I - As decisões de questões interlocutórias ou intermédias, portanto, de questões que não integram no objecto do processo, proferidas pela Relação, em recurso interposto da decisão final, não perdem a qualidade de decisões que não conhecem, a final, do objecto do processo, razão pela qual, nos termos do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, delas não cabe recurso para o STJ.
II - Em sede de prescrição do procedimento criminal, o princípio geral é o de que só actos judiciais em sentido estrito portanto, actos de um juiz, devem ser tipificados como causas de interrupção e/ou suspensão da prescrição do procedimento, princípio que, na sequência do reconhecimento da relevante função desempenhada pelo MP na realização da função punitiva do Estado, veio a ser alargado a certos actos da competência desta magistratura, igualmente tipificadores de causas de interrupção e/ou suspensão da prescrição do procedimento.
III - Assim, afirmando-se a vigência do princípio geral de que as causas interruptivas e suspensivas da prescrição do procedimento criminal devem corresponder a actos de um juiz, agora flexibilizado pela atribuição de tal efeito a certos actos do MP, a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 120.º do CP deve interpretar-se como reportando-se apenas à notificação da acusação pública e da acusação particular quando acompanhada pelo MP.
IV - Por outro lado, sendo o despacho de pronúncia um acto judicial em sentido estrito, tendo tal despacho pronunciado o arguido, além do mais, pelos crimes que lhe eram imputados na acusação particular não acompanhada pelo MP, com a sua prolação verifica-se a causa de suspensão da prescrição do procedimento prevista no art. 120.º, n.º 1, al. b), do CP, e a causa de interrupção da prescrição do procedimento prevista no art. 121.º, n.º 1, al. b), do mesmo código.
Recorrentes: AA e BB.
Recorridos: Ministério Público e outros.
*
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz ..., mediante despacho de pronúncia, foram os arguidos AA, BB e CC, todos com os demais sinais nos autos, submetidos a julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, sendo-lhes imputada a prática dos seguintes crimes:
- ao arguido AA [na acusação pública], três crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo art. 194º, nºs 1 e 2 do C. Penal, três crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações agravados, p. e p. pelo art. 194º, nº 3, com referência aos seus nºs 1 e 2 e ao art. 197º, b), do C. Penal, em concurso aparente com três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelos arts. 192º, nº 1, a) e 197º, b), do C. Penal, um crime de acesso indevido, p. e p. pelo art. 44º, nº s 1 e 2, b) da Lei nº 67/98 (na redacção da Lei nº 103/2015) e, [na acusação particular] cinco crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, p. e p. pelo art. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nºs 1, a) e b) e 2, do C. Penal, um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelo art. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), do C. Penal;
- ao arguido BB [na acusação pública], um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo art. 194º, nºs 1 e 2 do C. Penal, um crime de acesso indevido, p. e p. pelo art. 44º, nºs 1 e 2, b), da Lei nº 67/98 (na redacção da Lei nº 103/2015) e, [na acusação particular] um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelo art. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183, nº 1, a) e b), do C. Penal;
- ao arguido CC [na acusação pública], três crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações agravados, p. e p. pelo art. 194º, nº 3, do C. Penal, com referência ao art. 194º, nºs 1 e 2, do C. Penal, e arts. 71º, nºs 1 e 3 e 35º, nº 1 da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido, em concurso aparente com três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), do C. Penal e, [na acusação particular] cinco crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, p. e p. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), do C. Penal.
Por acórdão de 12 de Junho de 2023, foi decidido:
“(…).
Pelo exposto, o tribunal colectivo delibera:
a) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 3 (três) crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações, ps. e ps. pelo art. 194.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
b) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 2 (dois) crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, ps. e ps. pelo art. 194.º, n.º 3, ex vi n.ºs 1 e 2 do mesmo dispositivo legal, e pelo art. 197.º, al. b), ambos do Código Penal.
c) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos arts. 192.º, n.º 1, al. a), e 197.º, al. b), do Código Penal.
d) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de acesso indevido, p. e p. pelo art. 44.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da Lei n.º 67/98, de 26.10.
e) Absolver o arguido AA da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 3 (três) crimes de ofensa a pessoa colectiva agravada, ps. e ps. pelo art. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), com referência ao art. 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal.
f) Absolver o arguido AA da prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelo art. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), com referência ao art. 183.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do Código Penal.
g) Absolver o arguido CC da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 3 (três) crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, ps. e ps. pelo art. 194.º, n.º 3, ex vi n.ºs 1 e 2 do mesmo dispositivo legal, pelo art. 197.º, al. b), ambos do Código Penal, e pelo art. 71.º, n.ºs 1 e 3, com referência ao art. 35.º, n.º 1, ambos da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (Lei n.º 27/2007, de 30.07).
h) Absolver o arguido CC da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de devassa da vida privada, p. e p. pelos arts. 192.º, n.º 1, al. a), e 197.º, al. b), do Código Penal.
i) Absolver o arguido CC da prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de 5 (cinco) crimes de ofensa a pessoa colectiva agravada, ps. e ps. pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), com referência ao art. 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, e pelo art. 71.º, n.º 3, da Lei da Televisão.
j) Absolver o arguido BB da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo art. 194.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
k) Absolver o arguido BB da prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de acesso indevido, p. e p. pelo art. 44.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da Lei n.º 67/98, de 26.10.
l) Absolver o arguido BB da prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelo art. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), com referência ao art. 183.º, n.º 1, al. a) e b), ambos do Código Penal.
m) Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos arts. 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão.
n) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
o) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.
p) Em cúmulo jurídico das penas mencionadas nas alíneas m), n) e o) que antecedem, condenar o arguido AA na pena única de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo a contar do trânsito em julgado do presente acórdão.
q) Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos arts. 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano a contar do trânsito em julgado do presente acórdão.
r) A publicitação deste dispositivo, na parte condenatória, num jornal periódico generalista e de grande tiragem, a expensas dos arguidos AA e BB, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado deste acórdão.
s) A publicitação deste dispositivo, na parte condenatória, numa emissão televisiva no “...” em horário nobre no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado deste acórdão.
t) Condenar solidariamente os arguidos/demandados AA e BB a pagarem ao demandante civil DD o montante de €10.000,00 (dez mil euros), a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal, vincendos a partir da presente data até integral pagamento, absolvendo aqueles do mais que contra os mesmos foi peticionado.
u) Absolver o arguido/demandado CC do pedido de indemnização civil contra o mesmo formulado pelo demandante civil DD.
v) Absolver a demandada A..., S.A., do pedido de indemnização civil contra o mesmo formulado pelo demandante civil DD.
w) Condenar cada um dos arguidos AA e BB no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.
x) Condenar os assistentes que aderiram à acusação pública e aqueles que deduziram acusação particular no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.
y) Condenar os arguidos/demandados AA e BB e o demandante DD no pagamento das custas cíveis, na proporção de 1/5 para aqueles e de 4/5 para este – arts. 527.º, n.os 1 e 2, e 607.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil, ex vi art. 523.º do Código de Processo Penal.
(…)”.
*
Inconformados com a decisão recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa os arguidos AA e BB e as assistentes Sport Lisboa e Benfica, Sport Lisboa e Benfica SAD e Benfica Estádio – Construção e Gestão de Estádios, SA.
*
Por acórdão de 23 de Janeiro de 2024, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu:
“(…).
Pelo exposto, acordam as Juízas da 5.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto do despacho interlocutório pelos arguidos AA, BB e CC e, em consequência, revogar o mesmo no segmento em que admitiu o recorrido DD a intervir nos autos como assistente relativamente aos crimes de violação de correspondência e de telecomunicações, p. e p. pelo art. 194.°, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e pelo art. 194.º, n.º 3, ex vi n.ºs 1 e 2 e art. 197.º, al. b), ambos do Código Penal e confirmando-se o despacho na parte em que admitiu o recorrido a intervir nos autos na qualidade de assistente por referência ao crime de acesso indevido agravado, p. e p. pelo art.º 44.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da Lei n.º 67/98, de 26.10, na versão da Lei n.º 103/2015, de 24.08.
b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelas assistentes e, em consequência:
- 1. Alterar a matéria de facto, aditando à mesma o seguinte facto provado:
215-A: Os arguidos AA e BB sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros tais factos, que sabiam serem inverídicos e atentatórios do bom nome das Assistentes, mas, ainda assim, quiseram-nos proferir publicamente através da publicação do livro.
2 - condenar o arguido AA:
- pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa de pessoa coletiva agravado, p. e p. pelo art.º 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, na pena de doze meses de prisão.
- pela prática , em co-autoria, de um crime de ofensa de pessoa coletiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, na pena de um ano e dois meses de prisão.
- em cúmulo jurídico entre estas penas e as demais penas de prisão em que o arguido foi condenado pelo Tribunal Coletivo, condená-lo na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão.
3 - condenar o arguido BB:
- pela prática , em co-autoria, de um crime de ofensa de pessoa coletiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, na pena de um ano e dois meses de prisão.
- em cúmulo jurídico entre estas penas e as demais penas de prisão em que o arguido foi condenado pelo Tribunal Coletivo, condená-lo na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão.
4 - Ao abrigo do disposto no art.º 189 do CP, publicitação deste dispositivo, na parte condenatória, num jornal periódico generalista e de grande tiragem, a expensas dos arguidos AA e BB e numa emissão televisiva no “Porto Canal” em horário nobre no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado deste acórdão.
c) Julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos do Acórdão condenatório recorrido.
d) Confirmar quanto ao mais o Acórdão condenatório recorrido.
*
Custas pelos arguidos, fixando a taxa de justiça individualmente devida em 4 UC.
(…)”.
*
*
Inconformados com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, os arguidos AA e BB recorrem para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
– I –
Objecto do recurso
1. São objecto do presente recurso as partes do acórdão proferido em 23/01/2024 pela Relação de Lisboa que incidem sobre as novas condenações dos arguidos AA e BB, nomeadamente, os pontos: 5.3 – Prescrição do procedimento criminal quanto à matéria do livro “...”; 5.5-B.3 – Unidade criminosa, Jornal Diário de 30/06; 5.5- B.4 – O livro “...”; e 5.5-B.5 – Penas parcelares e pena única.
2. Suscita-se ainda prescrição do procedimento criminal quanto aos crimes de ofensa à pessoa colectiva agravada reportados aos programas dos dias 21/06/2017 e 30/06/2017; e, especificamente apenas quanto ao arguido BB, a aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto (Perdão de Penas e Amnistia de Infrações – JMJ).
– II –
Prescrição
3. No que concerne à consumação do prazo normal de prescrição do procedimento referente aos crimes de ofensa à pessoa colectiva agravada respeitantes aos factos dos dias 21/06/2017, 30/06/2017 e 17/11/2017 imputados ao arguido AA haverá de considerar que a prescrição do procedimento criminal se verificou em 29/03/2023. Ou seja, antes da prolação do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância em 12/06/2023.
4. Isto porque o prazo de prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de ofensa à pessoa colectiva agravado (art. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, do CP) é de 5 anos; começou a correr no dia 01/03/2018, data em que AA foi constituído arguido; e esteve suspenso uma única vez, por 29 dias, entre 09/03/2020 e 06/04/2020.
5. Também quanto ao arguido BB, relativamente ao crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, baseado nos factos de 17/11/2017, sendo o prazo de prescrição de 5 anos, tendo começado a correr no dia 09/11/2018, data da sua constituição como arguido; e tendo estado suspenso uma única vez, por 29 dias, entre 09/03/2020 e 06/04/2020, a prescrição do procedimento criminal verificou-se no dia 06/12/2023.
6. Pelo que, mesmo antes do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal a quo (24/01/2023), aquele que pela primeira vez no processo o declarou culpado da prática do crime de ofensa à pessoa colectiva agravada pelos factos do dia 17/11/2017, já se havia dado a prescrição do procedimento relativo a esse crime imputado ao arguido BB.
7. Sendo certo que, tendo sido ele absolvido de tal imputação no Acórdão de 1.ª Instância, não lhe é oponível a suspensão da prescrição prevista no art. 120.º/1/e) do CP.
8. Ao decidir no sentido que decidiu, o Tribunal a quo afrontou, desde logo, as diversas normas das Leis COVID que circunscreveram a suspensão dos prazos de prescrição aos processos cuja tramitação foi legalmente suspensa por não serem urgentes, assim violando o art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020 na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4-A/2020 (art. 7.º/7).
9. Pois que, tendo por despacho do Ministério Público de fls. 2228, proferido a 02/10/2019 sido atribuída natureza urgente ao presente processo – o que foi mantido durante as fases da instrução e do julgamento (despacho de 09/08/2022), só tendo cessado com a prolação do Acórdão do Tribunal de 1.ª Instância (12/06/2023) – mesmo durante o período em que vigorou a legislação que, no âmbito da pandemia COVID-19, ditou a suspensão dos prazos processuais e a correspondente a suspensão dos prazos prescricionais, o presente processo só esteve suspenso durante 29 dias, entre 09/03/2020 e 06/04/2020.
10. Reputando-se, desde já, por inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal (art. 29.º/1 da CRP), a interpretação conjugada do disposto nos números 3 e 7 do art. 7.º da Lei n.º 1-A-2020, na redacção introduzida pela Lei n.º 4-A/2020, de acordo com a qual a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista naquele n.º 3 é aplicável aos processos urgentes referenciados naquele n.º 7.
11. Não tendo Ministério Público acompanhado a acusação particular quanto aos crimes de ofensa à pessoa colectiva agravada respeitantes aos factos dos dias 21/06/2017, 30/06/2017 e 17/11/2017, não lhes é aplicável a causa de suspensão da prescrição do procedimento prevista na parte do art. 120.º/1/b) do CP que se refere à notificação da acusação [pública].
12. Ademais, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, a notificação, em 21/06/2022, da decisão instrutória pela qual os arguidos foram pronunciados pelos crimes de ofensa a pessoa colectiva agravada – reportados aos factos de 21/06/2017, 30/06/2017 e 17/11/2017 objecto de acusação particular dos assistentes não acompanhada pelo Ministério Público – na sequência de instrução por si requerida, não teve o condão de suspender, nem de interromper os respectivos prazos prescricionais.
13. Desde logo porquanto o disposto nos arts. 120.º/1/b) e121.º/b) do CP só tem aplicação em processos em que a instrução haja sido requerida pelo assistente: a suspensão e a interrupção da prescrição do procedimento que neles se prevê quando é proferida decisão instrutória de pronúncia não precedida de acusação só têm lugar quando o despacho de pronúncia tiver um significado de corroboração de um requerimento instrutório para que o arguido seja sujeito a julgamento.
14. Solução diversa implicaria um desvirtuamento não apenas do elemento gramatical, mas da própria teleologia subjacente à solução desenhada pelo legislador para a instrução e para a regulação da prescrição, e representaria um intolerável efeito inibidor quanto aos direitos de defesa dos arguidos.
15. Deverá qualificar-se, portanto, como institucional, por violação do princípio da legalidade criminal (art. 29.º/1 da CRP), a interpretação do art. 120.º/1/b) do CP de acordo com a qual, em procedimento dependente de acusação particular, a notificação de despacho de pronúncia proferido em instrução requerida pelo arguido para comprovação da acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público determina a suspensão da prescrição do procedimento criminal.
16. Bem como, deverá qualificar-se como institucional, por violação do princípio da legalidade criminal (art. 29.º/1 da CRP), a interpretação do art. 121.º/1/b) do CP de acordo com a qual, em procedimento dependente de acusação particular, a notificação de despacho de pronúncia proferido em instrução requerida pelo arguido para comprovação da acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público determina a interrupção da prescrição do procedimento criminal.
17. Tudo o que impõe o necessário arquivamento do processo, por prescrição do procedimento criminal, no dia 29/03/2023, quanto aos crimes de ofensa a pessoa colectiva agravada imputados ao arguido AA pelos factos dos dias 21/06/2017, 30/06/2017 e 17/11/2017; e quanto ao crime de ofensa a pessoa colectiva agravada imputado ao arguido BB pelos factos do 17/11/2017, atenta a prescrição do procedimento criminal verificada no dia 06/12/2023.
– III –
Conteúdo do livro “...”
18. Ainda que se venha a entender que o procedimento criminal não está prescrito quanto ao crime de ofensa à pessoa colectiva agravada relativo aos factos do dia 17/11/2017, certo é que o comportamento dos arguidos é, de toda a forma, atípico.
19. Isto porque o conteúdo do livro “...” – em particular o conteúdo levado aos factos provados – consagra a mera formulação de juízos de valor e não a imputação factos falsos ou inverídicos.
20. Juízos contundentes – expressados a partir de uma posição crítica sobre a postura do Benfica e de elementos da sua estrutura relativamente aos árbitros, às competições e ao futebol em geral – mas que assentam numa base factual suficiente, traduzindo, unicamente, a visão pessoalizada dos comportamentos das assistentes, reflectidos nos e-mails a que os arguidos acederam.
21. E mesmo que se entendesse estarem causa a propalação de verdadeiros factos, sempre que as circunstâncias em que o agente se moveu permitam que legitimamente se convença da verdade do que disse (ainda que, na realidade, os factos assim não o sejam), a sua conduta não chega a ser típica, não havendo sequer como apreciar a consciência e/ou a vontade com que actuou. O que manifestamente se verifica in casu.
22. Os arguidos estavam convencidos da veracidade de tudo quanto escreveram, tendo bases sólidas para tanto, em vista dos e-mails do domínio @slbenfica.pt que chegaram ao seu conhecimento por fonte anónima (vejam-se os factos dados como provados 26 a 36, que os assistentes não contestam).
23. E em nenhum momento as assistentes puseram em questão a veracidade dos e-mails que serviram de base para a elaboração do livro – que aliás foi dada como provada.
24. Pelo que nenhuma responsabilidade criminal poderá ser assacada aos arguidos à luz da disciplina consagrada no art. 187.º do CP.
– IV –
O programa de 30/06/2017
§ 1. unidade criminosa
25. Por seu turno, entendeu o Tribunal a quo que o comportamento do arguido no programa “...”, do dia 30/06/2017, e no programa “...”, do dia 21/06/2017, consubstancia a prática de dois crimes de ofensa à pessoa colectiva agravada, mas que se encontram numa relação de concurso efectivo, e não já aparente, assim afastando a ideia, afirmada pela 1.ª Instância, de uma unidade de resolução criminosa do comportamento do arguido.
26. Sucede que, existe, com efeito, entre as condutas imputadas ao arguido por ocasião do programa do dia 21 e, posteriormente, do programa do dia 30 do mesmo mês uma cristalina e inquebrantável linha de continuidade.
27. Desde logo por duas razões essenciais: o hiato temporal que mediou entre as duas transmissões televisivas foi de apenas 9 dias; e o conteúdo dos programas é materialmente idêntico, escorando-se na mesma base factual. Tudo o que aponta, pois, para a unidade da resolução do arguido (ou, na leitura de Figueiredo Dias, para a unidade do mesmo sentido de ilicitude).
28. Com efeito, no dia 30/06/2017 o arguido limitou-se a dar continuidade a uma resolução já existente em 21/06/2017, que não se renovou: naquela ocasião o arguido reportou-se expressamente ao que havia já dito com um intuito meramente recordatório, apenas por conta das declarações entretanto prestadas pelo então ... DD.
29. In casu, é manifesto que não se pode perscrutar na intervenção do dia 30 um sentido de ilicitude distinto daquele que esteve inerente à conduta do dia 21. Trata-se, precisamente, de um mesmo substrato de vida, dotado de um sentido jurídico-penal uno, compreendido pelas condutas do dia 21/06 e do dia 30/06 de 2017.
30. Pelo que se impõe a revogação, nesta parte, do Acórdão recorrido, determinando-se a consequente absolvição do recorrente AA pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, autónomo quanto ao que se reporta ao seu comportamento do dia 21/06.
§ 2. Atipicidade da conduta
31. Mesmo que assim não se entenda, sempre haverá de reconhecer-se a atipicidade da conduta do arguido, por se ter limitado a afirmar factos VERDADEIROS, sustentados nos e-mails que leu no programa de 21/06, directamente conexionado com este do dia 30/06, no que ao conteúdo divulgado se refere.
32. Sendo certo que, apreciando o comportamento do arguido à luz das concretas circunstâncias do caso concreto, haverá de se concluir, sem margem para dúvidas, que ele actuou moldado por uma plena e fundada convicção da veracidade de tudo quanto afirmou e divulgou.
33. O que, uma vez mais, impõe uma decisão absolutória também quanto a este crime de ofensa à pessoa colectiva.
– V –
Perdão
34. Não procedendo qualquer um dos argumentos supra expostos no sentido do afastamento da responsabilidade do arguido BB, sempre terá de ter necessária aplicação o regime previsto na Lei n.º 38-A/2023, porquanto se encontram preenchidos os dois requisitos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, ou seja, o arguido, (i) conforme resulta da sua identificação pessoal constante nos autos, não tinha à data dos factos mais de 30 anos de idade e (ii) os ilícitos em causa ocorreram antes do dia 19 de junho de 2023.
