I – Tem sido jurisprudência constante do STJ que a sindicabilidade da medida da pena por este Tribunal abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
II – O grau de ilicitude do facto é bastante significativo, tendo em vista o modus operandi, traduzido numa operação de tráfico internacional, por via aérea, e bem assim considerando a quantidade e tipo de substância estupefaciente em causa – cocaína, considerada droga dura, com elevado grau de danosidade -, sendo, pois, a quantidade e a qualidade da substância transportada reveladora do referido grau de ilicitude.
III – Os chamados “correios de droga”, mormente os transcontinentais, constituem uma peça fundamental do tráfico de estupefacientes, na cadeia entre os produtores e o escoamento ou consumo final, contribuindo, de modo direto e com grande relevo, para a disseminação deste flagelo, à escala global, pelo que não merecem, de per si, um especial tratamento penal de favor, no plano da ponderação da ilicitude, independentemente de se admitir que, no domínio da culpa, a sua posição pode ser mais diversificada
IV - A frequência da detenção de “correios de droga” nos aeroportos portugueses não pode deixar de conduzir a que, com firmeza, se intente evitar o pernicioso efeito de imitação, sob pena de se incentivar o tráfico internacional.
I – RELATÓRIO
1. O Ministério Público deduziu acusação contra AA, com os restantes sinais dos autos, imputando-lhe a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, n.º1, por referência à Tabela I-B, do DL n.º 15/93, de 22-01, que aprovou o Regime Jurídico aplicável ao Tráfico e Consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas.
Por acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o arguido foi condenado nos seguintes termos:
«Em conformidade com o exposto, acordam os juízes que integram o Tribunal Colectivo em:
i) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do DL nº 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B anexa ao citado diploma, na pena de seis anos e três meses de prisão.
ii) Decidir não aplicar ao arguido AA a sanção acessória de expulsão do território nacional, prevista no artigo 34.º, nº1 da Lei nº 15/93, de 22.01.
(…).»
2. O arguido interpôs recurso do referido acórdão para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem:
1. O acórdão recorrido condenou o Recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em autoria, p. e p. pelo art.º. 21º, n.º 1 do D. L. n.º 15/93, de 21 de janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 6 anos e 3 meses de prisão;
2. O Recorrente, é um “correio de droga”, sem ligação direta à estrutura do tráfico internacional de estupefacientes;
3. Não tem antecedentes criminais;
4. Confessou a prática dos factos de forma integral e sem reservas;
5.Na data dos factos, o Recorrente, que contava 40 anos de idade, sempre tinha tido uma conduta exemplar e conforme ao dever ser, trabalhando desde criança, estando inserido familiar, social e profissionalmente.
6.Em meio prisional, após a prática dos factos, o Recorrente tem uma conduta de adequação às regras.
7.Nos termos do art.º 71.º, n.º 2, als .d) e e), do CP, para determinação da medida da pena e, além do mais, são consideradas as condições pessoais do agente e a sua situação económica, bem como, a conduta anterior ao facto e a posterior a este.
8. No caso concreto, todas estas circunstâncias depõem a favor do Recorrente, pelo que deviam e devem ser levadas em conta na determinação da medida concreta da pena.
9. As condições pessoais do Recorrente e da sua conduta anterior e posterior aos factos, denotam, também, serem diminutas, no seu caso, as exigências de prevenção especial.
10.Porque todas as referidas circunstâncias demonstram que as exigências de prevenção especial se encontram substancialmente mitigadas, afigura-se-nos que a pena tem de ser reduzida.
11.Constitui boa prática a existência de alguma equivalência e equidade nas penas aplicadas
12. Considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, em casos de tráfico internacional agravado, envolvendo toneladas de estupefaciente (cocaína), avulta a divergência do quantum das penas habitualmente aplicadas, face à pena aplicada nos presentes autos.
13. A divergência no quantum das penas é incompreensível, quer à luz do Direito e dos seus princípios, quer, sobretudo, ao olhar e interpretação do cidadão, homem médio.
14. Apena a aplicar ao Recorrente, considerando a matéria provada deverá situar-se entre os 4 anos e 6 meses e os cinco anos de prisão.
15. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu, violou, por erro de interpretação, o disposto nos artigos 71.º do CP.
