vínculos contraturais por conta de outrem.
Foi TOC durante 30 anos e criou negócios no ramo da segurança.
Divorciou-se em 2006 mas manteve a coabitação com a ex-cônjuge até à data supramencionada.
Tem dois filhos com dezassete e doze anos de idade.
Depois da separação estabeleceu nova relação afectiva vivendo actualmente com a companheira, dois filhos menores desta e o filho mais velho do arguido.
A companheira é directora financeira numa das sociedades do arguido.”
2. Processo Comum Colectivo 9492/05.0...
Factos : entre janeiro de 2002 e outubro de 2010
Decisão: 2.10.2014
Trânsito em julgado:10.9.2016
Crime e pena: abuso de confiança fiscal e penas parcelares
Na decisão proferida foram proferidas as seguintes condenações:
“- Julgar parcialmente procedente, por provado, o crime de abuso de confiança fiscal respeitante a IRS e IVA, p. e p. no art. 105. n.º 1., 2., 4, e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias e pelo artigo 2º e 7º, n.º1 do mesmo diploma, pelos montantes, respectivamente de 464.986,04 euros e 1.788.169,87 euros (processo 9492/05.0...), praticados em 2004 e 2005, condenando o arguido AA, numa pena de três (3) anos de prisão.
- Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação de abuso de confiança fiscal referente a IVA p. e p. no artigo nsº1, 2. 3. 4. e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias proferida nos autos, 9492/05.0..., quanto ao arguido AA (praticado entre Março de 2002 e Dezembro de 2004) no montante de 1.327.822,57 euros praticados através da extinta sociedadeS..., Lda., NIPC ...69, e consequentemente condenar AA numa pena de (2) dois anos e (6) seis meses de prisão.
- Julgar parcialmente procedente, por provado, o crime de abuso de confiança fiscal respeitante a IVA, p. e p. no art. 105. n.º 1., 2., 4, e 5do Regime Geral das Infracções Tributárias e pelo artigo 2º e 7º, n.º1 do mesmo diploma, pelo montante de 361.003,31 euros, praticado em 2005 (processo 9492/05.0...), condenando o arguido AA, numa pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão.
- Julgar parcialmente procedente, por provado, o crime de abuso de confiança fiscal respeitante a IVA, p. e p. no art. 105. n.º 1., 2., 4, e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias e pelo artigo 2º e 7º, n.º1 do mesmo diploma, pelo montante de 86.724,29 euros, praticado em 2004 (processo 9492/05.0...), condenando o arguido AA, numa pena de um (1) ano e dois (2) meses de prisão.
- Julgar parcialmente procedente, por provado, o crime de abuso de confiança fiscal respeitante a IRS e IVA, p. e p. no art. 105. n.º 1., 2., 4., e 5. do Regime Geral das Infracções Tributárias e pelo artigo 2º e 7º, n.º1 do mesmo diploma, pelos montantes, respectivamente de 155.855,38 euros e 506.562,40 euros, durante os anos de 2004 e 2005 (processo 9492/05.0...), (praticado através da extinta Arguida I..., Lda., com NIPC ...24) condenando o arguido AA, numa pena de (2) dois anos de prisão.
- Julgar procedente, por provada, a acusação de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. no artigo 107.º, n.º1. e 2. e 105.º, nsº1, 2. 3. 4. e 5 do Regime Geral das Infracções Tributárias proferida nos autos, 1177/08.2... e 3683/11.2..., relativamente a quantias retidas no período compreendido entre Setembro de 2006 e Outubro de 2010, no montante de 839.375,75 euros, quanto ao arguido AA (pelo período compreendido entre Janeiro de 2002 e Agosto de 2006) praticados através da extinta sociedade S..., Lda., NIPC ...69, e consequentemente condenar AA numa pena de (2) dois anos de prisão.
- Julgar procedente, por provada, a acusação de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. no artigo 107º, nº1 e 2º e 105º, nsº1, 2º 3º 4º e 5º do Regime Geral das Infracções Tributárias proferida nos autos 494/10.6... relativamente a quantias retidas no período compreendido entre Fevereiro de 2008 e Junho de 2009, no montante de 303.419,57 e consequentemente condenar AA numa pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão.
- Julgar parcialmente procedente, por provado, o crime de abuso de confiança fiscal, respeitante a IRS devido de Janeiro de 2006 a Dezembro de 2009, no montante de 442.042,00 euros (processo 796/08.I...), condenando o arguido AA, numa pena de (1) um ano e oito (8) meses de prisão.
- Julgar parcialmente procedente, por provado, o crime de abuso de confiança fiscal, respeitante a IRS e IVA, imputado na acusação deduzida no processo 943/10.3..., no montante respectivamente de 69.238,32 euros e de 2.994.494,26 euros, respeitantes aos anos de 2007,2008 e 2009, condenando o arguido AA, numa pena de 4 anos de prisão.
- Julgar procedente, por parcialmente provado, o crime de abuso de confiança fiscal, respeitante a IRS e IVA, imputado na acusação deduzida no processo 35/09.8..., praticado através da Arguida J..., S.A., NIPC ...35, nos montantes de 420.442,17 euros, no período compreendido entre Setembro de 2006 e agosto de 2008, condenando o arguido AA, numa pena de (2) dois anos de prisão.
- Em cúmulo jurídico vai o Arguido AA condenado na pena única de (7) sete anos e (6) seis meses de prisão.
Descrição dos factos
“(…) FI...2, S.A., (anteriormente designada SE...2, S.A.)
a) A Sociedade FI...2, S.A. detentora do NIPC ...31, tem por objecto a actividade de comércio e vigilância de pessoas e bens.
b) A sociedade com NIPC ...31, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas está inserida no regime geral e no que toca ao Imposto sobre Valor Acrescentado está enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral.
c) AA foi ... único da empresa para o quadriénio 2004/2007, tendo formalmente renunciado a tal função em 16/07/2004, alteração que registou em 04-10-2005, tendo sido contudo nessa altura e durante todo o ano de 2005 e anos seguintes, seu ... de facto.
d) No âmbito do exercício da sua actividade e pelo menos durante os anos de 2004 e 2005, a FI...2, S.A., teve ao seu serviço diversos trabalhadores dependentes aos quais pagou as remunerações mensais acordadas sujeitas a IRS, enquanto rendimentos decorrentes do trabalho dependente categoria A, tendo a seu cargo o dever de reter o imposto e entregá-lo até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que dizia respeito.
e) Nos anos de 2004 e 2005, o arguido AA como .../... da empresa FI...2, S.A., não procedeu à entrega do imposto que reteve sobre as remunerações que pagou, nos seguintes períodos e montantes:
- em Julho de 2004, no montante de 52 517,44 euros;
- em Agosto de 2004, no montante de 38.704,92 euros;
- em Setembro de 2004, no montante de 32.123,80 euros;
- em Outubro de 2004, no montante de 33.400,91 euros
- em Novembro de 2004, no montante de 29.730,05 euros;
- em Dezembro de 2004, no montante de 49.281, 92 euros;
- em Fevereiro de 2005, no montante de 47. 796,57 euros;
- em Março de 2005, no montante de 21. 836,22 euros;
- em Abril de 2005, no montante de 29.508,06 euros;
- em Maio de 2005, no montante de 32.002,30 euros;
- em Junho de 2005, no montante de 33.695,61euros;
- em Julho de 2005, no montante de 35.639,67 euros;
- em Agosto de 2005, no montante de 28.748,57 euros; no total de 464.986,04.
f) Nos anos de 2004 e 2005, AA, como ... único da FI...2, S.A., liquidou, cobrou e recebeu IVA de serviços efectuados a pronto pagamento.
g) A empresa enviou para os serviços da administração fiscal as seguintes declarações fiscais, desacompanhadas de qualquer pagamento, respeitantes aos seguintes períodos e valores até à presente data não liquidados:
- 4º trimestre de 2004, no montante de 326.789,19
- 1º trimestre de 2005, no montante de 437.301,60
- 2º trimestre de 2005, no montante de 485.877,30
- 3º trimestre de 2005, no montante de 538.200,78
Estes valores, no total, ascendem a 1.788.168,87 euros.
h) A I...2, S.A., deveria ter entregue à Administração Tributária, dentro dos prazos legais para tal estabelecidos aquelas quantias, juntamente com as respectivas declarações periódicas, contudo, AA decidiu não o fazer, não tendo apresentado em tempo, as declarações respeitantes às quantias que reteve, a título de IRS nas remunerações que pagou pelo trabalho dependente, nem das quantias monetárias referentes ao IVA que liquidou e recebeu, porquanto isso se mostrava mais favorável aos interesses da empresa e do arguido, em termos financeiros.
i) A empresa apresentou umas primeiras declarações de IRS e de IVA, respeitantes aos anos de 2004 e 2005, primeiro desconformes e depois apresentou declarações de substituição, ainda que posteriormente à data em que as mesmas eram devidas, mas não efectuou a entrega das respectivas das quantias monetárias, nem no momento da apresentação das declarações de substituição, nem nos 90 dias subsequentes, nem depois da notificação para o fazer, em 30 dias, acompanhadas de multa e juros que fossem devidos.
j) Antes AA actuando como ... de facto Sociedade FI...2, S.A. reteve as referidas quantias, afectando-as às necessidades da sociedade arguida, integrando-as na esfera de bens desta e indirectamente, na sua.
Da FM..., Lda. (S..., Lda.
l) A Arguida S..., Lda., anteriormente designada FM..., Lda., com o NIPC ..69, com sede em Lisboa, tem por objecto a actividade de auditorias, fiscalização, orientação de pessoal em serviços de salubridade e gestão de pessoal.
m) A empresa estava inserida no Regime Geral para exercício de actividade de prestação de serviços nas áreas de contabilidade, auditoria e consultadoria fiscal – CAE ...20 e no que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, encontrava-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral. (fls. 549)
n) O arguido AA foi gerente da FM..., Lda., desde o seu início, cabendo-lhe a gestão efectiva da empresa, sendo o único responsável pela entrega ao fisco das retenções efectuadas pela empresa.
o) Durante os anos de 2002, 2003 e 2004, AA através da FM..., Lda., efectuou prestação de serviços a pronto pagamento, pelas quais liquidou e recebeu IVA, à taxa legal.
p) A FM..., Lda., enviou para os Serviços as declarações periódicas sem o respectivo meio de pagamento relativamente aos períodos de imposto e pelos valores indicados, que não foram pagos:
1º trimestre de 2002, no montante de 71 440,60;
2º trimestre de 2002, no montante de 106.692,74;
3º trimestre de 2002, no montante de 119.045,84;
4º trimestre de 2002, no montante de 139.854,07;
2º trimestre de 2003, no montante de 159.251,96;
3º trimestre de 2003, no montante de 166.027,09;
2º trimestre de 2004, no montante de 208.771,25;
3º trimestre de 2004, no montante de 213.715,56;
4º trimestre de 2004, no montante de 143.063,46, no total de 1 327,862,60 euros.
q) Nem o Arguido AA, nem a SC..., Lda., entregaram tais verbas à administração tributária, nem quando apresentaram as declarações, nem nos 90 dias subsequentes, nem quando notificado para em 30 dias apresentar o pagamento, acrescido de juros e coima que fosse devida.
r) AA, actuando como ... da sociedade FM..., Lda. reteve as referidas importâncias afectando-as às diversas necessidades e integrando-as na esfera de bens desta e, indirectamente, na sua, bem sabendo que tais quantias eram devidas ao Estado, tendo causado um prejuízo efectivo de tal montante. FM...2, Lda. (S..., Lda.
s) A Arguida FM...2, Lda., com o NIPC ...05, tinha sede em Lisboa, tendo por objecto a actividade de auditorias, fiscalização, orientação de pessoal em serviços de salubridade e gestão.
t) A empresa estava inserida no Regime Geral para exercício de actividade de prestação de serviços nas áreas de contabilidade, auditoria e consultadoria fiscal – CAE ...20 e no que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral.
u) O arguido AA foi o único gerente da FM...2, Lda., desde 2005, cabendo-lhe a gestão efectiva da empresa, sendo o único responsável pela entrega ao fisco das retenções efectuadas pela empresa.
v) Durante o ano de 2005, AA através da FM...2, Lda., efectuou prestação de serviços a pronto pagamento pelas quais liquidou e recebeu IVA, à taxa legal.
x) A FM...2, Lda., enviou para os Serviços as declarações periódicas sem o respectivo meio de pagamento relativamente aos períodos de imposto que se seguem e pelos valores indicados, que não foram pagos:
- 2º trimestre de 2005, no montante de 122.469,43 € ;
- 3º trimestre de 2005, no montante de 102.529,04 €;
- 4º trimestre de 2005, no montante de 136.004,84 €, no total de 361.003,31 euros.
z) O Arguido AA afectou tais verbas às suas necessidades e às necessidades da empresa que geria, fazendo-as suas, bem sabendo que tais quantias eram devidas ao Estado, tendo causado um prejuízo efectivo de tal montante.
FT..., SGPS, S.A.
ab) A FT..., SGPS, S.A., anteriormente designada JB..., Lda., com o NIPC ...63, tem sede em Lisboa, tendo por objecto a comercialização de artigos de cosmética, perfumaria e acessórios, bem como a sua representação, mais tarde, auditorias fiscalização, orientação de pessoal e serviços de salubridade.
ac) A empresa está inserida no Regime Geral para exercício da actividade de sociedades gestoras de participações sociais – CAE ...50 e no que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral.
ad) O arguido AA foi desde o início único o gerente da FT..., SGPS, S.A., cabendo-lhe a gestão efectiva da empresa, sendo o único responsável pela entrega ao fisco das retenções efectuadas pela empresa.
ae) Durante os anos de 2003 e 2004, a sociedade arguida através da actuação de AA, liquidou, cobrou e recebeu IVA, à taxa legal.
af) A FT..., SGPS, S.A., enviou para os Serviços Tributários a declaração periódica sem o respectivo meio de pagamento relativamente aos períodos de imposto e pelos valores indicados, que não foram pagos: 4º trimestre de 2004, no montante de 86.724,29 euros. (valor declarado no ano de 2006).
ag) O Arguido AA afectou tais verbas às suas necessidades e às necessidades da empresa que geria, fazendo-as suas, bem sabendo que tais quantias eram devidas ao Estado, tendo causado um prejuízo efectivo de tal montante.
I..., Lda.,
ah) A Arguida I..., Lda., tem o NIPC ...24, e sede em Lisboa, tendo por objecto a prestação de serviços de vigilância e segurança de pessoas e bens, bem como agência ou outras formas de representação de sociedades nacionais e estrangeiras para importação e comércio e respectivo equipamento e sua manutenção.
ai) A empresa está inserida no Regime Geral para exercício da actividade de investigação e segurança – CAE ...00 e no que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado encontrava-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal até Março de 2004 e no regime trimestral a partir dessa data.
aj) O arguido AA foi o único gerente de facto da I..., Lda., no ano de 2004, cabendo-lhe a gestão efectiva da empresa, sendo o único responsável pela entrega ao fisco das retenções de IRS efectuadas aos trabalhadores e das cobradas pela sociedade a título de IVA.
al) No âmbito do exercício da sua actividade e pelo menos durante os anos de 2004 e 2005, a I..., Lda., teve ao seu serviço diversos trabalhadores dependentes, aos quais pagou as remunerações mensais acordadas, sujeitas a IRS, enquanto rendimentos decorrentes do trabalho dependente categoria A, tendo a seu cargo o dever de reter o imposto e entregá-lo até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que dizia respeito.
am) Nos anos de 2004 e 2005, o arguido AA como ... da empresa arguida I..., Lda., não procedeu à entrega do imposto que reteve sobre as remunerações que pagou, nos seguintes termos:
- Janeiro de 2004, no montante de 31.984, 67 euros
- Fevereiro de 2004, no montante de 24 163,60 euros
- Março de 2004, no montante de 24.173,17 euros
- Abril de 2004, no montante de 26.271,39 euros
- Maio de 2004, no montante de 26.735,38 euros
- Junho de 2004, no montante de 22.527,17 euros, no montante total de 155.855, 38 euros
an) Durante os anos de 2003 e 2004, a sociedade arguida através da actuação de I..., Lda., efectuou prestação de serviços a pronto pagamento, pelas quais liquidou e recebeu IVA, à taxa legal.
ao) A I..., Lda., enviou para os Serviços Tributários as declarações periódicas sem o respectivo meio de pagamento relativamente aos períodos de imposto e pelos valores indicados:
- Janeiro de 2004, no montante de 101,652,06
- Fevereiro de 2004, no montante de 87.706,47
- Março de 2004, no montante de 90.897,85
- Junho de 2004, no montante de 226.333,02.
ap) A sociedade cobrou, liquidou e recebeu quantias monetárias a título de IVA, no montante de 506.562,40 euros.
aq) Deveria ter entregue as quantias que recebeu à administração tributária, dentro dos prazos para tal estabelecidos, juntamente com as declarações, o que não fez.
ar) O Arguido AA representando a empresa decidiu que não cumpriria a obrigação de entregar as quantias monetárias referentes ao imposto que a sociedade reteve a título de IVA, sempre que tal se mostrasse mais favorável à empresa, afectando-as às diversas necessidades da empresa e integrando-as na esfera de bens desta.
FO..., Lda.
as) A Arguida FO..., Lda., anteriormente designada MR..., Lda., tem o NIPC ...58, com sede em Lisboa, tendo por objecto a comercialização de comércio de imobiliário, estofos e decoração.
at) O arguido AA foi único gerente da FO..., Lda., no ano de 2007, cabendo-lhe a gestão efectiva e de direito da empresa, sendo o único responsável pela entrega ao fisco das retenções efectuadas pela empresa.
au) Durante os anos de 2007, a sociedade arguida através da actuação de AA teve ao seu cargo trabalhadores dependentes aos quais pagou mensalmente as remunerações acordadas nos contratos que com estes celebrou, tendo retido rendimentos da categoria A.
av) A FO..., Lda., reteve e não entregou até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam as remunerações respeitantes a: Março de 2007, no montante de 9.393,00 Agosto de 2007, no montante de 8.943,00, no total de 18.336,00 euros.
ax) Também não procedeu à entrega de qualquer quantia nos 90 dias subsequentes ao termo daqueles prazos, nem posteriormente deles se apoderando, traduzindo-se assim num acréscimo patrimonial indevido para a arguida FO..., Lda., de 8.943,00, pois entretanto foi pago o mês de Março.
az) Em todas as empresas supra identificadas o arguido agiu com pleno conhecimento e consciência de que as quantias monetárias recebidas ou retidas, a título de IVA e de IRS dos trabalhadores ao serviço das empresas não lhe pertenciam mas ao Estado Português e que era obrigação das sociedades arguidas que efectivamente geria declarar o seu recebimento e proceder à sua entrega na administração tributária.
ba) Sabia que não lhe era possível utilizar tais verbas para fins de conveniência das sociedades arguidas de que era legal ..., montantes que devia entregar ao Estado.
bb) AA actuou sempre de forma voluntária, livre e consciente, com o inequívoco propósito de obter para si um benefício económico que sabia ser indevido, à custa da defraudação da Fazenda Nacional, ao não declarar e ocultar factos e valores que tinha obrigação de declarar e ao reter e integrar no conjunto das empresas de que era gerente quantias recebidas de terceiros a título de pagamento de IVA e retidos a título de IRS pelos trabalhadores.
bc) A S..., Lda., com o NUIPC ..69, era o contribuinte ...21 da Segurança Social, tendo por objecto a área de “auditorias fiscalização, orientação de pessoal em serviços de salubridade e gestão de pessoal.”
bd) A gerência da referida sociedade sempre foi exercida de facto pelo arguido AA, sócio de tal sociedade.
be) Assim concretamente entre Setembro de 2006 e Outubro de 2010, foi o Arguido AA quem tomou todas as decisões que afectaram a sociedade.
bf) A Sociedade arguida entre Setembro de 2006 a Outubro de 2010, exerceu de facto a actividade a que se tinha destinado, satisfazendo prestações a diversos clientes e pagando aos seus fornecedores e demais credores.
bg) No exercício da sua actividade a Sociedade Arguida entre Setembro de 2006 e Outubro de 2010, teve sob dependência laboral, um número variável de trabalhadores declarados à Segurança Social, os quais recebiam os seus salários e estavam sujeitos a retenção na fonte das contribuições devidas à Segurança Social.
bh) A Arguida efectuou os descontos referentes às contribuições pelos mesmos devidas à Segurança Social, nos termos estipulados na lei.
bi) Desde Setembro de 2006 a Outubro de 2010, o arguido deixou de entregar as contribuições retidas pela sociedade, mensalmente, nas remunerações pagas aos trabalhadores.