35. Assim, tendo o arguido BB sido condenado, em 2.ª instância, na pena única (em função do cúmulo jurídico operado) de 1 ano e 5 meses de prisão (suspensa na sua execução por igual período), por efeitos do perdão de pena aplicável aquela concreta pena única terá de reduzir-se a pena única com a duração de 5 meses (com igual período de suspensão).
– VII –
Medida da pena
§1. penas parcelares
36. Sem prescindir, e sempre subsidiariamente, o Tribunal ad quem deverá rever e alterar, para os mínimos legais, as penas parcelares aplicadas aos crimes por que foram agora condenados os arguidos, e bem assim as (novas) penas únicas conjuntas, que não obedecem, nem de longe, nem de perto, aos critérios legais previstos no art. 77.º/1 do CP.
37. Na verdade, o Tribunal recorrido não deixou de criticar – e obviamente sobrevalorizar! – o facto de os arguidos terem sido determinados, na sua actuação, pela rivalidade clubística entre o Futebol Clube do Porto e o Sport Lisboa e Benfica, objectivando mesmo de “asténico” [sic] o sentimento que assim os moveu (pág. 284).
38. Sucede que olvidou um outro ponto determinante da motivação dos arguidos, aliás, levado aos pontos 189 e 195 dos FACTOS PROVADOS, e que os assistentes não impugnaram: é que os arguidos, ambos!, actuaram, além do mais, convencidos de que os relatos dos programas e a divulgação do conteúdo do livro “tinha[m] interesse público e, nessa medida estava contido no seu direito a informar”.
39. Esqueceu também o Tribunal a quo, nesta sua sindicância tendente à fixação das penas parcelares a aplicar agora aos arguidos, que os e-mails que divulgaram, e que estiveram na base dos vários programas em causa nos autos e bem assim na base do livro “...”, eram VERDADEIROS no seu conteúdo, sendo que também nunca foram postos em causa pelo Benfica.
40. O grande mérito do acórdão proferido pela 1.ª instância – mantido, nesta parte, pelo acórdão agora recorrido – foi, como se defendeu já em sede do recurso anterior, precisamente o de esclarecer a comunidade e o público em geral, também destinatários da sua “mensagem”, que os e-mails divulgados pelo arguido AA no seu programa são VERDADEIROS, sendo o seu conteúdo o reflexo da realidade do futebol português no período em referência.
41. Nesta medida, ainda que se reconhecesse, como se reconheceu, e se afirmasse, a capacidade lesiva do conteúdo da “mensagem” divulgada pelos arguidos, quer em sede de programa(s), quer com a publicação do livro, não podia deixar de se contrabalançar tais argumentos com as agora indicadas circunstâncias (atenuantes), inequivocamente favoráveis aos arguidos.
42. Não se trata de matéria despicienda, até porque permite melhor compreender, e até aceitar, o sentido de rivalidade que se reconhece e imputa aos seus comportamentos.
43. Naturalmente que se os arguidos actuaram convencidos do real interesse público daquilo que se propuseram divulgar, é normal que seja ainda mais evidente o seu “clubismo”, reconhecendo-se uma “quase obrigação” de proteger e defender os interesses e a posição do seu Clube.
44. Uma coisa é certa, o Tribunal recorrido só olhou para os factos na perspectiva da suposta lesão que provocaram, ignorando todo o contexto da actuação dos arguidos – que, recorde-se, foram absolvidos de um conjunto muito lato de outros crimes, todos relacionados com a divulgação de e-mails do Benfica.
45. A sua actuação ao longo do tempo, que serviu de critério decisivo na escolha da pena, com sucesso para a pena de prisão, nunca foi enquadrada, como devia e era também expectável, no contexto de uma “quase” continuidade criminosa, no sentido de que os arguidos foram sempre divulgando emails, apesar das ditas polémicas, porque se guiavam (também) por aquele seu propósito, declarado e reconhecido, de informar o público.
46. O mesmo se diga quanto ao livro “...”, que apenas compilou conteúdos já conhecidos do público e divulgados no programa.
47. Face ao exposto, não se justifica, nem se compreende que, dentro da moldura penal abstracta do crime de ofensa à pessoa colectiva agravado [prisão até dois anos, art. 183.º72 do CP, ex vi art. 187.º/1 e 2-a) do CP], o tribunal a quo tenha fixado as penas parcelares nos 12 meses de prisão [quanto ao programa do dia 30/06/2017] e no 1 ano e 2 meses de prisão [quanto à publicação do livro].
48. Não há sequer, in casu, elementos endógenos ou exógenos que o exijam ou o justifiquem, revelando-se as penas parcelares de prisão assim fixadas claramente excessivas e desajustadas.
49. Além do mais, atenta a conexão de factos e o fim último procurado pelos arguidos – informar –; o menor impacto mediático das divulgações à medida que os programas decorriam e o tempo passava; e o menor interesse do público, era expectável e exigível que houvesse uma sucessiva redução das penas parcelares aplicáveis aos crimes subsequentes. O que não aconteceu, assistindo-se, ao invés, a uma ideia de igualação.
50. Esta reclamada redução era tanto mais expectável no caso do programa de 30/06/2017, pelos motivos já alegados, sendo claramente insuficiente a diferença de 2 meses já assumida pelo Tribunal recorrido.
51. Por fim, seria também expectável que a conduta do arguido BB merecesse um diferente tratamento sob o ponto de vista da determinação da medida da pena: Afinal, sendo certo que o arguido comparticipou com AA na sua elaboração e publicação, não é menos certo que, por comparação com o histórico deste arguido e a sua subordinação, é mais reduzida a ilicitude da conduta; Pelo que a pena parcelar a fixar para o arguido BB quanto à publicação do livro deve sofrer uma ainda maior redução, aproximando-se bem mais do limiar mínimo da moldura abstracta.
52. Nesta conformidade, sempre deverá este Tribunal ad quem proceder à revogação do acórdão recorrido nesta parte, substituindo as penas parcelares em questão por outras que se distanciem das definidas para os demais crimes de ofensa à pessoa colectiva agravada, fixando-as no limite mínimo da moldura legal aplicável.
§ 2. pena única
53. A determinação da pena única tem de radicar, nos termos expressos da lei, nesses específicos factos, reportados, reitera-se, ao sentido global e unitário da personalidade do agente, exigindo-se uma fundamentação própria, específica, diferente daquela que presidiu ao momento da determinação das penas parcelares, que permita ao agente compreender a medida encontrada pelo Tribunal e rever-se nessa medida.
54. Porém não raras vezes os Tribunais recorrem a um critério essencialmente matemático, de porções, para encontrar a medida da pena do concurso, desgarrada da sindicância global e inovadora exigida pela norma.
55. In casu, em momento algum, no momento da determinação da pena única, o Tribunal a quo avaliou, ou sequer considerou, a reclamada, e inquestionável, conexão entre os factos; como não avaliou a personalidade dos arguidos.
56. Na verdade, os arguidos foram duplamente “penalizados”: no momento da escolha da pena decidiu-se o Tribunal pela pena mais grave (pena de prisão), tendo-a como a única ajustada às finalidades em concurso, por referência às circunstâncias do caso concreto; mas prescindiu da análise dessas circunstâncias numa outra perspectiva e momento, precisamente quando dessa avaliação podia – e devia – redundar a fixação de uma pena única bem mais reduzida, fixada bem próximo do mínimo da moldura abstracta.
57. Deve, pois, considerar-se inconstitucional, por afronta ao princípio da legalidade criminal (art. 29.º, n.ºs 1 e 4 da CRP) a interpretação do art. 77.º, n.º 1, do CP segundo a qual a medida concreta da pena única conjunta deve ser determinada com base numa fórmula matemática que faça acrescer ao limite mínimo da moldurado concurso, dado pela pena parcelar mais grave, uma fracção da soma das demais penas parcelares aplicadas.
58. Impondo-se, necessariamente, a fixação das penas únicas conjuntas nos respectivos mínimos legais.
Termos em que se requer a V. Exas. sejam reconhecidas e declaradas as alegadas prescrições do procedimento criminal, arquivando-se o procedimento e declarando-se extinta a responsabilidade dos arguidos quanto aos factos dos dias 21/06/2017, 30/06/2017 e 17/11/2017 que lhes são imputados.
Sem prescindir, subsidiariamente,
Requer-se a absolvição dos arguidos quanto aos crimes de ofensa à pessoa colectiva agravada pelos quais foram condenados, pela primeira vez neste processo, pelo Tribunal a quo, os respeitantes aos factos dos dias 30/06/2017 e 17/11/2017.
Sem prescindir, subsidiariamente,
Requer-se a aplicação ao arguido BB do perdão previsto no art. 3.º da Lei n.º 38-A/2023.
Sem prescindir, ainda subsidiariamente,
Requer-se a redução, para os respectivos mínimos legais, das novas penas parcelares aplicadas aos arguidos e das novas penas únicas conjuntas que lhes foram impostas pelo Tribunal a quo.
*
O recurso foi admitido.
*
As assistentes responderam ao recurso, formulando no termos da contramotivação as seguintes conclusões:
A. QUANTO À INVOCADA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
i. A prescrição do procedimento criminal, enquanto causa de extinção da responsabilidade criminal, configura uma questão prévia e, por isso, logicamente anterior à apreciação objeto do processo.
ii. Foram asseguradas todas as garantias de defesa dos Recorrentes, enquanto arguidos, que puderam suscitar e argumentar em prol da alegada – mas não verificada – prescrição do procedimento criminal, tendo-lhes também sido assegurado, desse modo, um duplo grau de jurisdição.
iii. Enquanto questão que não integra o conceito de objeto do processo, profusamente debatida, rebatida, conhecida e decidida junto dos diversos Tribunais a quo e, particularmente, junto do Acórdão Recorrido, à luz do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por legalmente inadmissível, deverá ser rejeitado o recurso interposto pelos Recorrentes, na parte em que pretendem sindicar o decidido pelo Acórdão Recorrido do Venerando Tribunal a quo.
iv. Mesmo que assim não fosse – o que não se concede –, até mesmo desconsiderando a discussão em torno da aplicabilidade dos regimes de exceção vigentes durante o período de estado de emergência em razão da situação pandémica à escala global, à luz do regime comum e da circunstância de ainda não ter decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade e ressalvado o tempo de suspensão, nunca se poderá considerar verificada a alegada e invocada prescrição do procedimento criminal, inexistindo, também, as invocadas inconstitucionalidades.
B. QUANTO À INVOCADA ATIPICIDADE DA CONDUTA DOS RECORRENTES RELATIVAMENTE À PUBLICAÇÃO DO LIVRO DO
v. Os Recorrentes foram acusados, pronunciados, julgados e condenados por se terem servido das mensagens de correio eletrónico ilicitamente exfiltradas às Recorridas e, a partir destas, terem divulgado, enquanto realidades factuais e não como meros juízos opinativos, determinadas realidades que são falsas.
vi. É, precisamente, por essa razão, que a exceptio veritatis não aproveitou os Recorrentes, que convencidos da veracidade dessas mensagens, não tinham como não saber que aquilo que difundiram, nos referidos programas televisivos, e livros, não correspondia à verdade, pois que eram realidades, de facto, diferentes daquelas que ressaltavam da análise, mesmo que perfunctória, das mensagens de correio eletrónico de que se serviram.
vii. Aquilo que consta da factualidade provada nos pontos 213. e 214. (aqueles que são agora indicados em abono do Recurso que os Arguidos apresentam), constitui a asserção de factos injuriosos e caluniosos para as Recorridas, muito além da mera formulação de juízos opinativos, razão por que só podiam ser, como foram, condenados.
C. Quanto ao crime de ofensa a pessoa coletiva agravada sobre os factos de dia 30.06.2017
I. QUANTO À INVOCADA UNIDADE CRIMINOSA
viii. No que concerne à emissão do programa de dia 30.06.2017 no programa ..., o arguido AA afirmou diversos factos falsos, ofendendo a esfera jurídica das Assistentes. Tais factos constam descritos nos pontos 113 a 116 (em especial, 114) da matéria de facto provada.
ix. Contrariamente ao sustentado pelo Arguido, o Tribunal a quo não partiu de qualquer equívoco ao decidir pela existência da pluralidade de crimes. O Arguido tentar desconstruir toda a fundamentação do Acórdão do Tribunal a quo com base num evidente lapsus calami absolutamente irrelevante para o sentido decisório.
x. Para concluir pela inexistência de um fio sequencial único de comportamento em relação aos dois comportamentos, o Acórdão do Tribunal a quo ponderou as circunstâncias de as afirmações terem sido proferidas em dois programas de televisão distintos, o Arguido ter tido uma intervenção num outro programa que teve lugar no meio daqueles dois, a circunstância de se tratarem de programas com públicos distintos e de não se tratarem de comportamentos consecutivos (não ocorreram no mesmo lugar, no mesmo dia ou no mesmo programa), sendo absolutamente irrelevante para o(s) critério(s) adotados se o hiato temporal entre os programas foi de 9 ou 15 dias.
xi. A suposta cristalina e inquebrantável linha de continuidade que o Recorrente invoca não suporta o teste com a realidade, desde logo, por ter sido interrompida pelo programa de 27.06.2017.
xii. Em paralelo com a motivação e vontade do Recorrente de proceder à divulgação de correspondência das Assistente por tempo ilimitado, emerge da factualidade cristalizada, uma outra motivação e vontade do Recorrente, renovada a cada semana e a cada programa relativa “às revelações da semana” e aos comentários do Recorrente, nos quais se enquadram as afirmações de factos falsos.
xiii. Diverge-se, totalmente, do entendimento do Recorrente de que estamos perante um crime continuado no que se refere às atuações de dia 21.06.2017 e 30.06.2017. Efetivamente, para que exista um crime continuado, nos termos do artigo 30.º, n.º 2 do CP, é necessário que (i) se tenha violado o mesmo (ou fundamentalmente o mesmo) bem jurídico; (ii) através de uma execução essencialmente homogénea; (iii) no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior e (iv) que esta diminua consideravelmente a culpa do agente.
xiv. Deste modo, por muito que haja uma similitude (na forma de atuação e no bem jurídico violado) entre o que ocorreu no programa de dia 21.06.2017 e no de dia 30.06.2017, conclui-se no mesmo sentido do decidido pelo Tribunal a quo: existência de concurso efetivo (e não de uma unidade criminosa). Ora, o arguido não manifestou um dolo continuado, tendo assumido uma decisão criminosa no dia 21.06.2017 e uma outra, autónoma, no dia 30.06.2017.
xv. Se de um verdadeiro crime continuado se tratasse, no dia 27.06.2017 (pelo menos), aquando de uma outra emissão – essencialmente idêntica à de 21.06.2017 –, encontravam-se preenchidas todas as circunstâncias para que o arguido praticasse os mesmos factos. Não o tendo feito, a alegada linha de continuidade que ainda “existisse”, quebrou-se, definitivamente, no dia 27.06.2017.
xvi. É o próprio Recorrente que, ao afirmar que na sua opinião apenas repetiu o que tinha dito anteriormente, por causa das declarações de DD, entretanto prestadas, confirma que não estamos no âmbito da mesma resolução criminosa, mas sim perante uma renovação da resolução criminosa (pois, se uma circunstância superveniente ao dia 21.06.2017 – declarações de DD – influenciaram e são a causa da sua conduta do dia 30.06.2017, não se pode dizer que no dia 30.06 se limitou a seguir a resolução anteriormente assumida no dia 21.06).
xvii. Mas não só por isso; efetivamente, o arguido, ao propalar, no dia 30.06.2017, os factos inverídicos já aqui referidos, nomeadamente, o mesmo facto que havia proferido no dia 21.06.2017 (cf. pontos 92 e 114 da matéria de facto provada), pretendeu criar a convicção na audiência de que todos os factos descritos nos pontos 113, 115 e 116 apresentavam igual natureza e gravidade. Tais factos foram, dolosamente, descontextualizados, tornando imprecisa a informação divulgada, ofendendo as Assistentes. Tudo demonstrando a incompatibilidade com a ideia da resolução criminosa una.
xviii. Ademais, também o entendimento de que, entre as emissões de 21.06.2017 e 30.06.2017, passaram apenas 9 dias e, por isso, se estará perante um crime continuado, improcede. Com efeito, o critério temporal não é um critério legal. A relevância deste, no âmbito do crime continuado, não é aquela que o arguido lhe confere, mais a mais, quando emerge da factualidade cristalizada que a motivação e vontade do Arguido era semanalmente (a cada 7 dias) renovada, a cada programa).
xix. A importância deste prende-se com uma questão de atuação num quadro de uma mesma atuação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Isto é, o que interessa para que haja uma unidade criminosa é que o agente, desde o momento em que pratica o primeiro facto e os demais não tenha tido possibilidade de se conformar, de novo, com os ditames do Direito.
xx. In casu, o arguido AA não atuou, como está bom de ver, no âmbito de uma situação exterior que diminuísse sensivelmente a sua culpa. Apenas se poderia cogitar uma atuação de culpa sensivelmente diminuída se a ocasião favorável à prática do crime se repetisse sem que o arguido tivesse contribuído para essa repetição. Tal não só não sucedeu, como a culpa deste aumentou à medida que os factos se repetiram. Foram-lhe oferecidas ocasiões para recuperar consciência dos valores exigidos, não tendo tal logrado, pois não houve uma culpa sensivelmente diminuída.
xxi. A perceção casuística de haver ou não uma motivação e vontade comum, renovada ou única, não pode resultar de uma qualquer estese subjetiva alheada da matéria julgada provada, antes resultando dessa mesma casuística assente nos autos uma resolução semanalmente renovada, a cada programa.
xxii. Tudo razões para que exista um concurso efetivo de crimes (e não um crime continuado), tal como bem decidiu o Tribunal a quo.
II. QUANTO À INVOCADA ATIPICIDADE DA CONDUTA
xxiii. A tese do(s) Recorrente(s) em torno da alegada atipicidade da conduta, de que o Arguido se limitou a afirmar factos verdadeiros, de que atuou moldado por uma plena e profunda convicção da veracidade de tudo quanto afirmou e divulgou, já foi sustentada pelo(s) Arguido(s), relativamente ao programa do dia 30.06.2017, logo aquando do seu recurso interposto da decisão de 1.ª Instância.
xxiv. Tudo o que consta invocado nas conclusões 31 a 33 (e tudo o que consta invocado nas páginas 27 a 31), já foi apreciado e decidido em primeira e segunda instância não sendo admissível recurso, agora, para uma 3.ª Instância.
xxv. Ainda que do ponto de vista da responsabilidade criminal, a decisão recorrida tenha culminado na condenação autónoma da conduta do Recorrente pelos factos praticados no programa de 30.06.2017, a apreciação daqueles factos e a aptidão dos mesmos para preenchimento dos elementos típicos do crime de ofensa à pessoa coletiva é uma realidade inalterada desde a primeira instância (cf. pontos 52 a 56 do acórdão de 1.ª Instância, páginas 201 a 203).
xxvi. De tal matéria o Arguido recorreu para a segunda instância, tendo já naquela altura sustentado tudo o que agora veio a repetir no recurso que interpôs para este Colendo Tribunal; com efeito, já naquele primeiro recurso, o Arguido dedicava um capítulo aos programas de 21.06.2017 e 30.06.2017 (páginas 59 a 81 do recurso), sendo particularmente impressivo que tudo o que consta referido nas 27 a 31 do recurso a que se responde é cópia exata e integral (palavra por palavra, parágrafo por parágrafo) das páginas 77 a 81 do anterior recurso interposto pelo Arguido para o TRL.
xxvii. Não é por o Recorrente ter omitido naquela cópia referência a que, já no recurso para o TRL fazia valer “as mesmas considerações para as afirmações feitas a mesmo propósito no programa ... do dia 30/06)”, que o recurso deixa de ser inadmissível, como é, nesta parte, por não se encontrar compreendido entre o objeto previsto na al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, uma vez que a única inovação do Acórdão do Tribunal a quo nesta parte, foi precisamente a de considerar que a conduta do dia 30.06 não haveria de ser punida autonomamente e não enquanto conduta continuada.
Subsidiariamente,
xxviii. De todo o modo, também o referido no ponto 114 da matéria de facto provada consubstancia uma atuação típica, ilícita, culposa e punível. O arguido afirmou um facto falso – o de que o Grupo SLB monitoriza EE, ... da Federação (ponto 114) –, sendo o mesmo inverídico. Em momento algum referiu o arguido que as Assistentes monitorizavam (no passado), mas insinuou que tal atuação estaria e poderia continuar a acontecer.
xxix. Por último, também não se poderá afirmar que tal conduta foi atípica (ou lícita), nos termos do artigo 187.º, n.º 1 do CP, pois o arguido tinha perfeita consciência de que o que afirmava era inverídico. Era exigido a qualquer pessoa que tomasse o mínimo de diligências para aferir se o que pretendia imputar era ou não verídico. Não houve qualquer esforço da parte do arguido em tal sentido, na medida em que sempre foi o seu móbil, já que – como no ponto 189 da matéria de facto provada – atuou motivado pela rivalidade clubística entre o FCP e o SLB.
xxx. O arguido AA bem sabia que estava, no dia 30.06.2017, a afirmar factos inverídicos e, claramente, ofensivos do bom nome das Assistentes, tendo sido essa a sua vontade. Destarte, deverá o mesmo ser punido em concurso efetivo homogéneo (mantendo-se o decidido pelo Tribunal a quo), nos termos dos artigos 30.º, n.º 1 e 187.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) por referência ao artigo 183.º, n.º 2, todos do Código Penal.