No caso de proceder a pretensão do Recorrente
Da suspensão da pena
16. Estabelece o art.º 50.º do CP que a pena de prisão em medida não superior a cinco anos deve ser suspensa na sua execução, sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, às circunstâncias deste, seja de concluir que a censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
17. Como bem assinala a doutrina e a jurisprudência, trata-se ainda assim de uma verdadeira pena.
18. A doutrina e a jurisprudência, abordando a matéria relativa à determinação da sanção, vêm afirmar o entendimento de que verificados os seus pressupostos formais - pena de prisão não superior a 5anos – a aplicação desta pena não é facultativa, tratando-se antes de um poder vinculado, um poder-dever.
19. A determinação do quantum da pena a aplicar e a escolha da espécie da pena constituem duas fases distintas e autónomas no processo da determinação concreta da pena, com critérios próprios e substancialmente diferentes.
20. Afastada a relevância da culpa para a questão da escolha da pena de prisão, haverá apenas que constatar que são as finalidades exclusivamente preventivas que verdadeiramente orientam e justificam a aplicação ou não, da pena de substituição em causa: prevenção geral e prevenção especial. Estes apenas e só os elementos de que o tribunal poderia socorrer-se.
21.Neste aspeto, a doutrina e a Jurisprudência têm sido unânimes, considerando além do mais que, pela razão de ser das penas de substituição, são sobretudo razões de prevenção especial que justificam a sua aplicação. E numa dupla vertente, conforme se assinala correntemente.
22. Para as considerações de prevenção geral é atribuído, unicamente, o papel de limite último de atuação da prevenção especial, até ao qual é possível garantir a necessária defesa do ordenamento jurídico.
23. Com um pequeno passo à frente, avançamos para a ideia fundamental (seu pressuposto material) na aplicação de uma pena de substituição: um prognóstico favorável.
24. Tal pena de substituição deverá ser aplicada pelo Tribunal quando, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida e outras circunstâncias indicadas, conclua por um juízo de prognose favorável, no sentido de afastamento do arguido da criminalidade.
25. No caso em análise, no momento da decisão (sendo este o momento relevante para apreciação), afigura-se-nos existir fundamento para este juízo de prognose favorável, em termos de justificar a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, porquanto:
a. O Recorrente, em julgamento, confessou de forma livre, voluntária e sem reservas, todos os factos pelos quais vinha acusado pelo Ministério Público.
b. Prestou declarações de forma objetiva, coerente, isenta e credível.
c. Fez um juízo autocrítico da sua conduta e das consequências e demonstrou arrependimento sincero.
d. Está inserido social, familiar e profissionalmente .
e. Não tem antecedentes criminais.
26. Os factos provados e os fatores pessoais e sociais do Recorrente, designadamente a confissão integral e sem reservas, o juízo autocrítico revelado quanto ao crime e às suas consequências, a interiorização do desvalor da sua conduta, o arrependimento demonstrado, o comportamento adequado no meio prisional e a ausência de antecedentes criminais, permitem a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça da pena de prisão realizarão de forma adequada as finalidades da punição, de molde a concluir pela suspensão da execução da pena;
27. O Recorrente, que conta 40 anos de idade, cometeu o crime pelo qual foi condenado num ato isolado, pois que até então havia pautado as suas condutas, conforme às regras vigentes na nossa sociedade.
28. O Recorrente vem refletindo sobre a sua conduta e valores em causa e vem gizando projetos positivos para o seu futuro, junto da família, que permitem acreditar numa séria possibilidade de se reintegrar de forma positiva na sociedade.
29.O Recorrente apresenta um quadro, presente e futuro, que permite a assunção de um risco prognóstico favorável e, nessa medida, a possibilidade de cumprir uma pena no seio da sociedade.
30. Quadro punitivo que mais se ajusta ao caso concreto, considerando as razões de prevenção especial, não descurando o limite da prevenção geral, que ainda assim se encontra resguardado.
Norma violada: artigo 71.º do Código Penal
3. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido de que o acórdão recorrido deve ser confirmado, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1 - Se é certo que a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade estão presentes nas finalidades da punição previstas no artigo 4.º, n.º 1, do Código Penal, também não é menos verdade que Existe um “conteúdo mínimo de prevenção geral de integração de que não se pode prescindir para que não sejam defraudadas as expectativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos;
2 - O crime é grave, as necessidades de prevenção são elevadas, a ilicitude da conduta da arguida não é diminuta e o dolo é intenso, na modalidade de dolo directo.
No caso do transporte internacional de produto estupefaciente, em face do grande impacto social e forte alarme social que provoca na sociedade em geral, acentua as necessidades de prevenção especial.