bj) A Sociedade reteve e não entregou à Segurança Social os seguintes montantes:
- 529,51 e 29,24 euros, no mês de Setembro de 2006;
- 947,34 e 29,24 euros, no mês de Outubro de 2006;
- 461,80 e 29,24 euros, no mês de Novembro de 2006;
- 906,36 e 58,48 euros, no mês de Dezembro de 2006;
- 604,65 e 29,24 euros, no mês de Janeiro de 2007;
- 654,71 e 29,24 euros, no mês de Fevereiro de 2007;
- 666,86 e 30,22 euros, no mês de Março de 2007;
- 860,30 e 30,22 euros, no mês de Abril de 2007;
- 857,67 e 30,22 euros, no mês de Maio de 2007;
- 1180,23 e 58,39 euros, no mês de Junho de 2007;
- 1362,39 e 30,22 euros, no mês de Julho de 2007;
- 1028,92 e 30,22 euros, no mês de Agosto de 2007;
- 884,40 e 30,22 euros, no mês de Setembro de 2007;
- 866,94 e 51,21 euros, no mês de Outubro de 2007;
- 845,19 e 51,21 euros, no mês de Novembro de 2007;
- 1455,59 e 102,43 euros, no mês de Dezembro de 2007;
- 818,31 e 51,40 euros, no mês de Janeiro de 2008;
- 887,64 e 51,40 euros, no mês de Fevereiro de 2008;
- 969,77 e 51,40 euros, no mês de Março de 2008;
- 944,22 e 51,40 euros, no mês de Abril de 2008;
- 784,99 e 72,47 euros, no mês de Maio de 2008;
- 837,24 e 81,74 euros, no mês de Junho de 2008;
- 412,88 e 75,86 euros, no mês de Julho de 2008;
- 968,67 euros, no mês de Agosto de 2008;
- 681,24 euros, no mês de Setembro de 2008;
- 439,14 euros, no mês de Outubro de 2008;
- 425,17 euros, no mês de Novembro de 2008;
- 720,39 euros, no mês de Dezembro de 2008;
- 371,37 euros, no mês de Janeiro de 2009;
- 451,76 euros, no mês de Fevereiro de 2009;
- 427,84 euros, no mês de Março de 2009;
- 592,93 e 17,66 euros, no mês de Abril de 2009;
- 508,95 euros, no mês de Maio de 2009;
- 839,41 euros, no mês de Junho de 2009;
- 732,51 e 2,50 euros, no mês de Julho de 2009;
- 647,75 e 16,21 euros, no mês de Agosto de 2009;
- 935,71 e 17,60 euros, no mês de Setembro de 2009;
- 732,21 euros, no mês de Outubro de 2009;
- 545,49 euros, no mês de Novembro de 2009;
- 11190,90 euros, no mês de Dezembro de 2009;
- 542,98 euros, no mês de Janeiro de 2010;
- 537,09 euros, no mês de Fevereiro de 2010;
- 484,22 euros, no mês de Março de 2010;
- 564,16 euros, no mês de Abril de 2010;
- 593,77 euros, no mês de Maio de 2010;
- 612,29 euros, no mês de Junho de 2010;
- 916,83 euros, no mês de Julho de 2010;
- 738,88 euros, no mês de Agosto de 2010;
- 698,51 euros, no mês de Setembro de 2010;
- 469,93 euros, no mês de Outubro de 2010, no montante global de 38.232,86 euros.
bl) O Arguido sabia que, na qualidade de entidade patronal e de gerente de facto da sociedade arguida, estava obrigado a entregar à Segurança Social as quantias monetárias resultantes dos descontos efectuados nos salários dos seus empregados, até ao dia 15 do mês seguinte àqueles a que se referiam.
bm) Porém não entregou dentro do prazo legal as referidas quantias, nem nos 90 dias seguintes, sobre tais prazos:
bn) Após notificação para o efeito nem o arguido AA, nem a Sociedade, efectuaram o pagamento no prazo de 30 dias.
bo) A sociedade arguida apropriou-se dos 38.232,86 euros que fez coisa sua, o que fez por tal incumprimento ser mais favorável à empresa.
bp) A Sociedade FM..., Lda. foi fundada em 2002, com actividade na área de orientação de pessoal em serviços de salubridade, vulgo prestação de serviços de limpeza.
bq) Em 20 de Novembro de 2008, a sociedade alterou a denominação para “S..., Lda.,” NUIPC ..69, o que foi objecto de registo em 13 de Janeiro de 2009.
br) A gerência da referida sociedade sempre foi exercida de facto e de direito, pelo arguido AA desde sempre até à sua dissolução, assinando cheques, auferindo salário como gerente e assim se intitulando perante terceiros
bs) Foi nessa qualidade de gerente que o Arguido tomava e toma todas as decisões inerentes à gestão da sociedade, nomeadamente definindo os critérios contabilísticos e financeiros da mesma, sendo ele a deter o poder de decisão quer no domínio da gestão comercial quer financeira da sociedade e dependendo da decisão do arguidos todos os pagamentos a realizar, incluindo à Segurança Social e o cumprimento das demais obrigações em que a sociedade se constitua.
bt) A sociedade encontra-se inscrita como contribuinte da Segurança Social, delegação de Lisboa, com o nº ...21.
bq) No exercício da sua actividade a sociedade arguida tinha trabalhadores ao seu serviço a quem pagou as respectivas remunerações.
bu) Sobre tais remunerações mensais também efectuou a sociedade arguida por ordem do arguido, seu gerente, mensalmente, a dedução, a retenção do valor de 11% referentes às contribuições devidas à Segurança Social relativa ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem e 10% referente ao gerente.
bv) Assim apesar de ter efectuado as reduções, actuando em nome da sociedade, arguida não entregou o respectivo montante à Segurança Social a quem era devido como bem sabia o arguido.
bx) Não o fez até ao terem do prazo do mês seguinte a que respeitavam, nem nos 90 dias subsequentes ao termo de tal prazo.
bz) A Sociedade e o Arguido foram notificados para efectuar o pagamento no prazo de 30 dias, nada tendo porém entregue, apoderando-se o arguido dos respectivos montantes em favor da sociedade arguida e em prejuízo da Segurança Social, utilizando-os para outros fins da sociedade e em proveito desta, bem sabendo que não lhe pertenciam e deles não podia dispor, o que se manteve entre Janeiro de 2002 e Agosto de 2006.
ca) Deste modo a sociedade arguida, por ordem e sob orientação do arguido não procedeu à entrega, naquele período, das seguintes contribuições deduzidas sobre os salários dos trabalhadores e gerentes devidas à Segurança Social, nas seguintes datas e montantes:
- 8769,00 euros, no mês de Janeiro de 2002;
- 9784,50 euros, no mês de Fevereiro de 2002;
- 12.145,76 euros, no mês de Março de 2002;
- 14.902,12 euros, no mês de Abril de 2002;
- 15.675,81 euros, no mês de Maio de 2002;
- 15.456,95 euros, no mês de Junho de 2002;
- 20.797,83 euros, no mês de Julho de 2002;
- 15 942,29 euros, no mês de Agosto de 2002;
- 15 372,52 euros, no mês de Setembro de 2002;
- 15 134,81 euros, no mês de Outubro de 2002;
- 14 587,66 euros, no mês de Outubro de 2002
- 36 971,45 euros, no mês de Dezembro de 2002;
- 14 486,92 euros; no mês de Janeiro de 2003;
- 15 481,06 euros, no mês de Fevereiro de 2003;
- 16 352,61 euros, no mês de Março de 2003;
- 19.069,98 euros, no mês de Abril de 2003;
- 22.395,26 euros, no mês de Maio de 2003;
- 23.531,65 euros, no mês de Junho de 2003;
- 23.104, 40 euros, no mês de Julho de 2003;
- 23 806,94 euros, no mês de Agosto de 2003;
- 21 298,80 euros, no mês de Setembro de 2003;
- 20 126,00 euros, no mês de Outubro de 2003;
- 20 796,94 euros, no mês de Novembro de 2003;
- 44 192,26 euros, no mês de Dezembro de 2003;
- 23 480,68 euros, no mês de Janeiro de 2004;
- 24 599,04 euros, no mês de Fevereiro de 2004;
- 23 692,87 euros, no mês de Março de 2004;
- 28 069,55 euros, no mês de Abril de 2004;
- 28 678,15 euros, no mês de Maio de 2004;
-28 985,42 euros, no mês de Junho de 2004;
- 30 157,93 euros, no mês de Julho de 2004;
- 27 527,59 euros, no mês de Agosto de 2004;
- 27 249,29 euros, no mês de Setembro de 2004;
- 26 111,76 euros, no mês de Outubro de 2004;
- 23 474,75 euros, no mês de Novembro de 2004;
- 42 527,02 euros, no mês de Dezembro de 2004;
- 75,31 euros, no mês de Janeiro de 2005;
- 253,41 euros, no mês de Fevereiro de 2005;
- 427,47 euros, no mês de Agosto de 2005;
- 490,46 euros, no mês de Setembro de 2005;
- 470,43 euros, no mês de Outubro de 2005;
- 400,34 euros, no mês de Novembro de 2005;
- 608,75 euros, no mês de Dezembro de 2005;
- 339,60 euros, no mês de Janeiro de 2006;
- 343,88 euros, no mês de Fevereiro de 2006;
- 362,34 euros, no mês de Março de 2006;
- 446,35 euros, no mês de Abril de 2006;
- 454,88 euros; no mês de Maio de 2006;
- 507,37 euros no mês de Junho de 2006;
- 583,36 euros no mês de Julho de 2006 e
- 506,74 euros no mês de Agosto de 2006, no total de 801.142,79 euros.
cb) Actuou o arguido como gerente e em nome da sociedade arguida com intenção de alcançar para a empresa e para si próprio benefícios económicos que sabia serem indevidos e prejudicar a Segurança Social como prejudicou.
cc) Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser proibida e punida a sua conduta.
Processo nº494/10.6...
cd) A FM...3, Lda., é uma sociedade por quotas, identificada pelo NUIPC ...16, que tem por objecto a realização de auditorias fiscalização, orientação de pessoal em serviços de salubridade e gestão de pessoal.
ce) A gerência da referida sociedade sempre foi exercida de facto pelo arguido AA sócio de tal sociedade, desde a sua constituição em 19.02.2007.
cf) A sociedade teve actividade desde o ano de 2007, inscrevendo-se na Segurança Social, no regime geral de beneficiários pensionistas de velhice e no regime geral de trabalhadores por conta de outrem.
cg) Entre Fevereiro de 2008 e Junho de 2009, foi o Arguido AA quem tomou todas as decisões que afectaram a sociedade.
ch) No exercício da sua actividade a Sociedade Arguida, entre Fevereiro de 2008 e Junho de 2009, teve sob dependência laboral, trabalhadores declarados à Segurança Social, os quais recebiam os seus salários e estavam sujeitos a retenção na fonte das contribuições devidas à Segurança Social.
ci) A FM...3, Lda., remetia mensalmente à Segurança Social as respectivas folhas de remuneração das quais constava o nome da entidade empregadora, os nomes dos trabalhadores e gerentes ao serviço nesse mês, o montante das retribuições por ele auferidas e o montante das contribuições a pagar.
cj) A empresa Arguida, sob direcção do Arguido, efectuou os descontos referentes às contribuições pelos mesmos devidas à Segurança Social, nos termos estipulados na lei.
cl) Desde Fevereiro de 2008, o arguido deixou de entregar as contribuições retidas e mensalmente declaradas nas remunerações pagas aos trabalhadores.
cm) A Sociedade reteve dos salários que pagou e não entregou à Segurança Social os seguintes montantes:
- 15.479,32, no mês de Fevereiro de 2008;
- 19 809,79 e 283,02 euros, no mês de Março de 2008;
- 21 569,99 e 273,30 euros, no mês de Abril de 2008;
- 22 054,59 e 324,53 euros, no mês de Maio de 2008;
- 22 329,00 e 371,72 euros, no mês de Junho de 2008;
- 23 654,76 e 276,88 euros, no mês de Julho de 2008;
- 21 46,21 e 183,67 euros, no mês de Agosto de 2008;
- 20 781,26 e 211,96 euros, no mês de Setembro de 2008;
- 19 042,49 e 181,70 euros, no mês de Outubro de 2008;
- 12 100,03 e 170,19 euros, no mês de Novembro de 2008;
- 20 845,97 e 341,90 euros, no mês de Dezembro de 2008;
- 10 175,56 e 181,06 euros, no mês de Janeiro de 2009;
- 10 749,02 e 181,06 euros, no mês de Fevereiro de 2009;
- 13 229,47 e 271,27 euros, no mês de Março de 2009;
- 14 896,32 e 317,20 euros, no mês de Abril de 2009;
- 15 433,04 e 418,08 euros, no mês de Maio de 2009;
- 15 471,20 e 348,03 euros, no mês de Junho de 2009, no montante total de 303.419,57 euros.
cn) O Arguido sabia que na qualidade de entidade patronal e de gerente de facto da sociedade arguida estava obrigado a entregar à Segurança Social as quantias monetárias resultantes dos descontos efectuados nos salários dos seus empregados, até ao dia 15, do mês seguinte, àqueles a que se referiam.
co) Porém não entregou dentro do prazo legal as referidas quantias, nem nos 90 dias seguintes sobre tais prazos:
cp) Após notificação para o efeito, nem o arguido AA, nem a sociedade efectuaram o pagamento no prazo de 30 dias.
cq) A sociedade arguida, através da conduta do arguido, apropriou-se dos 303.419,57 euros que fez coisa sua, o que fez por tal incumprimento ser mais favorável à empresa.
Processo 796/08.1...
cr) A FO..., Lda., Sociedade por quotas, com o NUIPC ...58, foi fundada em 1944 e adquirida em 2000, pelo arguido através da sociedade JR..., S.A., pertença do arguido, que, em 2006, lhe mudou a designação para a que ostenta de FO..., Lda.
cs) Nessa altura, o Arguido alterou a actividade da sociedade para serviços de contabilidade, área de orientação e gestão de pessoal e salubridade e segurança privada.
ct) A gerência desta sociedade desde a aquisição em 2000, esteve sempre a cargo de AA, estando de facto e de direito até 2003 e de facto após esta data.
cu) Em Maio de 2006, o arguido AA assinou um contrato de cessão da posição contratual em representação da FO..., Lda.
cv) O arguido AA assinou em Agosto de 2006, a rectificação do objecto social e a alteração da designação da sociedade.
cx) Em Setembro de 2006, o arguido intitulando-se gerente, assinou um requerimento para registo de tais actos na conservatória.
cz) Foi sob o número de identificação fiscal de AA que, em 2008, se identificou o ... legal da sociedade e que, em Abril de 2009, o arguido assinou os balanços da mesma e declaração para o projecto de cisão.
da) Era o Arguido quem constava como responsável das fichas bancárias na conta nº ...10, titulado pela sociedade arguida no Banco BANIF e que para depósito nessa conta, endossou, em Março de 2009, cheques emitidos à sociedade arguida pelos seus clientes.
db) Foi o arguido quem, em Novembro de 2009, assinou pela sociedade arguida a rescisão de contrato de trabalho.
dc) E ainda que, em 12 de Maio de 2011, em nome da sociedade arguida emitiu certificados sobre tempo de serviço prestado à Sociedade.
dd) O arguido era também técnico de contas da sociedade FO..., Lda.
de) Nessa qualidade de gerente de facto, era o arguido quem tomava todas as decisões inerentes à gestão da sociedade, nomeadamente definindo critérios contabilísticos e financeiros da mesma.
df) Sendo ele a deter o poder de decisão quer no domínio da gestão comercial, quer financeira da sociedade e dependendo da decisão do arguido todos os pagamentos a realizar, incluindo impostos e o cumprimento das demais obrigações em que a sociedade se constituísse.
dg) A FO..., Lda., nos exercícios de 2006, 2007, 2008 e 2009 para desenvolver a sua actividade tinha trabalhadores por sua conta, aos quais pagava remunerações por trabalho dependente.
dh) Sobre tais remunerações a sociedade FO..., Lda., por ordem do arguido seu gerente de facto descontou e reteve mensalmente, na fonte como lhe competia, os montantes devidos de IRS.
di) Tais montantes deveriam ter sido entregues até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitavam, como bem sabia o arguido.
dj) A FO..., Lda., por ordem do arguido, naqueles exercícios descontou e reteve mas não entregou ao Estado a quem eram devidos como bem sabia o arguido.
dl) Decisão essa de não entrega que, para além do IRS, incluiu nos mesmos exercícios outros impostos devidos ao Estado.
dm) Pois no exercício da sua actividade a FO..., Lda., está registada no Serviço de Finanças de Lisboa I, enquadrando-se no regime normal de periodicidade mensal.
dn) Apoderando-se o arguido dos respectivos montantes de IRS a favor da sociedade arguida e em prejuízo do Estado utilizando-os para outros fins, bem sabendo que não lhe pertenciam e que deles não podia dispor.
do) Decisão que pôs em prática, entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2009, nada tendo entregue a título de retenções de IRS efectuadas, nem nos prazos previstos, nem nos 90 dias subsequentes ao termo de tais prazos.
dp) Sendo certo que foi notificado, assim como a Sociedade, para fazer tal pagamento no prazo de 30 dias, nada tendo entregue.
dq) Concretamente entre Janeiro de 2006 e Dezembro de 2009, a sociedade reteve, descontou ou recebeu o valor global de 442.042,00 euros, nos seguintes meses e montantes.
- 8 055,00 euros, no mês de Janeiro de 2006;
- 7 646,00 euros, no mês de Fevereiro de 2006;
- 7.603,00 euros, no mês de Março de 2006;
- 8 206,00 euros, no mês de Abril de 2006;
- 7.681,00 euros, no mês de Maio de 2006;
- 14.051,00 euros, no mês de Junho de 2006;
- 8.729,00 euros, no mês de Julho de 2006;
- 7.753,00 euros, no mês de Agosto de 2006;
- 7.784, 00 euros, no mês de Setembro de 2006;
- 8. 933,00 euros, no mês de Outubro de 2006;
- 8. 939,00 euros, no mês de Novembro de 2006;
- 17.355,00 euros, no mês de Dezembro de 2006;
- 9 343,00 euros, no mês de Janeiro de 2007;
- 9.238,00 euros, no mês de Fevereiro de 2007;
- 8.341,00 euros, no mês de Abril de 2007;
- 9 899,00 euros, no mês de Maio 2007;
- 13.006,00 euros, no mês Junho de 2007;
- 8.943,00 euros, no mês de Agosto de 2007;
- 10.450,00 euros, no mês de Maio de 2008;
- 14.039,00 euros, no mês de Junho de 2008;
- 11.799, 00 euros, no mês de Julho de 2008;
- 8.814,00 euros, no mês de Agosto de 2008;
- 8.863,00 euros, no mês de Setembro de 2008;
- 10.447,00 euros, no mês de Outubro de 2008;
- 10.598,00 euros, no mês de Novembro de 2008;
- 22.323,00 euros, no mês de Dezembro de 2008;
- 12.126,00 euros, no mês de Janeiro de 2009;
- 12.078,00 euros, no mês de Fevereiro de 2009;
- 12 685,00 euros, no mês de Março de 2009;
- 13.153,00 euros, no mês de Abril de 2009;
- 14.506,00 euros, no mês de Maio de 2009;
- 17.952,00 euros, no mês de Junho de 2009;
- 18.434,00 euros, no mês de Julho de 2009;
- 13.243,00 euros, no mês de Agosto de 2009;
- 11.942,00 euros, no mês de Setembro de 2009;
- 11.528,00 euros, no mês de Outubro de 2009;
- 14.054,00 euros, no mês de Novembro de 2009;
- 21.503,00 euros, no mês de Dezembro de 2009.
dr) Após notificação para o efeito nem o arguido AA, nem a Sociedade FO..., Lda. efectuaram o pagamento, no prazo de 30 dias.
ds) A Sociedade agiu do modo descrito, com intenção de alcançar para a sociedade como alcançou benefícios económicos que sabia serem indevidos e de causar prejuízo à fazenda Nacional.
dt) Agiu de modo livre, deliberado e consciente bem sabendo ser proibida e punida a sua conduta.