D. A proporcionalidade das penas parcelares e das penas únicas aplicadas
I. AS NOVAS PENAS PARCELARES
xxxi. Pela prática do crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, respeitante à emissão televisiva de 30.06.2017, o Tribunal a quo condenou o Recorrente AA numa pena de prisão de 12 (doze) meses.
xxxii. Por seu turno, pela prática do crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, respeitante à publicação do livro “...”, o Tribunal a quo condenou ambos os Recorrentes, em coautoria, numa pena de prisão de 1 (um) ano e 2 (dois) meses.
xxxiii. Uma vez analisados os critérios do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal à luz da matéria de facto dada como provada, impõe-se a confirmação das penas parcelares aplicadas aos Recorrentes pelo Tribunal a quo.
O crime de ofensa a pessoa coletiva agravada praticado pelo Recorrente AA no dia 30.06.2017
xxxiv. Relativamente à intensidade do dolo (cf. artigo 71.º, n.º 2, al. b), do Código Penal), foi dado como provado (cf. ponto 114 da matéria de facto provada) que o Recorrente AA agiu sob a forma de dolo direto, (cf. artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), circunstância que implica, à partida, a aplicação de uma pena que se afaste do limiar mínimo legalmente aplicável.
xxxv. Em segundo lugar, quanto ao “grau de ilicitude da conduta, o modo de execução e a gravidade das consequências” (cf. artigo 71.º, n.º 2, al. a) do Código Penal), deve atender-se, como fez o Tribunal a quo, à gravidade do facto propalado (cf. facto provado 114) e à especial censurabilidade do crime.
xxxvi. A este propósito, deve ser relevado negativamente o facto de o crime ter sido praticado na sequência de um planeamento do Recorrente AA (cf. factos provados 28 e 30) e após o cometimento de crimes de natureza similar nos dias 06.06.2017 e 21.06.2017.
xxxvii. Contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, não estando verificados os pressupostos do artigo 30.º do Código Penal, não há qualquer fundamento legal para beneficiar os agentes que, demonstrando uma postura avessa ao Direito, repetem, várias vezes, as suas condutas criminosas e renovam a sua vontade criminosa.
xxxviii. Pelo contrário: a repetição da atuação criminosa só demonstra que a culpa, a intensidade do dolo e as necessidades de prevenção especial são particularmente elevadas no caso concreto, impondo, por isso, um agravamento da pena aplicada que se afaste do limiar mínimo da moldura penal legalmente prevista.
xxxix. Apesar de os Recorrentes tentarem, uma vez mais, equiparar o seu comportamento criminoso ao exercício da atividade jornalística – afirmando que “a comunicação social não deixa de lançar notícias (…) só porque são sensíveis ou potencialmente lesivas do seu visado” (cf. p. 39 do Recurso) – está mais do que assente nos autos que as duas realidades são inconfundíveis e incomparáveis porquanto não eram jornalistas e o jornalismo não manipula, omite e subverte informação com o objetivo último de denegrir a imagem do visado.
xl. Em acrescento, contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, é irrelevante a alegada “veracidade” dos e-mails. Mesmo que o teor dos e-mails fosse verdadeiro, o que releva – como, aliás, denotaram a 1.ª e a 2.ª instâncias – é que era falsa a informação que o Recorrente AA transmitia ao público (pretensamente) com base neles. São igualmente falsos – e, nessa medida, igualmente merecedores de censura e demonstrativos de culpa – os factos inverídicos que partem da mera imaginação do interlocutor e os factos inverídicos que subvertem, por completo, o sentido de uma fonte informativa que os arguidos afirmam ser real.
xli. Relativamente aos “sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins que o motivaram” (cf. artigo 71.º, n.º 2, al. c)), deve ser devidamente ponderada a motivação criminosa associada à rivalidade clubística, que suplantou e subverteu qualquer interesse público que o Recorrente AA pudesse reconhecer na divulgação dos referidos e-mails.
xlii. Tanto assim é que o Recorrente AA não se limitou a dar a conhecer o teor dos e-mails, antes, moldou o seu conteúdo de modo a transmitir aos espectadores a informação falsa de que eram praticadas ilegalidades no seio da organização das Assistentes.
xliii. Já a propósito da “conduta anterior ao facto e a posterior a este” (cf. artigo 71.º, n.º 2, al. e)), deve valorar-se negativamente o facto de a emissão de 30.06.2017 ter tido lugar numa altura em que o Recorrente AA já tinha conhecimento das várias queixas que haviam sido apresentadas contra si em virtude do conteúdo das emissões anteriores.
xliv. Tudo quanto se expôs revela a impreparação do Recorrente para manter uma conduta lícita (cf. artigo 71.º, n.º 2, al. f)).
xlv. Pelo exposto, é elevado o grau de culpa do Recorrente AA e são elevadas as exigências de prevenção especial pressupostas no artigo 40.º do Código Penal, tal como reconhecido pelo Tribunal a quo.
xlvi. Consequentemente, andou bem o Tribunal a quo ao fixar a pena aplicada em metade (12 meses) da moldura penal abstratamente prevista. Esta pena fica aquém da medida da culpa e encontra-se em harmonia com as penas aplicadas nos autos ao Recorrente pelos demais crimes de ofensa a pessoa coletiva agravada. Uma pena inferior revelar-se-ia manifestamente insuficiente, consideradas as elevadas exigências de prevenção especial.
O crime de ofensa a pessoa coletiva agravada praticado através da publicação do livro “...”
xlvii. No tocante ao dolo (cf. artigo 71.º, n.º 2, al. b) do Código Penal), resultou provado que os Recorrentes atuaram sob a forma de dolo direto (cf. Artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal), circunstância que impõe uma agravação da pena concretamente aplicável.
xlviii. A propósito do “grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade
das suas consequências” (cf. artigos 71.º, n.ºs 1 e 2, al. a)) deve atender-se à gravidade das afirmações que constam do livro (cf. factos provados 212 a 214) – que imputam às Assistentes uma série de práticas ilegais antidesportivas – e ao facto de ter sido publicado numa altura em que era grande a polémica que envolvia os programas de televisão. Também aqui é irrelevante, pelas razões supra, a alegada veracidade dos e-mails e a atuação ao abrigo de um pretenso “direito a informar”.
xlix. Já quanto aos “sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram” (cf. artigo 71.º, n.º 2, al. c)), impõe-se, uma vez mais, a ponderação, em desfavor dos Recorrentes, das motivações de rivalidade clubística subjacentes à publicação do livro (cf. factos provados 189 e 207).
l. Finalmente, na ponderação sobre as condutas que envolveram a prática do crime (cf. artigo 71.º, n.º 2, al. e)), importa reiterar que, ao invés de procederem à reparação do crime – o que seria ponderado em seu favor –, os Recorrentes concentraram os seus esforços na elaboração de uma obra que visava, exclusivamente, denegrir a credibilidade e o bom-nome das Assistentes, aproveitando a polémica gerada pelas emissões televisivas anteriores.
li. Atendendo à ponderação exigida pelo artigo 77.º do Código Penal, andou bem o Tribunal a quo, ao considerar adequada e proporcional a fixação da pena de prisão em 1 (um) ano e 2 (dois) meses para cada um dos Recorrentes, pena que fica muito aquém da medida da culpa, em conformidade com o disposto no artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal.
lii. Resulta das máximas da experiência comum que o grau de premeditação e de vontade criminosa subjacentes à prática do ilícito, por um lado, e a gravidade das consequências para o titular do bem jurídico protegido pela incriminação, por outro, são manifestamente superiores no caso da publicação e comercialização de um livro constituído por imputações falsas e ofensivas do bom nome das Assistentes do que no caso da propalação de factos idênticos numa emissão televisiva, a qual, pela sua natureza, é mais facilmente circunscritível no tempo.
liii. Por isso, o crime de ofensa a pessoa coletiva cometido através da publicação do livro “...” sempre exigiria, dada a gravidade do ilícito e da culpa presentes, a aplicação de uma pena concreta superior à do crime praticado através da emissão televisiva de dia 30.06.2017.
II. A PENA ÚNICA REFORMULADA
liv. Em face das penas parcelares previamente aplicadas, a moldura abstrata aplicável ao Recorrente AA situa-se entre 1 (um) ano e 2 (dois) meses e os 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses.
lv. Por seu turno, a moldura abstrata aplicável a BB situa-se entre 1 (um) ano e 2 (dois) meses e 1 (um) ano e 11 (onze) meses.
lvi. O Tribunal a quo não prescinde, para a decisão sobre a medida da pena única, da apreciação conjunta da factualidade em apreço e da avaliação da personalidade do agente em prol de uma aplicação cega de fórmulas matemáticas.
lvii. Consequentemente, não é aplicada, no Acórdão recorrido, a norma cuja inconstitucionalidade é suscitada pelos Recorrentes.
lviii. O Tribunal a quo simplesmente reconhece e aplica orientações/diretrizes, utilizadas na prática judicial – mormente, pelo Supremo Tribunal de Justiça – que visam obstar à discricionariedade e à injustiça na aplicação do Direito.
lix. Em particular, a tese da complementaridade, perfilhada no Acórdão recorrido, que propõe a utilização de fórmulas matemáticas como critério de orientação dos tribunais e de limitação de discricionariedade, por oposição à aplicação “automática” das mesmas, tem recebido vasto acolhimento na doutrina e na jurisprudência portuguesas.
lx. A pena única aplicada ao Recorrente AA, na sequência da prática por 5 (cinco) crimes, corresponde a menos de metade do limite máximo da moldura abstrata aplicável.
lxi. Por sua vez, a pena única aplicada ao Recorrente BB situa-se muito perto do limiar mínimo possível, excedendo-o apenas em 3 (três) meses.
lxii. A aplicação de penas únicas com medidas inferiores não permitiria acautelar as exigências de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto, nem permitiria sancionar, adequadamente, a pluralidade de crimes em presença, que revela, conforme resulta do Acórdão recorrido, uma postura de contrariedade ao Direito e de incapacidade de consciencialização da ilicitude das condutas punidas.
lxiii. Por sua vez, a fórmula enunciada pelo Tribunal a quo de 1/3 como “fator de compressão” é proporcional e adequada ao caso concreto, considerado, por um lado, as menores exigências de prevenção geral e, por outro, as elevadas exigências de prevenção especial e a gravidade dos factos em apreço.
lxiv. Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo ao reformular as penas únicas nos moldes supra expostos, devendo, por isso, julgar-se improcedente o Recurso sob resposta e confirmar-se in totum o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis que V. Ex.as doutamente suprirão, e só se julgado legalmente admissível – caso em que, na negativa, o deverão rejeitar –, deverá ser declarado integralmente improcedente o recurso interposto pelos Arguidos Recorrentes, AA e BB, mantendo-se inalterada a decisão proferida pelo Venerando Tribunal a quo.
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Também o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
1ª Carece de cabimento, legal-processual-constitucional, a tese recursória sobre a ocorrência de prescrição do procedimento criminal relativamente aos ilícitos pretensamente praticados em 21.06.17, 30.06.17 e 17.11.17, com a extinção do respectivo procedimento criminal, porquanto atendendo à data dos factos, ao prazo normal de prescrição dos mesmos (art 118º, 1, c), CP, e baliza punitiva abstrctamente cabível, contemplada nos arts 187º, 1 e 2, a) e 183º, 2, também do CP) e às operantes causas suspensivas (gerais: art 120º,1,b) e 2, CP; e especiais/excepcionais- Leis 1 -A/20, 19.03 (art 7º, 1 a 4), 4-A/20, 6.04, e 31/23, 4.07) e interruptivas (art 121º,1, a) e b), CP) jamais sobreveio o esgotamento do prazo prescricional que geraria, então sim, causa extintiva da responsabilidade/procedimento criminal.
2ª Sendo irrelevante que o RAI haja sido desencadeado pelos recorrentes, enquanto arguidos, que não pelo (s)Assistente (s), por se inserir no soberano exercício dum direito (de defesa) dos mesmos, que, devidamente assistidos por Ilustre Mandatário, não poderiam deixar de sopesar as consequências dessa opção, não sendo sustentável que, por lhes ter cabido a iniciativa (arts 286º,2, e 287º,1,a), CPP), impeçam a produção dos efeitos processuais previstos (arts 120º,1,b) e 2, e 121º, 1,b), CPP), distinguindo onde o legislador o não fez nem pretendeu (art 9º, CC).
3ª Ademais, dado que se tratou de um pacote legislativo de emergência sanitária, inscrito numa lógica e contexto epidemiológica, à escala global, que paralisou e condicionou toda a actividade humana a nível planetário, as medidas excepcionais sucessivamente decretadas (Leis 1 -A/20, 19.03 (art 7º, 1 a 4), 4-A/20, 6.04, e 31/23, 4.07) inseriram-se num prevenido “estado de excepção constitucional”, absolutamente imprevisível e paralisante da vida social (art 19º, CRP), não colidente com quaisquer garantias individuais, no âmbito criminal (art 29º, CRP), até por não estar em causa imputação de factos delituosos ou agravativas com efeitos retroactivos, antes a conciliação de leis adjectivas (e extraordinárias, temporárias) com circunstancialismo “exógeno” inopinado.
4ª O crime consistente na publicação, em 17.11.17, do livro “...”, da co-autoria dos recorrentes, resultou, em função da factualidade apurada, da pesquisa de fontes diversas, principalmente comunicações electrónicas, oportunamente partilhadas pelo arguido AA nas tribunas televisivas que lhe eram acedidas pelo “ Porto Canal” (nomeadamente nas ocasiões por que veio a ser condenado, de 21.06.17 e 30.06.17), que os recorrentes compilaram naquele compêndio, afigurando-se-nos que são um desenvolvimento da temática já versada pelo arguido oralmente na televisão, mas agora, e de forma concentrada, debatida por escrito, constituindo uma denúncia não fulanizada, dum sistema ou teia urdidos em volta das competições futebolísticas profissionais, susceptíveis de atingir a integridade da verdade desportiva, ou seja, consistindo num manifesto de reflexão ou alerta para os poderes instituídos, vocacionadamente com responsabilidade na gestão do Desporto (órgãos federativos, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Secretaria de Estado do Desporto).
5ª Ambos os arguidos são jornalistas, profissionais da comunicação social, pelo que, nesse âmbito, e no exercício dessa actividade, recolheram informação documentada e que partilharam com os leitores (como o havia feito AA, naqueloutras ocasiões, em 21.06.17 e 30.06.17, com os telespectadores), transmitindo zonas penumbrosas no seio da organização e funcionamento do fenómeno desportivo, concretamente futebolístico, aptas a gerar suspeita de influências ou de manipulação de resultados, pelo que decidiram publicitar esse estado de coisas, em jeito de convite à investigação por “quem de direito”, no fundo equacionando conjecturas e hipóteses aparentes, suscitando o apuramento de eventuais responsabilidades. Não mais que isso, em nossa opinião!
6ª Respaldaram-se, para tanto, na legitimidade que a sua função lhes confere e , diremos, impõe, resguardados no direito de informar e na liberdade de expressão, sempre conscientes, é certo, de que tal poderia ter “efeitos colaterais”, se envolvessem/atingissem a dignidade, honra e reputação de pessoas singulares e/ou colectivas (art 37º, 1 e 4, CRP), enquadramento que adquire acolhimento na mais recente jurisprudência do TEDH, com fundamento no art 10º,1 e 2, CEDH.
7ª Nessa perspectiva, agiram, na elaboração e publicação do seu livro, com rectitude de consciência (art 17º,1, CP), e, ainda, por serem jornalistas, ao abrigo duma “credencial normativa” (art 31º, 1 e 2, b), CP), assumindo o natural risco de serem accionados civilmente (arts 37º,4, CRP, e 10º,2, CEDH).
8ª Tudo em conformidade com o Estado de Direito Democrático, próprio duma sociedade pluralista e aberta, e confinando o Direito Penal à sua condição fragmentária e subsidiária.
9ª Entrando noutra vertente recursória, reconduzida à identificação duma unidade ou, ao invés, pluralidade criminosa estabelecida entre as intervenções do recorrente AA nos dias 21.06.17 e 30.06.17, aderimos à percepção operada pela 1 Instância que descortinou, subjacente, apenas uma vontade ou resolução criminosa, dada a identidade ou clara linha de continuidade dos temas em cada programa televisivo versado pelo(mesmo) arguido, distanciados entre si por 9 dias apenas, na mesma cadeia televisiva e nos mesmos horários, presumivelmente para um “público-alvo” homogéneo, critérios casuísticos que, nos termos do art 30º,1 CP, apontam para um concurso aparente, afigurando-se-nos, que nada, nem qualquer outro circunstancialismo, impõe (m) uma demarcação de vontades e, assim, a existência de uma dualidade criminosa.
10ª Assiste razão ao arguido BB, quando reclama o benefício do perdão da L 38-A/23, 2.08, já que lhe foi aplicada, na 2ª Instância, em 23.01.24 (como na 1ª, em 12.06.23) pena suspensa na sua execução, sob regime simples (sem deveres, regras ou regime de prova), que implica a concessão do perdão peticionado (art 3º,1, 2, d), “a contrario”, e 4, CP), porquanto verificados os demais requisitos temporais e pessoais (art 2º,1, CP).
11ª A culminar, a questão da nova dosimetria punitiva (resultante dos novos segmentos condenatórios proclamados pelo Tribunal recorrido), que os recorrentes reputam excessiva e desproporcionada, por não se ter cuidado das circunstâncias favoráveis aos agentes (primariedade, boa inserção, vida estruturada e interesse público que os moveu, designadamente).
12ª Ressalvando a eventual procedência do posicionamento que deixámos exposto atrás (com a possibilidade de correcção/revogação da condenação proferida pelo crime de 17.11.24, abrangendo ambos os recorrentes, a aglutinação jurídica, num só crime, das intervenções televisivas do arguido AA datadas de 21.06.17 e de 30.06.17, e aplicabilidade de perdão, quanto ao recorrente BB), ou seja, a improceder(em) a (s) tese (s) recorrente (s), a que aderimos, cremos que de forma imaculada, então, o Tribunal da 2ª Instância, “ a quo”, ponderou tudo quanto tinha que sopesar (arts 40º, 1 e 2, 71º, 1 e 2, e 77º, 1 e 2, CP), de forma ajustada e equilibrada, sempre com a dimensão da culpa, da ilicitude e do nível de exigências preventivas (gerais e especiais) no horizonte, mormente atento à capacidade mediática interventiva dos dois arguidos, à rivalidade clubista que os mobilizou nos momentos controvertidos e à “unidade de sentido comunicacional” evidenciada, pelo que, sem reparo possível, fixou as penas finais únicas perto do ponto médio abstracto (art 77º,2, CP), o que tudo foi fundamentado (arts 205º,1, CRP, 71º,3, CP, e 375º,1, CPP).
MAS Vªs Exªs DIRÃO, COM SUPERIOR SABER, JUSTIÇA.
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer, alegando, em síntese, que i) não se verifica a prescrição do procedimento criminal relativamente à matéria do livro ..., com factos de 21 e 30 de Junho de 2017 e 17 de Novembro de 2017, quer pela aplicação retroactiva da suspensão do procedimento criminal operada pelo art. 7º, nº 3 da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, que os arguidos aceitam, quer pela desrazoável interpretação da irrelevância interruptiva e suspensiva da notificação de decisão instrutória que pronuncie o arguido na sequência de instrução por ele requerida, devido a acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público, pois que, significando tal pronúncia a comprovação material da pretensão punitiva do Estado, o entendimento defendido consubstancia um venire contra factum proprium, ii) sendo evidente o preenchimento pelos arguidos do tipo do crime de ofensa a pessoa colectiva, a questão da atipicidade da conduta é uma falsa questão de direito, como evidenciou a resposta ao recurso do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na Relação de Lisboa, pois não existe erro de direito quando é pretendida a aplicação diversa da norma apenas no pressuposto da alteração da base de facto, quando os que os arguidos pretendem é discutir a inveracidade dos factos que afirmaram e a consciência de não terem fundamento para, razoavelmente, os reputarem como verdadeiros, iii) não se verifica unidade de resolução criminosa quanto ao programa ... dos dias 21 e 30 de Junho de 2017, não sendo decisivos, o tempo que entre ambos intermediou e a linha de continuidade, pois é o bem jurídico tutelado na sua relação necessária com o objecto da acção que nos vai indicar se estamos perante um ou mais crimes, pelo que, tendo cada um dos programas representado para as ofendidas um novo e diferente atentado ao seu bom nome e, portanto, uma nova lesão da sua credibilidade e no seu prestígio, até porque tais programas foram transmitidos em distintos canais e horas, tanto mais que o arguido AA, entre as duas condutas, teve total liberdade para, renovar ou não, a sua contrariedade para com as normas jurídico-penais, iv) as penas parcelares mostram-se adequadamente fixadas, respeitando as exigências de prevenção, sendo certo que, ao contrário do afirmado pelos arguidos, não foi sobrevalorizada a circunstância de terem sido determinados por razões clubísticas, v) também as penas únicas se mostram fixadas de acordo com o critério legal aplicável, vi) a aplicação do perdão da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, relativamente ao arguido BB, deverá ser ponderada pela 1ª instância, e concluiu,
«Além de a ausência de suspensão do processo não implicar a inoperância da suspensão legal do prazo de prescrição do procedimento criminal ao abrigo do regime L-1-A/2020, de 19/03, tal suspensão também vigora a partir da notificação de decisão instrutória que pronuncie o arguido (face a acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público) na sequência da instrução por ele requerida (cfr, o art. 120º/1-b) do Código Penal), pelo que não estavam prescritos os factos-crime de 21 e 30.06.2017 e 17.11.2017;
Não é viável assacar erro-jurídico quando se pretende a aplicação diversa do direito apenas no pressuposto da alteração da questão-de-facto;
Comete dois crimes de “ofensa de pessoa coletiva”, agravados, p. e p. nas disposições dos arts. 183º/2 e 187°/1 e 2-a) do Código Penal, quem – verificados os restantes pressupostos típicos –, em dois programas de televisão separados por nove dias, mormente em dois canais diversos, relata factos inverídicos atentatórios do bom nome da ofendida;
Mostram-se justas e criteriosas as penas parcelares e únicas aplicadas no caso.