3 - Quanto ao arguido ser um denominado “correio de droga”, ainda que tal possa diminuir um pouco a ilicitude, pois não sendo o dono do produto estupefaciente e, por outro lado, ter uma situação económica precária, todavia, tem um papel fulcral no tráfico internacional, sendo uma peça essencial nesse negócio, que urge combater.
4 - “No que toca à confissão, há que dizer que a confissão das arguidas surge na sequência da sua detenção em flagrante delito na posse do estupefaciente no aeroporto, ou seja, surge como procedimento natural e lógico, não sendo demonstrativa de qualquer voluntária e espontânea assunção de responsabilidade no acto praticado. Na verdade, a confissão não contribuiu de forma essencial para a descoberta da verdade em face da prova reunida nos autos.”
5 – Quanto ao invocado relativamente à inserção laboral, familiar e social, tais circunstâncias não se mostraram aptas a demover o arguido da prática dos factos.
6 - Por todo o exposto, consideramos, por conseguinte, que a pena é adequada e justa, subscrevendo o entendimento do Tribunal que, a nosso ver, não merece reparo.
4. Neste Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), emitiu parecer em que se pronunciou no sentido de que o recurso não merece provimento, devendo, em consequência, ser confirmado o acórdão recorrido.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer. Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, constituindo entendimento constante e pacífico que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência do recorrente com a decisão impugnada, as questões suscitadas no recurso são as da determinação da pena de prisão imposta e da aplicação da pena de substituição de prisão suspensa na execução.
2. Do acórdão recorrido
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
«1. No dia 08 de Fevereiro de 2024, pelas 18h07, AA desembarcou no Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, procedente de Bissau, Guiné, no voo ...78.
2. Em tal ocasião, AA transportava duas bagagens de porão com as etiquetas ...09 e ...13 contendo um total de cinquenta e sete embalagens de plástico, com o seguinte peso e conteúdo:
a. 12 (doze) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 2952.000 g (L) e um grau de pureza de 68,6%;
b. 8 (oito) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 1956.000 g (L) e um grau de pureza de 67,7%;
c. 4 (quatro) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 995.000 g (L) e um grau de pureza de 67,7%;
d. 4 (quatro) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 986.000 g (L), e um grau de pureza de 63,7%;
e. 4 (quatro) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 970.000 g (L), e um grau de pureza de 65,3%;
f. 4 (quatro) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 990.000 g (L), e um grau de pureza de 64,7%;
g. 4 (quatro) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 974.000 g (L) e um grau de pureza de 66,4%;
h. 4 (quatro) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 978.000 g (L) e um grau de pureza de 67,5%;
i. 4 (quatro) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 981.000 g (L) e um grau de pureza de 61,8%;
j. 4 (quatro) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 967.000 g (L) e um grau de pureza de 67,5%;
k. 4 (quatro) embalagens contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 990.000 g (L) e um grau de pureza de 68,2%;
l. 45 (quarenta e cinco) bolotas contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 525.760 g (L) e um grau de pureza de 68%;
m. 3 (três) bolotas contendo no seu interior cocaína (cloridrato) com o peso líquido 263.000 g (L) e um grau de pureza de 64,4%;
3. AA tinha ainda consigo:
a. 1 (um) cartão de embarque em nome de AA referente ao voo ...78 com origem em Bissau (OXB) e destino Lisboa (LIS).
b. oito notas emitidas pelo Banco Central Europeu com o valor facial de € 20 (vinte euros), quatro notas emitidas pelo Banco Central Europeu com o valor facial de € 10 (dez euros), perfazendo uma quantia global de € 200 (duzentos euros);
c. 2 (duas) etiquetas de bagagem em nome AA, com as inscrições “...09” e “...13”;
d. 1 (um) telemóvel, de marca XIAOMI, modelo REDMI, de cor preta e capa transparente, com o IMEI ...85/69 e o IMEI ...93/69;
e. 1 (um) cartão SIM com o n.º ...48;
f. 2 (duas) malas de viagens, tipo trolley, de cor de laranja, da marca Classic Asad.
4. AA conhecia a natureza e as características estupefacientes da substância apreendida, que aceitou transportar por via aérea, para ser posteriormente comercializada, pretendendo obter nessa transação o montante de € 1.500.
5. A quantia monetária, o telemóvel e respectivo cartão foram obtidos e destinavam-se a ser utilizados por AA na descrita actividade.