Processo 3695/10.3...
du) A arguida FC..., Lda., é uma sociedade por quotas, com sede em Lisboa e contribuinte nº...721 da Segurança Social.
dv) Tem por objecto a auditoria, fiscalização, orientação de pessoal e serviços de salubridade.
dx) O arguido AA é gerente da sociedade arguida desde a sua constituição em 2001, situação que se mantém até hoje.
dz) A sociedade arguida, entre Setembro de 2007 e Dezembro de 2009, exerceu de facto a actividade a que se tinha destinado, satisfazendo prestações a diversos clientes e pagando a fornecedores e credores.
ea) No exercício da sua actividade e durante esse período a sociedade arguida manteve-se em laboração e pagou pontualmente os salários aos seus trabalhadores e administradores.
eb) Das remunerações pagas mensalmente, a sociedade arguida deduziu as cotizações devidas à Segurança Social, retendo na fonte os valores correspondentes, de acordo com o regime jurídico das Contribuições para a Previdência.
ec) Sucede, porém, que, no período correspondente aos meses de Setembro de 2007 a Junho de 2008, Setembro de 2008, Janeiro a Dezembro de 2009, não cumpriu a obrigação de entregar à Segurança Social tais contribuições, retidas das remunerações pagas aos trabalhadores e aos gerentes.
ed) Assim, e em concreto, os arguidos retiveram contribuições devidas à Segurança Social, nas circunstâncias de tempo e nos montantes que se indicam:
- em Setembro de 2007, montante de 224,36 e 100,00 euros;
- em Outubro de 2007, no montante de 2.114,51 e 100,00 euros;
- em Novembro de 2007, no montante de 1.788,94 euros e de 100,00 euros;
- em Dezembro de 2007, no montante de 1.210,10 euros e de 200,00 euros;
- em Janeiro de 2008, no montante de 554,97 euros;
- em Fevereiro de 2008, no montante de 699,89 euros;
- em Março de 2008, no montante de 541,13 euros;
- em Abril de 2008, no montante de 602,57 euros;
- em Maio de 2008, no montante de 683,01 euros;
- em Junho de 2008, no montante de 712,61 euros;
- em Setembro de 2008, no montante de 495,07 e de 111,20 euros;
- em Janeiro de 2009, no montante de 4.544,98 euros;
- em Fevereiro de 2009, no montante de 4.482,64 e de 122,43 euros;
- em Março de 2009, no montante de 2.772,14 e de 16,02 euros;
- em Abril de 2009, no montante de 2.917,84 e de 16,02 euros;
- em Maio de 2009, no montante de 3.121,68 e de 16,02 euros;
- em Junho de 2009, no montante de 3.570,27 e de 14,02 euros;
- em Julho de 2009, no montante de 3.059,19 e de 16,56 euros;
- em Agosto de 2009, no montante de 3.116,67 e de 32,04 euros;
- em Setembro de 2009, no montante de 2.620,82 e de 15,18 euros;
- em Outubro de 2009, no montante de 2.600,26 e de 37,75 euros;
- em Novembro de 2009, no montante de 2.536,28 e de 15,18 euros;
- em Dezembro de 2009, no montante de 4.724,69 e de 30,36 euros, tudo no total de 50.637,39 euros.
ef) O que perfaz o quantitativo global de € 50.637,39, valor que a sociedade arguida deduziu das respectivas remunerações pagas a trabalhadores e gerentes.
eg) O arguido AA, único decisor, sabia que estava obrigado a entregar à Segurança Social as quantias resultantes dos descontos efectuados nos salários dos seus empregados e gerentes, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam,
eh) Não os entregou dentro dos prazos legais, nem nos 90 dias decorridos sobre o termo desses prazos.
ei) Após ter sido notificado para o efeito, em 30.04.2010, nem o arguido AA nem a sociedade arguida efectuaram o pagamento da quantia em falta, acrescida de juros e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias.
Processo 943/10.3...
ef) A arguida FI..., Lda., contribuinte fiscal nº ...10, é uma sociedade por quotas que tem por objecto a prestação de serviços de vigilância e controle de entrada, permanência e saída de pessoas e bens em edifícios ou quaisquer outros prédios, prevenção contra actos ilícitos ou sinistros em geral, protecção e transporte de fundos e valores, organização, instalação e funcionamento de sistemas de segurança, bem como agência ou outras formas de representação de sociedades nacionais e estrangeiras para importação e comércio e o respectivo equipamento e sua manutenção.
eg) O arguido AA, desde o início da constituição da sociedade, em 1992, até à data da sua insolvência (em 20-05-2010) foi sempre quem exerceu as funções de gerente da “FI..., Lda.”, tomando todas as decisões referentes à mesma.
eh) Nos anos 2007 a 2009, a sociedade arguida teve ao seu serviço um número indeterminado de trabalhadores dependentes e independentes, aos quais pagou mensalmente as remunerações acordadas nos termos dos contratos celebrados com os mesmos, remunerações essas sujeitas a I.R.S.
ei) A primeira arguida estava obrigada a reter o imposto dos rendimentos dos seus trabalhadores no momento do respectivo pagamento, e a entregá-lo ao Fisco, até ao dia 20, do mês seguinte àquele a que respeita o imposto.
ej) Nos meses de Janeiro e Março de 2007, Abril a Maio de 2008 e períodos subsequentes, o arguido AA, em representação da sociedade arguida, decidiu que não cumpriria a obrigação de entregar à Administração Fiscal as quantias monetárias referentes aos impostos que esta reteve sobre as remunerações que pagou de trabalho dependente e independente, sempre que tal se mostrasse mais favorável à empresa em termos financeiros.
el) Assim, a sociedade arguida, sempre representada pelo arguido AA, procedeu mensalmente a descontos no montante das remunerações que pagou aos seus trabalhadores, para efeitos de I.R.S. no valor do imposto devido, ficando com a parcela descontada em seu poder, nos montantes que a seguir se discriminam, por meses, e por períodos respeitantes à obrigação de entrega ao Fisco.
em) O arguido AA e a sociedade arguida declaram ter descontados as quantias, que a seguir se discriminam, descontadas nos termos referidos no número antecedente, até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que respeitava o imposto, como era sua obrigação, nem nos 90 dias seguintes ao termo daqueles prazos, sem as ter entregue delas se apoderando:
no ano de 2007, em Janeiro, do montante de 23.454,16 euros;
no ano de 2007, em Março, do montante de 14.867,18 euros (entretanto já pagos)
Relativamente ao de 2008, declararam e não procederam à entrega de retenções mensais:
- de 22.892,08 euros, desde Abril de 2008 a Novembro de 2008, com excepção de Julho e Dezembro, relativamente aos quais foram declaradas e não entregues, respectivamente, as quantias de 45.784,15 euros e 54.784,15.
A título de retenção em categoria B, foram ainda declaradas e igualmente não se mostram pagos 325,86 euros.
Relativamente ao ano de 2009, declararam e não procederam à entrega de retenções mensais no montante de 25.599,81, desde Janeiro de 2009 a Novembro de 2009, com excepção de Julho e Dezembro, meses em que foram declaradas retidas e não foram entregues, respectivamente, as quantias de 51.199,63 e 51.199,64 euros.
A título de retenção, em categoria B, foram declarados, no ano de 2009, 325,86 euros, que igualmente não se mostram pagos.
en) No desenvolvimento da sua actividade, a sociedade arguida prestou serviços pelos quais liquidou e cobrou IVA, pelos seguintes montantes, que não entregou:
- no mês de Junho de 2008, no montante de 79.015,15 euros;
- no mês de Julho de 2008, no montante de 83.199,18 euros;
- no mês de Agosto de 2008, no montante de 78.437,44 euros;
- no mês de Setembro de 2008 no montante de 222.274,70 euros;
- no mês de Outubro de 2008, no montante de 221.000,18 euros;
- no mês de Dezembro de 2008, no montante de 599.935,03 euros;
- no mês de Janeiro de 2009, no montante de 199.491,23 euros;
- no mês de Fevereiro de 2009, no montante de 178.484,69 euros;
- no mês de Março de 2009, no montante de 171.045,72 euros;
- no mês de Abril de 2009, no montante de 187.578,28 euros;
- no mês de Maio de 2009, o montante de 187.040,79 euros;
- no mês de Junho de 2009, no montante de 184.066,65euros,
- no mês de Julho de 2009; no montante de 227.627,35 euros;
- no mês de Agosto de 2009, no montante de 227.654,89 euros;
- no mês de Setembro de 2009, no montante de 17.650,86 euros;
- no mês de Novembro de 2009, no montante de 146.435,70 euros;
- no mês de Dezembro de 2009, no montante de 143.086,00 euros;
- no mês de Março de 2010, no montante de 111.179,70 euros;
- no mês de Abril de 2010, no montante de 100.016,77 euros, no total de 2.994.494,26 euros;
em) O arguido AA e a sociedade arguida não entregaram à Administração Tributária a quantia que efectivamente descontaram nas remunerações dos seus trabalhadores nos meses de Janeiro e Março de 2007, Abril e Maio de 2008, nos termos e prazos nos quais deveria ter sido feita a entrega do imposto, nem nos 90 dias subsequentes.
eo) Após terem sido notificados para o efeito, nem o arguido AA, nem a sociedade arguida efectuaram o respectivo pagamento da quantia em falta, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias.
ep) Apenas em 16 de Fevereiro de 2009, foi efectuado o pagamento da retenção de IRS, da sociedade arguida, respeitante ao mês de Março de 2007.
eq) O arguido AA fez seu e da sociedade arguida os referidos montantes, integrando-os no património da sociedade, que gastou em proveito da mesma, usando-o para prosseguir outros fins e interesses da empresa, nomeadamente o pagamento de outras dívidas a outros credores que não o Fisco, bem sabendo que as quantias monetárias retidas não pertenciam à sociedade de que era ....
er) No que toca ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A.), a sociedade arguida encontrava-se enquadrada no Regime Normal de Periodicidade Mensal, pelo que, estava obrigada a enviar mensalmente à Direção de Serviços de Cobrança do I.V.A., uma declaração periódica relativa ao I.V.A., acompanhada do pagamento do imposto exigível e apurado.
es) Todavia, a “FI..., Lda.”, pese embora tenha entregue as declarações periódicas de I.V.A., não enviou aos serviços competentes, os montantes apurados, e efectivamente recebidos a título de imposto sobre o valor acrescentado, correspondentes ao período compreendido entre Junho de 2008 e Junho de 2010.
et) No entanto, não entregou nos cofres do Estado qualquer destes montantes, no total de 2.994 494,26 €, nem decorridos 90 dias após o prazo legal, e também não o fez até hoje.
eu) Não obstante ter recebido dos seus clientes, no mesmo período de tempo, aqueles montantes, a título de imposto que liquidou.
ev) Antes optou, deliberada e conscientemente, em os utilizar no pagamento a outros credores da “FI..., Lda.”, nomeadamente a fornecedores e a trabalhadores.
ex) Após terem sido notificados para o efeito, nem o arguido AA, nem a sociedade arguida efectuaram o respectivo pagamento da quantia em falta, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias.
ez) O arguido AA fez seus e da sociedade arguida os referidos montantes não entregues à administração fiscal, a título de IRS e IVA, integrando-os no património da sociedade, que gastou em proveito da mesma, usando-os para prosseguir outros fins e interesses da empresa, nomeadamente o pagamento de outras dívidas a outros credores que não o Fisco, bem sabendo que as quantias monetárias retidas não pertenciam à sociedade de que era ....
fa) Actuou o arguido AA, de modo idêntico e reiterado de todas as vezes que não efectuou a entrega à Administração Fiscal das quantias monetárias retidas nas remunerações dos seus trabalhadores e das quantias monetárias que cobrou para efeitos de IVA, devidas pela sociedade, arrastando-se tal conduta durante os anos de 2007 a 2010.
fb) No período ao qual respeitam os factos referidos supra, deixou o arguido AA de cumprir com a obrigação de entregar as quantias devidas a título de I.R.S. e I.V.A.
fc) Na sua actuação como ... da primeira arguida, nos termos referidos supra, agiu sempre o arguido AA com consciência de que era obrigação da empresa entregar ao Fisco as quantias cuja retenção efectuou, para posterior pagamento de IRS e IVA devido.
fd) Bem sabendo que não tinha o direito de usar para fins de conveniência da sociedade arguida montantes que devia entregar ao Estado e que apenas estavam em poder da empresa por esta os ter descontado do montante total de pagamentos que efectuou.
fg) Consciência que não impediu o arguido de decidir não cumprir as suas referidas obrigações fiscais.
fh) O arguido AA actuou de forma voluntária, livre e consciente, na qualidade de gerente de facto da primeira arguida, em nome e no interesse desta, com a intenção de assim alcançar para si e para a sociedade, como alcançou, benefícios económicos indevidos, à custa da defraudação da Fazenda Nacional.
fi) Efectivamente, com a sua conduta, o arguido AA causou um prejuízo fiscal ao Estado Português no montante global de 3.063.732,58€, uma vez que fez seus e da sociedade arguida, o montante em questão, que bem sabia não pertencer à sociedade de que era ..., mas ao Estado.
Processo 35-09.8 IDLSB
fj) A Sociedade J..., S.A., com o NUIPC ...35 exerceu nos anos de 2007 e 2008 a actividade de segurança privada.
fl) A gerência da referida sociedade nos anos de 2007 e 2008 foi exercida de facto pelo arguido AA.
fm) Nos anos de 2007 e 2008 altura foi o Arguido AA quem tomou todas as decisões que afectaram a sociedade.
fn) A Sociedade arguida entre Janeiro de 2007 e Março de 2009 prestou a terceiros serviços, a título oneroso, sujeitos a pagamento de imposto sobre valor acrescentado, cujo valor foi facturado no preço global dos mesmos.
fo) Por outro lado, a empresa arguida adquiriu bens que lhe foram facturados pelos respectivos fornecedores, com o montante de IVA respeitante a tais bens como acréscimo do valor a pagar.
fp) Cabia à empresa arguida liquidar mensalmente o imposto devido ao Estado, deduzindo ao valor por si facturado, o imposto por si suportado nas aquisições efectuadas.
fp) E entregá-lo ao Estado juntamente com a declaração relativa às operações que justificaram as operações até ao dia devido do mês seguinte àquele a que dizia respeito.
fr) A sociedade arguida efectuou as declarações devidas, mas não as fez acompanhar dos respectivos meios de pagamento, nem na altura, nem nos 90 dias subsequentes.
fs) Entre Setembro de 2006 e Agosto de 2008 a sociedade arguida teve a seu cargo trabalhadores dependentes e independentes a quem pagou salários sujeitos como tal a IRS, categorias A B.
fj) Ao pagar tais remunerações, não entregou tais quantias à sociedade arguida, entregando apenas os montantes obtidos depois de descontar a quantia que entendeu ser retida por si, enquanto entidade pagadora.
fd) O Arguido decidiu utilizar as disponibilidades monetárias e financeiras resultantes da retenção do IRS e do IVA para prosseguir outros fins, provenientes dos seguintes meses, impostos e valores:
IVA
Janeiro de 2007- 142.358,66 euros
Fevereiro de 2007- 146.879,25euros
Março de 2007- 152.073,22 euros
Abril de 2007- 189. 955,32 euros
Maio de 2007- 200.337,66 euros
Junho de 2007- 122.268,95 euros
Fevereiro de 2008 - 239.179,70 euros
Março de 2008 - 270.935,00 euros
Abril de 2008 - 10.639,37 euros,
Maio de 2008 - 220.529,80 euros
Junho de 2008 - 236.715,35 euros
Julho de 2008 - 278.257,70 euros
Julho de 2008 - 233.523,70 euros
Agosto de 2008 - 198.609,40 euros
Setembro de 2008 - 198.415,70 euros
Outubro de 2008 - 198.937,70 euros
Novembro de 2008 - 186.465,50 euros
Dezembro de 2008 - 247.906,00 euros
Janeiro de 2009 - 223.484,63 euros
Fevereiro de 2009 – 270.084,00 euros
Março de 2009 – 244.126,00 euros
IRS
Setembro de 2006 – 25.128,37 euros
Outubro de 2006 - 27.288,48 euros
Novembro de 2006 - 25.110,38 euros
Dezembro de 2006 - 43.603,73 euros
Janeiro de 2007 - 37.994,70 euros
Fevereiro de 2007 - 22.017,03 euros
Março de 2007 - 23.120,25 euros
Junho de 2007- 37.510,98 euros
Julho de 2007 - 39.061,13 euros
Agosto de 2007- 32.525,08 euros
Maio de 2008 - 27.855,71 euros
Junho de 2008 - 30.719,54 euros
Julho de 2008 - 23.684,33 euros
Agosto de 2008 - 24.822,52 euros, no total de 420.442,24 euros.
Apesar de ter liquidado IVA e descontado mensalmente nas remunerações pagas aos trabalhadores dependentes não as entregou ao Estado.
Esta situação arrastou-se ao longo do tempo, integrando-se numa forma de actuação da administração da Arguida que decidiu financiar-se à custa do Estado,
Mais se provou que:
fe)- O Arguido AA em 16-05-2005, 09-07-2005 e 15-11-2005 apresentou declarações de IVA, a zero, tendo posteriormente, em 22-03-2006, 12-02- 2007, apresentado declarações de substituição referentes à empresa com número de identificação fiscal ...831, Sociedade FI...2, S.A. ou SE...2, S.A.. (doc. de fls. 9059)
ff)- O Arguido AA em 24-05-2006, 26-05-2006 e 24-05-2006 apresentou as declarações de IVA, de substituição, referentes à empresa com número de identificação fiscal ..69, Sociedade FM..., Lda..
fg)- O Arguido AA em 16-05-2005, 09-07-2005 e 15-11-2005 apresentou declarações de IVA, a zero, tendo posteriormente, em 10-08-2006 e 30-06-2006, apresentado declarações de substituição referentes à empresa com número de identificação fiscal ...05, Sociedade FM...2, Lda.
Fh)- O Arguido AA em 05-08-2004 apresentou uma declaração de IVA, a zeros, tendo posteriormente sido apresentada em 06-07-2006 uma declaração de substituição referentes à empresa com número de identificação fiscal ...63, Sociedade FT..., SGPS, S.A.., no valor de 111.048,51 euros. (fls. 9122)
fi)- O arguido AA permitiu na fase administrativa do processo a quebra de sigilo bancário.
fj)- A empresa FC..., Lda., tinha desde pelo menos Setembro de 2007 um crédito a receber/compensar sobre a Segurança Social no montante de 115 505,79 euros.
fl)- A empresa FI..., Lda., deixou de proceder ao pagamento integral dos subsídios de férias e Natal a partir de Junho de 2008 e mais tarde não obstante as declarações apresentadas, iniciou-se um período de ausência de pagamentos pontuais de salários.
Foi elaborado relatório social ao arguido AA, com o seguinte teor:
«O presente relatório foi elaborado com base em duas entrevistas com AA, bem como em contacto telefónico adicional com o mesmo, a fim de aprofundar aspectos referidos durante as entrevistas. Procedeu-se também ao contacto telefónico com DD e com EE - funcionários do arguido, à consulta das informações solicitadas à 3º Divisão da PSP de Lisboa e à consulta do dossier individual do arguido da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais [DGRSP], aberto no ano de 2008, onde consta um documento de assessoria técnica, solicitado pela ... Vara Criminal do Porto, no âmbito do Processo nº 336/04.1....
O arguido assumiu uma postura de colaboração para o desenvolvimento do procedimento, não tendo evidenciado manifestação de mecanismos defensivos aquando a explanação das circunstâncias que enformam a acusação. Face ao período que distou entre as entrevistas realizadas - uma em Março de 2013 e outra no dia 30 de Junho do ano - apesar de ter mantido uma atitude sintónica, no último contacto presencial patenteou sintomatologia depressiva.
I - Dados relevantes do processo de socialização
De naturalidade beirense, AA e a sua irmã gémea foram criados pelos progenitores, num seio familiar cuja dinâmica é relatada como tendo sido pautada pela funcionalidade e afetividade entre os elementos do agregado.
O arguido licenciou-se em gestão, pela Universidade ..., percurso académico feito em regime de trabalhador-estudante.
A sua trajetória profissional foi decorrendo no desempenho de funções concernentes com a sua área de formação, nomeadamente no âmbito da assessoria, da gestão de serviços de contabilidade e da gestão financeira e contabilidade, com vínculos contratuais por conta de outrem. Em resposta ao que adjetiva como "desafio" (sic.) profissional decidiu dar continuidade à atividade de Técnico Oficial de Contas [TOC] por conta própria, tendo sido neste enquadramento que foi criando várias empresas: primeiro a SE..., Lda.. E posteriormente a I..., Lda. ..
A nível familiar destaca-se o facto de ter casado em 1993, relação da qual teve dois filhos, presentemente com quinze e nove anos de idade.
Nas fontes documentais consultadas é aludido que no seu primeiro envolvimento com o Sistema de Justiça Penal - datado de 2005 - resultou na condenação de pagamento de trezentos euros de multa, pelo crime de injúrias.
Mais tarde foi acusado de um crime de abuso de confiança fiscal (Processo nº 336/04.1... – ... Vara Criminaldo Porto), no qual estava envolvida a empresa, sendo que, de acordo com o próprio, no seguimento de ter sido condenado, veio a interpor recurso, aguardando ainda a decisão do mesmo.
II - Condições sociais e pessoais
No período a que reportam os alegados factos, AA era casado e assumia funções de TOC nas empresas SE..., Lda. e I..., Lda. - as quais se encontrariam insolventes - cargo que acumulava em paralelo com uma outra empresa do grupo F... (FS...). Vivia à data num enquadramento que lhe proporcionava estabilidade financeira e compatível com a satisfação das suas necessidades de subsistência e daqueles que estavam ao seu encargo.