Mesmo em caso de uma condenação inovadora em 2ª Instância, com formulação de um consequente cúmulo jurídico, o perdão de pena concedido ao abrigo da L-38-A/2023, de 02/08, há-de ser decretado na 1ª Instância, que condenara pela prática de um outro crime).
IV
Em conclusão:
Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:
Deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, sendo de manter os termos da decisão recorrida.».
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Respondeu ao parecer o arguido AA, realçando as opostas posições assumidas pelo Ministério Público, no Tribunal da Relação de Lisboa e neste Supremo Tribunal, quanto ao crime que tem por objecto o livro ..., reafirmando impor-se, quanto a ele, a sua absolvição, bem como as opostas posições assumidas pelos mesmos Magistrados quanto à unidade ou pluralidade de crimes, envolvendo os programas de dias 21 e 30 de Junho de 2017, reafirmando impor-se a posição da unidade criminosa, tendo, no mais, concluído como no recurso.
*
Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.
Cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos provados
A matéria de facto provada que provém das instância é a seguinte:
“(…).
II.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Após a discussão da causa e a produção da prova, da factualidade descrita nas acusações pública e particular, para que remeteu o despacho de pronúncia, com relevância para a decisão a proferir, encontram-se assentes os seguintes factos:
1. O FUTEBOL CLUBE DO PORTO (FCP) é uma agremiação desportiva de direito privado e utilidade pública que tem como fins:
- Desenvolver a prática dos desportos e proporcionar meios de recreio e de cultura aos seus associados;
- Fomentar a acção social que pelos estatutos lhe for cometida.
2. Para além do Clube FCP, o “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO” é constituído por várias sociedades comerciais especializadas nas diversas vertentes do fenómeno desportivo, incluindo desporto profissional, merchandising, comunicação e media, promoção de eventos ou patrocínio comercial.
3. De entre as sociedades pertença ao “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO”, encontram-se as seguintes:
i. FUTEBOL CLUBE DO PORTO – FUTEBOL SAD (FCP SAD), sociedade anónima titular do NIPC ...74, que tem por objecto a participação, na modalidade de futebol, em competições desportivas de carácter profissional, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da referida modalidade;
ii. FCPORTO-MEDIA, SA (FCP MEDIA), sociedade comercial com o NIPC ...25 e sede no ..., que tem por objecto social: a concepção, criação, desenvolvimento, produção, realização, promoção, comercialização, aquisição, exploração de direitos, gravação, distribuição e difusão de obras e programas audiovisuais, multimédia, televisão, vídeo, cinema, canais temáticos, internet, eventos turísticos, culturais e desportivos em quaisquer formatos e sistemas; gestão, exploração e prestação de serviços nas áreas de gravação, produção e comunicação de obras audiovisuais, programas de televisão, sons, imagens, multimédia e quaisquer outros audiovisuais; edição de publicitações periódicas, de livros e de multimédia;
iii. A..., S.A., pessoa colectiva n.° ...825, com sede na Rua Joaquim Pinto, n.° 78, 4460-338 Senhora da Hora, e que tem por objecto o exercício da actividade de televisão, concepção, produção, realização e comercialização de programas relativos a quaisquer eventos, aptos a serem objecto de difusão por qualquer meio, nomeadamente televisão, rádio, internet e multimédia, exploração de publicidade e de quaisquer actividades de valorização comercial de objectos e figuras ligadas a actividades desportivas, artísticas, culturais e, em geral, de entretenimento, prestação de serviços de assessoria, consultadoria e outros, directa ou indirectamente relacionados com as actividades referidas anteriormente.
4. Estas três sociedades integram, entre outras, o “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO”, o qual é controlado pelo Clube FCP, que assegura uma detenção efectiva de 74,59% da FCP SAD, de 74,9% da FCP MEDIA, e de 60,8% da A..., S.A..
5. A FCP SAD, detém 98,81% da FCP MEDIA e, indirectamente, 81,42% da A..., S.A..
6. E, por sua vez, as acções representativas do capital social da A..., S.A. são detidas pela sociedade FCP MEDIA, em 82,40% e, pela M..., S.A., com o NIPC ...00, em 17%.
7. A A..., S.A. é também conhecida por ..., uma vez que disponibiliza e é responsável pela exploração de um serviço de programas televisivos através de um canal por cabo, em sinal aberto, autorizado pela Entidade Reguladora da Comunicação Social através da Deliberação n.° 8-A/2006.
8. O ... possui o estatuto de serviço de programas televisivo generalista, de cobertura nacional e acesso não condicionado com assinatura, desde 21.09.2016, por força da deliberação 2016/217 (AUT-TV), de 21.09.
9. As instalações do ... situam-se na Rua ....
10. O ... transmite o programa “...” pelo menos desde Setembro de 2016 até à presente data, programa considerado de entretenimento e promoção comercial do “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO” e de espaço de debate dos temas que marcam a actualidade do FCP, das suas actividades e interesses.
11. O programa “...” assume a sua afinidade clubística com o Clube FCP através do grafismo do mesmo, exibido no genérico, acompanhado do símbolo do FCP.
12. Trata-se de um programa transmitido em directo, a partir de instalações do ... diversas das acima referidas, sitas no ..., às terças-feiras e, em algumas situações excepcionais, às quintas-feiras, em horário compreendido entre as 22h30 e as 24h00, sendo apresentado e moderado, pelo menos no período compreendido entre Abril de 2017 até Fevereiro de 2018, pelo jornalista FF.
13. Durante esse período, o programa “...” contou com a participação de três comentadores residentes: o arguido AA, GG (antigo jornalista da ...) e HH (profissional liberal).
14. Nos programas “...” transmitidos pelo ..., o arguido AA é apresentado em letras de rodapé como ... do ....
15. O arguido AA exerce funções como ... do “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO” desde 2016 até à presente data, sendo a sua posição profissional mediaticamente conhecida a nível nacional e internacional.
16. Nessa qualidade, o arguido AA é responsável por:
- Planear, dirigir e coordenar administrativa e orçamentalmente os meios materiais e humanos dos diversos projectos da sua área;
- Elaborar e aprovar, com a Direcção-Geral da Unidade Media do “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO”, o plano estratégico de informação e, após, acompanhar o mesmo;
- Coordenar as equipas de comunicação e conteúdos;
- Controlar os meios, de forma a assegurar o cumprimento integral da informação.
17. O arguido AA foi titular de carteira profissional de jornalista desde data não concretamente apurada até Fevereiro de 2012.
18. Por sua vez, o arguido CC assumiu no ... funções como ..., entre 28.11.2014 e 2020, sendo responsável por:
- Desenvolver, adaptar e controlar a estrutura organizativa, de acordo com as necessidades actuais e futuras, de modo a garantir eficácia na resposta às necessidades de mercado;
- Definir, juntamente com a Direcção-Geral da Unidade Media do “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO”, a política e estratégia de exploração da empresa e modo de implementação;
- Analisar os principais indicadores de apoio à tomada de decisão;
- Definir os objectivos gerais de exploração, juntamente com a Direcção-Geral da Unidade Media do “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO”;
- Tomar decisões estratégicas, juntamente com a Direcção-Geral da Unidade Media do “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO”, que se verificassem necessárias para o cumprimento da política e objectivos definidos;
- Validar, junto da holding, com a Direcção-Geral da Unidade Media do “GRUPO FUTEBOL CLUBE DO PORTO”, o orçamento de exploração anual da empresa.
19. Nessa qualidade, o arguido CC era o ... para a informação, para o entretenimento e para o online, sendo o responsável pela programação do serviço de programas ... entre 28.11.2014 e 2020.
20. O FCP é concorrente directo do SPORT LISBOA E BENFICA (SLB), sobretudo no âmbito das competições desportivas nacionais e internacionais que disputam, incluindo competições de futebol profissional (campeonato nacional da Primeira Liga, Taça de Portugal, Taça da Liga e Supertaça) e competições europeias organizadas pela UEFA, para além das actividades comerciais conexas.
21. Do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” fazem parte, designadamente:
i. SPORT LISBOA E BENFICA CLUBE (BENFICA CLUBE), pessoa colectiva de utilidade pública, com o número de identificação de pessoa colectiva 500276722, sede na Avenida General Norton de Matos, São Domingos de Benfica, 1500-313 Lisboa, que tem por finalidade o fomento e a prática do futebol nas suas diversas categorias e escalões e, complementarmente, a prática e desenvolvimento de outras modalidades desportivas e outras de natureza recreativa, cultural e social;
ii. SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL SAD (BENFICA SAD), sociedade com o número de identificação de pessoa colectiva 504882066 e sede na Avenida Eusébio da Silva Ferreira - Estádio do Sport Lisboa e Benfica, em Lisboa, que tem por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol, centralizando a sua actividade em toda a dinâmica desportiva associada ao BENFICA CLUBE;
iii. BENFICA ESTÁDIO - CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE ESTÁDIOS, SA (BENFICA ESTÁDIO), sociedade anónima com o NIPC 505813378, que se dedica à gestão, construção, organização, planeamento e exploração económica de infraestruturas desportivas, nomeadamente, estádios de futebol construídos ou a construir, incluindo a cedência de espaços para a realização de competições desportivas ou outros e a exploração de publicidade naquelas infraestruturas.
22. Para assegurar o desenvolvimento da actividade do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, a BENFICA SAD é detentora de um domínio próprio de correio electrónico - “@slbenfica.pt” - no qual foram e são registadas as contas de correio electrónico dos colaboradores daquele grupo.
23. Tal domínio de e-mail foi alojado em modelo de Cloud Computing contratado junto da PT Empresas, até 13.04.2017.
24. A partir de Junho de 2017, a gestão da plataforma de correio electrónico foi contratualizada pela BENFICA ESTÁDIO com a Microsoft Office 365.
25. A BENFICA SAD encontra-se autorizada a usar a licença e plataforma de correspondência electrónica.
26. Em data anterior a 04.04.2017, indivíduo não concretamente identificado acedeu, sem qualquer autorização para o efeito, ao sistema informático do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” e, em particular, ao correio electrónico de vários colaboradores daquele grupo com o domínio “@slbenfica.pt”.
27. Após a obtenção desse acesso, tal indivíduo exfiltrou a correspondência electrónica integral de vários colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” e, na posse da mesma, decidiu partilhá-la com o arguido AA, atendendo às funções que este exercia e que eram publicamente conhecidas.
28. Para o efeito, em dia anterior a 04.04.2017, o referido indivíduo desconhecido criou o endereço de correio electrónico ... e, através do mesmo, no dia 04.04.2017, pelas 14h47, dirigiu uma mensagem de correio electrónico ao arguido AA para o endereço ..., com o descritivo, no campo “assunto”, de “briefings para os comentadores lampiões”, e com a mensagem “Aqui ficam os dois últimos briefings enviados aos comentadores lampiões. II é o autor.”.
29. Essa mensagem de correio electrónico trazia em anexo vários documentos em formato Microsoft Word®, contendo os designados “briefings” num ficheiro em Microsoft Word® intitulado “SLB - Época 2016/17 - Semana 35 - 27/03 - abril - NOTAS FINAIS”.
30. Após recepcionar tal mensagem de correio electrónico, o arguido AA analisou o seu conteúdo e o dos anexos, o que o levou a solicitar mais informação ao seu correspondente anónimo por forma a confirmar a veracidade dos elementos que recebera, designadamente que se travava de elementos utilizados por colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”.
31. Com vista a manter contactos com aquele indivíduo cuja identidade ainda não foi apurada, o arguido AA criou uma conta de e-mail com registo no Tutanota, com o endereço ..., e que permitia a encriptação do conteúdo das mensagens.
32. Em acréscimo aos documentos que o arguido AA recebeu no dia 04.04.2017, outros foram remetidos por indivíduo utilizador do e-mail ..., designadamente através de mensagem expedida no dia 06.04.2017, pelas 04h09, bem como de outras mensagens expedidas até ao dia 2.07.2017, num total de 20 gigabytes de correspondência electrónica.
33. Nas mensagens de correio electrónico que o arguido AA recebeu oriundas de ..., ou vinham em anexo mensagens de correio electrónico em formato .pdf oriundas do servidor “@slbenfica.pt”, ou continham links de acesso a servidores como o Filemail, com vista a permitir descarregar o conteúdo de caixas de correio electrónico.
34. Designadamente, no dia 06.04.2017, pelas 04h09, o arguido AA recebeu na sua caixa de correio ... uma mensagem de correio electrónico proveniente de ..., com o título «Mails», e com o texto: «Hi ..., ... has sent you 1 files (3.8GB) using Filemail! Download the files (within 7 days) here: https://...», que lhe permitia aceder a um documento com o nome “... .zip”.
35. O arguido AA procedeu ao download da informação que lhe ficou acessível através desses links, o que lhe permitiu aceder ao conteúdo das caixas de correio electrónico utilizadas por, entre outros, JJ, KK e LL, todas do domínio “@slbenfica.pt”.
36. Face ao volume e características da correspondência electrónica que foi remetida ao arguido AA, este adquiriu um computador da linha Macintosh (Mac), de marca Apple®, o qual manteve sem qualquer ligação à rede de internet ou outra para efectuar a análise ao conteúdo dos elementos que lhe eram enviados, tendo ainda, em final de Maio de 2017, convocado o auxílio do arguido BB para proceder à análise dos conteúdos da correspondência electrónica que lhe ia sendo remetida.
37. O arguido AA, decidiu divulgar no programa “...” a partir do início de Junho de 2017 a selecção de correspondência electrónica que previamente era efectuada, com essa finalidade, pelo arguido BB.
38. Anunciando que o fazia por conta do interesse público, o arguido AA divulgou no programa “...” do ..., em primeira- mão, excertos de mensagens de correio electrónico trocadas entre colaboradores da BENFICA SAD e entre estes e terceiros, no âmbito da sua actividade profissional, bem assim os documentos a que tivera acesso pela via que se descreveu.
39. A divulgação desses elementos ocorria numa parte específica do programa, dedicada às revelações da semana relacionadas com o SPORT LISBOA E BENFICA, por contraponto ao restante formato do programa que ocorria em modelo de debate entre vários intervenientes face a acontecimentos de jogo.
40. Nesse capítulo, o arguido AA procedia à leitura de alguns excertos de mensagens de correio electrónico de colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, leitura que intercalava com comentários próprios.
41. Para além disso, o arguido AA comentava troca de correspondência da mesma natureza que previamente era lida por voz off.
42. Em face dessa informação que lhe chegava por e-mail, o arguido AA geria a divulgação dos seus conteúdos semanalmente, anunciando no programa “...” antecedente que, na semana seguinte, iriam ocorrer mais revelações.
43. No dia 18.04.2017, no programa televisivo “...”, foi transmitida uma peça audiovisual onde foi exibido o conteúdo de mensagens de correio electrónico trocadas no dia 10.04.2017:
i. pelas 16h25, entre o ... da Associação..., MM, através do endereço de correio electrónico ..., e NN, ... pelo Departamento de Relações Públicas do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” e utilizadora do endereço ...;
ii. entre NN e OO, ... da BENFICA SAD e utilizador do endereço ...; e
iii. entre OO e PP, à data ... da BENFICA SAD e utilizador do endereço ....
44. A exibição do texto destas mensagens de correio electrónico foi acompanhada de leitura proporcionada por voz de narrador, quer do sexo masculino, quer do sexo feminino, consoante se tratasse de mensagem redigida por MM, OO e PP ou NN.
45. Na mensagem inicial, remetida por MM, na qualidade de ... do Centro..., aquele solicitava “bilhetes baratos” para um jogo a realizar no Estádio do SPORT LISBOA E BENFICA.
46. No dia 10.04.2017, pelas 16h25, MM remeteu a NN um e-mail com o seguinte teor:
Exma. Sra.
NN
Conforme conversa telefónica venho por este meio solicitar a sua ajuda nesta iniciativa que gostaria de oferecer aos habitantes da minha aldeia.
Eu sou ... da colectividade Centro..., uma modesta aldeia do concelho da ... e juntamente com a direcção queríamos proporcionar um dia diferente a Avôs e Netos da localidade e levá los de autocarro a um jogo no Estádio da Luz, pois muitos deles nunca tiveram a oportunidade de entrar num estádio de futebol, por este motivo vinha solicitar a vossa ajuda neste pedido.
Solicitava 50 bilhetes para um local por si sugerido mas tendo em conta que solicitava bilhetes baratos, pois será oferta nossa á população.
Desde já agradeço a sua atenção e colaboração
Os melhores cumprimentos
MM.
47. Por referência à mensagem escrita por NN a propósito deste pedido, dirigida a OO no dia 10.04.2017, pelas 16h53, o narrador de sexo feminino do programa ... do dia 18.04.2017 leu então o seguinte:
“Boa tarde, Dr. OO, o pedido abaixo vem do ... da Associação..., Sr. MM. Devemos considerar este pedido em termos de oferta de bilhetes ou de bilhetes para compra?'.
48. Nos mesmos moldes, um narrador do sexo masculino daquele programa informou que a resposta de OO foi prestada pelas 17h49, tendo seguido igualmente com conhecimento para PP:
“Podemos oferecer tendo em consideração quem é. Apesar de o Marítimo ser de casa cheia, insisto que se justifica. Apesar disso, o ideal é que o pedido oficial fosse feito por outra pessoa lá da Aldeia. O PP dirá de sua justiça...".
49. Subsequentemente, o narrador explica que PP “entrou" na conversa pelas 18h10, tendo respondido o seguinte:
“O ... da Associação... não é de confiança total... E tem feito "oposição" a algumas situações do nosso interesse. Porém, nunca é bom tê-lo contra, tanto mais que será uma das testemunhas a ser ouvida em processo do nosso interesse. Por outro lado, e para que amanhã não nos acusem de oferecer bilhetes à Associação..., a NN que solicite o e-mail do Centro... para informar que o Sport Lisboa e Benfica irá ceder os 50 bilhetes.’’.
50. No dia 06.06.2017, no âmbito do programa “...", o arguido AA leu excertos de um e-mail enviado no dia 28.01.2014, pelas 22h58, por QQ, ex-árbitro de futebol e utilizador do e-mail ..., a JJ, director de conteúdos da Benfica TV e utilizador do e- mail profissional ....
51. A partir do minuto 00:24:27, o arguido AA referiu que o programa: «é um espaço de liberdade e é um dos poucos espaços na televisão portuguesa que não está capturado pelos interesses do Benfica, e certamente por isso, fazem-nos chegar variadíssima informação. Todas as semanas nos chega variadíssima informação, umas vezes mais valiosa do que outras. E desta vez fizeram-nos chegar mais uma matéria que me deixou verdadeiramente abismado, e que eu não posso deixar de partilhar com vocês e com os espectadores. (...) ilustra bem o que é que é a clandestinidade na arbitragem portuguesa e o que é que depois se pretende com isto».
52. O arguido AA introduziu, em seguida, a partir do minuto 00:25:13, a leitura de e-mails trocados entre QQ e JJ no referido dia 28.01.2014.
