RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
RECLAMAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
INDEFERIMENTO
Sumário


I - Apenas das decisões sumárias / decisões individuais do relator cabe reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 417.º n.º 8, do CPP, pelo que, no caso, porque estamos perante um acórdão da conferência e não face a uma decisão sumária, não pode estar em causa uma reclamação para a conferência ao abrigo do citado preceito legal, mas apenas uma reclamação / arguição de nulidades do acórdão deste STJ.
II - As recorrentes/reclamantes pretendem que o STJ dê o dito por não dito e inverta o sentido da sua decisão de rejeição do recurso que interpuseram, o que, obviamente, não pode ser alcançado pelo mecanismo processual da reclamação.
III - O haver-se decidido bem ou mal, de forma correta ou incorreta, em sentido contrário ao preconizado pelas recorrentes, não configura qualquer nulidade, obscuridade ou ambiguidade do acórdão, anomalias que não são, sequer, identificadas pelas recorrentes.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. No âmbito do processo comum n.º 2071/21.7JAPRT, em que é arguido AA, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto – Juiz ..., foi proferido acórdão absolutório da prática de alguns dos crimes imputados e de condenação por outros (alguns por convolação), sendo o arguido condenado, em cúmulo jurídico: na pena única de 12 anos de prisão; na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de dez anos (art.º 69.º-B, n.º 2, do Código Penal); na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), pelo período de dez anos (art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal). Na procedência, parcial ou total dos diversos pedidos de indemnização civil, foi condenado civilmente o arguido/demandado, além de ter sido arbitrada uma indemnização, ao abrigo do disposto no art.º 82.º-A do CPP e no art.º 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 04-09, condenando-se o arguido no respetivo pagamento.

2. Não se conformando com aquela decisão, recorreram o arguido e as assistentes BB, CC (de Guimarães), DD (de Castelo de Paiva) e EE.

3. Por decisão sumária do juiz desembargador relator do Tribunal da Relação do Porto, foi rejeitado o recurso interposto pelas assistentes, por considerar não disporem as mesmas do necessário «interesse em agir», ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 401.º n.º 2 “a contrario”, 414.º n.ºs 2 e 3, 417.º n.º 6, alínea b) e 420.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

4. Desta decisão reclamaram as assistentes BB, CC (de Guimarães), DD (de Castelo de Paiva) e EE, requerendo o julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal.

5. Por acórdão da Relação do Porto, de 6.12.2023, foi rejeitado o recurso apresentado pelas assistentes BB, CC (de Guimarães), DD (de Castelo de Paiva) e EE, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 401.º, n.º2, “a contrario”, 414.º, n.ºs 2 e 3, 417.º, n.º6, alínea b) e 420.º, n.º1, alínea b), todos do Código de Processo Penal, sendo, pois, confirmada a decisão sumária.

No que concerne ao recurso do arguido, foi-lhe negado provimento.

6. Inconformadas com aquela decisão, dela recorreram as assistentes, pugnando pela revogação do acórdão da Relação e a sua substituição por outro que admita o recurso que interpuseram.

7. Neste Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso interposto pelas assistentes, por carecerem de interesse em agir.

8. Por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19.02.2025, foi decidido:

« - Rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso das assistentes BB, CC, DD e EE – artigos 400.º, n.º 1, al. c) e 414.º, n.º 3, do CPP;

- Rejeitar, por inadmissibilidade, em função da dupla conforme, o recurso do arguido relativamente às questões da caducidade do direito de queixa e da nulidade da decisão por falta de fundamentação no que respeita às penas parcelares, artigos 400.º n.º 1, alíneas e) e f), art.º 432.º n.º1 alínea b) e 414.º, n.º 3, todos do CPP;

- No mais, negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido, condenando-se o arguido em 12 anos de prisão. »

9. Na sequência, vêm as assistentes apresentar requerimento que intitulam de “RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA”, concluindo:

«TERMOS EM QUE, deve a decisão em apreço ser revogada e substituída por outra que admita o recurso interposto pelas Assistentes, por ser recorrível e em consequência seja declarado que estas têm “interesse” em recorrer, desacompanhadas do Ministério Público, porque são vitimas e têm um interesse próprio e autónomo em agir, para tutela dos seus direitos pessoais à autodeterminação sexual e dignidade humana, pelo que a decisão foi proferida contra si, em virtude de terem pugnado ao longo do processo pela condenação do arguido na pena máxima de prisão efetiva, conforme tem sido entendimento da jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, bem como da doutrina mais recentes, fazendo-se assim inteira e sã JUSTIÇA.»