O arguido referiu que presentemente a sua subsistência é assegurada com cerca de 2.000 euros mensais, rendimentos provenientes do seu exercício profissional, que se divide em seis firmas que mantém ativas e operam em áreas diversificadas (e.g. plásticos).Porém, segundo o mesmo, desde o dia 29 de junho do presente ano, a entidade Barcklays Bank declarou a sua insolvência (penhora das contas bancárias), na qualidade de avalista das empresas que gere.
As fontes laborais contactadas - colaboradores do arguido há vários anos - são unânimes na sua descrição/avaliação, sendo referido que sempre reconheceram naquele competências de gestão e de responsabilidade no desempenho e no compromisso face às obrigatoriedades que lhe eram/são exigidas, sendo nesta égide que verbalizam não o rever nas ilicitudes que lhe são imputadas.
AA relata não ter bens e/ou dívidas, avaliando a sua atual condição financeira como sendo relativamente vulnerável, embora continue a manter a capacidade para suprimir os encargos fixos, cifrados em aproximadamente 1.500 euros por mês e distribuídos entre despesas domésticas e a totalidade das despesas de educação dos filhos.
O arguido está divorciado desde o ano 2006 e, desde então, reside com o filho mais velho, numa habitação arrendada, tendo o outro filho do ex-casal ficado ao encargo da progenitora. Há cerca de um ano encetou novo relacionamento afetivo e, há quatro meses, foi novamente pai. Apesar de não terem assumido vivência marital, relata que mantém uma relação estável e afetiva com a namorada, embora não aprofunde esta matéria.
Os seus tempos livres são essencialmente ocupados no convívio com os descendentes e, quando tem oportunidade, procura dedicar-se a atividades como a agricultura e a caça.
No Sistema Estratégico de Informação da PSP figuram dois registos nos quais surge como suspeito: um por crime de falsificação (NUIPC 1906/10.4...) e outro por crime contra a propriedade 1 abuso de confiança (NUIPC 201/10.3...). Sobre os mesmos o arguido assume uma postura de desresponsabilização, verbalizando que os processos resultaram de queixas que considera serem desrealizadas, alegadamente feitas por antigos fornecedores, com os quais estaria em litígio.
Ainda do ponto de vista criminal, AA referiu que no presente ano já foi presente em tribunal pelo menos duas vezes, por situações congéneres às que constam nos presentes autos, processos dos quais relata ter sido absolvido, verbalizando contudo sentir-se alvo de "perseguição fiscal" (sic.).
III - Impacto da situação jurídico-penal
O arguido aponta repercussões a nível profissional, nomeadamente o facto de ter passado a viver em permanente apreensão quanto a uma eventual inibição do exercício das funções nas quais investiu para se realizar.
Paralelamente, o desenvolvimento processual também foi trazendo impacto do ponto de vista económico-financeiro.
Segundo o próprio, estas circunstâncias vêm-se repercutindo a nível pessoal e familiar, na medida em que, para além dos seus efeitos terem contribuído para a rutura do matrimónio, veêm incrementando sentimentos de revolta, porquanto considera que tem sido tratado como um "delinquente" (sic.), o que refere colidir com a realidade e com os valores sobre os quais foi educado e tem norteado a sua conduta. O arguido relata ainda viver há bastante tempo com dificuldades inerentes ao facto de os familiares desconhecerem a sua situação jurídico-penal, condição que refere manter para poupá-los de preocupações.
Os argumentos nos quais enforma o presente processo judicial apontam para uma postura simultaneamente de vitimização e de desresponsabilização, não se revendo nas circunstâncias que surgem descritas nos autos, porquanto considera que as mesmas sugerem interpretações erróneas quanto à sua conduta profissional, na medida em que as enquadra aquelas ações em procedimentos administrativos adotados em conformidade com alegadas orientações transmitidas pelos serviços correspondentes.
O arguido verbaliza a convicção absoluta de um desfecho desfavorável do processo judicial, perspetivando que a condenação recaia numa pena de prisão efetiva. Perante uma eventual medida de execução na comunidade, de cariz pecuniário, relata não ter condições financeiras para o seu cumprimento, acrescentando que seria uma decisão injusta, nas suas palavras, não houve apropriação de quaisquer valores. O mesmo acrescenta ainda que, em caso de condenação, interporá recurso embora não tenha expetativas quanto à proficuidade do mesmo.
IV - Conclusão
Ao que conseguimos apurar, o processo de socialização de AA surge sublinhado pela ambição, que se foi concretizando numa ascendente e gradual assunção de cargos e responsabilidades, destacando-se um espírito empreendedor.
Apesar de evidenciar não desvalorizar o bem jurídico em apreço, o seu juízo crítico face a acusação que lhe é imputada surge diminuído, sendo que assume uma postura de vitimização quanto às circunstâncias retratadas e das quais se desresponsabiliza.
Do que possível apurar, o arguido beneficiará de um suporte familiar consistente. Porém, atendendo à escassa partilha de informações sobre a esta dimensão de vida, não conseguimos aferir quanto ao ascendente que terá no seu contexto vivencial e, cumulativamente, a sua representatividade enquanto agente de proteção com capacidade de inibir a replicação de condutas congéneres às quais está acusado.»
3. Processo Comum Colectivo 2537/10.4 TDPRT (presentes autos)
Factos entre 27.6.2009 e 30.11.2009 e entre 7.1.2010 e 24.2.2010
Decisão 6.11.2019
Trânsito em Julgado 7.9.2020
Crime e pena dois crimes de falsificação do artigo 256, n.º1, a), d) e e) e n.º 3 do C.Penal – penas parcelares de 2 anos e pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período mediante sujeição a regime de prova, tendo sido elaborado e homologado plano de reinserção social que estabeleceu como necessidades de intervenção a) a justificação e relativização do envolvimento na conduta criminal com o objectivo de desenvolver o sentido crítico face à ilicitude e desvalor da conduta criminal e reforçar a compreensão das finalidades da condenação, envolvendo as seguintes actividades- comparecer e colaborar proactivamente nas entrevistas com a técnica de reinserção social, refletindo sobre as consequências da conduta criminal para a sociedade e para as vítimas e desenvolvendo a capacidade de empatia; b) a reincidência criminal com os objectivos de prevenir a incursão em padrões de comportamento que potenciem o risco de reincidência , devendo o arguido -comparecer às entrevistas com a técnica de reinserção social, onde deverá colaborar de forma proactiva na reflexão sobre as consequências do comportamento criminal nas vítimas e na sociedade, bem como sobre os fatores de risco e de proteção relativamente à conduta criminal; planear ações concretas que o próprio possa encetar para reduzir esses fatores de risco e potenciar os fatores de proteção; dar conhecimento à técnica do contacto voluntário ou involuntário com situações de risco e ser proactivo no reforço de medidas preventivas.
Descrição dos factos:
“Factos comuns aos autos principais e ao processo apenso:
16.1) A sociedade «FS..., S.A..» é uma sociedade anónima, cujo objecto social é «a prestação de serviços de vigilância e controle de entrada, permanência e saída de pessoas e bens em edifícios ou quaisquer outros prédios, prevenção contra actos ilícitos ou sinistros em geral, protecção e transporte de fundos e valores, organização, instalação e funcionamento de sistemas de segurança, bem como agência e outras formas de representação de sociedades nacionais e estrangeiras para importação e comércio e o respectivo equipamento e sua manutenção, actividade formativa», e, bem assim, «o transporte, arquivo e reencaminhamento de documentos» (cfr. certidão permanente que constitui fls. 666-680);
16.2) A sociedade em apreço tinha o número de identificação fiscal ...41 e encontrava-se inscrita na Segurança Social pelo Distrito do Porto, com o número ...06, tendo sido declarada insolvente por sentença proferida em 29/09/2012, pelas 12 horas (cfr. informação de fls. 1112);
16.3) À data da ocorrência dos factos que a seguir se descrevem, a sociedade arguida tinha sede em ..., tendo atualmente, como última sede registada, a Alameda ...., na freguesia da ..., concelho de Lisboa (cfr. a aludida certidão de fls. 666-680);
16.4) O arguido AA foi, designadamente durante o período em que ocorreram os factos a seguir descritos (e pelo menos entre 29/10/2008 até 02/02/2011), o ... único da aludida sociedade, sendo naquele período, de facto e de direito, o seu legal ... e único responsável pela sua gestão e administração, dirigindo toda a sua atividade e tomando, em exclusivo, as decisões relativas à mesma (cfr. a aludida certidão de fls. 666- -680);
16.5) Nessa qualidade, na sequência da abertura de concursos públicos e adjudicações para aquisição de serviços de segurança e vigilância por parte de váriasentidades públicas, e porque ciente de que a situação contributiva da sociedade «FS..., S.A..» junto da Segurança Social a impedia de ser admitida a tais concursos, o arguido AA, nos moldes a seguir melhor descritos, decidiu forjar declarações de situação contributiva e apresentá-las como verdadeiras, assim logrando que a aludida sociedade fosse admitida – e, nos casos que também se referirão, visse serem- -lhe adjudicados – tais contratos de prestação de serviços;
16.6) Assim, com data de 27/06/2009, foi emitida, pelos competentes serviços do «Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social, I. P.», uma declaração com o n.º ...40, na qual se certificava a situação contributiva da sociedade «FS..., S.A..», daí constando o seguinte: «Declara-se que a entidade contribuinte acima identificada deve, à Segurança Social, contribuições no valor de Cinquenta e nove mil trezentos e dois Euros e dezoito Cêntimos.
A este valor acrescem juros de mora, a calcular à taxa legal em vigor.
A presente declaração não prejudica ulteriores apuramentos e é válida pelo prazo de quatro meses a partir da data de emissão.»;
16.7) Tal declaração refletia a real situação contributiva da sociedade arguida «FS..., S.A..» na data da sua emissão, tendo sido assinada pela assistente administrativa especialista FF;
16.8) Na sequência da abertura do Concurso Público n.º ...QF para a aquisição de serviços de segurança e vigilância para as instalações da sede do «Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos» (cfr. os documentos que constituem o anexo n.º 1 aos autos principais), em data não concretamente apurada mas situada entre os dias 27/06/2009 e 30/11/2009 (data da entrega da proposta), o arguido AA elaborou, ou fez elaborar sob sua direção, uma declaração semelhante à emitida pelo «Instituto de Segurança Social, I. P.», mantendo a data de emissão de 27/06/2009, e o n.º ...40, relativa à sociedade «FS..., S.A..», fazendo constar da mesma os seguintes dizeres:
«Declara-se que a entidade contribuinte acima identificada tem a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social.
A presente declaração não constitui instrumento de quitação de dívida de contribuições e ou de juros de mora, nem prejudica ulteriores apuramentos e é válida pelo prazo de seis meses a partir da data de emissão»;
16.9) Na posse de tal declaração, o arguido AA fê-la chegar, juntamente com os demais documentos necessários à respetiva candidatura ao aludido, no «Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos»;
16.10) No dia 16/12/2009 decorreu o ato público de apreciação das candidaturas no «Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos», tendo a sociedade sido excluída do concurso por motivos alheios à natureza da declaração apresentada (cfr. a ata da reunião do júri do concurso em referência de 16/12/2009, integrada no «anexo» n.º 1 aos autos principais, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos);
16.11) Ainda munido de cópia da declaração aludida no parágrafo 16.8), o arguido AA entregou-a, ou fê-la enviar, juntamente com os demais documentos que lhe foram exigidos, à «Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.», mais concretamente ao «ACES do ...», em 11/08/2009 (cfr. fls. 87-89);
16.12) No dia 07/01/2010, foi emitida, pelo Centro Distrital do Porto do «Instituto da Segurança Social, I. P.», uma declaração com o n.º ...46, na qual se certificava a situação contributiva da sociedade «FS..., S.A..», daí constando o seguinte:
«Declara-se que a entidade contribuinte acima identificada deve, à Segurança Social, contribuições no valor de Cento e setenta e um mil cento e oitenta e quatro Euros e onze Cêntimos.
A este valor acrescem juros de mora, a calcular à taxa legal em vigor.
A presente declaração não prejudica ulteriores apuramentos e é válida pelo prazo de quatro meses, a partir da data de emissão.»;
16.13) Tal declaração refletia a real situação contributiva da sociedade arguida «FS..., S.A..» na data da sua emissão, tendo sido assinada pelo técnico superior GG;
16.14) Agora por forma a lograr ver a sociedade «FS..., S.A..» admitida a prestar serviços de segurança e vigilância à «Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.», novamente o arguido AA, por si e em representação e no interesse da aludida sociedade, em data não concretamente apurada mas situada entre os dias 07/01/2010 e 24/02/2010 (data da entrega da proposta) ou da celebração dos contratos nos casos em que foram formalizados, elaborou, ou fez elaborar sob sua direção, uma declaração semelhante à emitida pelo «Instituto de Segurança Social, I. P.», mantendo a data de emissão de 07/01/2010 e o n.º ...46, relativa à sociedade «FS..., S.A..», fazendo constar da mesma os seguintes dizeres:
«Declara-se que a entidade contribuinte acima identificada tem a sua situação contributiva regularizada pela Segurança Social.
A presente declaração não constitui instrumento de quitação de dívida de contribuições e ou de juros de mora, nem prejudica ulteriores apuramentos e é válida pelo prazo de seis meses, a partir da data de emissão.»;
16.15) De seguida, a sociedade arguida «FS..., S.A.», por intermédio e representada pelo arguido AA, utilizou tal declaração forjada, na qualidade de adjudicatária, no âmbito de procedimentos pré- contratuais com a «Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.», visando o fornecimento de prestação de serviços de segurança e vigilância, por forma a fazer crer àquela entidade que não detinha dívidas perante a Segurança Social e cumpria todas as formalidades exigidas para a contratação:
16.16) Concretizando:
i) Apresentou-se no processo n.º 936/2010, para aquisição de serviços de segurança e vigilância para o «ACES ... – Península de Setúbal III, ...», para o período de Janeiro a Dezembro de 2010, tendo procedido à entrega, além da demais documentação exigida, de cópia das declarações aludidas nos parágrafos 16.8) e 16.14);
ii) Apresentou-se no processo n.º 217/2010, para aquisição de serviços de segurança e vigilância para o «ACES ... – Península de Setúbal I, ...», para o período de Janeiro a Abril de 2010, tendo procedido à entrega de cópia da declaração aludida no parágrafo 16.14);
iii) E apresentou-se ainda no âmbito dos processos mensais para aquisição de serviços de segurança e vigilância durante o ano de 2010, ao «ACES ... – Península de Setúbal II, ...», tendo procedido à entrega de cópias da declaração aludida no parágrafo 16.14);
16.17) No decurso de tais procedimentos contratuais, e na sequência das exigências efetuadas, entregou a sociedade arguida tais declarações autenticadas pela. Advogada Dr.ª CC, certificação essa realizada em 11/05/2010 (cfr. fls. 95-96);
16.18) As adjudicações dos aludidos serviços foram feitas por ajuste direto (cfr. informação de fls. 253, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos);
16.19) Com a aludida conduta, lograram os arguidos AA e «FS..., S.A.», levar a «Administração Regional de Saúde de Vale do Tejo, I. P.», convicta de que a sociedade arguida não tinha dívidas em relação à Segurança Social e cumpria as formalidades exigidas para a adjudicação, a celebrar com a mesma contratos de vigilância e segurança das instalações dos vários Centros de Saúde atrás indicados;
16.20) Assim, no dia 09/04/2010, a «Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.», representada pelo ..., HH, celebrou com a sociedade «FS..., S.A..», representada por AA, o contrato n.º .../10, de «Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança das Instalações do Centro de Saúde da ...; Extensão ..., Extensão ..., Extensão ...; Extensão ...; Extensão ..., Extensão ... e Extensão ... (ACE ... Península de Setúbal I – ...)» (cfr. fls. 4-6 do documento 3 do «anexo» n.º 2, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos);
16.21) Por tal contrato a sociedade arguida ficava obrigada à vigilância e segurança das instalações do aludido Centro de Saúde, mediante o recebimento da quantia total de € 194 958,07 (cento e noventa e quatro mil novecentos e cinquenta e oito euros e sete cêntimos);
16.22) O aludido contrato entrou em vigor no dia 05/04/2010 e teria o seu termo no dia 31/12/2010;
16.23) No dia 14/05/2010, a «Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.», representada pelo Presidente do Conselho Diretivo, já aludido, celebrou com a sociedade «Fénix Security Group, S. A.», representada por AA, o contrato n.º .../10 de «Prestação de Serviços de Vigilância e Segurança das Instalações do Centro de Saúde de ... (ACE ... Península de Setúbal III – ...)» (cfr. fls. 1-4 do documento 2 do «anexo» n.º 2, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos);
16.24) Por tal contrato a sociedade arguida ficava obrigada à vigilância e segurança das instalações do aludido Centro de Saúde, mediante o recebimento da quantia mensal de € 1 377,12€ (mil trezentos e setenta e sete euros e doze cêntimos), acrescida de I.V.A. à taxa legal aplicável, sendo o encargo global previsto para o contrato no montante de € 19.830,53 (dezanove mil oitocentos e trinta euros e cinquenta e três cêntimos);
16.25) O aludido contrato entrou em vigor no dia 01/01/2010 e teve o seu termo no dia 31/12/2010;
16.26) A sociedade arguida foi ainda admitida, por ajuste direto, para a prestação de serviços vigilância e segurança do «ACES de Setúbal II, ...», sendo que neste caso não houve formalização de qualquer contrato, tendo apenas os serviços financeiros da «Administração de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.» procedido ao pagamento dos serviços prestados mediante a apresentação das respetivas faturas (cfr. fls. 1-63 do «anexo» n.º 2);
16.27) Face à prestação de tais serviços de vigilância e segurança das instalações dos mencionados Centros de Saúde por parte da sociedade arguida, foram efetuados pela «Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I. P.» os correspetivos pagamentos para a conta bancária com o n.º ...33, pertencente ao Banco Internacional do Funchal (BANIF), sucursal da Parede (cfr. informação de fls. 208);
16.28) Com a sua descrita conduta, lograram os arguidos AA e «FS..., S.A..» ser admitidos nas adjudicações por meio de ajuste direto atrás aludidas, em detrimento dos demais candidatos;
16.29) Caso fosse conhecida a existência de dívidas ou a situação irregular perante a Segurança Social, a sociedade arguida teria sido excluída do concurso e não teria prestado os respetivos serviços nem auferido os correspondentes pagamentos;
16.30) O arguido AA, quando atuou nos moldes supra descritos, agiu sempre por si e em representação e no interesse da sociedade «FS..., S.A..», da qual era o único legal ...;
16.31) Agiu aquele arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de gerar as declarações acima aludidas, delas fazendo constar menções que sabia não corresponderem à verdade, por forma a fazer crer que a sociedade arguida tinha a sua situação contributiva perante a Segurança Social regularizada, e que tais declarações tinham efetivamente sido emitidas e autenticadas pela competente entidade;
16.32) Agiu o arguido AA, e, por seu intermédio, a sociedade arguida, com o intuito concretizado de conseguirem a adjudicação dos contratos de prestação de serviços de vigilância e segurança atrás mencionados e de receberem as correspondentes contraprestações monetárias das entidades públicas a que os mesmos contratos respeitavam;
16.33) Sabia ainda o arguido AA que a sua conduta era proibida e punida penalmente;
Factos invocados na contestação apresentada pelo arguido AA no âmbito do processo principal:
16 .34) No exercício da respetiva atividade comercial, acumulou a sociedade «FS..., S.A.», elevadas dívidas à Segurança Social;
16.35) Com vista ao pagamento de tais dívidas, o arguido, enquanto ... e em representação da sociedade «FS..., S.A.», foi celebrando diversos acordos de pagamento com a Segurança Social, com vista à liquidação dos montantes em dívida em prestações, designadamente os mencionados na lista que consta a fls. 1081, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
16.36) Tais acordos abrangiam um determinado período de dívida, acumulado com os períodos anteriores, mesmo se já incluídos nos acordos previamente celebrados, sem que estes deixassem de vigorar, o que levava a que os montantes incluídos nos planos prestacionais em vigor fossem superiores à dívida real da sociedade;
16.37) A partir de data não concretamente apurada o arguido AA encetou negociações com a Segurança Social com vista a reverter para si, na qualidade de sócio-gerente da sociedade devedora, a responsabilidade pelo pagamento do valor total em dívida, de modo a anular todos os planos anteriores e reduzir os montantes em pagamento ao valor total efetivamente por liquidar;
16.38) No dia 23/04/2010 a sociedade «FS..., S.A..» remeteu aos serviços do Centro Distrital do Porto do Instituto de Segurança Social a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 1646, com o seguinte teor:
«Junto se remete dois originais da certidão da Segurança Social emitidas por Vossas Exas. em 7 (sete) de Janeiro de 2010, por as mesmas estarem emitidas por um prazo de seis meses, quando deveriam estar emitidas por um prazo de quatro meses, uma vez que a sociedade se encontra em acordo de pagamento em prestações com Vossas Exas.»