53. Para o efeito, disse o seguinte durante a transmissão do programa:
«Eu vou ler passagens de um e-mail enviado por QQ, que é um ex-árbitro de futebol de ..., da Associação..., que nos anos 90 arbitrou na 1ª Divisão sem nota de grande destaque, porque não era um grande árbitro; posteriormente foi observador de árbitros, mas em 1997 foi expulso por ser considerado tecnicamente inapto; é também uma pessoa que fez parte da União..., foi uma pessoa ligada ao ... muitos anos, ultimamente parece que tem alguma proximidade ao ..., mas acima de tudo, é uma pessoa sempre ligada ao Benfica e que trabalha no basfond da arbitragem em prol do Benfica. E isto que eu vou ler, não denuncia nem mais nem menos do que um esquema de corrupção, repito, um esquema de corrupção para beneficiar o Benfica (...) Vão ouvir agora. Na terça-feira 28 de Janeiro de 2014, portanto, isto acontece no campeonato, no primeiro campeonato da série do tetra campeonato do Benfica, o Sr. QQ mandou um e-mail para o Sr. JJ em que dizia coisas como esta:
"Sobre a arbitragem não temos de ser mãezinhas, mas usar a inteligência a nosso favor, criticando sempre. Por minha proposta, retiramos o recurso porque ganhamos o jogo e recuperamos um inimigo"
Ele aqui está-se a referir ao RR, num jogo Porto, Benfica-Porto.
"Confidencial: o SS ganhou o processo".
O SS, todos nós sabemos, é o SS».
54. Tendo o arguido AA depois prosseguido, a partir do minuto 00:27:05, nos seguintes termos:
«E depois as melhores partes:
"O primeiro-ministro é de facto um grande homem e um grande líder. Sei o que digo, porque sei das suas capacidades em ouvir, pensar, astúcia nas decisões e amor ao glorioso. Não há outro como ele. Hoje o SLB manda mesmo e os outros já não mexem nada. E o resto virá por acréscimo. Dizem os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o Porto já não manda, mas ainda não compreendem onde está o poder. Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido, e este espaço foi conquistado com muito trabalho do primeiro-ministro. Vamos ter os padres que escolhemos e ordenamos nas missas que celebramos. Temos é de rezar e cantar bem". Ainda sobre temática religiosa,
"quanto às missas, temos bons padres para todas, incluindo as da Liga e as da juventude operária".
Presumo que a juventude operária seja a equipa B.
"Agora apague tudo".
Pelos vistos, nem toda a gente apagou».
55. Seguidamente, a partir do minuto 00:28:14, o arguido AA leu a resposta que, segundo afirmou, JJ deu a QQ:
«Resposta do Sr. JJ:
"Sei que o nosso primeiro-ministro quer que seja essa a postura. E se ele tratou essa estratégia, creio que só temos que segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E na verdade não temos tido muita razão de queixa".».
56. No mesmo programa do dia 06.06.2017, o arguido AA prosseguiu, a partir do minuto 00:28:32, a análise com a leitura de um excerto de um e-mail remetido por QQ a JJ, datado de 22.12.2013, referindo o seguinte:
«Num outro mail do Sr. QQ para o Sr. JJ, datado de 22 de Dezembro de 2013, portanto, a mesma época, a época de 13/14, o Sr. QQ escreve:
"Temos hoje árbitros, que não sendo internacionais por vários motivos, têm demonstrado melhores prestações que os internacionais, entre os quais TT, UU, SS, VV, WW, XX e YY. Temos ainda ZZ, que está a fazer uma excelente época. É um excelente árbitro e podia ser injustamente despromovido a época passada."
Mais tarde, na mesma conversa, mas mais tarde, no dia 22 de Dezembro às 14 e 16 ele acrescenta ainda:
"Já falei com o homem daí... cuidado com o que digo, só para seu consumo, fui eu que lhe fiz o exame de admissão a árbitro e o promovi ao quadro nacional. Conheço-o muito bem para dizer o que digo",
referindo-se ao SS».
57. A propósito deste e-mail, comentou o arguido AA, a partir do minuto 00:29:33, o seguinte:
«Isto quer dizer o seguinte, quer dizer que os Srs. TT, UU, SS, VV, WW, XX e YY, à data de 22 de Dezembro de 2013, e ZZ também, que ele depois acrescenta, eram árbitros que estavam ao serviço do Benfica. É o que ele está aqui a dizer».
58. E prosseguiu ainda o arguido AA, a partir do minuto 00:29:54, dizendo o seguinte:
«Não temos que ter ilusões sobre isto. Isto é um esquema de corrupção de árbitros a favor do Benfica. O que se fazia com os árbitros, o que se conversava com os árbitros, o que se pedia aos árbitros, eu não faço ideia. Agora, isto, isto não é inventado por nós, isto não fui eu que inventei, isto existe. E agora só temos é que esperar que as autoridades que sistematicamente têm fingido que não se passa nada, façam alguma coisa (...) Vamos lá averiguar e saber quem são os padres que escolhem e que ordenam nas missas que celebram, quem são... sendo que têm padres para todo o tipo de missa, incluindo as da Liga e as da juventude operária. Depois, estes elogios ao primeiro-ministro, que se percebe por aqui que tem um nome, DD, não é? E depois temos o JJ a dizer "e na verdade não temos tido muita razão de queixa", e seguem as ordens (...) do primeiro-ministro, que é o DD. Isto é especialmente grave. Isto acontece há quatro anos. (...) "Hoje quem nos prejudicar, sabe que é punido" (...) E isto... o Conselho de Arbitragem, a Federação Portuguesa de Futebol... (...) o secretário de Estado do desporto (...) o Ministério Público, que façam alguma coisa (...) ou vão continuar - perdão - ou vão continuar a ser cúmplices duma situação que está aqui muito... que toda a gente que é adepta de futebol e que tenta observar o fenómeno com um mínimo de distanciamento percebe, há muitos e muitos árbitros condicionados pelo Benfica. (...) Agora temos aqui uma coisa com nomes, e nós sabemos, nós sabemos que estes árbitros, há muito tempo que muitos deles têm um carimbo de serem muito próximos do Benfica. E porque é que o têm?
Por causa dos seus desempenhos em campo. Nós ao longo destas quatro épocas podemos lembrar de imensos jogos do UU, por exemplo. Nós ainda neste campeonato tivemos jogos polémicos do UU. Tivemos o UU a levar uma cabeçada do AAA, e não fez nada. (...) Tivemos o UU a validar um golo do Mitroglou depois de cometer uma falta claríssima sobre o jogador do Chaves, e não fez nada. Nesse mesmo jogo não assinalou um penálti do tamanho do mundo contra o Benfica a favor do Chaves. Portanto, há variadíssimas coisas. YY, SS, VV, TT. Mas alguém tem dúvidas sobre isto? Andamos a brincar. (...) Isto ilustra o à-vontade com que se fazem as coisas. E isto também demonstra uma coisa, demonstra quem é a cabeça de tudo isto. (...) É o primeiro-ministro. E o primeiro-ministro tem um nome (...) DD. Aqui. E este primeiro-ministro é o DD, ... do Benfica. (...) Onde é que estão as punições para a infinidade de prejuízos (...) que o Futebol Clube do Porto sofreu no último campeonato, por exemplo? (...) É o célebre campeonato do (...) do colinho. (...) Isso pergunte-se a quem se perguntar de Norte a Sul do país, qualquer pessoa que conheça o mínimo sobre a arbitragem se lhe perguntar quem o QQ, eles dizem "é a pessoa que trabalha para o Benfica" (...) Portanto, é a assumpção de que o Benfica mandava, mandava na arbitragem com nomes de árbitros, é no campeonato do colinho. E desde aí, nós sabemos o que é que tem acontecido (...) O DD, segundo o que aqui está, é que é o responsável e quem arquitectou, isto percebe-se aqui pelo que escreve o JJ. (...) "Sei que o nosso primeiro-ministro quer que seja esta a postura. E se ele traçou essa estratégia, creio que só temos que segui-la. Ele lá sabe o que é que anda a fazer". "Ele lá sabe o que é que anda a fazer".
Portanto, isto não há dúvidas sobre isso, o DD. (...) É, é, este polvo que há muito sabemos que existe, aos poucos tem que ir sendo destapado. Hoje QQ, teremos que continuar a destapar para deixar tudo fundamentai, é deixar esta vergonha a nu».
59. Apesar de o arguido AA ter lido trechos de mensagens de correio electrónico trocadas entre QQ e JJ e, após essa leitura, ter formulado os comentários que se descreveram a propósito do mesmo, foram suprimidas passagens dos e- mails aquando da sua descrição, colados excertos de e-mails de datas diversas e alterada a sua sequência, por forma a subverter o sentido dos mesmos.
60. A referida mensagem de correio electrónico remetida por QQ para JJ no dia 28.01.2014 referia, na íntegra, o seguinte:
«Vou-lhe enviando dicas e imagens, mas algumas boas decisões ainda estão confidenciais e não as podemos divulgar antes da decisão pública.
Sobre a arbitragem não temos de ser "MAEZINHAS" mas usar a inteligência a nosso favor, criticando sempre, mas propondo soluções e não desabafos: EX: O SLB recorreu da arbitragem do RR, considerei um erro, dado que o nosso "adversário" (PC) enfureceu-se e tornou público o seu ódio. Por minha proposta, retiramos o recurso porque ganhamos o jogo e recuperamos um "inimigo”. Caso da taça da liga, deixar andar; "menos inimigos" temos e até a vamos jogar com os BB.Sobre o Golo SS vai ter em breve matéria para dar nos olhos dos dois. CONFIDENCIAL: O SS ganhou o processo.
O 1.° Ministro é de facto um grande Homem e um GRANDE LIDER, sei o que digo porque sei das suas capacidades em ouvir, pensar, astúcia nas decisões e amor ao Glorioso. Não há outro como ele.
Hoje o SLB manda mesmo e outros já não mexem nada, já não fazem pouco de nós, e o resto virá por acréscimo.
Dizem os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o porto já não manda mas.. ainda não compreendem onde está o poder. O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença. Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido, e este espaço foi conquistado com muito trabalho do 1.° ministro.
Vamos ter os padres que escolhemos e ordenamos, nas missas que celebramos, temos é de rezar e cantar bem.
AGORA APAGUE TUDO.».
61. Para além do e-mail referido no ponto imediatamente anterior, no qual foram suprimidas as passagens «já não fazem pouco de nós» e «o poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença», o excerto «Quanto às missas temos bons padres para todas, incluindo as da liga e as da Juventude operária» surgia no conteúdo de e-mail remetido por QQ a JJ no dia 28.01.2014, pelas 18h48, no qual se dizia de forma completa:
«Meu caro:
Esteve muito bem no ... mal ficam os que não querem ver a realidade.
A Benfica TV tem aqui um papel importante, pode e deve promover debates insuspeitos sobre "arbitragem e o futebol" procurando combater todas as tendencias que no nosso País com ajuda das tvs arrastam tudo para a lama. Programa que faça o inverso daquele dos canais generalistas dos BBB, CCC e outros. Que tal convidar e divulgar em força um debate com; DDD, EEE, FFF, GGG, etc etc.
Estive hoje algum tempo, em Lisboa, com o "nosso" primeiro ministro, falei de si e de programas. Ele achou muito bem que esteja atento e que só fale consigo e não com outros.
Quanto às missas temos bons padres para todas, incluindo as da liga e as da Juvente operária.
Espero que o nosso banco não falhe como falhou o do Sporting e do Porto que nem sabiam, no fim, quem tinha ganho. Se o que se passou fosse com o nosso banco (Embora eu esteja atento e ligado) tinham de rolar cabeças.
Quanto á taça da liga não ligue importância os nossos BBB vão ganha-la. Quer apostar?».
62. Por outro lado, a referida alegada resposta de JJ com a indicação «Sei que o "nosso" primeiro-ministro quer que seja esta a postura e se ele traçou essa estratégia, creio que só temos de segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E, na verdade, não temos tido muita razão de queixa.» consta da resposta enviada por aquele a QQ, com o seguinte teor integral: «Meu Caro Amigo,
Com as suas lições tudo se torna mais fácil.
Estou a levar com críticas e azia de muitos benfiquistas, que me acusam de defender em demasia os árbitros. Mas eu quero lá saber! Para mim, o mais importante é o Sport Lisboa e Benfica.
E se a minha postura e opiniões puderem contribuir, nem que seja de forma pífia, para um clima de paz e harmonia, acho que é este o caminho a seguir.
Sei que "nosso" primeiro-ministro quer que seja esta a postura e se ele traçou essa estratégia, creio que só temos que segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E, na verdade, não temos tido muita razão de queixa.
Quando puder, precisava daquele seu exemplo do caso do Sporting/Nacional da mão nas costas noutro jogo. Será apenas para entalar o HHH e, sobretudo, o III. Aliás, eu preciso de algumas histórias do III para ele não se esticar. Eu bem tento não entrar em polémicas com ele, mas quando ele se estica não resisto a contrariá-lo. Quem o ouve parece que ele nunca cometeu erros. E já deve ter percebido que quando eu o quero irritar, falo no JJJ. Ele trepa logo as paredes. O que me dá um grande gozo. Não conheço o JJJ pessoalmente, mas que ele está a fazer um trabalho meritório isso é inquestionável e quem não o reconhecer só o pode fazer por má fé!
Um forte abraço,
JJ
PS: E sempre que quiser ou tiver dicas e sugestões, não hesite!
Ainda não conseguiu encontrar aquele site ou blog do polvo da arbitragem de que me falou em tempo.
Qual é o endereço? Sabe?».
63. A menção a nomes de árbitros de futebol surgia no contexto de uma troca de e- mails entre JJ e QQ que ocorreu da forma a seguir descrita.
64. No dia 22.12.2013, pelas 14h16, QQ remeteu um e-mail a JJ com o seguinte teor:
«Anexo pequeno contributo. Já falei com o homem daí o cuidado com o que digo. Só para seu consumo fui eu que lhe fiz o exame de admissão a árbitro e o promovi ao quadro nacional, conheço-o muito bem para dizer o que digo. Seria bom que o Dr. WW para 2.- fter tato ao abordar o tema com o tolo do ... e o ....Abraço.».
65. Na mesma data, JJ respondeu a QQ através de um e-mail com o seguinte teor:
«Caro Amigo,
Muito obrigado.
É isto mesmo!
Mas vou dizer que daquilo que tenho visto, o SS é um dos bons valores da arbitragem portuguesa e é um árbitro com futuro.
Vou falar noutros para não dizerem que estou a defende-lo.
Vou elencar o SS, o TT, o XX e o YY. Vou dizer que eles até já prejudicaram o Benfica, mas todos têm futuro e fazem parte da nova geração.
Parece-lhe bem falar destes 4?
Abraço,
JJ.».
66. Ainda no dia 22.12.2013, pelas 18h49m03, QQ respondeu a JJ através de um e-mail com o seguinte teor:
«EU DIRIA ASSIM:
Temos hoje árbitros, que não sendo internacionais, por vários motivos, tem demonstrado melhores prestações que os internacionais, entre os quias; TT, UU, SS, VV, WW, XX e YY, apesar destes dois últimos terem tido azar no passado fim de semana, mas por erro dos seus assistentes.
Temos ainda, ZZ, que está a fazer uma excelente época, é excelente árbitro e podia ser injustamente despromovido a época passada. Os maiores erros tem sido cometidos pelos internacionais, nomeadamente quando arbitram o benfica».
67. A supressão de passagens dos e-mails que se acabaram de descrever, ou a leitura de excertos fora da sequência normal da correspondência electrónica, foram feitas com a intenção de possibilitar que o arguido AA anunciasse, no referido programa televisivo, que a estratégia encontrada pelo SPORT LISBOA E BENFICA era uma estratégia de corrupção, semelhante a um polvo com diversos tentáculos capazes de alcançar todas as áreas da sociedade, orientada por um primeiro-ministro, que é o seu presidente DD, e seguida por árbitros que estão ao seu serviço, concluindo que o SPORT LISBOA E BENFICA mandava na arbitragem.
68. O arguido AA sabia que tal conclusão não era suportada pela realidade veiculada pelos e-mails na sua versão original, à qual o arguido acedera anteriormente, apenas a alterando na medida daquilo que tinha intenção de revelar ao público em geral e com o intuito de lesar a credibilidade do SPORT LISBOA E BENFICA.
69. As afirmações proferidas pelo arguido AA, pelas imputações de corrupção desportiva nelas contidas, tiveram eco muito destacado na imprensa desportiva e generalista.
70. No dia 07.06.2017, o jornal “O Jogo” referiu: Benfica acusado de corrupção.
71. No dia 08.06.2017, o “Jornal de Notícias” surgiu com o título noticioso Denúncias de corrupção investigadas pelo DIAP.
Programa ... do dia 13 de Junho de 2017
72. No programa “...” transmitido no dia 13.06.2017, foi o moderador que introduziu a temática sobre a troca de e-mails dada a conhecer no programa anterior, referindo, logo no início, que:
«O ... do ... teve o cuidado de enviar um e-mail para os dois (...) convidando tanto QQ como JJ a estarem esta noite no programa, dizendo que «o ... é um canal plural, que aprecia e incentiva o contraditório e sendo o JJ um dos protagonistas do caso revelado na última edição do nosso programa, gostaríamos de poder contar com a sua presença (...) no dia 13 (...)».
73. Em diálogo mantido com outros intervenientes no mesmo programa, entre os minutos 00:17:07 e 00:17:40, o arguido AA afirmou:
«Nós não divulgamos os e-mails do JJ. Nós divulgamos o conteúdo e divulgamos o conteúdo de alguns deles porque são especialmente graves (...) e indiciam... é o interesse público que aqui está (...) é a mesma coisa que um e-mail! com uns planos de um suposto atentado terrorista e não ser divulgado porque "ai meu Deus, a privacidade do terrorista tem que ser... (...) mantida e é o bem que prevalece».
74. Nesse mesmo programa, a partir do minuto 00:24:18, o arguido AA procedeu à leitura de um e-mail remetido no dia 09.10.2014 por QQ a PP, à data ... da BENFICA SAD.
75. Para o efeito, o arguido AA referiu o seguinte:
«vou ler um e-mail que na quinta-feira, 9 de Outubro de 2014, o Sr. QQ enviou: "Caro amigo" (...) "o nosso amigo SS"
- o nosso amigo SS - repito,
"o nosso amigo SS recorreu nota negativa do jogo Marítimo/Guimarães ao ter marcado uma penalidade a favor do Guimarães que o Observador da Madeira alega mal marcada. Vi imagens e como outros, o SS tem razão, temos de lhe dar nota positiva"
- temos de lhe dar nota positiva -
"ele e eu apelamos ao doutor sobre o KKK"
- que é o filho dele -
"o JJJ nada disse até hoje. Já o puseram na jarra, tal como ao SS. Abraço. Não podemos dormir. Vem aí o esfolar do cabrito."
E para quem é que o QQ enviou este mail. O QQ enviou este mail para o PP. Toda a gente sabe quem é o PP, ou será que o PP também é um mero colaborador do Benfica? Ou será que também tem um gancho qualquer na Benfica TV ou no jornal do Benfica. Não. O PP é uma pessoa muito importante no Benfica. Toda a gente sabe. Ainda ontem esteve na assembleia-geral da liga. Puderam ver todos na televisão, que passaram imagens e ele estava lá. Ele é uma pessoa com responsabilidades no Benfica. Responsabilidades muito grandes, muito fortes, com dependência directa do ... do Benfica, DD, e da administração do Benfica.».
76. E, subsequentemente, o arguido AA deu conta da resposta conferida por PP ao seu interlocutor QQ, relatando, ao minuto 00:26:05, o seguinte:
«Mas será que o PP recebeu e leu o e-mail? Não sabemos até ler o e-mail que o PP envia de resposta:
"Caro amigo, obrigado pela informação. Abraço forte."
Leu. Recordo que o que o QQ dizia era "o nosso amigo SS", "o nosso amigo SS", portanto, então, ficamos a saber que o SS é amigo do Benfica. Já sabíamos, mas desta forma não».
77. Prosseguiu então o arguido AA, a partir do minuto 00:26:37 do programa, dizendo:
Na terça-feira, 23 de Setembro, pouco antes de 2014, o QQ envia novo e-mail ao PP, o que demonstra que aquele e-mail não foi um caso isolado.
"Anexo três documentos que explicam o que preciso de si. Peço que ponha 'toda a carne no assador', como eu a ponho todos os dias por nós" (...) "Se precisar de algo mais, diga via e-mail ou telefone. Caso indefiram, preciso recurso para o conselho de justiça. Sei que consigo vamos ganhar."
(...) mas o PP novamente responde ao QQ:
"Caro QQ, amanhã de manhã tentarei pessoalmente explicar a razão que assiste ao árbitro e a incongruência e a falta de fundamento para a não aceitação do DVD, conforme vai ser apresentado. Se depender de mim" reticências
"Amanhã de manhã tentarei pessoalmente explicar a razão."
O Sr. PP tem de explicar isto. A quem é que ele pessoalmente vai tentar explicar? Tem contactos pessoais com quem que tem a ver com recursos de árbitros? Qual é a influência que o Sr. PP tem? Qual é o poder que o Sr. PP tem para interferir em recursos de arbitragem? Para ir meter uma cunha? Que é disto que se trata. Vai meter uma cunha para ajudar o filho do QQ».
78. A partir do minuto 00:28:17 do programa “...” do dia 13.06.2017, o arguido AA continuou a relatar as mensagens de correio electrónico a que teve acesso, dizendo:
«Mas há mais. Na terça-feira, 23 de Setembro, o QQ volta a enviar um e-mail ao PP, em que diz:
"Anexo remeto relatório do Observador onde pode ler-se que dava um 3.7 se não fosse o tal lance de grande penalidade. Oportunamente vou enviar-lhe o vídeo do jogo para verificar o erro e a perseguição."