6. AA agiu livre e conscientemente determinado, sabendo que a detenção, transporte e a comercialização de cocaína lhe eram proibidos e punidos por lei penal.
Mais se apurou:
7. AA confessou integralmente e sem reservas os factos imputados.
Condições pessoais e antecedentes criminais do arguido
8. À data dos factos supra descritos, AA tinha ido passar uns dias de férias ao seu país de origem, mas estava desde há dois anos na Alemanha, a trabalhar num armazém, onde auferia mensalmente 1400 euros, sendo que antes disso, residia na ..., numa casa arrendada, juntamente com três primos e trabalhava na construção civil, auferindo 7 euros/hora.
9. Natural da Guiné-Bissau, AA veio sozinho para Portugal em 2008, em busca de melhores condições de vida, tendo o seu processo de socialização decorrido, até atingir a idade adulta, junto dos progenitores e dos seis irmãos, em ambiente harmonioso e de entreajuda apesar das dificuldades económicas do agregado de origem.
10. O irmão mais velho reside na Holanda, os restantes mantêm-se na Guiné e os progenitores já morreram; em Portugal, residem alguns primos e sobrinhos de AA.
11. A nível escolar, AA iniciou o percurso no seu país de origem, em idade normativa, tendo completado a 4.ª classe; posteriormente deixou os estudos para ir trabalhar na agricultura, juntamente com o progenitor e dessa forma contribuir para a subsistência do numeroso agregado de origem.
12. É portador de HIV desde 2022, necessitando de medicação diária, não lhe sendo conhecidos quaisquer problemas de natureza aditiva.
13. A nível afetivo, AA tem mulher e três filhos, de 6, 4 e 1 ano de idades, encontrando-se todos no país de origem do arguido.
14. A mulher de AA não trabalha, ficando a cargo desta cuidar e acompanhar a educação dos filhos menores do casal, sendo a subsistência dos mesmos assegurada pelo valor monetário de 300 euros mensais que aquele lhes enviava antes de ter sido detido.
15. Em termos futuros, é pretensão de AA trazer a mulher e os filhos para Portugal, onde perspectiva ter facilidade em conseguir trabalho na construção civil.
16. Em meio prisional mantém um comportamento de acordo com as regras institucionais, não havendo registo de qualquer infracção ou sanção disciplinar.
17. No EPPJ esteve ativo laboralmente, mas no EPL não se encontra integrado em nenhuma ocupação laboral e/ou formativa, por ter dado entrada há menos de seis meses, tendo já solicitado colocação laboral.
18. Beneficia ocasionalmente da visita de primos e de um sobrinho.
19. Recebe apoio monetário por parte de um irmão, para poder contactar com a mulher e filhos.
20. AA não tem antecedentes criminais registados.»
2.2. Quanto a factos não provados ficou consignado:
Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo para a decisão.
*
3. Apreciando
3.1. O recurso direto para o STJ em apreço tem por objeto o acórdão proferido pelo tribunal coletivo que condenou o arguido/recorrente na pena principal de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão, sendo restrito a matéria de direito, sendo inquestionável a competência do STJ para o respetivo conhecimento [artigos 432.º, n.ºs 1, al. c), e 2, e 434.º do CPP], não tendo sido invocados os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º [cf. parte final da alínea c) do n.º 1, do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro], os quais, a partir do texto da decisão de facto e da análise da respetiva motivação, também não se evidenciam.
3.2. Vejamos o que consta no acórdão recorrido quanto à determinação da pena de prisão.
Diz-se, a esse propósito:
«O crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 21º do Decreto-lei 15/93, de 22.01, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
A pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura referida, em função da culpa do agente enquanto limite máximo da punição e ainda das exigências de prevenção, geral e especial, postas pelo caso em apreço – em cuja valoração se atenderá a todas as concretas circunstâncias que, no caso, não fazendo parte do tipo legal, deponham contra ou a favor do agente (art. 71º n.º 2 do CP), designadamente:
a) o grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente:
Releva, essencialmente, o peso muito relevante do produto estupefaciente transportado e o grau de pureza apresentado [o produto correspondia a 14.527, 76 g e doses de consumo 484581], o facto de o arguido atuar conjuntamente com outros indivíduos, numa operação de âmbito internacional e a natureza do estupefaciente em causa – cocaína – (com um grau de danosidade acrescido); releva, ainda, a posição do arguido - “correio de droga” - uma peça fundamental na execução do ilícito e na cadeia delitiva; ainda assim, não se apuraram expectativas de ganho demasiado significativas;
b) a intensidade do dolo ou negligência:
O dolo foi directo e intenso;
c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram:
Obtenção de dinheiro, como móbil inevitável inerente à actividade de tráfico, encontrando-se o arguido numa situação económica débil;
d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica:
O arguido apresenta uma situação pessoal marcada por adversidades que comprometeram a aquisição de competências escolares e laborais, encontrando-se à data dos factos numa situação de precaridade económica.