16.39) A missiva em referência foi recebida pelos serviços do Centro Distrital do Porto do Instituto de Segurança Social no dia 27/04/2010;
16.40) Não obstante o que expressamente se referia no respetivo texto, tal carta não foi acompanhada de qualquer certidão de situação contributiva relativa à sociedade «FS..., S.A..»;
Factos (exclusivamente) relativos ao processo apenso:
16.41) O arguido AA exerceu, pelo menos entre 24/09/2008 e 17/11/2008, e entre 02/10/2009 e 20/05/2010, as funções de gerente da sociedade «FI..., Lda.», sociedade esta que foi declarada insolvente por sentença proferida nesta última data, pelas 12 horas (cfr. a certidão permanente cuja cópia se encontra a fls. 155- 166 do processo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos);
16.42) Em data não concretamente apurada mas sempre posterior a 28/04/2008, a referida sociedade «FI..., Lda.», fez chegar à Unidade Orgânica de Operações e Segurança – Departamento de Segurança Privada, da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, cópia de uma declaração alegadamente emitida pelo Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, datada de 12/11/2007, onde foi aposta assinatura como se fosse de II, e da qual constava que a empresa tinha a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social (cfr. fls. 8 do Inquérito n.º 2230/10.4..., incorporado no volume avulso apenso ao processo aqui apenso);
16.43) Tal declaração, no entanto, não correspondia à verdade, pois a referida sociedade não tinha, à data em questão, a sua situação contributiva perante a Segurança Social regularizada, tendo sido elaborada por pessoa cuja identidade não foi possível apurar como se tivesse sido emitida pelo referido Centro, a 12/11/2007, e nela aposta uma assinatura como se tivesse sido efetuada por II;
16.44) Em 20/05/2010, a aludida sociedade, a coberto de ofício a que deu a referência .../2010, fez chegar à Unidade Orgânica de Operações e Segurança – Departamento de Segurança Privada, da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, uma cópia certificada (em 18/05/2010) de uma declaração alegadamente emitida a 16/12/2009 pela Unidade de Contribuições do Centro Distrital de Lisboa do «Instituto de Segurança Social, I. P.», da qual constava que a «FI..., Lda.» tinha a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social (cfr. fls. 5-7 do Inquérito n.º 6648/10.8..., incorporado no volume avulso apenso ao processo aqui apenso);
16.45) Tal declaração, no entanto, não correspondia à verdade, pois a referida sociedade não tinha, à data em questão, a sua situação contributiva perante a Segurança Social regularizada, tendo sido elaborada por pessoa cuja identidade não foi possível apurar como se tivesse sido emitida pelo referido Centro, a 16/12/2009, e nela aposta uma assinatura como se tivesse sido efetuada por II”
B) Consta do Relatório social junto aos autos que:
“Natural de ..., AA é oriundo de uma família cuja dinâmica foi descrita como coesa, associada à transmissão de valores convencionais, mencionando ter beneficiado, tal como a irmã gémea, de uma educação afetiva e de incentivo à ascensão académica e profissional, que no seu caso se materializou num sentido ascendente e gradual, culminando na assunção de cargos de gestão em várias empresas. Licenciado no curso de gestão da Universidade ..., parte do percurso académico do arguido foi realizado na qualidade de trabalhador-estudante.
A trajetória laboral de AA centrou-se no desempenho de funções inerentes à sua área de formação académica, nomeadamente no âmbito da assessoria, gestão de serviços de contabilidade e coordenação financeira, tendo formalizado vínculos contratuais por conta de outrem. A motivação de se autonomizar impulsionou a decisão de prosseguir a atividade de Técnico Oficial de Contas (TOC), âmbito onde opera há cerca de 30 anos, tendo a estabilidade sido consolidada através da criação de negócios com objeto de atuação no ramo da segurança e limpezas.
No domínio familiar destaca-se a constituição de agregado próprio em 1993. Não obstante a dissolução judicial do matrimónio em 2006, o arguido e o ex-cônjuge mantiveram coabitação posterior durante aproximadamente 7 anos. Desta união nasceram dois filhos, atualmente com 22 e 17 anos de idade. Em 2013 o arguido iniciou novo relacionamento afetivo. A companheira, os filhos mais velhos e outros dois menores, com 8 e 6 anos de idade, fruto da união atual, constituem a sua principal estrutura de referência afetiva e de suporte no exterior.
II – Condições sociais e pessoais
No lapso temporal que constitui referência à factualidade considerada para efeitos dos presentes autos, o arguido, segundo o apurado, mantinha coabitação com o agora ex-cônjuge e os descendentes em comum. Em termos económicos, o arguido e o seu núcleo familiar viviam um enquadramento compatível com o cumprimento das obrigações assumidas ao nível pessoal e familiar, assegurado com os rendimentos que provinham das responsabilidades profissionais. De acordo com o verbalizado por AA, em finais de 2002 entrou em negociações e em 2003 adquiriu uma empresa no Norte do país, cujas funções como ... assumiu em julho desse ano.
Comparativamente ao período anteriormente exposto, o enquadramento vivencial de AA apresenta alterações na generalidade dos domínios. Com efeito, cessada a condição de coabitação com o ex-cônjuge, mantida mesmo após o divórcio, em agosto de 2013 o arguido assumiu nova vivência marital.
O agregado atual é composto, para além do casal, pelos dois filhos menores de ambos e pelo descendente primogénito do arguido, sendo que, com periodicidade quinzenal, o seu segundo filho também integra o núcleo familiar. A dinâmica relacional é descrita como gratificante por ambos os elementos do par, sendo pelo arguido, especialmente valorizados, o suporte incondicional e o espírito de entreajuda que sustentam o ambiente conjugal, que o próprio contextualiza na forma como a companheira, diretora financeira numa das suas sociedades, vem gerindo, coadjuvada pelo seu filho mais velho, o impacto resultante das várias acusações com que se vem confrontando.
No contacto efetuado, perceciona-se da parte da companheira do arguido, não obstante o envolvimento deste nos diversos processos judiciais, uma atitude de confiança na responsabilidade com que o mesmo foi assumindo o exercício profissional, não o associando à prática de atos ilícitos.
O agregado passou a habitar um imóvel no centro da Cidade de Lisboa, com tipologia correspondente a T6, adquirido pelo arguido com recurso a empréstimo bancário e que o próprio refere saldado na totalidade. Paralelamente, o exercício de gestão empresarial nas várias sociedades que estabeleceu, situação que o arguido refere manter à data, à distância, nomeadamente na área da prestação de serviços de limpeza e plásticos, constituía até à sua reclusão a fonte principal de subsistência do agregado, auferindo o próprio e a companheira, respetivamente, rendimentos salariais médios no montante de 5.000,00 €, segundo o mencionado. O arguido e a companheira mencionam um contexto económico equilibrado, atendendo à capacidade para suprimir os encargos fixos domésticos e familiares, referindo como despesa fixa de maior expressividade, a prestação relativa à mensalidade escolar dos três filhos mais novos daquele, num montante total aproximado de 1.500,00 €.
III – Impacto na situação jurídico.penal
AA cumpre pena privativa da liberdade pela primeira vez. Segundo as fontes documentais existentes nestes Serviços de Reinserção, afere-se um primeiro contacto do arguido com o Sistema da Justiça no ano de 2002, resultando no ano de 2005 numa sanção penal de multa por crime de injúrias. As suas referenciações jurídico-judiciais posteriores situam-se fundamentalmente no domínio económico-fiscal, com acusações enformadas por alegadas ações no âmbito das funções de gestão de empresas próprias.
Atualmente, o arguido tem para cumprimento a pena de 7 anos e 6 meses de prisão à ordem do Proc.º 9492/05.0..., condenado pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal na forma continuada. A ficha biográfica existente no estabelecimento prisional averba, para além da pendência processual relativa aos presentes autos - condenado no cumprimento da pena de 2 anos e 9 meses de prisão pela prática de dois crimes de falsificação de documento, suspensa na sua execução pelo mesmo período com sujeição a regime de prova, em curso concomitantemente ao cumprimento da pena privativa da liberdade -, a referente a outros processos em que se encontra identificado como arguido, nomeadamente nos Proc.ºs 1291/06.9..., 1079/12.8..., 956/19.0..., e 1288/17.3...
No tocante ao período decorrido em meio prisional e concretamente desde a sua transferência para o Estabelecimento Prisional de... em março do corrente ano, sinaliza-se o cumprimento da pena em regime comum, com desenvolvimento de atividade laboral regular no setor de lavandaria. Na avaliação sobressai uma atitude de adequação nos parâmetros de assiduidade e desempenho e, paralelamente, na vertente comportamental, de conformidade aos normativos institucionais, sem menção de qualquer punição e/ou participação de incidente disciplinar.
No contacto com os serviços da justiça o arguido revela um estilo de interação adequado e colaborante, manifestando interesse no esclarecimento da sua situação jurídico-penal, tendo em vista a definição temporal da medida privativa da liberdade em curso e o planeamento de outros aspetos associados à rentabilização do período de reclusão.
No domínio pessoal, em entrevista o arguido evidencia competências intelectuais na área da formação académica, tendendo a expressar-se através de um discurso de sobrevalorização e ambição profissionais, que dificulta, eventualmente, uma capacidade adequada de descentração e/ou autocrítica.
Na reflexão acerca do desajustamento social apresentado, do qual já resultaram condenações, verifica-se a tendência para a atribuição causal externa, designadamente através da tentativa de responsabilização de terceiros, a quem atribui comportamentos persecutórios e acusações sustentadas em interpretações erróneas quanto à sua conduta profissional e/ou encorpadas em indícios que considera desvirtuados de sentido.
Ao nível sociofamiliar, a situação penitenciária atual não representou outros impactos significativos para além das manifestações ao nível emocional. Os laços de afetividade apresentam-se reforçados através das visitas regulares e contactos telefónicos estabelecidos.
IV – Conclusão
A trajetória de vida de AA surge associada ao investimento na realização académica e profissional, percurso que se foi materializando num sentido ascendente e gradual, com assunção de cargos de gestão em várias empresas.
As capacidades reflexivas evidenciadas surgem de alguma forma toldadas na análise do funcionamento do Sistema da Justiça em geral e de circunstâncias subjacentes ao seu envolvimento em vários processos judiciais, das quais simultaneamente tende a distanciar-se e se avalia como vítima.
A estabilidade económica e o suporte familiar constituem os principais fatores de proteção do arguido na ótica da sua reinserção social, avaliando-se como imprescindível a consciencialização da necessidade de orientar a sua conduta pelo investimento na aquisição e treino de competências com vista à adoção de um estilo de vida segundo os parâmetros do “dever-ser”, aspeto a consolidar durante a reclusão em curso.»
10.2. Fundamentação de direito:
«1. Concurso de crimes
No caso dos autos, as condenações parcelares, aplicadas nos processos enumerados nos factos provados, colocam algumas questões, com relevância para a formulação do cúmulo jurídico de penas, que importa analisar.
1.1. O concurso de penas, a sucessão de penas e o cúmulo por arrastamento
(…)
De acordo com o disposto no art. 77.º, n.º 1, do C. Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única”. Como resulta do n.º 2 do mesmo artigo, a pena única tem em consideração as penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, “se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”.
Este último artigo regula o chamado conhecimento superveniente do concurso, i.e., aquelas situações em que se descobrem infracções anteriores que formam uma acumulação com a já julgada e que não foram objecto de cúmulo jurídico.
Desta norma resulta (de acordo com a actual jurisprudência uniforme do STJ) a proibição do chamado “cúmulo por arrastamento”.
Quando se verifica que, de entre os diversos crimes cometidos pelo arguido, com sentenças já transitadas em julgado, alguns foram praticados após a primeira condenação transitada, não é permitido cumular todas as penas parcelares e aplicar uma única pena conjunta.
Assim, os crimes cometidos posteriormente à primeira condenação transitada, a qual constitui uma solene advertência que o arguido não respeitou, não estão em relação de concurso, devendo ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respectivas penas.
Pode até haver necessidade de elaboração de vários cúmulos, com cumprimento sucessivo das respectivas penas, nos termos analisados.
Fundamentalmente, a necessidade de realização de cúmulo jurídico tem subjacente o facto de à contemporaneidade de factos não ter correspondido uma contemporaneidade processual.
As regras do concurso, estabelecidas nos arts. 77.º e 78.º do CP, têm como finalidade permitir apenas que, em determinado momento, se possa conhecer da responsabilidade quanto a factos do passado, no sentido em que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido, se fossem conhecidos ou tivesse existido contemporaneidade processual, apreciados e avaliados, em conjunto, num dado momento.
Na realização desta finalidade, foi objecto de discussão a questão da determinação do momento temporal relevante para a determinação da existência ou inexistência de concurso, entendendo uma corrente doutrinária e jurisprudencial que tal momento correspondia à data da primeira condenação (transitada em julgado) e entendendo outra corrente doutrinária e jurisprudencial que tal momento correspondia à data do trânsito em julgado da primeira condenação.
Esta divergência foi sanada através do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 9/2016 (publicado no DR, 1ª Série, de 09/06/2016, pags. 1790 e ss.), aí se estabelecendo como jurisprudência fixada o seguinte: “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.”.
Se os crimes agora conhecidos forem vários, tendo uns ocorrido antes do trânsito em julgado da primeira condenação e outros depois de tal trânsito em julgado, o tribunal proferirá duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativa aos crimes praticados depois daquele trânsito em julgado (e assim sucessivamente). A ideia de que o tribunal deveria ainda aqui proferir uma só pena conjunta, contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e da reincidência.
1.2. A existência de penas de substituição
O facto de existirem penas parcelares correspondentes a penas de substituição (por ex., prisão suspensa na sua execução ou prisão substituída por multa ou trabalho a favor da comunidade) não invalida que se proceda à operação de cúmulo jurídico, com inclusão de tais penas.
Como refere o Conselheiro Rodrigues da Costa (“O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”, www.stj.pt), há muito tempo que a jurisprudência do STJ se firmou maioritariamente no sentido de que as penas de substituição (o texto refere expressamente o caso da pena de prisão suspensa, mas a argumentação vale, como é evidente, para as demais penas de substituição) entram no cúmulo jurídico como penas de prisão, só no final se decidindo se a pena conjunta deve ou não ser substituída.
Esta é, de resto, a doutrina de Figueiredo Dias, segundo o qual, num concurso de crimes, as penas parcelares não devem ser suspensas na sua execução, só no final, isto é, na determinação da pena única, valorada a situação em globo, se devendo ponderar se essa pena, que é a que o condenado tem de cumprir, pode ou não ficar suspensa na sua execução, desde que ocorra o necessário pressuposto formal (a medida da pena de prisão aplicada não ultrapassar o limite exigido por lei, actualmente de cinco anos) e o pressuposto material – prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente e satisfação das finalidades da punição, nos termos do art. 50º, nº 1, do CP.
Se, porém, uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o conhecimento do concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada», e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva».
A jurisprudência dominante do STJ tem assentado na ideia de que não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão.
Estas considerações, como é evidente, valem para as demais penas de substituição.
No caso dos autos, existem 2 penas de prisão suspensas relativamente às quais ainda não decorreu o prazo da suspensão, pelo que nada obsta a que tal pena integre o cúmulo jurídico agora realizado.
Assim, no(s) cúmulo(s) jurídico(s) a efectuar, tais penas serão valoradas enquanto penas principais (sendo ponderada, mostrando-se possível, a substituição da(s) pena(s) única(s) que vier(em) a ser aplicada(s)).
Conforme refere o Acórdão do STJ proferido nestes autos e na génese da reformulação desta decisão “A lei, porém, nada diz quanto a descontos a efetuar em caso de revogação da suspensão de execução da pena de prisão ou em caso de o cumprimento da pena de substituição ser interrompido por uma decisão do tribunal proferida em conhecimento superveniente do concurso que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas, “anula” a pena de substituição e integra a pena de prisão substituída na pena única correspondente aos crimes em concurso.
A questão foi analisada no acórdão de 12.10.2022, Proc. n.º 277/08.3TAEVR (em www.dgsi.pt), com convocação de jurisprudência recente relevante, em que se concluiu no sentido de se proceder ao desconto da pena parcelar de suspensão de execução da pena de prisão em função de um critério normativo de “equitatividade” (Figueiredo Dias) definido por um conjunto de tópicos estruturantes de analogia para suprimento de reconhecida lacuna de regulamentação nesta matéria. Aí se afirmou que: «(a) não sendo a suspensão de execução da pena de prisão uma forma de execução da pena de prisão, o mero decurso do tempo de duração da suspensão não pode ser considerado; (b) o desconto apenas será admissível se o condenado cumprir deveres e regras de conduta que lhe tenham sido impostos (artigo 50.º, n,º 2, e 51.º a 54.º do CP) e que, representando um sacrifício para o condenado, ou, dito de outro modo, uma restrição ou privação de direitos, neles se possa identificar um sentido sancionatório (presente nas regras de conduta a que se refere o artigo 52.º do CP), devendo excluir-se as prestações efetuadas (artigo 51.º do CP, em particular) cuja restituição não pode ser exigida, nos termos do artigo 56.º, n.º 2, do CP; (c) por razões de coerência sistemática não podem deixar de ser levados em consideração os critérios estabelecidos nos artigos 46.º, n.º 5, e 59.º, n.º 4, do CP para desconto das penas cumpridas de proibição do exercício de profissão, função ou atividade e de prestação de trabalho a favor da comunidade, na medida em que a analogia o justifique».
São restritivas ou privativas de direitos para este efeito as seguintes regras de conduta:
a) Residir em determinado lugar;
b) Frequentar certos programas ou actividades;
c) Cumprir determinadas obrigações.
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não frequentar certos meios ou lugares;
f) Não residir em certos lugares ou regiões;
g) Não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas;
h) Não frequentar certas associações ou não participar em determinadas reuniões;
i) Não ter em seu poder objectos capazes de facilitar a prática de crimes.
1.3. O caso dos autos
Relativamente à questão das penas de prisão suspensas na sua execução incluídas no cúmulo (pelos motivos oportunamente expostos), cumpre ponderar se deve operar o desconto das mesmas, agora que o seu cumprimento vai ser interrompido por uma decisão do tribunal proferida em conhecimento superveniente do concurso que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas, “anula” a pena de substituição e integra a pena de prisão substituída na pena única correspondente aos crimes em concurso.
Neste particular, refira-se que, de acordo com os critérios orientadores acima explanados e que brotam do entendimento do STJ na matéria, a pena de prisão suspensa na sua execução que foi irrogada ao arguido no âmbito do P. 7656/15.8... não pode ser descontada, na justa medida em que isso equivaleria a premiar o decurso do tempo sem qualquer punição.
No que toca à pena aplicada ao arguido nestes autos, e convocando a matéria de facto pertinente à ponderação a efectuar, temos que a suspensão foi sujeita a regime de prova com elaboração de um plano de reinserção social, não tendo, além disso, sido aplicadas quaisquer regras de conduta dentre as elencadas no artigo 52 do C.Penal.
Concomitantemente, do plano elaborado ( que estabeleceu como necessidades de intervenção a) a justificação e relativização do envolvimento na conduta criminal com o objectivo de desenvolver o sentido crítico face à ilicitude e desvalor da conduta criminal e reforçar a compreensão das finalidades da condenação, envolvendo as seguintes actividades - comparecer e colaborar proactivamente nas entrevistas com a técnica de reinserção social, refletindo sobre as consequências da conduta criminal para a sociedade e para as vítimas e desenvolvendo a capacidade de empatia; b) a reincidência criminal com os objectivos de prevenir a incursão em padrões de comportamento que potenciem o risco de reincidência , devendo o arguido -comparecer às entrevistas com a técnica de reinserção social, onde deverá colaborar de forma proactiva na reflexão sobre as consequências do comportamento criminal nas vítimas e na sociedade, bem como sobre os fatores de risco e de proteção relativamente à conduta criminal; planear ações concretas que o próprio possa encetar para reduzir esses fatores de risco e potenciar os fatores de proteção; dar conhecimento à técnica do contacto voluntário ou involuntário com situações de risco e ser proactivo no reforço de medidas preventivas) não se retira a imposição ao arguido de qualquer dever ou regra de actuação punitiva mas apenas e só formativa e preventiva, razão pela qual, também aqui, s.m.o., o desconto equivaleria a prémio pelo simples decurso do tempo, razão pela qual não terá lugar.
In casu, deflui da matéria dada como assente que os factos pelos quais o arguido foi condenado nos presentes autos se encontram em concurso com aqueles pelos quais foi condenado nos seguintes processos:
• 7656/15.8... por acórdão de 09/02/2018, transitado em 06/01/2020, pela prática em 01/01/2015 de 1 crime de burla qualificada na pena de 3 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período;
• 9492/05.0... por acórdão de 02/10/2014, transitado a 10/09/2016 pela prática em 2003 de crimes de abuso de confiança fiscal na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.