O PP responde novamente ao QQ dizendo o seguinte:
"Este foi o documento que foi entregue em mão hoje de manhã.
Infelizmente não temos esse documento, mas foi entregue em mão."
(...) Mas há mais. Vamos continuar. No dia 29 de Setembro de 2014:
"Caro doutor, a Comissão de Análise e Recurso rejeitou novamente o recurso do KKK. Considera ter êxito um recurso para o Conselho de Justiça da Federação? Está em condições de assumir isso? Custas são da minha responsabilidade. Entretanto enviei recurso para o ... Conselho de Arbitragem, JJJ, e para o Plenário do Conselho de Arbitragem."
O JJJ pode ser solução antes do recurso? O JJJ pode ser... Pergunta-se ao PP se o JJJ, então, ... do Conselho de Arbitragem, pode ser solução antes do recurso. Solução antes do recurso é uma solução... É um cambalacho qualquer, é um esquema qualquer... E o QQ pode, ao menos, perguntar isto ao PP é porque sabe que o PP tem alguma capacidade de influência. (...) Aliás, percebe-se por toda esta troca de e-mails que ele acha isso. Resposta do PP:
"Amigo, eu não posso patrocinar o recurso para o Conselho de Justiça. Dominando a regulamentação desportiva relacionada com a arbitragem e próxima do CA", do Conselho de Arbitragem, portanto,
"tem a Dra. LLL",
2-2 e continua o número de telefone.
"Ela é próxima do MMM"
- o PP sabe estas coisas todas, muito bem informado -
"o que não sei se para si é impedimento vou pensar melhor e fazer uns contactos e amanhã falamos. Abraço forte."
Dr. PP que explique que contactos são estes que anda a fazer e este tipo de coisas.
79. O arguido AA continuou então a descrever o e-mail que, em resposta, QQ enviara a PP:
O QQ volta a mandar um e-mail:
"Eu e a dra. NNN somos amigos, a questão é ser o Glorioso a apadrinhar a questão e não alguns anticristos"
- devemos ser nós os anticristos -
"temos de ganhar isto e eu sei que se o doutor puser a carne toda ganhamos, o chefe está comigo para tudo", eu acho que aqui o chefe é o primeiro-ministro, mas o primeiro-ministro não é o OOO.».
80. E prosseguiu o arguido AA, no mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, a partir do minuto 00:30:55 do programa, relatando:
E depois há um e-mail enigmático do QQ, terça-feira, 30 de Setembro:
“Meu caro, o JJJ já respondeu ao recurso do KKK e alegou que vai levar o caso ao plenário, era altura de o"
- resposta do PP -
“Vamos então..."
(...) mas há aqui mais um pormenor que eu não queria deixar também de revelar. No dia 6 de Junho de 2016, há mais ou menos um ano, o QQ enviou um e-mail ao PP, que aqui logo se estabelece que isto é uma relação que perdura no tempo e que provavelmente perdurará neste preciso momento.
“Junto envio lista dos melhores candidatos assistentes. Força nisso e cuidado, teste escrito. Abraço." (...) “Candidatos a árbitros assistentes na Liga. Exames dias 11 e 12 de Junho em ..."
- isto foi no ano passado -
“Primeiro - PPP, ...; segundo - KKK, ..."
- é o filho dele -
“terceiro - QQQ, ...; quarto - RRR, ...; quinto - SSS, .... Por esta ordem, estes são os melhores e nada pode falhar."
Nada pode falhar? O que é isto? Que vigarice vem a ser esta? Que cambalachos são estes? O Benfica não está implicado nisto? O QQ não tem nada a ver com o futebol e com a arbitragem e com o Benfica? Estão a brincar, estão a brincar. Investigue-se.
81. A partir do minuto 00:37:49, o arguido AA referiu que o BENFICA manda em classificações, pelos vistos.
82. E a partir do minuto 00:43:32 o arguido AA afirmou:
«o Benfica, claramente, está implicado num esquema que envolve arbitragem, um esquema que adultera a verdade desportiva e depois vamos pensar assim: mas será que o QQ é um caso isolado e que o... porque é um ex-árbitro bem relacionado, bem como alguns árbitros que estão no activo e porque têm uma paixão enorme pelo Benfica, o que é perfeitamente legítimo, para quem a quiser ter, e criou-se aqui esta circunstância? Não. Não, não é verdade, porque este polvo, porque isto é que é o polvo... este polvo tem mais braços».
83. Ao minuto 00:44:25 do mesmo programa “...”, o arguido AA relatou o seguinte:
«Tenho aqui mais alguns e-mails que vou ter todo o prazer em revelar. Estes e-mails são trocados entre, imaginem, o PP e um senhor chamado TTT e que é muito importante esclarecer quem é o TTT. O TTT é um QQ da nova vaga. O TTT era um árbitro de qualidade duvidosa, em ...... Por exemplo, a mesma associação daquele WW, que nos prejudicou naquele jogo... (...) como não teve carreira na arbitragem, pelos vistos ele ia para os cursos de arbitragem tentar saber quem eram os árbitros adeptos do Benfica, adeptos do Porto, adeptos do Sporting, para depois informar o Benfica... é o que consta, e quem me contou isto são árbitros... depois foi delegado da Liga, à data dos factos ele era delegado da Liga, como se vai perceber. Hoje em dia, no Facebook dele diz que trabalha para a Federação, que esclareça se ele de facto trabalha para a Federação. (...) E o TTT, na sexta-feira, 31 de Março de 2014, envia um e-mail para o DD e para o PP. (...) Repito, para o DD e para o PP:
"Assunto: arbitragem. Caríssimo ... e Dr. PP, para vosso conhecimento e análise. Forte abraço. TTT."
Não temos os anexos, não sei, não sabemos o que é que ele mandou. No dia 31 de Março, às 17h54, PP responde:
"Bom trabalho, excelente".
(...) 14 minutos depois, às 17h59 do mesmo dia, o TTT responde novamente ao PP... Aqui só já para o PP:
"Obrigado amigo Dr., apenas quero ser um menino querido para vocês e fazer bem o meu trabalho e que o homem confie em mim, tal como o Dr. Abraço.".
84. A partir do minuto 00:48:00 do programa já mencionado, o arguido AA, reproduziu uma mensagem de correio electrónico remetida por TTT, ex-árbitro de futebol e ex-delegado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, utilizador do endereço de correio electrónico ..., para PP, no dia 23 de Junho de 2014, pelas 14h28, introduzindo desta forma:
«Temos aqui um outro e-mail do Sr. TTT. E este e-mail é especialmente grave, porque este e-mail é enviado para o PP, pelo Sr. TTT no dia 23.06.2014 (...) o TTT, repito, ... da Liga à época, para o PP, a seguinte mensagem:
"Destes 15, vão 12 a estágio para o próximo ano".
(...) A mensagem era do UUU. (...) O UUU é o UUU (...) o árbitro UUU. (...) Envia para o TTT e o TTT envia para o PP (...) Um e-mail que é enviado pela Federação Portuguesa de Futebol... (...)
"Convocatória: Exmo. Sr. Bom dia, para os devidos efeitos, vimos informar que se encontra convocado a participar no curso de formação elite de árbitros de futebol nível 3 que se vai realizar de 27/06 a 05/07 no centro de estágios de ..., conforme programa em anexo que contém toda a informação necessária. Atentamente e com os votos de uma agradável e proveitosa formação. Melhores cumprimentos. VVV - ... do departamento de arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol".
Isto é muito grave, isto é muito grave.
85. Mais tarde, a partir dos minutos a seguir indicados, o arguido AA teceu as seguintes considerações:
- «No final do Paços de Ferreira-Benfica, que ficou 0-0 e, ao ser arbitrado pelo UUU (...) Houve uma grande discussão de berros entre PP e o TTT... sintomático» [00:52:24];
- «Como é que alguns árbitros chegam tão depressa a internacional? (...) Acho que começamos a perceber porque é que essas coisas acontecem (...) Acho que com estas coisas começamos a perceber tudo, tudo o que envolve isto, e isto é um polvo imenso». [00:55:32];
- Em resposta à afirmação de um outro interveniente no programa ocorrida ao minuto 00:55:58, de que “em 2014 para 2016, porque em 2016 já é árbitro internacional, o Sr. UUU, quer dizer em dois anos ele subiu por aí fora. Bastou-lhe fazer este estágio em ...”, o arguido AA referiu: «conhecia as pessoas certas» [00:56:10].
86. A partir do minuto 00:58:48, o arguido AA referiu:
«Um bom exemplo de nexo de causalidade que agora este caso veio... trazer. O árbitro TT, quando as classificações eram feitas pelo WWW, foi o quinto classificado. O Sr. TT, infelizmente para ele, não tem jeitinho nenhum para árbitro (...) Não tem jeitinho nenhum e depois tem aquele gosto clubístico que se sobrepõe ao resto (...) Que lhe tolda, ainda há bocadinho vimos naquele lance que é de bradar aos céus. (...) Mas no ano passado foi quinto. Entretanto, o Sr. WWW já não faz as classificações e ele foi despromovido, este ano, mas quem viu arbitrar este ano, arbitrou pior que o ano passado? Não, arbitrou melhor, mas mesmo arbitrando melhor, foi despromovido. E no ano passado estava em quinto lugar, com exemplos daqueles (...) Há um nexo de causalidade, está aqui (...) O Sr. TT é o exemplo perfeito de como o Benfica interferiu de forma danosa na arbitragem, de forma danosa isto agora é investigar: Benfica, o Sr. PP, o Sr. WWW, isso é da competência das autoridades, da polícia judiciária, do conselho de disciplina, da comissão de estudos da Liga, o diabo a quatro. Não é função do ... seguramente fazer (...) Mas é do interesse público. E o país tem que (...) tem que reclamar (...) É do interesse da Federação Portuguesa de Futebol e da Liga de Clubes (...) Depois do que nós revelámos hoje, não pode manter-se o silêncio (...)».
87. No mesmo programa, a 01:00:38, o arguido AA continuou com a revelação do conteúdo de mensagens de correio electrónico trocadas entre TTT e PP no dia 29.01.2014, referindo:
«Ainda não acabou, ainda tem aqui mais umas coisas. Porque o PP é uma pessoa muito importante e, é tão importante, que acaba por contactar com meio mundo. E o TTT, que era ... da Liga, como eu disse, no dia 29 de Janeiro de 2014, envia um e-mail ao PP a dizer assim:
"Amigo Dr., três dos ... dos jogos da polémica da taça da Liga, estão nomeados, sou o único ... até ao momento que não fez primeira Liga."
(...) O PP leu o e-mail, pega no e-mail e envia, no dia 29, às 21h03, envia um e-mail para o XXX, ... da Liga, à época.
"XXX, a ser verdade, será que o homem é feio ou incompetente? É o único ... que ainda não fez nenhum jogo da primeira Liga e já foi nomeado 11 vezes para Chaves, qualquer dia vai ser treinador do Chaves, eh, eh, eh. Abraço forte."
O XXX responde-lhe, no dia 29/01:
"PP, só tu para me fazeres sorrir um bocado, ele está pronto? Vem fazer um jogo aqui ao Porto? Só tens que dizer. Um abraço."».
88. A partir de 01:02:13, o arguido AA referiu:
«É só mandares. Isto era a Liga do Sr. XXX. Era esta a Liga do Sr. XXX. O Sr. XXX mandava... respondeu ao e-mail a dizer "só tens que dizer" (...) subserviência... afinal, razão tem o ..., o Benfica é que manda nisto tudo».
89. A partir de 01:02:44, prosseguiu o arguido AA, relatando:
«No dia 2 de Abri de 2014, o XXX envia um e-mail ao DD:
"Caro DD, segue em anexo as declarações do YYY, feitas no final do jogo com o Rio Ave e o cumulação do Braga a seguir ao jogo"
- isto não se percebe bem, mas pronto, estou a ler o que aqui diz -
"ouve bem por favor, não fala em roubo, nem faz acusações genéricas, por favor tem calma que sempre tenho estado e estive do teu lado. Um abraço."
O presidente da Liga é que está ao lado do presidente do clube? Ou são os presidentes dos clubes que estão ao lado do presidente da Liga? Subserviência mais uma vez, do XXX. Mas alguém tinha dúvidas que era isto que acontecia? Mas aqui está a prova. O DD respondeu ao estilo dele:
"Ainda querem-me fazer atrasado mental", ainda querem-me fazer atrasado mental. (...) Isto é uma vergonha. Isto é o futebol português em 2017, comandado, telecomandado, orquestrado pelo Benfica, pelo Sr. DD, pelo Sr. PP, pelo Sr. JJ, pelo Sr. QQ, pelo Sr. TTT e por mais não sei quantas pessoas que não sabemos, os QQ e os TTT por aí espalhados que estão ao serviço do Benfica, para fazerem este tipo de joguinhos, de vigarices, de esquemas. Tudo anti-regulamentar.
90. As afirmações feitas pelo arguido AA neste programa tiveram repercussão mediática, com especial destaque nos jornais desportivos e generalistas.
91. No dia 14.06.2017, o jornal “O Jogo” titulou na primeira página: FCPorto revela novo lote de e-mails desta vez com PP como protagonista.
Programa ... - da Bancada do dia 21 de Junho de 2017
92. No programa “...” transmitido no dia 21.06.2017, o arguido AA divulgou um e-mail remetido no dia 16.02.2014, pelas 17h31m03s, por ZZZ a JJ, referindo-se ao mesmo, a partir do minuto 00:44:31, da seguinte forma:
«É assim, nós ao longo dos últimos programas temos vindo a desmascarar o polvo do futebol português. Um sem número de comportamentos. Uns censuráveis do ponto de vista ético, outros do meu ponto de vista que configuram ilícitos graves, desportivos e não só desportivos. E hoje, para demonstrar até onde é que chega esta perseguição do Benfica aos agentes do desporto português, vamos revelar um e-mail enviado no dia 16 de Fevereiro, um Domingo, de 2014, às 17 e 31 e 3 segundos, hora padrão da Europa ocidental, pelo Sr. ZZZ. Convém explicar quem é o ZZZ (...) era o ... da assembleia-geral da liga do consulado do XXX. É um ex- ... do Benfica, ... de ..., salvo erro. Presença assídua no camarote da Luz e que, enquanto ... da assembleia-geral da liga, tinha a obrigação de ser isento, imparcial. E ele não só não foi isento e não foi imparcial, como cometeu uma das coisas mais graves que se podem imaginar a um alto dirigente. E o que é que ele fez? Vou ler o mail. O mail é enviado para o JJ. Sempre o JJ.
"Os ficheiros são de mensagens sms do EE, ... da Federação Portuguesa de Futebol, à altura ainda ... da Liga. Chamo a atenção das mensagens enviadas ao AAAA no ficheiro ... .csv-segunda mensagem. Aí o actual ... da FPF declara eterno amor ao azul e branco"
e continua. Eu vou dizer uma coisa, eu tenho as mensagens, centenas de mensagens, centenas de sms do telemóvel do EE, actual ... da Federação Portuguesa de Futebol, enviadas pelo Sr. ZZZ para o JJ. Isto, o JJ será que ainda acha que nós andamos a fazer violação de correspondência?
Ou acha que uma alegada violação de correspondência de 2017 é mais grave que uma em 2014? (...) Agora, sei uma coisa. O Benfica monitoriza os SMS do ... da Federação Portuguesa de Futebol. Na altura é verdade que ainda era ... da Liga, estas, não sei se actualmente continua a ter o telemóvel, acesso ao telemóvel do Dr. EE, que como toda a gente sabe, é adepto do Futebol Clube do Porto, foi atleta do Futebol Clube do Porto, foi campeão nacional pelo Futebol Clube do Porto de basquetebol, foi dirigente do Futebol Clube do Porto, foi administrador da SAD do Futebol Clube do Porto, portanto é perfeitamente normal que seja adepto do Futebol Clube do Porto e que tenha amor ao azul e branco como aqui diz. Era o que mais faltava. Se foi administrador, atleta, campeão, etc. Era o que mais faltava, toda a gente sabe. Mas acho que também toda a gente sabe que o Dr. EE não tem beneficiado em nada o Futebol Clube do Porto. (...) Uma vergonha, isto é o Benfica que faz. O Benfica faz isto através de quem, através do JJ e através do ZZZ. O ZZZ não é do Futebol Clube do Porto, nem venham dizer que... É do Benfica. Está lá sempre no estádio da Luz. Há muitos mails do ZZZ para o JJ a dizer, por exemplo, quando era aquela altura que os clubes queriam correr com o XXX e ele a dizer... era ele que decidia os requerimentos e tal, não sei se se lembram, as assembleias-gerais nunca se realizavam. E ele mandava mails ao JJ a dizer assim: 'Ah, eu quando sair mando para si em primeira mão.’ Antes sequer de informar os clubes. Isto é uma vigarice, o futebol português é uma mentira e a mentira tem uma razão de ser, é o Benfica, é esta corja de gente que faz este tipo de coisas. E alguém acha que o JJ faz isto e o ZZZ faz isto e o PP sem conhecimento da pessoa que quer destruir a nota ao outro? É tudo a mesma coisa. Estão enterrados até ao pescoço. Estão enterrados até ao pescoço com estas coisas, é uma vergonha. Monitorizar o ... da Federação? O ... da Liga? Mas o que é isto? Mas que vigarice vem a ser esta? Alguém acredita nestas coisas... no futebol português assim? Alguém acredita que há um competidor... alguém acredita que o Benfica é um competidor sério? Não é, é um competidor falso, anda a vasculhar as coisas e depois andam todos ofendidinhos porque nós lhes descobrimos a careca (...) Esta gente toda tem que ser varrida. O Benfica, os adeptos do Benfica não têm culpa disto, os adeptos do Benfica não têm culpa nenhuma disto, os adeptos do Benfica celebram os golos do Benfica como eu celebro os golos do Futebol Clube do Porto, têm todo o direito de o fazer" (...) Encham-se de vergonha. Vasculhar as mensagens, os sms, do ... da Federação Portuguesa de Futebol? Pá, é uma tristeza.»
93. A partir do minuto 00:52:26, um dos intervenientes no programa refere “porque eu agora estou a interrogar-me, a tentar perceber qual era a vantagem para o Benfica, para que é que isto serve (...) E só vejo uma, é ter as pessoas na mão. É ter as pessoas na mão. Por meias palavras, que conhecem alguns segredos da pessoa em questão, que neste caso é só o ... da Federação actualmente”, tendo o arguido AA, a partir do minuto 00:52:51, acrescentado:
«Isto evidentemente que é em busca, em busca de informação classificada que lhes dê uma vantagem e uma superioridade e um condicionamento sobre as vítimas destas coisas. E isto chega ao ponto de ser ao ... da Federação Portuguesa de Futebol. A pessoa do ponto de... o mais alto cargo institucional que há no futebol português».
94. A partir do minuto 00:54:18, o arguido AA acrescenta:
«sem com certeza imaginar que o telemóvel dele está monitorizado peio Benfica e, a partir do minuto 00:56:42, porque são demasiadas coisas, nós chegámos a este ponto, chegámos ao ponto que o EE é monitorizado pelo Benfica. Isto... O que é que o ZZZ, por que é que o ZZZ faz este tipo de coisas? Por que é que esta gente não desempenha os seus lugares de forma isenta e imparcial, tendo na mesma o direito a torcer pelo seu clube, como é normal, como é admissível, como todos nós entendemos».
95. Neste mesmo programa, a partir do minuto 00:58:02, o arguido AA prosseguiu, divulgando um e-mail remetido por PP a KK, ... do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” e utilizador do e-mail ..., no dia 02.02.2017, pelas 12h09, referindo o seguinte:
«Temos mais uma coisa que também é muito curiosa. É assim, no dia 2 de Fevereiro deste ano, portanto há meia dúzia de meses, numa altura quente do campeonato e depois de num daqueles jogos da Taça da Liga no Algarve, os adeptos do Braga terem atirado umas tochas para o relvado e também do Estoril - Porto, em que também houve uns adeptos do Porto que atiraram umas tochas, o Benfica resolveu emitir um comunicado a apelar à contenção dos adeptos do Benfica. Claro que esse comunicado trazia água no bico. Trazia água no bico e a água no bico qual é? Que o comunicado que é escrito pelo KK e depois circula por várias pessoas para cada uma das pessoas das diferentes áreas comentar e, o PP, PP, mais uma vez, sempre o PP, há aqui algumas pessoas que são omnipresentes. O PP diz o seguinte, portanto no dia 02/02/2017 às 12 e 9. Este não chega ao segundo, só diz o minuto:
"Na minha opinião está excelente, reforçaria somente o parágrafo."
E depois, qual é o parágrafo? Então a redacção do parágrafo seria a seguinte:
"A segurança é também um bem de todos e os recentes e graves acontecimentos noutros estádios - seguramente com consequências disciplinares verdadeiramente punitivas e preventivas - levam-nos a reforçar este apelo."