10. Foram os autos à conferência para apreciação.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Proferida a sentença (ou acórdão, quando se tratar de decisão de um tribunal colegial), fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa [artigo 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal (CPP)].

O acórdão deste STJ foi proferido no passado dia 19.02.2025.

As assistentes/recorrentes podiam deduzir reclamação / arguição de nulidades do dito acórdão, no prazo de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1.º do CPP.

As assistentes optaram por apresentar um requerimento denominado de “RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA”.

É manifesto o equívoco.

Realmente, apenas das decisões sumárias/decisões individuais do relator cabe reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 417.º n.º 8, do CPP.

No caso, estamos perante um acórdão da conferência e não face a uma decisão sumária.

As recorrentes não podem ignorar que a rejeição, por inadmissibilidade, do recurso que interpuseram, foi decidida por acórdão e não singularmente pela relatora, mas ainda assim referem-se, a dado passo do seu requerimento, à “decisão sumária ora em crise”.

Conclui-se, pois, que não pode estar em causa uma reclamação para a conferência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º n.º 8, do CPP, mas apenas uma reclamação / arguição de nulidades do acórdão deste STJ, razão por que será nesse contexto que o requerimento apresentado será apreciado.

2. Estabelece o artigo 425.º do CPP, sob a epígrafe “Acórdão”, no seu n.º 4:

«(…)

4 - É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento.

(…).»

Dispõe o artigo 379.º do CPP, sob a epígrafe “Nulidade da sentença”, expressamente referido no transcrito artigo 425.º, n.º4:

«1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;

b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º

3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, exceto em caso de impossibilidade.»

Por sua vez, o artigo 380.º (Correção da sentença), ali também referido, estabelece:

«1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando:

a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;

b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos restantes actos decisórios previstos no artigo 97.º»

As recorrentes/reclamantes não indicam, à luz dos preceitos legais que acabamos de transcrever, qualquer nulidade individualizada que imputem ao acórdão objeto de reclamação.

Também não reclamam quanto a qualquer erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial, que tenham identificado no acórdão visado.

O que pretendem, afinal, é que o STJ dê o dito por não dito e inverta o sentido da sua decisão de rejeição do recurso que interpuseram, o que, obviamente, não pode ser alcançado pelo mecanismo processual da reclamação.

O haver-se decidido bem ou mal, de forma correta ou incorreta, em sentido contrário ao preconizado pelas recorrentes, não configura qualquer nulidade, obscuridade ou ambiguidade do acórdão, anomalias que não são, sequer, identificadas pelas recorrentes.

Não deixamos de observar que as recorrentes / reclamantes alegam:

«A interpretação das normas constantes nos artigos 69.º, n.º2, al. c) e 401.º, n.º1, al. b), ambos do C.P.P., efetuada pela decisão sumária ora em crise, no sentido de rejeitar o recurso interposto pelos assistentes por falta de legitimidade, porque limitado que é o seu objeto à mera discordância da medida da pena aplicada viola os normativos constitucionais constantes nos artigos 2.º (Estado de Direito Democrático), 9.º, al. b) e c) (Tarefas fundamentais do Estado), 20.º, n.º1 (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva) e 32.º, n.º1 (Garantias de processo criminal) todos da Constituição da República Portuguesa.»

Para além da equivocada referência a uma inexistente “decisão sumária”, facilmente se alcança, da leitura do acórdão reclamado, que a sua ratio decidendi quanto à rejeição do recurso das assistentes nada tem a ver com os artigos 69.º, n.º2, al. c) e 401.º, n.º1, al. b), ambos do CPP – que não são, sequer, referidos no acórdão.

Por conseguinte, a reclamação deve ser indeferida.

*

III – Dispositivo

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação.

Custas pelas recorrentes/reclamantes, fixando-se em 2 UCs a taxa de justiça (artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e sua Tabela III, anexa).

Supremo Tribunal de Justiça, 3 de abril de 2025

(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Jorge Gonçalves (Relator)

Jorge dos Reis Bravo (1.º Adjunto)

Vasques Osório (2.º Adjunto)