2. As molduras penais abstractas dos cúmulos a efectuar nos presentes autos
A moldura penal dentro da qual se terá de encontrar a pena única encontra-se prevista no nº 2 do artigo 77º do C. Penal – tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo exceder 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa.
As penas parcelares são as seguintes:
Processo 7656/15.8... – penas parcelares de 3 anos de prisão pelo crime de burla e pena de 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime de falsificação;
Processo 9492/05.0... – penas parcelares de 3 anos, 2 anos e 6 meses, 1 ano e 6 meses, 1 ano e 2 meses, 2 anos, 2 anos, 1 ano e 6 meses, 1 ano e 8 meses, 4 anos e 2 anos de prisão;
Processo 2537/10.4 TDPRT (presentes autos) – penas parcelares de dois anos por dois crimes de falsificação do artigo 256, n.º1, a), d) e e) e n.º 3 do C.Penal;
Assim, a moldura terá como mínimo 4 anos de prisão e máximo de 25 anos de prisão (reduzido por imperativo legal).
3. Medida concreta da pena única
Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77.º, n.º 1, do C. Penal).
A medida concreta da pena é, pois, decidida em função da imagem global dos crimes imputados e da personalidade do agente.
A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
Perante um concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados, enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes, da verificação ou não da identidade dos bens jurídicos.
O que interessa e releva considerar é a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime (cabendo, neste caso, atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta), ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido.
De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
A opção legislativa por uma pena conjunta não pode, por certo, deixar de traduzir, também a este nível, a orientação base ditada pelo art. 40.º do CP, em matéria de fins das penas. Daí que essa orientação base, que como se sabe estabelece, como fins da pena, só propósitos de prevenção (geral e especial), e que atribui à culpa, uma função apenas garantística, de medida inultrapassável pela pena, essa orientação continuará a ser pano de fundo da escolha da pena conjunta.
Sem que nenhum destes vectores se constitua em compartimento estanque, é certo que para o propósito geral-preventivo interessará antes do mais a imagem do ilícito global praticado, e para a prevenção especial contará decisivamente o facto de se estar perante uma pluralidade desgarrada de crimes, ou, pelo contrário, perante a expressão de um procedimento regular, para não dizer já, de um modo de vida.
Interessará à prossecução do primeiro propósito a gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade a idade, o percurso de vida, o núcleo familiar envolvente, as condicionantes económicas e sociais que rodeiam o agente, tudo numa preocupação prospectiva, da reinserção social que se mostre possível.
E nada disto significará qualquer dupla valoração, tendo em conta o caminho traçado para escolher as parcelares, porque tudo passa a ser ponderado, só na perspectiva do ilícito global, e só na perspectiva de uma personalidade que se revela, agora, pólo aglutinador de um conjunto de crimes, e não enquanto manifestada em cada um deles.
A pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, este efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos já aludidos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.
Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa[s] pena[s] parcelar[es] deverá contar para a pena conjunta. Contrariamente, se as parcelares são poucas, cada uma delas pesa muito no ilícito global.
Vejamos o caso dos autos.
Uma nota prévia para esclarecer que, a respeito do requerimento entretanto apresentado pelo arguido no sentido de as dificuldades de acesso a cuidados de saúde que alega estar a sofrer no decurso da situação de reclusão em que se encontra e que pretende que este Tribunal pondere no juízo “que realizará na determinação do cúmulo e em observância dos princípios da necessidade, da proibição do excesso e da proporcionalidade, à luz do disposto no artigo 18 da Constituição da República Portuguesa”, liminarmente se dirá que se trata aqui de matéria atinente à execução da pena em cumprimento pelo arguido, relativamente à qual este Tribunal carece de qualquer competência para apreciar ou daí extrair qualquer consequência na pronúncia jurisdicional a emitir em sede de decisão cumulatória a proferir.
Centrando-nos no caso vertente e à luz das exigências de fundamentação colocadas pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça, cumpre, desde logo, ter em consideração que estão aqui em causa:
um crime de burla agravada, de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo artº 217 e 218/2/ a), do C.P.; (P. 7656/15.8...);
- um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelo artº 256, nº1, als. a) e c) e nº 3 do C. Penal (P. 7656/15.8...);
Nos autos 9492/05.0...
- um crime de abuso de confiança fiscal respeitante a IRS e IVA, praticado durante o decurso de 2004 e 2005 pelos montantes, respectivamente de 464.986,04 euros e 1.788.168,87 euros, ponderando-se a natureza multifacetada do ilícito, que engloba retenções referentes a dois tipos de impostos;
- um crime de abuso de confiança fiscal referente a IVA nos autos, cometido entre Março de 2002 e Dezembro de 2004, no montante de 1.327.822,57 euros,
- um crime de abuso de confiança fiscal, respeitante a IVA, no montante de 361.003,31 euros, praticado ao longo do ano de 2005,
- um crime de abuso de confiança fiscal, respeitante a IVA, no montante de 86.724,29 euros, praticado em 2004,
- um crime de abuso de confiança fiscal, respeitante a IRS e IVA, nos montantes, respectivamente de 155.855,38 euros e 506.562,40 euros praticado por, e através, da extinta ArguidaI..., Lda., com NIPC ...24), ao longo do ano de 2004, atenta o carácter multifacetado do ilícito, o total retido que ascende a 662 417,78 euros;
- um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, relativamente a quantias retidas no período compreendido entre Janeiro de 2002 e Outubro de 2010, no montante de 839.375,65 euros;
- Um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social relativamente à quantia de 303.419,57, retidas no período compreendido entre Fevereiro de 2008 e Junho de 2009
- um crime de abuso de confiança fiscal, respeitante a IRS devido de Janeiro de 2006 a Dezembro de 2009, no montante de 442.042,00 euros
- um crime de abuso de confiança fiscal, respeitante a IRS e IVA, praticado nos anos de 2007, 2008 e 2009, no montante respectivamente de 69.238,32 euros e de 2.994.494,26 isto é, 3.063.732,58 euros, atento o grau de ilicitude resultante do montante, o caracter multifacetado da conduta;
- um crime de abuso de confiança fiscal, respeitante a IRS e IVA, praticado por e através da Arguida J..., S.A., - NIPC ...35, no montante de 420.442,23 euros, durante o período compreendido entre Setembro de 2006 e Agosto de 2008;
Nos presentes autos:
- dois crimes de falsificação do artigo 256, n.º1, a), d) e e) e n.º 3 do C.Penal
Do conjunto desta factualidade integradora dos crimes parcelares atrás assinalados retira-se, com especial relevo, nos autos 9492/05.0... que a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos violados é avassaladora (veja-se os elevados valores discriminados na matéria de facto acabada de extractar e o que eles implicam em termos de danosidade social), sendo que o conjunto dos factos cometidos pelo arguido permite concluir que existe um fio condutor presente na sua actuação criminosa e deixa transparecer uma personalidade com inequívoca propensão para a prática de crimes da mesma natureza, facto gerador de atribuição de efeito agravante à pluralidade de crimes porquanto não tradutor de pluriocasionalidade.
Para mais, como se retira do relatório social, o arguido, no domínio pessoal, tende a expressar-se através de um discurso de sobrevalorização e ambição profissionais, que dificulta uma capacidade adequada de descentração e/ou autocrítica, com tendência para a atribuição causal externa, designadamente através da tentativa de responsabilização de terceiros, a quem atribui comportamentos persecutórios e acusações sustentadas em interpretações erróneas quanto à sua conduta profissional e/ou encorpadas em indícios que considera desvirtuados de sentido.
Assim, sopesando-se os factores acabados de elencar, e tendo presente que os crimes em concurso, da mesma natureza ou conexa, são expressão de uma personalidade desconforme ao direito mostrando inequívoca propensão para a prática de crimes da mesma natureza, fixa-se a pena única do cúmulo em 9 (nove) anos de prisão.»
Objeto e âmbito do recurso
11. O recurso, que se limita ao reexame de matéria de direito (artigo 434.º do CPP), tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que, em cumprimento do acórdão deste Tribunal que declarou a nulidade do acórdão anterior do mesmo tribunal coletivo por falta de fundamentação, aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos, diretamente recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça [artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP].
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal ad quem, delimita-se pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).
Em síntese, tendo em conta as conclusões da motivação, este Tribunal é, pois, chamado a apreciar e decidir:
a. Se a decisão recorrida «enferma de vários vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP» (conclusão 3, concretizados nas conclusões seguintes);
b. Se a pena de prisão aplicada no processo n.º 7656/15.8..., suspensa na sua execução, deve ser «removida do cúmulo» por, alega o recorrente, ter sido declarada extinta por despacho posterior ao anterior acórdão do tribunal recorrido, de 30.11.2022 (conclusões 12 a 20, 74 e 89);
c. Se ocorreu a prescrição das penas aplicadas aos crimes dos processos n.º 494/10.6... e n.º 796/08.I..., que integraram a pena única aplicada no processo n.º 9492/05.0..., devendo, por esse motivo, ser excluídas do conjunto das penas que contribuem para a formação da pena única (conclusões 21 a 27);
d. Se deve ser aplicado o perdão concedido pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto (conclusões 28 a 33);
e. Se o acórdão recorrido sofre de nulidade por não se ter pronunciado sobre estas questões suscitadas em requerimento que apresentou no dia 28.03.2024 (conclusões 34 a 41);
f. Se o acórdão recorrido continua ferido de nulidade por falta de fundamentação da determinação da pena conjunta em virtude de deficiente e incompleto cumprimento do decidido no anterior acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28.04.2024 (conclusões 42 a 58);
g. Se a pena única, retirada a pena aplicada no processo n.º 7656/15.8... e aplicado o instituto do desconto sobre as demais penas, tendo em consideração os fatores de determinação da pena, deve ser reduzida para medida inferior a 5 anos de prisão e suspensa na sua execução (conclusões 59 a 66 e 89);
h. Se a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada no processo n.º 2537/10.4TDPRT deveria ser excluída do conjunto das penas englobadas no cúmulo jurídico (conclusões 75 e 76);
i. Se deve ser efetuado o desconto das penas de substituição e da pena de prisão parcialmente cumprida (conclusões 67 a 73 e 77 a 88).
12. A delimitação das questões a decidir impõe que se tenha presente a referida circunstância (supra, 1, 2 e 3) de o recurso ter por objeto o acórdão de 28.04.2024 que, suprindo a nulidade que o afetava, em cumprimento do anteriormente decidido por este Tribunal no acórdão de 13.03.2024, procedeu à reforma do acórdão de 30.11.2022, que realizou o cúmulo jurídico das penas aplicadas aos crimes em concurso, em conhecimento superveniente, nos termos dos artigos 78.º do Código Penal («CP») e 471.º e 472.º do Código de Processo Penal («CPP»).
13. Como resulta do disposto no artigo 613.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil («CPC»), aplicável ex vi artigo 4.º do CPP, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sem prejuízo de poder retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos 379.º e 380.º do CPP (que, nesta matéria, contém disciplina própria).
Esgotado o poder jurisdicional, não tendo que retificar erros ou suprir nulidades, o juiz (o tribunal recorrido) só readquire poderes jurisdicionais, limitados em função da decisão de recurso, se, aberta a instância de recurso, nessa instância, for reconhecido erro ou anomalia da decisão que, por acórdão do tribunal de hierarquia superior, devam ser corrigidos, caso em que a sentença proferida deve ser modificada nos termos que forem determinados. Proferida nova sentença, que deve corresponder à anterior, com as modificações impostas, dela é admissível recurso (artigo 684.º, n.º s 2 e 3, do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP).
14. Visto o acórdão agora recorrido, verifica-se que este se limitou, como se impunha, a dar cumprimento ao decidido no acórdão deste Tribunal de 13.03.2024, suprindo a nulidade da decisão anterior de 30.11.2022 por falta de fundamentação quanto aos factos do processo n.º 2537/10.4 TDPRT que deram origem à condenação nas penas aplicadas nesse processo englobadas na pena única (supra, 3).
Assim delimitados os poderes do tribunal a quo, mantendo-se o procedimento, estava-lhe vedada a possibilidade de conhecer de outros factos para além dos que constituíam o objeto da decisão de 30.11.2022.
Do mesmo modo, não sendo o recurso um novo julgamento dos factos levado a efeito no tribunal recorrido, mas apenas um meio processual tendo por objeto a verificação da regularidade e legalidade da decisão recorrida e a correção de erros in procedendo ou in judicando, delimitado pela pretensão do recorrente e pelos poderes de cognição do tribunal ad quem, não pode este tribunal conhecer de questões que não tenham sido ou que não devessem ser apreciadas na decisão recorrida.
Assim sendo, a apreciação do recurso há de limitar-se às questões de direito suscitadas com base na situação de facto existente à data da audiência para a realização do cúmulo jurídico no acórdão de 30.11.2022, descrita no acórdão reformado, desconsiderando-se os factos posteriores alegados pelo recorrente e não constantes do acórdão recorrido, que, na sua pretensão, seriam relevantes para efeitos de não consideração das penas de prisão suspensas na sua execução, por extinção ou decurso do prazo de suspensão, ou para efeitos de prescrição das penas.
15. Em consequência, improcede o recurso quanto às questões identificadas em 11.b) (exclusão da pena aplicada no processo n.º 7656/15.8...), 11.c) (prescrição das penas em data posterior por mero decurso do tempo), 11.e) (alegada nulidade por não apreciação do requerimento de 28.03.2024) e 11.h) (exclusão da pena aplicada o processo n.º 2537/10.4TDPRT).
Havendo apenas que conhecer das restantes questões, na sua sequência lógica.
Quanto à (não) inclusão das penas de prisão suspensas no cúmulo jurídico [11.b) e 11.h)]
16. Como se viu, o acórdão de 30.11.2022 e o acórdão que o reformou, de 28.04.2024, incluíram no cúmulo jurídico a pena de 3 anos de prisão, pela prática de um crime de burla agravada, e a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de falsificação de documento agravada, que deram origem à pena única de 3 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, aplicada por sentença transitada em julgado em 6.1.2020, no processo n.º 7656/15.8... [supra, 10.1.A).1]. Incluiu também duas penas de 2 anos de prisão pela prática de dois crimes de falsificação que, cumuladas, originaram a pena única de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período mediante sujeição a regime de prova, aplicada por sentença transitada em julgado em 7.9.2020, no processo n.º 2537/10.4 TDPRT [supra, 10.1.A).3].
17. Em síntese, defende o recorrente que a pena do processo n.º 7656/15.8... não podia ser incluída no cúmulo porque fora declarada extinta por despacho transitado em julgado em 29.11.2023, ou seja, já depois do acórdão de 30.11.2022, que a havia incluído no cúmulo realizado nestes autos, e que também não podia ser incluída nesse cúmulo a pena aplicada no processo n.º 2537/10.4TDPRT, porque, à data do acórdão de 28.04.2024 já havia decorrido o tempo de suspensão da pena aplicada no processo n.º 2537/10.4TDPRT, embora não tivesse sido proferida decisão de extinção ou de revogação dessa pena.
18. Como já anteriormente se afirmou, a data que releva para definição do conjunto das penas correspondentes aos crimes em concurso é a data em que o tribunal recorrido tomou conhecimento superveniente do concurso de crimes, nos termos dos artigos 78.º do CP e 471.º e 472.º do CPP, isto é, a data de 30.11.2022, que é a data do acórdão que conheceu do concurso, na qual se esgotou o poder jurisdicional do juiz, que apenas o readquiriu, por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, nos limites estritamente necessários ao suprimento da nulidade parcial de falta de fundamentação.
19. Como se consignou no acórdão de 13.03.2024, é jurisprudência consensual deste Supremo Tribunal de Justiça que, estando os crimes numa relação de concurso e estando a decorrer o período de suspensão, à data do conhecimento superveniente do concurso, deverá a pena de prisão substituída concorrer para a determinação da pena única, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal (cfr. acórdão de 13.2.2019, proc. 1205/15.5T9VIS.S1, em www.dgsi.pt, citando anterior jurisprudência). Se à condenação anterior corresponder uma pena de substituição, como sucede nos casos em que a pena de prisão é suspensa na sua execução, a pena única conjunta há de formar-se a partir da pena de prisão substituída e não a partir da pena de substituição. Diferente deve ser a solução no caso de a pena (principal) se encontrar extinta (por declaração do tribunal, nos termos do disposto no artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal), se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à revogação da suspensão; sendo declarada extinta, não pode esta pena integrar o cúmulo [cfr., entre outros, o acórdão de 12.7.2018, Proc. 281/14.2PBBJA.S1, e o acórdão de 7.3.2018, Proc. 180/13.5GCVCT.G2.S1 (Raul Borges), em www.dgsi.pt, com exaustiva indicação de jurisprudência].
Também como se considerou no anterior acórdão de 13.03.2024, se, à data da elaboração do cúmulo jurídico (conhecimento superveniente do concurso), se mostrar decorrido o tempo de suspensão – contado a partir do trânsito em julgado da decisão que aplica tal pena de substituição (artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal) – não deverá a pena ser considerada sem previamente ser esclarecido se foi proferida decisão de extinção da pena, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão (artigos 57.º, 56.º e 55.º, al. d), do Código Penal), sob pena de nulidade da sentença [artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP; assim, o acórdão de 13.2.2019, proc. 1205/15.5T9VIS.S1 e jurisprudência nele citada].
De notar ainda que, como se observou naquele acórdão, se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta (pena única) há que proceder à sua “anulação”, desfazendo-se esse cúmulo, e que determinar uma nova pena conjunta em função das penas parcelares aplicadas a todos os crimes em concurso, as quais readquirem, assim, a sua autonomia para determinação da moldura da pena do concurso e da fixação da pena concreta, em consideração das circunstâncias relevantes para a construção do respetivo substrato [sobre este ponto, com exaustiva indicação de jurisprudência e de doutrina, cfr. o acórdão de 25.10.2017, Proc. 163/10.7GALNH.S1 (Raul Borges), em www.dgsi.pt].
20. Ora, como se vê da matéria de facto provada, à data do conhecimento superveniente do concurso encontravam-se ainda a decorrer os períodos de suspensão de execução das penas de prisão aplicadas nos processos n.º 7656/15.8... e 2537/10.4TDPRT. Assim sendo, deverão as penas de prisão substituídas integrar a pena única correspondente aos crimes em concurso.
Não havendo cúmulos de cúmulos, deverão os cúmulos realizados nesses processos que originaram as penas únicas de 3 anos e 6 meses e de 2 anos e 9 meses, respetivamente, ser desfeitos e, em consequência, as penas parcelares que concorreram para esses cúmulos ser, enquanto tal, consideradas no novo cúmulo. O mesmo sucedendo com o cúmulo realizado no processo n.º 9492/05.0... e com as penas parcelares e com a pena única aí aplicadas.
Termos em que improcede o recurso quanto à pretensão de não consideração das penas de prisão substituídas (penas de prisão suspensas na sua execução) aplicadas nos processos n.º 7656/15.8...e n.º 2537/10.4TDPRT.
Quanto à prescrição das penas aplicadas nos processos n.º 494/10.6... e n.º 796/08.I... [11.c)]
21. Argumenta o recorrente que o tribunal recorrido incorreu numa «nulidade» ao incluir no cúmulo as penas aplicadas aos crimes objeto dos processos 494/10.6... e 796/08.I..., porque, sendo inferiores a 2 anos de prisão, se encontravam prescritas, devendo tal nulidade ser sanada «mediante remoção das referidas penas da operação de cúmulo». Em rigor, tratar-se-ia não de uma nulidade – que sempre seria o resultado da violação de uma norma processual ou de um vício da sentença (artigos 118.º ss e 379.º do CPP) –, mas da violação do regime substantivo da formação da pena única em conhecimento superveniente do concurso (artigo 78.º do CP).
22. Dispõe o artigo 122.º («Prazos de prescrição das penas») do Código Penal que:
«1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.
2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.»
Como resulta da fundamentação do acórdão recorrido, aquelas penas foram incluídas no conjunto das penas correspondentes aos crimes em concurso no processo n.º 9492/05.0... no qual foi aplicada a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.
23. Sendo aplicada uma pena conjunta, como sucedeu neste caso, releva, para efeitos de prescrição, a pena conjunta, por ter ganho autonomia relativamente a cada uma das penas parcelares. Isto, todavia, sem prejuízo de, sendo as penas aplicadas em decisões autónomas – o que não é o caso –, o prazo de prescrição correr separadamente relativamente a cada uma das decisões, a partir do respetivo trânsito em julgado, o que impossibilitaria a inclusão de uma pena prescrita em processo separado numa decisão de conhecimento superveniente do concurso.