E depois comenta:
"Assim, metemos pressão no conselho de disciplina para sancionar o Futebol Clube do Porto e o Sporting Clube de Braga como deve ser. Como ainda vamos ter que ir a Braga, era bom que houvesse coragem para interditarem a pedreira."
Ora, isto configura, do meu ponto de vista, aqui, o exercício de abuso de influência que fala o regulamento disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol.
96. A partir de 01:08:49, o arguido AA referiu o seguinte:
«E eu aproveito isso até para comentar o seguinte, eu hoje fui contactado por um jornal para ser confrontado com o facto de ter sido decretada a minha insolvência, confirmei isso ao jornal e isso é uma notícia colocada para o Benfica para me tentar atingir. Que é a forma que o Benfica tem de entrar no ataque pessoal, isto é uma forma muito concreta de o Benfica (...) se comportar e agir. Eu por exemplo tenho aqui, eu já sabia, já estava à espera que isso acontecesse porque eu tenho aqui uma série de mails enviados pelo Sr. TTT para o Sr. JJ, e vocês sabem o que é que são estes mails? São mails de índole muito pessoal, muito íntimo de árbitros de futebol. Isto tem a ver, sabem... amantes e coisa assim. (...) Jamais mostrarei isto para preservar as pessoas, mas tenho, tenho. (...) Envia para informar, para lhe dizer 'Olhem, esta pessoa.' (...) manda a fotografia, 'esta pessoa assim-assim, é amante de fulaninho de tal' (...) E eles têm isto sobre árbitros (...) Sou a favor da verdade e há uma coisa que por mais que vasculhem na minha vida, há uma coisa que nunca vão encontrar, sabem o que é? É isto:
"200 euros o tempo que quiser. Se for a três, é 400 euros"
(...) É o que isto chega. Isto é a maneira de eles agirem, é a maneira de eles se comportarem. (...) A única coisa que fazemos é que não entramos nas questões pessoais e não revelamos algumas coisas. (...) Para preservar. Porque se não revelávamos quem é que recebeu, quem é que enviou e quem é que recebeu o mail dos 200 euros, e se for a três é 400.
97. As afirmações feitas pelo arguido AA neste programa tiveram eco na imprensa.
98. No dia 22.06.2017, o jornal “Diário de Notícias” tinha em título: FC Porto acusa Benfica de vigiar sms de EE.
99. Na edição de 25.06.2017, o “Jornal de Notícias” titulou: 'Suspeição abala credibilidade da próxima época. O FC Porto acusa o Benfica de beneficiar de um alegado esquema de corrupção e tráfico de influências com um conjunto de árbitros.
Programa ... do dia 27 de Junho de 2017
100. No programa “...” transmitido no dia 27.06.2017, o arguido AA referiu, ao minuto 00:03:47:
«nós hoje vamos fazer algumas revelações... eventualmente, nós não vamos relevar algumas coisas para dar oportunidade à investigação».
101. E, a partir do minuto 00:20:04, o arguido AA afirmou o seguinte: «Hoje em dia sou capaz de dizer uma coisa que não podia dizer na altura, hoje em dia estou capaz de dizer que estamos perante o maior escândalo do futebol português. Eu hoje estou capaz de dizer isso. (...) Pela dimensão de tudo isto, pela dimensão de tudo isto. Nós já revelámos muita coisa, já expusemos vários dos tentáculos do polvo, mas o melhor está para vir. Isto é o maior escândalo da história do futebol português, as pessoas podem continuar a assobiar para o lado, assobiem quando quiser, a imprensa amiga pode continuar a assobiar para o lado, os comentadores amigos, oficialmente afectos ou oficiosamente afectos, podem continuar a assobiar para o lado, as instituições do futebol podem continuar a assobiar para o lado, mas este é o maior escândalo da história do futebol português e, repito, o melhor está para vir».
102. Depois de um dos intervenientes no programa referir “Ora bem, é verdade, o Futebol Clube do Porto não ganha há quatro anos e isto causa desespero aos nossos adeptos, que estão muito bem habituados a ganhar frequentemente, interna e externamente”, a partir do minuto 00:31:01 o arguido AA afirmou o seguinte:
«Mas uma das razões para o Futebol Clube do Porto não ganhar há quatro anos (...) são todas estas coisas (...) todas as coisas que nós temos (...) revelado, e que são absolutamente escandalosas. (...) Absolutamente escandalosas. (...) Estamos a falar de pessoas com muita responsabilidade no futebol português, desde ... da Liga e, por exemplo, o ... da assembleia-geral da Liga completamente subjugados (...) a um clube. (...) À máquina do Benfica. (...) Isto, é evidente que isto... isto nunca mais pode acontecer isto no futebol português. Nunca mais».
103. No mesmo programa, ao minuto 00:41:43, o arguido AA tornou a mencionar o e-mail remetido por ZZZ a JJ no dia 16.02.2014, pelas 17h31, dizendo o seguinte:
«Agora, o ZZZ, no dia 16 de Fevereiro de 2014, às 17h31, enviou um mail com um anexo com mais de 100 mensagens, mais de 100, repito, mais de 100 mensagens para o JJ. Mais de 100. Portanto, não é uma, não é a tal que falou, que o Correio da Manhã fez notícia, são mais de 100 mensagens, são sete ficheiros Excel com várias conversas, vários intervenientes nas conversas. E isto factual. (...) Está aqui, nós estamos aqui a ver um mail».
104. Por referência ao e-mail que divulgou de ZZZ, foi exibido aos telespectadores o texto do mesmo, tornando visível o endereço de e-mail usado por ZZZ: ....
105. O arguido AA prosseguiu, ao minuto 00:42:52 do referido programa, com a indicação de que:
«Mas este não foi o único mail que o ZZZ enviou ao JJ. Ele enviou mails muito comprometedores ao JJ, e que mostram à saciedade e de forma irrefutável que o Sr. ZZZ não devia era sair mais à rua, devia encher-se de vergonha, porque o que ele fez é, de facto, uma vergonha. O ... da assembleia-geral da Liga não pode ter o comportamento que aqui vamos mostrar. Na terça-feira, 11 de Fevereiro de 2014, às 13h10, o ZZZ enviou para o JJ um mail que tem passagens deste tipo:
"Agradeço a defesa da minha pessoa e, consequentemente, de todos os que são do Benfica e gostam de futebol."
(...) E depois tem um paleio inacreditável e termina assim:
"Em princípio, vou produzir o meu despacho relativamente ao requerimento de assembleia-geral que solicita a destituição do XXX, no dia 12. Vou enviar-lho antecipadamente. Vou enviar também o teor do requerimento assinado pelo Porto, o Braga, a Académica, Belenenses, Estoril e Tondela. Isto é absolutamente confidencial. Estimado abraço."
(...) temos mais. No dia 16 de Fevereiro de 2014:
"Envio-lhe o requerimento de convocatória da Liga, para observar os clubes que querem voltar ao antigamente e ver os argumentos que utilizam para destituir o ... da Liga. Amanhã vou tomar decisões e aquilo que decidir envio-lhe em primeira mão."
(...) O ... da assembleia-geral da Liga, em vez de informar os clubes, enviava primeiro para o JJ. E depois, mais à frente... portanto, isto é no dia 16 de Fevereiro. E ele cumpriu (...) com o prometido. (...) E no dia 21 de Fevereiro, está aqui a resposta dele:
"Por requerimento, e tal, dos clubes"
- que era a Académica, o Estoril, o Futebol Clube do Porto, o Belenenses, Sporting de Braga, o Vitória de Setúbal e o Tondela e tal, nega e tal. Mas ele enviou no dia 20 de Fevereiro para o JJ (...) Só que isto até... os clubes só foram notificados no dia 24.02.2014. Quatro dias depois. (...) Quatro dias depois é que ele notifica os clubes. Mas andamos a brincar? Isto é brincar ao futebol português. Estas pessoas não são sérias. Não são sérias. (...) este senhor não cumpre os mínimos para ser porteiro da Liga, quanto mais ... da assembleia-geral. Este senhor não é sério. Não é sério. E que não venha dizer que isto é um absurdo, como veio comentar. Não, o ZZZ foi uma grande vergonha do futebol português, tal como o XXX e estavam ao serviço do Benfica».
106. O arguido AA referiu, adiante, a partir do minuto 00:48:35:
«mais deprimente ainda é nós constatarmos a mentira que é o futebol português. (...) E isso tem uma origem, chama-se Benfica. Benfica. Este Benfica não honra o nome do Benfica e a história do Benfica».
107. Na continuação do programa emitido no mesmo dia, e em concreto, a partir do minuto 00:56:05, o arguido AA divulgou um e-mail remetido no dia 06.02.2017, pelas 23h46, por BBBB, utilizador do endereço de correio electrónico ..., no qual se identifica como General e Comissário Nacional da Polícia da Guiné-Bissau, a DD, descrevendo-o assim:
«o BBBB (...) enviou um mail ao DD, que eu vou ler, ou pelo menos parte, porque isto é um mail relativamente grande e está escrito com alguma dificuldade de leitura:
"Gostaria, na qualidade de sócio n.° ...50 do SLB, chamar a atenção pela sabotagem preparada para o Benfica não conquistar o título de tetracampeão por uma simples razão: na temporada 2015/2016 assinámos acordo de prestação de serviço, no qual o dr. WW foi intermediário, o que resultou na conquista de tricampeão. E segundo informação, o Sr. Presidente congratulou-se com a nossa prestação de serviço, o que o levou a aceitar a renovação de acordo para esta temporada. Acontece, no entanto, que o Sr. WW não conseguiu através da assembleia-geral integrar a nova direcção do Benfica, resolvendo pura e simplesmente deixar de intermediar-nos com Sua Excelência, e nem sequer nos informou o Sr. ... de nada e que nos deixou completamente cansados. E o acordo não foi assinado até agora e mesmo assim continuamos a trabalhar e só deixámos nos dois jogos, nomeadamente, da Taça da Liga com o Moreirense e com o Setúbal, resultando nas duas derrotas. Assim solicitamos a intervenção da Vossa Excelência para indigitar com o maior sigilo o intermediário, que permita que o acordo seja assinado e permitir que o Benfica conquiste o tetracampeão, Taça de Portugal e ir longe na Taça da Liga dos Campeões, cujos oitavos de final começa já na próxima semana, e que garantimos que com o nosso trabalho vamos passar a eliminatória sem falta. Acredite Sr. ... em nós, porque já demos provas mais que suficientes, e por um lado concluímos que o WW quer ver desgraças na nova direcção e não conquistar o título. Obrigado. General Dr. BBBB, comissário nacional da polícia da Guiné-Bissau."
(...) No dia 09.02.2017, o DD responde:
"Não sei nada desses assuntos, como não tenho conhecimento. Caso exista algo mais em aberto, poderá marcar reunião no Benfica ainda este mês. Meus cumprimentos."
E no dia 13.02.2017, o BBBB volta a dizer:
"Sua Excelência. Sr. ..., preocupa-nos muito o jogo de terça-feira, Liga do Champion, um jogo que será muito difícil, por isso queremos fazer o Benfica passar esta eliminatória, mas que será pago logo após o segundo jogo na Alemanha. Assim, urge a necessidade de fazer com que seja assinado o acordo de prestação de serviço para esta temporada, e uma vez que continuamos o trabalho até hoje, mas com excepção do jogo Moreirense/Benfica, Taça da Liga e Setúbal/Benfica campeonato, mas se Vossa Excelência achar que o tempo é curto para fazer a assinatura antes do jogo de terça-feira, então um sms para autorizar o nosso trabalho do jogo. Obrigado e fortes abraços. General Dr. BBBB."
E o DD responde:
"OK
E então no dia 14.02, no dia seguinte, o BBBB envia um mail para o DD:
"Excelentíssimo Sr. ... do Sport Lisboa e Benfica, Sr. DD, proposta de acordo: a temporada de 2016/2017, que se iniciará no dia 7.8.2016 com o jogo da Supertaça, pode ser e constituir uma renhida luta pela conquista do título de campeão, no qual o Benfica poderá fazer a história da sua existência e conquista do tetra campeonato do futebol português" - isto está escrito mesmo assim - "O que implica a imperiosa necessidade de celebrar acordo mútuo de prestação de serviços entre as partes com base nos seguintes termos: 1- O primeiro outorgante compromete a pagar ao segundo outorgante de conformidade com as cláusulas abaixo descriminadas:
Ponto 1 - Para o jogo e conquista da Supertaça paga a quantia de 5 mil euros em caso de vitória e logo no dia seguinte.
Para o campeonato paga a quantia de 100 mil euros, no fim do campeonato, em caso de vitória-tetracampeão.
3 - Jogo da Liga da Champions, paga a quantia de 10 mil euros em cada jogo da fase de grupos, em caso de vitória para liderança, para oitavos de final. Paga ainda a cada jogo de eliminatória a quantia de 30 mil euros em caso de vitória logo no dia seguinte.
Paga a cada jogo da Taça da Liga Portuguesa e Taça de Portugal a quantia de mil euros, respectivamente, em caso de vitória e logo no dia seguinte.
Paga a quantia de 5 mil para o jogo da final da Taça de Portugal em caso de vitória logo no dia seguinte e aplica-se igualmente para a final da Taça da Liga.
Este acordo entra imediatamente em vigor logo após a assinatura das partes, Lisboa."».
108. O arguido AA prosseguiu, relatando a resposta conferida por DD a BBBB no dia 09.02.2017, pelas 12h36, afirmando, ao minuto 01:01:28:
(...) o DD mandou um e-mail ao BBBB a dizer assim:
"O que passou-se?".
109. A partir de 01:01:40 do programa, o arguido AA relatou a subsequente troca de mensagens da seguinte forma:
«A resposta do BBBB foi:
"A infelicidade que passou deriva da minha ausência da Guiné. Quem estava ateste disso para preparar o jogo não o fez no devido momento porque devia, 48 horas antes, o mestre em Lisboa ficou todo o tempo à espera de comunicação e nada. Só ontem de manhã é que comunicou e já era tarde e cheguei de madrugada. O mestre ficou decepcionado e agora vamos concentrar-nos no essencial que é o campeonato e Taça de Portugal" (...) "Agradeço a vossa compressão e jamais acontecerá"».
110. A partir de 01:02:55, o arguido AA afirmou:
«Eu nem sei o que é que devo pensar disto, porque é assim, isto põe em causa quem? Põe em causa os jogadores, o treinador, mas põe em causa outras pessoas (...) isto põe em causa o PP (...) o TTT, o QQ (...) o JJ, o XXX. Então, anda-se a criar um polvo para quê? Então, anda-se a fazer... a criar este monstro que tudo permite ao Benfica e nada permite aos outros, que cria um clima de benefício permanente e depois vai-se fazer a bruxaria?».
111. O arguido AA afirmou ainda, a 01:03:32:
«Isto é um backup do polvo.
112. A partir de 01:20:51, o arguido AA afirmou também:
«O Benfica recebeu um pedido do Sr. MM para comprar bilhetes baratos, um pedido perfeitamente legítimo para comprar bilhetes baratos para levar avós e netos de uma pequena aldeia do concelho da ... ao Estádio da Luz. O que é que o Benfica fez? Aproveitou-se disso para procurar comprometer o ... da Associação...».
A EMISSÃO DE 30 DE JUNHO DE 2017 DO PROGRAMA “..."
113. No dia 30.06.2017, o arguido AA esteve presente no programa “...” do ..., tendo nessa ocasião, ao minuto 00:01:22, afirmado:
«Na peça que agora vimos, o DD dizia duas frases: 'conservar distância em relação a comportamentos que não são próprios da actividade desportiva' e 'no nosso clube não existem actos praticados à margem da lei, nem condutas que possam ser objecto de censura'. Pelo que tem sido divulgado, o que há é exactamente isso, e há muito disso. Há muito disso».
114. Ao minuto 00:04:12, o arguido AA questionou:
«Por exemplo, que razão, porque é que o Benfica precisa de monitorizar SMS do ... da Federação, EE?».
115. E, ao minuto 00:04:37, continuou:
«Para que é que serve ao Benfica que o Sr. TTT envie informação íntima de árbitros de futebol e de elementos, e de responsáveis da arbitragem? Para que é que isso serve? É que isso aconteceu. Isso existiu. Portanto, importa esclarecer estas coisas.».
116. Por fim, ao minuto 00:06:13, o arguido AA afirmou:
«O futebol português precisa de ser limpo deste tipo de comportamentos.».
117. No programa “...” de 08.08.2017, o arguido AA, ao minuto 00:46:01, deu a conhecer publicamente os termos de uma mensagem de correio electrónico enviada, no dia 16.12.2015, por OO para os advogados CCCC e DDDD com conhecimento para PP:
«(...) o OO enviou um e-mail
"Caríssimos drs. CCCC e DDDD..." (...) "li a vossa réplica que naturalmente saboreei até ao último parágrafo. Relativamente à possibilidade de incluirmos mais testemunhas, vejo com alguma dificuldade termos mais elementos. Tenho presente que o EEEE me confirmou ter participado no almoço entre Fevereiro e Março que juntou FFFF e o GGGG e onde foram debatidos diversos temas da actualidade desportiva. Estiveram presentes também o advogado dele, o careca, e aquele lagarto do Sol que não me lembro o nome. Penso que é por aí que o HHHH chegou ao FFFF. Será que vale a pena chamar o EEEE e o GGGG?"
(...). E agora vamos ao que interessa:
"Relativamente às testemunhas já indicadas, creio que seria bom Vossas Excelências conversarem com cada uma delas e questioná-las sobre os factos para verificar os respectivos conhecimentos e memórias" (...) "Recordo ainda que temos o famoso interveniente que imprimiu em Junho os documentos do FFFF para o HHHH, mas que só devemos utilizar em última instância" (...) "Quanto ao computador do FFFF por acaso já se lembraram de primeiro pedir que o mesmo seja analisado pelo nosso pessoal técnico? Um abraço".».
118. Em seguida, o arguido AA deu conta da resposta facultada por PP a todos os intervenientes da anterior troca de mensagens no dia 16.12.2015, pelas 12h09, referindo:
«E o PP responde passados uns minutos (...) e diz:
"Caros, não me posso pronunciar sobre a réplica porque não a recebi"
(...)
"Relativamente a qualquer análise por terceiros ao PC do FFFF já fiz chegar a minha opinião ontem ao dr. CCCC" (...) "Nunca se sabe o que esse louco ali metia, desde contactos, a Jogadores de outros clubes, opiniões, contactos relacionados com a arbitragem... por isso é um risco elevado".».
119. Após o que o arguido AA relatou a resposta de 16.12.2015, pelas 12h14, de OO ao e-mail de PP:
«O OO não fica convencido (...) responde novamente:
"Já lhe levo a réplica. Relativamente ao PC"
(...)
"insisto que seria feito por gente nossa em que tenho total confiança".».
120. Ao minuto 00:58:15 do referido programa transmitido no dia 08.08.2017, o arguido AA disse o seguinte:
«(...) temos aqui uma coisa muito engraçada. No dia 4 de Outubro de 2016 (...) um senhor chamado IIII (...) cujo endereço de e-mail é ... (...) enviou para o PP um curto e-mail:
"Bom dia PP, anexo fotocópia do meu cartão de cidadão e dos autos de posse dos órgãos sociais"
(...)
"Abraço ...."
(...) e depois vem o cartão de cidadão lá em anexo e de facto é igualzinho ao Sr. WWW
(...) Aliás, diz assim 'cartão de cidadão JJJJ, masculino' (...)
Mas então o que é que se passava? (...) Queria que o PP o ajudasse na batalha que ele estava a iniciar pela conquista da Associação... (...) juridicamente, para arranjar um parecer e defender a tese dele.
121. E, a 01:03:30 do programa, continuou o arguido AA nos seguintes termos:
«(...) será que só o WWW é que recorria a esses expedientes? Não, não, não. (...) Porque por exemplo (...) há aqui um e-mail que se chama ... "Ricardo, depois explico-te este e-mail."
Vocês sabem de quem é que estou a falar. O Sr. KKKK começa-se a destapar a careca do Sr. KKKK (...) o Dr. KKKK é ... do TAD (...).».
122. No programa “...” transmitido no dia 15.08.2017, ao minuto 00:23:21, o arguido AA começou por relembrar os e-mails acabados de referir.
123. Ao minuto 00:25:02, o arguido AA passou a descrever as subsequentes trocas de correspondência e os respectivos conteúdos, referindo:
«No sábado, 24 de Dezembro, dia da consoada, pelas 17h33... curiosamente, tinha recebido no dia 23 de Dezembro às 17h33 e enviou às 17h33 (...) o LLLL envia ao WWW o parecer. E o WWW, no dia 26 de Dezembro, portanto, na segunda-feira, (...), às 13h06 é que encaminha a factura para o PP (...) andaram aí uns cartilheiros a dizer que não sabiam se a factura era verdadeira, se era falsa. A factura está aqui. Está aqui a factura. É verdadeira. Está aqui. Não a vamos divulgar com mais pormenor porque tem dados que consideramos pessoais, designadamente, o NIB e o IBAN da ..., mas isto tem coisas muito interessantes, portanto, isto é enviado para o JJJJ, tem a morada dele, que não vamos divulgar, condições de pagamento: pronto pagamento.».