e) a conduta anterior ao facto e posterior a este:
O arguido não tem antecedentes criminais registados. Confessou integralmente e sem reservas os factos, o que sempre evidencia alguma interiorização e arrependimento.
f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena
Não se apurou nenhum facto relevante a este propósito.
Neste quadro, é sensível a culpa do arguido e prementes as exigências de prevenção especial e geral (dados os reflexos comunitários do crime perpetrado).
Assim, tem-se por adequada a fixação da pena em seis anos e três meses de prisão.»
3.2.1. Enquadramento geral do procedimento de determinação da pena.
A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).
Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).
Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.
Estabelece o artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 227 e ss.).
Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, Abril-Junho de 2002, pp. 181 e 182), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética:
«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»
De acordo com o referido artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, há que considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) –, e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade e condições pessoais e económicas – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e bem assim as relevantes no plano da prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e)] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial.
3.2.2. Insurgindo-se contra a pena de 6 anos e 3 meses de prisão em que foi condenado, que considera excessiva, alega o recorrente a seu favor, em suma: a circunstância de ser um mero correio de droga; a integração familiar, social e profissional; a confissão integral e sem reservas; o bom comportamento prisional; a ausência de antecedentes criminais.
A moldura penal prevista para o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, por referência à Tabela I-B, ao mesmo anexa, é de 4 (quatro) a 12 (doze) anos de prisão.
Tem sido jurisprudência constante do STJ que a sindicabilidade da medida da pena por este Tribunal abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respetivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos fatores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., 1993, §254, p. 197; ver, também, acórdão do STJ, de 8.11.2023, no processo n.º 808/21.3PCOER.L1.S1, sem prejuízo, naturalmente, da amplitude sindicante dos tribunais de recurso, quando, ainda assim, concluam pela injustiça da pena, por desproporcional ou desnecessidade, como se afirmou, v. g., no acórdão de 14.06.2007, proferido no processo n.º 07P1895, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).
Relembre-se que o arguido foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, n.º1, com referência à Tabela I-B, do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 15/93, estando provado que transportou, de Bissau para Lisboa, mais de 14.50kg de cocaína (peso líquido), com um grau de pureza entre 61,8% e 68,6%, quantidade correspondente a 48458 doses. O arguido conhecia a natureza e as características estupefacientes da substância apreendida, que aceitou transportar por via aérea, para ser posteriormente comercializada, pretendendo obter dessa transação o montante de 1.500,00€, tendo agido livre e conscientemente determinado, sabendo que a detenção, transporte e a comercialização de cocaína lhe eram proibidos e punidos por lei penal.
O tráfico de estupefacientes é um crime de consequências gravíssimas para a sociedade e, por isso, o legislador o sancionou com penas pesadas.
Não há qualquer razão para desvalorizar, na determinação da pena, a quantidade de cocaína transportada, em função de o recorrente ter atuado como “correio de droga” (designação habitualmente utilizada para este tipo de atuação).
O grau de ilicitude do facto é bastante significativo, tendo em vista o modus operandi, traduzido numa operação de tráfico internacional, por via aérea, e bem assim considerando a quantidade e tipo de substância estupefaciente em causa – cocaína, considerada droga dura, com elevado grau de danosidade -, sendo, pois, a quantidade e a qualidade da substância transportada reveladora do referido grau de ilicitude.
Atente-se que a cocaína é um produto com elevado grau de perigosidade para a saúde, com grande poder aditivo, induzindo os consumidores, pela premência em angariar meios para a sua aquisição, à prática de variados tipos de crime, frequentemente graves.
O recorrente agiu com dolo direto e a motivação que presidiu à sua atuação foi a obtenção de um ganho económico, em razão do qual aceitou participar numa atividade de tráfico, à custa da saúde pública e de todo um outro conjunto de bens jurídicos pessoais dos potenciais consumidores e da vida em sociedade.