Com efeito, as penas agora em questão foram, conjuntamente com as penas correspondentes a outros oito crimes, objeto de uma mesma decisão, pelo que o prazo de prescrição se conta com referência à pena conjunta e à data do trânsito da decisão que a aplicou, e não com referência a cada uma delas, não importando solução diversa a circunstância de, por necessidade de efetivação de cúmulo superveniente, esse cúmulo dever ser reformulado para incluir crimes que deveriam ter sido julgados conjuntamente. Como sublinha Figueiredo Dias, «a prescrição da execução da pena conta-se a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória. Tratando-se de uma pena conjunta, em virtude do concurso de crimes, decisivo é o trânsito em julgado da pena conjunta, não de cada uma das penas parcelares»1.
24. Sendo a pena aplicada, para que contribuíram as penas parcelares, de 7 anos e 6 meses de prisão, a que corresponde o prazo de prescrição de 15 anos [artigo 122.º, n.º 1, al. b), do CP], a contar do trânsito da decisão condenatória, em 10.09.2016, não ocorre a alegada prescrição das penas.
Pelo que improcede também o recurso nesta parte.
Quanto à alegada nulidade por falta de fundamentação e à medida da pena única [11.f) e 11.g)]
25. Do que vem de se expor resulta que, como no acórdão recorrido, devem ser incluídas na pena única todas as penas aplicadas aos crimes em concurso por que o arguido foi condenado nos processos 7656/15.8..., 2537/10.4TDPRT e 9492/05.0... (supra, 10.2)
Relembrando a fundamentação de direito da sentença condenatória – que, nos termos do n.º 1 do artigo 375.º do CPP deve especificar os fundamentos que presidiram à medida da pena –, depois de determinar a moldura da pena do concurso, definida pelo limite mínimo 4 anos de prisão e pelo limite máximo 25 anos de prisão, o acórdão recorrido convocou o critério especial do artigo 77.º, n.º 1, do CP (consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente) e o artigo 40.º do CP (finalidades das penas), fundando a decisão, em particular, na consideração do elevado grau de ilicitude dos factos e das suas consequências e na relação entre eles e com a personalidade manifestada na prática desses factos, dizendo:
«Do conjunto desta factualidade integradora dos crimes parcelares atrás assinalados retira-se, com especial relevo, nos autos 9492/05.0... que a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos violados é avassaladora (veja-se os elevados valores discriminados na matéria de facto acabada de extractar e o que eles implicam em termos de danosidade social), sendo que o conjunto dos factos cometidos pelo arguido permite concluir que existe um fio condutor presente na sua actuação criminosa e deixa transparecer uma personalidade com inequívoca propensão para a prática de crimes da mesma natureza, facto gerador de atribuição de efeito agravante à pluralidade de crimes porquanto não tradutor de pluriocasionalidade. Para mais, como se retira do relatório social, o arguido, no domínio pessoal, tende a expressar-se através de um discurso de sobrevalorização e ambição profissionais, que dificulta uma capacidade adequada de descentração e/ou autocrítica, com tendência para a atribuição causal externa, designadamente através da tentativa de responsabilização de terceiros, a quem atribui comportamentos persecutórios e acusações sustentadas em interpretações erróneas quanto à sua conduta profissional e/ou encorpadas em indícios que considera desvirtuados de sentido.»
E concluindo:
«Assim, sopesando-se os factores acabados de elencar, e tendo presente que os crimes em concurso, da mesma natureza ou conexa, são expressão de uma personalidade desconforme ao direito mostrando inequívoca propensão para a prática de crimes da mesma natureza, fixa-se a pena única do cúmulo em 9 (nove) anos de prisão.»
26. Na presença destes elementos da motivação em matéria de direito (supra, 10.2) e da motivação em matéria de facto (supra, 10.1), carece, pois, de justificação a alegação do recorrente de que o acórdão sofre, nesta parte, de falta de fundamentação, a qual, como se tem afirmado em jurisprudência constante, só ocorre nas situações em que este não contém as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º do CPP [al. a) do n.º 1 do artigo 379.º], isto é, a enumeração dos factos provados e não provados, a exposição dos motivos de facto e de direito que suportam e justificam a decisão e a indicação e exame crítico das provas que serviram de base à condenação (sendo que este último requisito não releva no contexto de conhecimento superveniente do concurso em virtude de essa apreciação crítica ter tido lugar nas anteriores decisões condenatórias transitadas em julgado).
Na discordância do recorrente, poderá aceitar-se que nela se expressa um juízo de insuficiência de fundamentação na determinação da medida da pena única, o que, no entanto, sendo questão diversa, tendo ainda em conta o suprimento da nulidade verificada no anterior acórdão quanto aos factos do processo 9492/05.0..., se distingue da alegada nulidade por falta de fundamentação.
Importa, por conseguinte, convocar os critérios de determinação da pena para averiguar da sua observância e suficiência, na consideração das circunstâncias relevantes evidenciadas pelos factos provados.
27. A pena única corresponde a uma pena conjunta resultante das penas aplicadas aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se, na sua fixação, o procedimento normal de determinação e escolha das penas, a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso (pena aplicável), que tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos de prisão, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal).
Assim definida a moldura do concurso, o tribunal determina a pena conjunta, seguindo os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal) e o critério especial fixado na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, em que se incluem as circunstâncias relacionadas com as condições económicas e sociais deste, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita. O substrato da medida da pena compreende, pois, as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de ilícito ou do tipo de culpa, possam depor a favor do agente ou contra ele, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal (cfr., a título exemplificativo, o acórdão de 25.10.2023, Proc. 3761/20.7T9LSB.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência mencionada).
28. Recordando jurisprudência constante, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. É o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado (o “grande facto”), sendo decisiva, para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de crime em concurso.
Há que atender ao conjunto de todos os factos e ao fio condutor presente na repetição criminosa, estabelecendo uma relação desses factos com a personalidade do agente neles documentada, levando-se em consideração a natureza dos crimes e a identidade ou não dos bens jurídicos violados, tendo em vista verificar se os factos, no seu conjunto, são expressão de uma tendência criminosa, caso em que lhe deverá ser atribuído um efeito de agravação dentro da moldura da pena conjunta, ou se, diversamente, a repetição resulta de fatores meramente ocasionais (assim, o citado acórdão de 25.10.2023 e jurisprudência nele citada, retomando-se anteriores acórdãos].
29. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito2.
Para a medida da gravidade da culpa, há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2 do artigo 71.º, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências e intensidade do dolo ou da negligência), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram e o grau de violação dos deveres impostos ao agente [als. a), b) e c)], bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade [condições pessoais e situação económica, conduta anterior e posterior ao facto, e falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto – als. d), e), f)].
Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, que permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Aqui se incluem as consequências não culposas do facto [v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves, comportamento anterior e posterior ao crime (com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [als. a) e) e f)]. O comportamento do agente [als. e) e f)] adquire particular relevo em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.
Como se tem sublinhado, é na consideração destes fatores, determinados na averiguação do «grande facto» caraterizado pelas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, constituem o substrato da determinação da pena, que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os critérios de adequação e proporcionalidade constitucionalmente impostos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição), que devem pautar a sua aplicação3 . Não se podendo fundar em considerações de ordem geral pressupostas na definição dos crimes e das molduras abstratas das penas em vista da adequada proteção dos bens jurídicos postos em causa, sob pena de violação da proibição da dupla valoração, a determinação da pena dentro da moldura penal correspondente ao crime praticado há de comportar-se no quadro e nos limites da gravidade dos factos concretos, nas suas próprias circunstâncias concorrentes por via da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal), tendo em conta as finalidades de prevenção especial de ressocialização4.
30. Em síntese, afirma o arguido que o tribunal a quo se refugiou em «fórmulas genéricas, tabelares, vagas ou conclusivas», que desconsiderou «entre outros, (i) a qualidade em que o Recorrente foi condenado, (ii) as quantias pagas ao erário público por cada uma dessas sociedades, (iii) o número de funcionários a cargo de cada uma dessas sociedades e o impacto social e familiar da atividade de cada uma dessas sociedades, (iv) o facto de existirem dívidas resultantes de alterações à contabilidade das sociedades impostas por decisão do revisor oficial de contas, (v) o concreto grau de intervenção do Recorrente, e, sobretudo, não realiza o juízo autónomo e independente que, em sede de acórdão cumulatório, lhe cabia efetivar», que não atentou ao princípio da proporcionalidade, que não respeitou o dever de especial fundamentação, nomeadamente pela omissão de solicitação de um relatório social atualizado, nem ponderou adequadamente a sua situação pessoal e a gravidade dos ilícitos praticados, relacionando-os com a personalidade, tudo como melhor se explicita nas conclusões 42 e seguintes da motivação. O que, antecipa-se, não é exato.
31. A condenação levou particularmente em consideração a gravidade dos ilícitos de abuso de confiança e as suas consequências, associando-as a caraterísticas negativas de personalidade manifestadas essencialmente na apropriação de valores muito elevados em benefício do arguido e das suas empresas e no correspondente prejuízo para a Fazenda Nacional e para a Segurança Social, no total de aproximado de 9.760.000 euros.
Vista a fundamentação da decisão em matéria de facto, verifica-se que estão dominantemente em causa oito crimes de abuso de confiança fiscal e dois crimes de abuso de confiança contra a segurança social, cometidos repetidamente, por ações e omissões de periodicidade mensal, entre 2002 e 2010, agindo o arguido na qualidade de ... e gerente de várias sociedades comerciais através de não entrega e apropriação de importâncias descontadas em renumerações de trabalhadores para a Segurança Social e em retenção de IRS e de importâncias de IVA cobradas e recebidas.
Para além disso está o arguido também condenado por um crime de burla agravado e de falsificação de uma assinatura do seu ex-cônjuge, envolvendo valores superiores a 120.000 euros, e por dois crimes de falsificação de declarações relativas a situações contributivas.
Não consta que o arguido tenha efetuado o pagamento das importâncias não entregues ao Estado e à Segurança Social, estando provado que agiu sempre com intenção, determinada e reiterada, de apropriação daquelas importâncias e de prejudicar a Segurança Social e o Estado. Apenas se noticia que o arguido iniciou negociações com a segurança social para pagamento das importâncias em dívida.
Sendo os crimes levados a efeito através de condutas essencialmente homogéneas, são de muito elevada dimensão o grau de ilicitude e as respetivas consequências para a Segurança Social e para o Estado, como se especifica na matéria de facto provada.
Dos relatórios sociais considerados resulta que o arguido tem formação superior, usufruindo de uma situação económica favorável, compatível com o seu estatuto de empresário. O que, dada a natureza dos crimes praticados e o habitual estatuto social dos seus agentes, não pode, por si só, funcionar a favor da diminuição das necessidades de prevenção.
Não regista o arguido outras condenações por crimes de diferente natureza, sendo patente a incapacidade do arguido de, neste domínio, conduzir uma conduta lícita durante os cerca de oito anos em que desenvolveu a atividade criminosa. O que, indiciando motivação para este tipo de crimes radicando na própria personalidade, revela elevadas necessidades de prevenção especial, sendo, no entanto, de notar a verificação de condições pessoais suscetíveis de favorecer a reintegração.
Como se nota num dos relatórios sociais, «o arguido evidencia competências intelectuais na área da formação académica, tendendo a expressar-se através de um discurso de sobrevalorização e ambição profissionais, que dificulta, eventualmente, uma capacidade adequada de descentração e/ou autocrítica», «verifica-se a tendência para a atribuição causal externa, designadamente através da tentativa de responsabilização de terceiros», «ao nível sociofamiliar, a situação penitenciária atual não representou outros impactos significativos para além das manifestações ao nível emocional», «os laços de afetividade apresentam-se reforçados através das visitas regulares e contactos telefónicos estabelecidos», «a trajetória de vida de AA surge associada ao investimento na realização académica e profissional, percurso que se foi materializando num sentido ascendente e gradual, com assunção de cargos de gestão em várias empresas» e «a estabilidade económica e o suporte familiar constituem os principais fatores de proteção do arguido na ótica da sua reinserção social, avaliando-se como imprescindível a consciencialização da necessidade de orientar a sua conduta pelo investimento na aquisição e treino de competências com vista à adoção de um estilo de vida segundo os parâmetros do “dever-ser”, aspeto a consolidar durante a reclusão em curso.»
32. Assim sendo, considerando, em conjunto, a elevada gravidade dos factos praticados, evidenciada pela sua reiteração e prolongamento no tempo e pelo impacto financeiro das suas consequências, pela frequência da repetida violação dos deveres contributivos que ao arguido se impunham e pela persistência da intenção criminosa, bem como as caraterísticas de personalidade neles manifestada, a revelarem acentuadas necessidades de prevenção especial, aparentemente favorecidas pelas condições sociofamiliares mantidas na atual situação de reclusão, e tendo em conta todas as circunstâncias referidas, relevando por via da culpa e da prevenção nos termos dos artigos 71.º e 77.º do Código Penal, não se mostra que a pena aplicada tenha sido fixada em violação do critério de proporcionalidade legalmente imposto.
Nesta conformidade, não se justificando uma intervenção corretiva na medida da pena, improcede igualmente o recurso nesta parte.
Quanto à (não) aplicação do perdão da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto [11.d)]
33. A pretensão do recorrente funda-se na alegação de que a limitação do benefício do perdão de pena concedido pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, «a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática do facto» (artigo 2.º, n.º 1), viola o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição, pelo que, reunindo todos os requisitos, à exceção da idade, alega que deveria ser-lhe perdoado um ano de prisão «a todas as penas de prisão», «nos termos do disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 4, e 4.º» daquele diploma.
O perdão da pena pressuporia, assim, uma desaplicação, por inconstitucionalidade, da norma do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, que impõe aquele limite de idade.
34. A resposta a esta questão é necessariamente negativa. Sem necessidade de outras considerações remete-se para 21 acórdãos do Tribunal Constitucional, de 2024 e 2025, acessíveis na sua base de dados de jurisprudência (em https://acordaosv22.tribunalconstitucional.pt/) – o primeiro de 21.06.2024 (Acórdão n.º 471/2014) e o último de 25.02.2025 (Acórdão n.º 125/2025) –, em que unanimemente foi decidido não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, ao estabelecer como condição da amnistia e do perdão que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
34.1. O Acórdão n.º 125/2025 indeferiu a reclamação para a conferência da Decisão Sumária n.º 18/25, que manteve, notando «a já abundante jurisprudência citada na Decisão Sumária ora reclamada, proferida em sentido convergente por diversas Secções deste Tribunal».
Lê-se, em síntese, na Decisão Sumária n.º 18/2025:
«”(…) importa referir que [a questão de inconstitucionalidade] se apresenta em tudo idêntica àquela que recentemente foi apreciada no Acórdão n.º 808/2024, (…) em que se decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, ao estabelecer como condição da amnistia que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
Neste aresto, remetendo para a fundamentação do Acórdão n.º 471/2024, admitiu-se que as disposições legais amnistiantes, ainda que de cunho eminentemente comemorativo, só serão inconciliáveis com a Constituição quando exprimam critérios insuscetíveis de generalização, arbitrários, irrazoáveis ou injustificáveis em face dos fins que um Estado de Direito pode legitimamente acolher, tendo em especial atenção os fins atinentes ao aparelho sancionatório estadual, para o efeito se assinalando o seguinte (…):
“Na perspetiva dos fins do Estado de Direito, a medida promove a proteção da juventude, cuja política, segundo o n.º 2 do artigo 70.º da Constituição, «deverá ter como objetivos prioritários o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efetiva integração da vida ativa e o gosto pela criação livre e o sentido de serviço à comunidade», sendo esta uma refração do direito a todos reconhecido ao desenvolvimento da personalidade, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
No que respeita às finalidades político-criminais, a delimitação do âmbito subjetivo de aplicação da amnistia em função da idade está em sintonia com o objetivo de adoção de medidas favoráveis à ressocialização dos jovens delinquentes. Aliás, no nosso ordenamento jurídico, os jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos são beneficiários de um regime penal especial – em concretização do artigo 9.º do Código Penal –, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, em que se estabelece um tratamento punitivo distinto com vista a criar as condições necessárias à sua reintegração social (cf., além do mais, a possibilidade de atenuação especial da pena nos termos do artigo 4.º). Conforme resulta do preâmbulo do referido diploma, à criação desse regime subjaz a ideia de que «o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado», visando-se «instituir um direito mais reeducador do que sancionador» (§§ 2. e 4.). (…) cremos que, tal como a instituição desse regime especial, a diferenciação de tratamento resultante do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, teve também como objetivo a ressocialização dos jovens, no caso entre os 16 e os 30 anos de idade, cuja personalidade está ainda em fase de formação, na expetativa de que a medida de clemência constitua uma oportunidade para reflexão, de forma a evitar o cometimento de novos crimes.
Em suma, a norma em causa reveste carácter geral e abstrato, porque se aplica a todos os arguidos que se encontrem na situação aí descrita, e a delimitação do seu âmbito subjetivo de aplicação possui fundamento material bastante, pelo que não se mostra arbitrária nem irrazoável”.
7. A posição firmada no Acórdão n.º 808/2024 (que se encontra em linha com a adotada no Acórdão n.º 471/2024, bem como nos Acórdãos n.os 602/2024, 743/2024, 853/2024, 854/2024, 855/2024, 857/2024, 859/2024, 860/2024, 898/2024, 900/2024, 901/2024) – para cuja fundamentação se remete e aqui se dá por integralmente reproduzida – mostra-se como plena e integralmente transponível para as hipóteses em que está em causa o perdão de penas, reclamando o juízo a firmar quanto à norma em causa nos presentes autos solução idêntica (neste sentido, v. também Acórdãos n.ºs 743/2024, 860/2024, 898/2024, 900/2024 e 901/2024, bem como, v.g., a Decisão Sumária n.º 662/2024).
8. Em face do exposto, resta concluir que não merece censura a decisão recorrida, julgando-se improcedente o presente recurso.»
Nestes termos, decidiu «a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, ao estabelecer como condição do perdão de penas que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (…)».
34.2. No Acórdão n.º 166/2025, foi expressamente apreciada a questão em função da alegada violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição):
«(…) são variadíssimos os acórdãos do Tribunal Constitucional que se ocuparam das exigências inerentes à consagração constitucional do princípio da igualdade, previsto de forma expressa no artigo 13.º da nossa Constituição, configurando jurisprudência absolutamente estabilizada que a nossa Lei Fundamental só proíbe o tratamento diferenciado de situações quando o mesmo se apresente arbitrário, sem fundamento material, havendo que precisar o sentido da igualdade jurídica». (…)
Podemos (…) concluir da análise da jurisprudência deste Tribunal Constitucional (…) que, nos casos de perdão genérico de penas, o princípio da igualdade será de invocar para se recusar o arbítrio em situações materialmente infundadas ou irrazoáveis. Dito de outro modo, havendo tratamentos legais diferenciados, os mesmos só consubstanciam distinção arbitrária se não for possível encontrar um “motivo razoável”, decorrente da “natureza das coisas”, ou que seja “concretamente compreensível” enquanto fundamento da distinção (…).
(…) cumprindo aferir da existência de “motivo razoável”, nos termos expostos, valerá em pleno a fundamentação dos já mencionados Acórdãos n.ºs 898/2024, 900/2024 e 901/2024, bem como dos Acórdãos n.ºs 471/2024 e 808/2024, que também versam sobre o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, e a mesma condição de aplicação em função da idade, apesar de, nestes dois últimos arestos, estar em causa a amnistia de infrações.
Assim, no Acórdão n.º 471/2024, este Tribunal Constitucional considerou que:
“(…) Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a adequação da qualificação de “jovens” quando aplicada a pessoas até 30 anos (…). Cabe ao Tribunal, tão-somente, reconhecer que existe uma ligação objetiva que assegura uma justificação minimamente coerente por comparação entre o limite de idade determinado pelo legislador e o contexto da celebração associada à amnistia, o que é suficiente para concluir que o critério de distinção dos destinatários da norma não se apresenta arbitrário. (…)”
E, [n]a esteira do acórdão citado [Acórdão n.º 471/2024], no Acórdão n.º 808/2024:
“[…] [S]alienta-se que não há arbitrariedade na escolha do universo de beneficiários da referida amnistia, designadamente em função da idade.
Para assim concluir importa ter presente a ideia, já referida, de que no domínio da amnistia «há que ter em conta a totalidade dos fins do Estado» e os «fins mais específicos referidos ao aparelho sancionatório».
Na perspetiva dos fins do Estado de Direito, a medida promove a proteção da juventude, cuja política, segundo o n.º 2 do artigo 70.º da Constituição, «deverá ter como objetivos prioritários o desenvolvimento da personalidade dos jovens, a criação de condições para a sua efetiva integração da vida ativa e o gosto pela criação livre e o sentido de serviço à comunidade», sendo esta uma refração do direito a todos reconhecido ao desenvolvimento da personalidade, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
No que respeita às finalidades político-criminais, a delimitação do âmbito subjetivo de aplicação da amnistia em função da idade está em sintonia com o objetivo de adoção de medidas favoráveis à ressocialização dos jovens delinquentes. Aliás, no nosso ordenamento jurídico, os jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos são beneficiários de um regime penal especial – em concretização do artigo 9.º do Código Penal –, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, em que se estabelece um tratamento punitivo distinto com vista a criar as condições necessárias à sua reintegração social (cf., além do mais, a possibilidade de atenuação especial da pena nos termos do artigo 4.º). Conforme resulta do preâmbulo do referido diploma, à criação desse regime subjaz a ideia de que «o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado», visando-se «instituir um direito mais reeducador do que sancionador» (§§ 2. e 4.). Embora o Acórdão n.º 471/2024 tenha afastado comparações com o regime penal aplicável a jovens, fê-lo para refutar argumentos específicos aduzidos no respetivo processo pelo recorrido (assentes na circunstância de a aplicação do regime não ser automática, mas depender da avaliação do caso concreto). Ora, cremos que, tal como a instituição desse regime especial, a diferenciação de tratamento resultante do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, teve também como objetivo a ressocialização dos jovens, no caso entre os 16 e os 30 anos de idade, cuja personalidade está ainda em fase de formação, na expetativa de que a medida de clemência constitua uma oportunidade para reflexão, de forma a evitar o cometimento de novos crimes.
Em suma, a norma em causa reveste carácter geral e abstrato, porque se aplica a todos os arguidos que se encontrem na situação aí descrita, e a delimitação do seu âmbito subjetivo de aplicação possui fundamento material bastante, pelo que não se mostra arbitrária nem irrazoável.
Assim, do ponto de vista do princípio da igualdade, esta opção é conforme com o quadro jurídico-constitucional e, no que toca à racionalidade que deve ser observada em termos de Estado de Direito, ao excluir-se a universalidade, a norma penal em relação à faixa etária não é discriminatória, respeitando as exigências daquele princípio. […]».
Não se vislumbram razões para divergir dos fundamentos transcritos, totalmente transponíveis para o objeto do recurso correspondente à norma contida no artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, ao estabelecer como condição do perdão da pena que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (cfr. alínea a) do item 2. supra), os quais aqui se reiteram.
Em face de que, imperioso se torna concluir que o parâmetro invocado pelos recorrentes, de violação do princípio da igualdade, não tem suporte bastante que possa conduzir a um juízo de censura jurídico-constitucional da norma em apreço, nem se prefigura a violação de quaisquer outras normas ou princípios constitucionais.»
35. Com estes fundamentos, improcede o recurso quanto à pretensão de aplicação do perdão da pena concedido pela Lei n.º 38-A72023, de 2 de agosto.
Quanto ao desconto das penas de substituição e do tempo da pena de prisão parcialmente cumprida [11.i)]
36. Depois de observar que as penas de substituição e as penas de prisão não são cumuláveis e que estas não deveriam ser incluídas na pena única, conclui o recorrente que «tendo o tribunal a quo considerado as penas parcelares de prisão suspensas na sua execução e tendo-as integrado no cúmulo, teria de, consequentemente, ter considerado o período já cumprido pelo Recorrente nesse regime à luz do disposto no artigo 81.º, n.º 1 e n.º 2 do CP», que «o tribunal a quo entendeu não aplicar o desconto por considerar que a sujeição a regime de prova não impunha ao arguido qualquer dever ou regra de atuação punitiva mas apenas formativa e preventiva» e que «não se pronunciou quanto à pena principal parcialmente cumprida pelo Recorrente, incorrendo numa omissão de pronúncia que fere de nulidade o acórdão recorrido». Pelo que, alega, traduzindo-se o instituto do desconto «num caso especial de determinação da pena», «deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória».
37. A propósito do desconto das penas de substituição, que recusou, considerou-se e decidiu-se no acórdão recorrido, convocando o anterior acórdão deste Tribunal:
«Assim, no(s) cúmulo(s) jurídico(s) a efectuar, tais penas serão valoradas enquanto penas principais (sendo ponderada, mostrando-se possível, a substituição da(s) pena(s) única(s) que vier(em) a ser aplicada(s)).
Conforme refere o Acórdão do STJ proferido nestes autos e na génese da reformulação desta decisão “A lei, porém, nada diz quanto a descontos a efetuar em caso de revogação da suspensão de execução da pena de prisão ou em caso de o cumprimento da pena de substituição ser interrompido por uma decisão do tribunal proferida em conhecimento superveniente do concurso que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas, “anula” a pena de substituição e integra a pena de prisão substituída na pena única correspondente aos crimes em concurso.
A questão foi analisada no acórdão de 12.10.2022, Proc. n.º 277/08.3TAEVR (em www.dgsi.pt), com convocação de jurisprudência recente relevante, em que se concluiu no sentido de se proceder ao desconto da pena parcelar de suspensão de execução da pena de prisão em função de um critério normativo de “equitatividade” (FIGUEIREDO DIAS) definido por um conjunto de tópicos estruturantes de analogia para suprimento de reconhecida lacuna de regulamentação nesta matéria. Aí se afirmou que: «(a) não sendo a suspensão de execução da pena de prisão uma forma de execução da pena de prisão, o mero decurso do tempo de duração da suspensão não pode ser considerado; (b) o desconto apenas será admissível se o condenado cumprir deveres e regras de conduta que lhe tenham sido impostos (artigo 50.º, n,º 2, e 51.º a 54.º do CP) e que, representando um sacrifício para o condenado, ou, dito de outro modo, uma restrição ou privação de direitos, neles se possa identificar um sentido sancionatório (presente nas regras de conduta a que se refere o artigo 52.º do CP), devendo excluir-se as prestações efetuadas (artigo 51.º do CP, em particular) cuja restituição não pode ser exigida, nos termos do artigo 56.º, n.º 2, do CP; (c) por razões de coerência sistemática não podem deixar de ser levados em consideração os critérios estabelecidos nos artigos 46.º, n.º 5, e 59.º, n.º 4, do CP para desconto das penas cumpridas de proibição do exercício de profissão, função ou atividade e de prestação de trabalho a favor da comunidade, na medida em que a analogia o justifique».
São restritivas ou privativas de direitos para este efeito as seguintes regras de conduta:
a) Residir em determinado lugar;
b) Frequentar certos programas ou actividades;
c) Cumprir determinadas obrigações.
d) Não exercer determinadas profissões;
e) Não frequentar certos meios ou lugares;
f) Não residir em certos lugares ou regiões;
g) Não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas;
h) Não frequentar certas associações ou não participar em determinadas reuniões;
i) Não ter em seu poder objectos capazes de facilitar a prática de crimes.
1.3. O caso dos autos
Relativamente à questão das penas de prisão suspensas na sua execução incluídas no cúmulo (pelos motivos oportunamente expostos), cumpre ponderar se deve operar o desconto das mesmas, agora que o seu cumprimento vai ser interrompido por uma decisão do tribunal proferida em conhecimento superveniente do concurso que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas, “anula” a pena de substituição e integra a pena de prisão substituída na pena única correspondente aos crimes em concurso.
Neste particular, refira-se que, de acordo com os critérios orientadores acima explanados e que brotam do entendimento do STJ na matéria, a pena de prisão suspensa na sua execução que foi irrogada ao arguido no âmbito do P. 7656/15.8... não pode ser descontada, na justa medida em que isso equivaleria a premiar o decurso do tempo sem qualquer punição.
No que toca à pena aplicada ao arguido nestes autos, e convocando a matéria de facto pertinente à ponderação a efectuar, temos que a suspensão foi sujeita a regime de prova com elaboração de um plano de reinserção social, não tendo, além disso, sido aplicadas quaisquer regras de conduta dentre as elencadas no artigo 52 do C.Penal. Concomitantemente, do plano elaborado (que estabeleceu como necessidades de intervenção a) a justificação e relativização do envolvimento na conduta criminal com o objectivo de desenvolver o sentido crítico face à ilicitude e desvalor da conduta criminal e reforçar a compreensão das finalidades da condenação, envolvendo as seguintes actividades- comparecer e colaborar proactivamente nas entrevistas com a técnica de reinserção social, refletindo sobre as consequências da conduta criminal para a sociedade e para as vítimas e desenvolvendo a capacidade de empatia; b) a reincidência criminal com os objectivos de prevenir a incursão em padrões de comportamento que potenciem o risco de reincidência , devendo o arguido -comparecer às entrevistas com a técnica de reinserção social, onde deverá colaborar de forma proactiva na reflexão sobre as consequências do comportamento criminal nas vítimas e na sociedade, bem como sobre os fatores de risco e de proteção relativamente à conduta criminal; planear ações concretas que o próprio possa encetar para reduzir esses fatores de risco e potenciar os fatores de proteção; dar conhecimento à técnica do contacto voluntário ou involuntário com situações de risco e ser proactivo no reforço de medidas preventivas) não se retira a imposição ao arguido de qualquer dever ou regra de actuação punitiva mas apenas e só formativa e preventiva, razão pela qual, também aqui, s.m.o., o desconto equivaleria a prémio pelo simples decurso do tempo, razão pela qual não terá lugar.»
38. A este propósito considerou-se no citado acórdão de 12.10.2022, Proc. n.º 277/08.3... (em www.dgsi.pt), convocado no anterior acórdão deste Tribunal e na decisão recorrida:
«Quanto às penas principais, de prisão ou de multa, que estejam total ou parcialmente cumpridas, constitui jurisprudência constante deste Tribunal a de que, sendo estas consideradas nas operações de cúmulo, deve proceder-se ao respetivo desconto na pena única, como decorre expressamente dos artigos 78.º, n.º 1, parte final, e 81.º do Código Penal [sobre este ponto, neste sentido, o mencionado acórdão de 13.2.2019 citando o acórdão de 18.10.2017, no Proc. 8/15.1GAOAZ.P1.S1 (Raul Borges), e a abundante jurisprudência nele citada a propósito do instituto do desconto, em www.dgsi.pt]. O mesmo sucede com as medidas processuais privativas da liberdade – detenção, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação – estabelecendo a lei o critério do desconto destas medidas no caso e ser aplicada pena de multa (artigo 80.º do CP).
Tendo sido eliminado o pressuposto de a pena não “estar cumprida, prescrita ou extinta” e passando o n.º 1 do artigo 78.º a impor que “a pena que já tiver sido cumprida [seja] descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes” (alteração da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro), a coerência interna do sistema obriga a que o desconto deva abranger todas as penas cumpridas, incluindo as penas de substituição (com este fundamento se decidiu nos acórdãos de 12.7.2018, proc. 281/14.2PBBJA.S1, de 13.2.2019, proc. 1205/15.5T9VIS.S1, de 6.11.2019, ptoc. 1960/18.0T8VCT.S2, de 15.11.2018, proc. 252/11.0JAAVR.1-P1.S1, em www.dgsi.pt). (…).
Esta solução harmoniza-se, assim, com o defendido por Figueiredo Dias (loc. cit. pp. 300-301), em 1993, antes da revisão do Código Penal de 1995: “Da leitura dos artigos 80.º a 82.º parece resultar que, no pensamento da lei, o instituto do desconto só funciona relativamente a (…) penas de prisão e (ou) a penas de multa, já não relativamente a outras penas de substituição (…). Uma tal restrição não parece, porém, (…) político-criminalmente justificável. Melhor será, por isso, considerar que se está perante uma lacuna, que o juiz pode integrar – tratando-se, como se trata, de uma solução favorável ao delinquente –, sempre que se possa encontrar um critério de desconto adequado ao sistema legal e dotado de suficiente determinação. (…) O critério de equitatividade permite que (…) se preencha a lacuna em que a pena – anterior ou (e) posterior – é uma pena diferente da de prisão ou multa (…): em todos estes casos o tribunal deve, por analogia favorável ao condenado, fazer na nova pena o desconto que lhe parecer equitativo”.
Nesta linha de pensamento, veio este critério a ser consagrado em 1995, no n.º 2 do artigo 81.º, que passou a dispor que “se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.” (…)
Em síntese e em conformidade com o que vem de se expor, entram na formação da pena única todas as penas de prisão parcelares substituídas não declaradas extintas em virtude da revogação das penas aplicadas em sua substituição; revogadas as penas de substituição (artigos 46.º, n.º 3, 56.º, n.º 2, e 59.º, n.º 2, do CP), há lugar ao cumprimento das penas de prisão substituídas, devendo proceder-se aos descontos que a lei impõe (artigo 78.º, n.º 1, e 81.º do CP). Para além da pena de multa de substituição, cujo não pagamento determina o cumprimento da pena de prisão (artigo 45.º, n.º 2, e 49.º, n.º 3, do CP), são penas de substituição em sentido próprio, que respondem ao duplo requisito de serem cumpridas em liberdade e pressuporem a determinação prévia da medida da pena de prisão, sendo aplicadas e executadas em vez desta – eliminadas que foram as penas de substituição detentivas pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto –, a proibição do exercício de do exercício de profissão, função ou atividade pública ou privada (artigo 46.º do CP), a suspensão da execução da pena de prisão (artigos 50.º a 57.º do CP), nas suas diversas modalidades (suspensão “simples”, com imposição de deveres ou regras de conduta ou acompanhamento de regime de prova), e a prestação de trabalho a favor da comunidade (artigos 58.º e 59.º do CP).
Assim, e não importando, agora, considerar o regime da multa de substituição (artigos 45.º e 49.º, n.º 3, do CP): (a) revogada a pena de proibição do exercício de profissão, função ou atividade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir o tempo de proibição já cumprido (artigos 46.º, n.ºs 3 e 5); (b) revogada a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, o tribunal ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença e desconta no tempo de prisão a cumprir os dias de trabalho já prestados (artigos 59.º, n.º 2 e 4, e 58.º, n.º 3, do CP).
A lei, porém, nada diz quanto a descontos a efetuar em caso de revogação da suspensão de execução da pena de prisão. O n.º 1 do artigo 56.º estabelece as condições em que a suspensão é revogada – infração grosseira ou repetida dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção social e cometimento de crime durante o período de suspensão, imputáveis ao condenado – e o n.º 2 do mesmo preceito determina que “A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado”.
17. É, todavia, diferente a situação, como a dos autos, em que o cumprimento da pena de substituição é interrompido por uma decisão do tribunal proferida em conhecimento superveniente do concurso que, procedendo ao cúmulo jurídico das penas, “anula” a pena de substituição e integra a pena de prisão substituída na pena única correspondente aos crimes em concurso. Havendo lugar a desconto da pena cumprida, como impõe a parte final do n.º 1 do artigo 78.º do CP, o seu pressuposto é diverso, pois não ocorreu revogação da pena pelo tribunal que a aplicou.
Porém, na falta de norma expressa, a unidade e coerência do sistema e as exigências decorrentes do princípio da legalidade das penas impõem que o critério de desconto só possa ser o mesmo que o previsto para a revogação da pena de substituição em causa.
Ora, se não se suscitam dúvidas quanto às demais penas de substituição, por quanto a elas haver lei precisa, o mesmo não se poderá afirmar quanto ao desconto da pena de suspensão de execução da pena de prisão “cumprida” até à decisão de formação do cúmulo em que entra a pena de prisão substituída. Se é certo que, neste caso, o cumprimento da pena de suspensão (pena de substituição) não se confunde nem reconduz a um cumprimento da pena de prisão em liberdade – sob pena de contradição nos próprios termos e de negação da natureza da pena de suspensão como pena autónoma –, que o cumprimento da pena de prisão não resulta de comportamento ou de razão imputável ao condenado – o que pode ser tido como motivo de justificação da não previsão de desconto na pena de prisão substituída – e se também é certo que, em caso de revogação, o condenado não pode “exigir a restituição de prestações que haja efetuado” (artigo 56.º, n.º 2, do CP), abre-se, neste ponto, um espaço de dúvida, a que a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a dar resposta com base num critério de “equitatividade” adiantado, noutro contexto (em 1993, como se viu – supra, 15), por Figueiredo Dias.»
Depois de citar os acórdãos de 15.10.2015 (Helena Moniz), proferido no Proc.º n.º 3442/08.0TAMTS.S1, de 14.1.2016 e de 23.1.2020 (este com exaustiva indicação de jurisprudência), da mesma relatora (Cons. Helena Moniz), no processo 8/12.3PBBGC-B.G1-S1 (em www.dgsi.pt) e no processo 2877.19.7T8PRT.P1.S1, de 12.5.2021 (Paulo Ferreira da Cunha), Proc. 70/18.5GEGMR.S1, de 29.6.2017 (Manuel Braz), Proc. 1372/10.4TAVLG.S1, e de 9.2.2022 (Ana Barata Brito), Proc. 21461/21.9T8LSB.S1, concluiu-se no acórdão de 12.10.2022, Proc. n.º 277/08.3TAEVR (em que foi relator o relator do presente acórdão): «Os elementos recenseados, de ordem legislativa e jurisprudencial, permitem, assim, numa breve síntese, identificar um conjunto de tópicos estruturantes de analogia para, em suprimento da reconhecida lacuna de regulamentação, se fixar um critério jurídico (normativo) de “equitatividade” do desconto da pena parcelar de suspensão de execução da pena de prisão na determinação da pena única de prisão (artigo 78.º, n.º 1, parte final).
Pode pois justificadamente afirmar-se que: (a) não sendo a suspensão de execução da pena de prisão uma forma de execução da pena de prisão, o mero decurso do tempo de duração da suspensão não pode ser considerado; (b) o desconto apenas será admissível se o condenado cumprir deveres e regras de conduta que lhe tenham sido impostos (artigo 50.º, n,º 2, e 51.º a 54.º do CP) e que, representando um sacrifício para o condenado, ou, dito de outro modo, uma restrição ou privação de direitos, neles se possa identificar um sentido sancionatório (presente nas regras de conduta a que se refere o artigo 52.º do CP), devendo excluir-se as prestações efetuadas (artigo 51.º do CP, em particular) cuja restituição não pode ser exigida, nos termos do artigo 56.º, n.º 2, do CP; (c) por razões de coerência sistemática não podem deixar de ser levados em consideração os critérios estabelecidos nos artigos 46.º, n.º 5, e 59.º, n.º 4, do CP para desconto das penas cumpridas de proibição do exercício de profissão, função ou atividade e de prestação de trabalho a favor da comunidade, na medida em que a analogia o justifique.»
Nessa conformidade, não tendo, nesse caso, o condenado «cumprido deveres ou regras de conduta, para além do dever de comparecer a convocatórias, que, em si mesmo, sendo um dever de ordem geral respeitante às relações com serviços públicos, não representa um sacrifício de relevo inerente e com componente de punição», se concluiu que «não se encontra fundamento que justifique que seja efetuado qualquer desconto no cumprimento da pena única, nos termos do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º, ou, como decidido no acórdão recorrido, nos termos do artigo 81.º do Código Penal.». Pelo que se revogou o acórdão recorrido na parte em que determinou o desconto de dois anos de prisão na pena única aplicada ao arguido.
39. Como se vê do acórdão recorrido, que seguiu esta jurisprudência, o tribunal a quo não determinou a efetivação do desconto quanto às penas de prisão suspensas na sua execução, por, num caso, não terem sido impostas obrigações ou regras de conduta (suspensão simples) e por, noutro caso, a suspensão com regime de prova não comportar a imposição de regras de conduta restritivas da liberdade, pelo que o desconto «equivaleria a premiar o decurso do tempo sem qualquer punição» ou « a prémio pelo simples decurso do tempo».
Assim sendo, em conformidade com a jurisprudência citada, não se identifica fundamento que justifique a alteração do decidido.
Pelo que é o recurso também improcedente nesta parte.
Quanto a custas
40. De acordo com o disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
III. Decisão
41. Pelo exposto, acorda-se na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 2 de abril de 2025.
José Luís Lopes da Mota (Relator)
Jorge Raposo
António Augusto Manso
_____________________________________________
1. Direito Penal Português, Parte Geral, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimpressão, Coimbra Editora, p. 714, embora em divergência com Eduardo Correia.
2. Sobre estes pontos, que seguidamente se desenvolvem, na determinação do sentido e alcance do artigo 71.º do Código Penal, segue-se, em particular, como em acórdãos anteriores, Anabela M. Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, em especial, e Figueiredo Dias, Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, pp. 232-357 – cfr., de entre muitos outros, o acórdão de 15.1.2019, Proc. 4123/16.6JAPRT.G1.S1, e, de entre os mais recentes, o acórdão de 25.9.2024, Proc. 3808/21.0JAPRT.S1, em www.dgsi.pt.
3. Assim, entre outros, os acórdãos de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, de 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
4. Salientando este ponto, entre muitos outros, o acórdão de 29.4.2020, Proc. 16/05.0GGVNG.S1, em www.dgsi.pt., com referência à doutrina anteriormente citada.