Os chamados “correios de droga”, mormente os transcontinentais, constituem uma peça fundamental do tráfico de estupefacientes, na cadeia entre os produtores e o escoamento ou consumo final, contribuindo, de modo direto e com grande relevo, para a disseminação deste flagelo, à escala global, pelo que não merecem, de per si, um especial tratamento penal de favor, no plano da ponderação da ilicitude (cf. com interesse, entre outros, os acórdãos do STJ, de 11.04.2012, proc. n.º 21/11.8JELSB.S1, e de 24.03.2022, proc. n.º 134/21.8JELSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, como outros que venham a ser citados sem diversa indicação), independentemente de se admitir que, no domínio da culpa, a sua posição pode ser mais diversificada
A frequência da detenção de “correios de droga” nos aeroportos portugueses não pode deixar de conduzir a que, com firmeza, se intente evitar o pernicioso efeito de imitação, sob pena de se incentivar o tráfico internacional.
No que respeita aos fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto, depõe a favor do recorrente a ausência de antecedentes criminais, verificando-se que a confissão dos factos é de escassa relevância, uma vez que foi detido em flagrante delito.
Assim, foi ponderada a confissão do recorrente, mas não lhe foi atribuído outro relevo que não aquele que uma detenção em flagrante permite, ou seja, a sua irrelevância para a descoberta da verdade dos factos, embora passível de ser interpretada como sinal de alguma interiorização do seu desvalor, o que foi tido a seu favor.
Foram consideradas as condições pessoais do agente e a sua frágil situação económica.
O comportamento prisional conforme às regras institucionais não é mais do que o exigível a qualquer cidadão na mesma situação.
Como decorre do já exposto, as exigências de prevenção geral são muito elevadas neste tipo de infração, tendo em conta o bem jurídico violado, a frequência do fenómeno e o conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade no plano da saúde pública e dos efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme.
Pese embora a ausência de antecedentes criminais, as exigências de prevenção especial não são, ainda assim, despiciendas – são, mesmo, significativas -, pois a previsível manutenção do quadro precário em função do qual o arguido não se inibiu de aceitar o transporte do produto estupefaciente com a finalidade de obter um ganho pecuniário, permite a ilação de que manterá alguma abertura e disposição para a prática futura de factos semelhantes.
A pena concretamente imposta situa-se em patamar claramente inferior ao meio da moldura legal.
Neste contexto – não perdendo de vista as medidas concretas das penas que os tribunais superiores, nomeadamente o STJ tem vindo a atribuir, por confirmação ou alteração em recurso, aos crimes de tráfico de droga da responsabilidade de correios, internacionais ou interterritoriais, em casos de tráfico de cocaína (ver, entre outros, os elementos indicados nos acórdãos do STJ: de 29.06.2011, processo 1878/10.5JAPRT.S1; de 28.10.2020, proc. n.º 475/19.4JELSB.S1; de 24.03.2022, proc. n.º 134/21.8JELSB.L1.S1; de 6.07.2023, proc. n.º 2332/22.8JAPRT.S1; de 4-06.2024, proc. n.º 53/23.3JELSB.L1.S1, onde se assinala que, na bitola habitual da jurisprudência do STJ para situações semelhantes, que tem vindo a estabilizar-se, desde já há algum tempo, a aplicação de penas vai variando, consoante as particulares especificidades dos casos, entre os 5 e os 7 anos de prisão) -, afigura-se-nos que, no quadro do binómio formado pela culpa e pela prevenção, a pena de prisão aplicada não merece qualquer censura, não havendo qualquer fundamento para a modificar, mais ainda se nos lembrarmos do que acima se deixou dito quanto aos limites da intervenção do STJ no âmbito da determinação do “quantum” das penas.
3.2.3. Mantendo-se inalterada a pena de prisão aplicada ao recorrente no acórdão recorrido, acima, portanto, dos 5 (cinco) anos de prisão, prejudicada fica a apreciação da sua pretensão no sentido da suspensão da respetiva execução, por não verificação do correspondente pressuposto formal estabelecido no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
Concluindo: o recurso não merece provimento.
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III - DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto por AA e, em consequência, manter integralmente o acórdão recorrido.
Custa pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cf. artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa).
Dê de imediato conhecimento ao tribunal recorrido.
Supremo Tribunal de Justiça, 3 de abril de 2025
(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)
Jorge Gonçalves (Relator)
Ernesto Nascimento (1.ª Adjunto)
Jorge Reis Bravo (2.º Adjunto)