124. A factura em questão foi exibida no programa com detalhe suficiente para se concluir, da imagem, pelo menos o valor da factura, o qual era de €18.450,00.
Programa ... do dia 22 de Agosto de 2017
125. No programa “...” transmitido no dia 22.08.2017, ao minuto 00:14:52, quando os comentadores assíduos do painel discutiam sobre uma opção do vídeo-árbitro VV, o arguido AA relembrou os e-mails que já havia divulgado e que consistiam em troca de correspondência entre QQ e JJ, referindo-se aos mesmos da seguinte forma, ao minuto 00:15:22:
«Eu queria só recordar o que escreveu para o Sr. JJ, o Sr. QQ:
"Temos dois árbitros que não sendo internacionais por vários motivos, têm demonstrado melhores prestações que os internacionais, entre os quais, TT, UU, SS, VV, WW, XX e YY”.».
126. Neste mesmo programa, ao minuto 00:43:37, o arguido AA tornou a revelar e-mails, desta vez, oriundos de alguém que se identifica como MMMM e utiliza o e-mail ..., e destinados a PP, da seguinte forma:
«No dia 19.2.2016, a MMMM (...) enviou um e-mail, imaginem para quem, para o PP, e esse e-mail não tinha texto e tinha um anexo. E esse anexo, o que é que era? Esse anexo era o relatório de observação do árbitro no jogo Moreirense-Belenenses, jogo esse que foi arbitrado pelo árbitro UUU. Esse jogo terminou com o resultado final de 3-2 para o Belenenses. Este interesse da MMMM pela arbitragem portuguesa é estranho... (...) portanto, aqui o que vai é o relatório do observador que deu uma nota muito insatisfatória, porque foi um 2.3, ao desempenho do árbitro UUU, portanto, o muito insatisfatório é entre o 2 e 2.4 e o árbitro UUU teve uma avaliação e a MMMM envia isto para o PP. Mais tarde, em Março, no dia 23 de Março de 2016, o Sr. árbitro, UUU, envia para o TTT, o menino querido, envia para o TTT um e-mail sem texto, mas que traz em anexo o processo 57, profissional
"Reclamante - UUU. Equipa visitada - Moreirense, equipa visitante - Belenenses",
portanto, era o recurso à Comissão de Análise e Revisão. (...) Portanto, ele enviou para o TTT. O TTT envia isso para a MMMM. A MMMM, por sua vez, envia para o PP novamente. E isto é o recurso. O recurso em que o UUU pede... acha que foi mal avaliado e acha que a nota de 2.3, deveria passar para 3.4 que é... 3.4 é bom, fica a uma décima de muito bom, mas já é uma excelente nota. A Comissão de Análise e Revisão na sua decisão final diz que:
"o CAR decidiu por unanimidade e em face dos factos apontados que a nota atribuída deve manter-se em 2.3, tal como consta do relatório do observador",
portanto, mantiveram a nota. Mas então, o que é isto da MMMM? A MMMM não é nem mais nem menos do que o alter ego do TTT. O TTT tem um segundo e-mail cujo nome é MMMM e cujo endereço é ....
Programa ... do dia 5 de Setembro de 2017
127. No programa “...” transmitido no dia 29.08.2017, ao minuto 00:44:17, o arguido AA revelou o conteúdo de um e-mail remetido por TTT no dia 09.03.2014, pelas 20h47, a PP, referindo-se ao mesmo, da seguinte forma:
15/12, do computador do jornalista NNNN, d'A Bola, (...) foram escritas uma série de perguntas, que foram enviadas para o KK. O KK enviou as (...) perguntas para o OOOO. O OOOO, no dia 19/12 manda a entrevista escrita... as respostas às perguntas para o KK. O KK, no dia 22/12, manda um mail ao DD a dizer assim:
"..., apague a outra versão. Segue uma versão mais recente, onde no final meto algumas ideias de força que quero meter na entrevista para abordar temas recentes que talvez nos interesse falar".
Meto? Depois, (...) no dia 23, envia para o PP (...) e para o OO. (...) No mesmo dia respondem o KK e o PP respondem com os seus próprios acrescentos (...).».
129. E, ao minuto 00:56:29, o arguido AA prosseguiu, divulgando o restante conteúdo das mensagens de correio electrónico que continham a entrevista escrita:
«(...) no dia 26/12, aqui está a versão final da entrevista, que as pessoas d'A Bola a desconheciam. (...) E no dia 2 é publicado isto. 'Muito trabalho, pouca conversa e juntos somos mais fortes’. Primeira pergunta: 'Qual foi o momento mais feliz do seu ano desportivo de 2016?'. Primeira pergunta aqui:
"Qual foi o momento mais feliz do seu ano desportivo de 2016?".
Resposta: 'O momento em que ficou claro'. isto aqui está truncado, mas... 'nunca deixar que nos dividissem em factores que levassem à conquista do tricampeonato de futebol'.
"Factores que nos levassem à conquista do tricampeonato de futebol e bons resultados noutras modalidades".
Segunda pergunta: 'E a situação mais desagradável?'. Segunda pergunta:
"E a situação mais desagradável?".
Resposta: 'Sempre que os resultados fiquem aquém do trabalho que realizamos'.
"Sempre que os resultados fiquem aquém do trabalho que realizamos".
'O Benfica acabou o ano de 2016 mais forte do que tinha acabado o ano de 2015?'
"O Benfica acabou o ano de 2016 mais forte do que tinha acabado o ano de 2015?"
'Espero que volte a fazer a mesma pergunta em 2017'.
“Espero que volte a fazer-me a mesma pergunta em 2017".
'Porquê?'
“Porquê?"
'Porque aprendemos com as dinâmicas de'...
“Porque aprendemos com a dinâmica de"... “ganhe".
Programa ... do dia 19 de Setembro de 2017
130. No programa “...” transmitido no dia 19.09.2017, ao minuto 00:29:06, o arguido AA relatou ao vivo uma troca de mensagens de correio electrónico entre PPPP, PP e DD, ocorrida em 05.01.2015.
131. O arguido AA referiu-se a estas mensagens de correio electrónico da seguinte forma:
«No dia 5 de Janeiro de 2015, no início do ano, uma funcionária do Benfica chamada PPPP, ..., enviou um e-mail para o PP em que diz:
“Bom dia. Venho por este meio informar que estou a receber pedidos para inscrições de atletas, mas que os mesmos não vão ficar disponíveis enquanto não for enviada à Liga Portuguesa de Futebol Profissional a documentação referente às infracções salariais e enquanto a situação do QQQQ não ficar resolvida. Como fazemos?"
(...) Mas o PP resolveu tratar do assunto e enviou um e-mail ao DD a dizer:
“..., para poder demonstrar perante a Liga que temos a situação regularizada com todos os atletas vinculados ao SLB, sob pena de não se poder proceder a novas inscrições, temos pendente uma única situação e que está relacionada com o QQQQ. O atleta não assina a declaração de que o SLB nada lhe deve, porquanto desde Agosto que o seu pai vem reclamando o pagamento do salário de Julho, uma vez que o contrato de empréstimo com o AS Mónaco só foi celebrado em 8 de Agosto. Ainda que o jogador tenha declarado que nada mais tem a exigir do SLBenfica relativamente à época desportiva 2014-2015 porque o contrato de empréstimo refere que o Mónaco é responsável pelo pagamento dos salários desde o dia 8 de Agosto e diante da recusa do atleta em assinar qualquer declaração, não temos outra alterativas...é duvidoso...que não processar e pagar o mais urgente possível o salário de Julho de 2014 no valor ilíquido de ...não vamos revelar".
Ao que o DD (...) responde desta singela forma:
"Processa, portanto, processa, faz o pagamento. Este não volta a vestir a camisola do Benfica."».
132. No mesmo programa “...”, ao minuto 00:35:47, o arguido AA continuou a revelar e-mails trocados com colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” da seguinte forma:
«Vamos aqui revelar uma coisa que mostra a extensão do polvo do Benfica (...) o Sr. RRRR é observador de árbitros. Já foi observador de árbitros na primeira categoria (...) E no dia 10.11.2016, portanto, há menos de um ano, em Novembro do ano passado, enviou para o PP (...) o seguinte:
"Viva. Para conhecimento antecipado, dado ser uma data que antecede a viagem à Turquia, remeto-lhe uma cópia de uma notificação para o SSSS. Agradeço discrição quanto ao assunto, uma vez que nem sequer é da minha secção. Ok? Abraço."
Isto trata-se de uma notificação judicial. Nada de especial. O SSSS iria testemunhar num processo em que o arguido era o Vitória Sport Clube (...) mas há um funcionário judicial que se dá a particularidade de ser observador de árbitros e antigamente ser árbitro de futebol da primeira categoria, a enviar este tipo de informação para avisar (■■■).».
133. Ainda no programa transmitido a 19.09.2017, em canal aberto, a 01:00:28, o arguido AA revelou correspondência electrónica trocada entre KK, NN e DD:
«Anterior à visita do FCP à Luz, em que o KK envia no dia 20 de Março de 2017, portanto, nós jogámos em Março na Luz e era referente a isso:
"NN, tenho um pedido expresso do TTTT para dois lugares de tribuna, para ele e a esposa, para o SLB-FCP."
Está assim escrito. E a NN, responsável pelo protocolo do Benfica, é assim que ela se apresenta, enviou um e-mail para o DD a dizer:
"Reencaminho para si este pedido do KK. Devo colocar em lista de espera? Agradeço o seu comentário."
E o DD responde desta forma:
"Olá NN. O TTTT e a esposa merece estar perto de mim"
- merece estar perto de mim (...).».
Programa ... do dia 10 de Outubro de 2017
134. No dia 10.10.2017, no programa “...”, o arguido AA, ao minuto 00:35:20, revelou conteúdo de correspondência electrónica trocada entre alguém que se intitula UUUU, WW, ..., e entre este e PP e VVVV (que, à data, era ... do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”), descrevendo-o da seguinte forma:
«Nós escolhemos aqui divulgar uma coisa que envolve um antigo árbitro, portanto, uma pessoa que já não está em actividade, na sua actividade de árbitro já há muitos anos. (...) No dia 25 de Março de 2014, o Sr. UUUU, não sei se estão a ver quem é que é o Sr. UUUU. (...) É mais um nickname. Alguém com muito poder que se movimenta num escritório de advogados importante e que é de ... e tal e coisa. Não sei se me estão a perceber (...) Então ele envia um e-mail, no dia 25 de Março, para o WW, que diz assim:
"Visionem o seguinte vídeo."
Depois tem aqui um link.».
135. No referido vídeo, que foi transmitido ao minuto 00:36:34 do programa em causa, era exibido III a falar, referindo, em concreto: “Presenciei isso, não foi com árbitro português, foi numa competição internacional para as competições europeias. O Benfica, à semelhança daquilo que faziam a generalidade dos clubes, ao receber as equipas de arbitragem, naquele tempo, cá em Lisboa, as equipas de Lisboa levavam as equipas de arbitragem para um estabelecimento nocturno muito conhecido. E uma equipa de arbitragem, chefiada por um árbitro francês muito conhecido, foi para esse estabelecimento, enquanto estava lá dentro o árbitro... tinha umas senhoras na mesa a acompanhar a equipa de arbitragem”.
136. E, na sequência do vídeo, o arguido AA continuou a descrever o conteúdo do referido e-mail:
«E depois diz:
"Alguém que faça chegar esta informação a quem de direito, porque isto não pode passar em claro. Ou o gajo prova o que diz ou é entalado."».
137. Ao que após, continua o arguido AA:
«O WW, nesse mesmo dia, encaminha este e-mail do WWWW para o PP e XXXX, com o mesmo assunto:
"III Benfica árbitros e meninas".
Depois no texto
"PP e TTTT, o que é que podemos dizer sobre isto?"
(...)
"Um abraço".
(...) O PP com a fineza que lhe é característica responde, passado pouco tempo, e diz assim:
“Eu não alimentava a novela e partia-lhe a cara".
(...) Ao que responde o WW, novamente:
“Por mim era mesmo isso. Se quiserem..."
(...)
“Chamo-lhe tudo, esse gajo é um refinado filho da puta".
(...) Eu não sei se vieram a partir a cara ou não, mas o III não é de facto uma pessoa benfiquista no Benfica. Ao YYYY partiram. Porque, na mesma altura de 25 de Março de 2014, 11 de Abri! de 2014, portanto 15 dias depois, o ZZZZ, também ..., envia para o JJ um documento manuscrito sobre o III e o que é que diz isso? O que é que diz aqui? (...) Sim, mandado por PDF ou digitalizado. Dados privados, íntimos do III. Profissionais, pessoais, o nome completo da mulher, a morada, coisas sobre a família, número de filhos, etc., etc. Coisas que não interessa.».
Programa ... do dia 24 de Outubro de 2017
138. No programa “...” transmitido no dia 24.10.2017, ao minuto 00:45:10, arguido AA tornou a relembrar correspondência trocada entre JJ e QQ, da seguinte forma:
«Não é verdade porque nós, aliás, em devido tempo, quando revelámos a correspondência do JJ e do QQ, aquela famosa dos padres, a dada altura, o JJ envia para o QQ o seguinte:
“Sei que o nosso primeiro-ministro"
(...)
“quer que seja esta a postura e se ele traçou esta estratégia, nós temos que segui-la. Ele lá sabe o que anda a fazer. E, na verdade, não temos tido muita razão de queixa”.».
Programa ... do dia 31 de Outubro de 2017
139. No dia 31.10.2017, em emissão do programa “...”, o arguido AA revelou um e-mail enviado por XXXX a DD no dia 24.06.2016.
140. Assim, a 01:13:00 do referido programa, o arguido AA pronunciou-se da seguinte forma:
«Eu até fui procurar essas coisas porque a Sábado faiava e encontrei para aqui um extenso email que eu não vou ler todo porque seria a revelar coisas que acho que não devo revelar mas aquilo começa assim:
"Bom dia ..., estive a pensar melhor e não quero falar com o OO na segunda-feira, acho que não faz sentido. Se depois de tudo o que dei ao Benfica ao longo dos últimos 8 anos o OO e principalmente o ... não vêem razões para um gesto mínimo de gratidão para comigo é porque de facto, devo ser uma merda", não fui eu que disse, foi ele, "e tudo o que fiz não foi suficiente para receber reconhecimento por parte do clube e por parte de si”.».
141. Na emissão do dia 28.11.2017 do programa “...”, transmitido pelo ..., o arguido AA, ao minuto 00:45:30, referiu o seguinte:
«O senhor TTT, só para recordar os mais esquecidos, o senhor TTT dizia:
"Obrigado amigo doutor, apenas quero ser um menino querido para vocês e fazer bem o meu trabalho e que o homem confie em mim tal como o doutor"
- o homem é o primeiro-ministro DD, convém recordar isso. Ou então lembrar que foi o TTT que enviou para o PP no dia 9 de Março de 2014 umas coisas do árbitro AAAAA, ou que foi o TTT que enviou sistematicamente informação sobre árbitros, ou que foi o TTT que enviou dados pessoais da vida íntima de árbitros ou de outras pessoas que estão ligadas à arbitragem para o PP. Isso está documentado. E fica aqui a promessa: nós para a semana vamos fazer divulgações de material novo que envolve o TTT. Fica aqui, desde já, a promessa. Na próxima semana teremos no mesmo programa e na terça-feira iremos fazer divulgação de material que nunca foi revelado do TTT enviado para o PP.».
Programa ... do dia 5 de Dezembro de 2017
142. O programa seguinte veio a ocorrer no dia 05.12.2017, data em que foi transmitido mais um “...”, no qual o arguido AA revelou um conjunto de três mensagens de correio electrónico remetidas por TTT a PP e JJ, datadas de 14.04.2015, que continham, em anexo, informações particulares sobre árbitros de futebol.
143. Neste programa, o arguido AA fez referência a uma mensagem remetida por TTT a PP no dia 14.04.2015, na qual apenas estava escrito “Abraço”, seguindo em anexo fotografias de árbitros profissionais de futebol, que foram exibidas para as câmaras, e um documento contendo dados da equipa de arbitragem do jogo Belenenses vs SLB, como o nome, filiação clubística, profissão, naturalidade, telemóvel e apreciações quanto ao maior ou menor favorecimento em relação ao SLB.
144. A partir de 01:01:52 do programa, o arguido AA referiu-se a este e-mail da seguinte forma:
«No dia 14 de Abril de 2015, o TTT enviou para o PP um email que só dizia "abraço" e depois tinha um anexo. O anexo o que é que era? O anexo tinha fotografias, não sei se é visível, tem aqui uma fotografia do BBBBB, do CCCCC, do DDDDD, uma série de pessoas (...). E tinha um documento. E então o que é que é o documento? Nesse dia tinha sido nomeada a equipa de arbitragem que iria dirigir o jogo Belenenses - Benfica e então o TTT envia para o PP (...) ele envia um e-mail a dizer que o árbitro é o BBBBB, que o primeiro árbitro assistente é o CCCCC, o segundo é o EEEEE e o quarto árbitro é o DDDDD. E depois põe:
"árbitro BBBBB, adepto confesso do Futebol Clube do Porto, irmão de MMM, natural do ..., ..., telemóvel 91" tal, tal, tal (...)
"arbitra pela quarta vez na época um jogo do SLB, arbitragens impecáveis nos últimos três jogos”. (...) “Árbitro assistente 1, CCCCC, adepto confesso do Sport Lisboa e Benfica, natural de ..., trabalha no ... em ..., telemóvel 96” tal, tal, tal (...).».
145. No seguimento do programa, o arguido AA descreveu, igualmente, uma mensagem de correio electrónico remetida em 19.03.2015, por TTT a PP, cujos anexos continham informação sobre a equipa de arbitragem do jogo Rio Ave vs SLB, em concreto, e, novamente, o nome, filiação clubística, profissão, naturalidade, telemóvel e apreciações sobre maior ou menor favorecimento ao SLB.
146. Então, o arguido AA referiu-se a esse e-mail da seguinte forma:
«Mas não é só, porque por exemplo, eu trago aqui no dia 19 de Março de 2015 também, houve a nomeação para o célebre jogo Rio Ave - Benfica:
"Árbitro FFFFF, adepto confesso do Sport Lisboa e Benfica, natural da ..., profissional da arbitragem, telemóvel 91"
tal, tal, tal, tal.
"GGGGG, árbitro assistente número 1, confesso adepto do Sport Lisboa e Benfica, natural de ..., profissional da arbitragem, recebeu as insígnias da FIFA em Janeiro de 2015 (...)"».
147. E, por fim, nesse mesmo programa “...”, o arguido AA deu conta de um e-mail remetido por TTT a JJ no dia 06.10.2015, cujo tema de conversa seria o árbitro HHHHH:
«No dia 6 de Outubro de 2015, TTT envia um email para o JJ (...):
"Este árbitro é oriundo da Associação..., tirei o curso com ele em 2002 e é protegido do staff do Futebol Clube do Porto (IIIII, JJJJJ, KKKKK, LLLLL e MMMMM) e também por NNNNN, OOOOO e PPPPP" (...) "é sócio e adepto do Futebol Clube do Porto, odeia o SLB" (...) "e está proibido de subir a C1"».
148. A partir de 01:11:12 do mesmo programa, o arguido AA referiu- se a um outro e-mail remetido por TTT a PP, em anexo ao qual seguiu uma acta dos delegados da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, cujo teor foi revelado, parcialmente, pelo arguido AA, referindo-se ao mesmo da seguinte forma:
«(...) em Novembro de 2015, houve uma reunião da Liga com os delegados. Diligente, o TTT logo a seguir enviou um email ao PP. O texto do e-mail não é muito criativo. Diz apenas "abraço", como o costume. Depois temos o anexo e o anexo já é bastante mais criativo. (...) Começa: "19 de Novembro de 2015,18h45 às 23h00", uma reunião longa e tem as presenças, "YYYY, QQQQQ, RRRRR, SSSSS, TTTTT, UUUUU, VVVVV" (...)».
Programa ... do dia 12 de Dezembro de 2017
149. No dia 12.12.2017, em emissão do programa “...”, o arguido AA leu, em directo, mensagens de correio electrónico trocadas entre DD e JJ.
150. Assim, a partir do minuto 00:14:40, o arguido AA deu a conhecer um e-mail remetido por DD, dirigido a JJ, cujo conteúdo se traduzia num alerta a JJ sobre a exposição exagerada que o mesmo vinha a ter no programa da ... e apelando a que não fosse ao programa daquele dia sem antes falar com ele, porque o tema seria o do condicionamento da arbitragem.
151. Quanto ao mesmo, arguido AA referiu o seguinte:
«Eu tenho aqui um... seleccionei aqui um e-mail do DD para o JJ em que lamento que o teclado do DD não tenha vírgulas nem hífens mas vou tentar ler a parte que aqui interessa em que ele diz:
"Estás a expor-te muito na ..., pois eles querem audiência, não podes ser transformado num produto Nestlé, eu próprio vivi esse problema quando vim para o Benfica mal aconselhado, não fales do FFFF mas sim o treinador ..., parece que estamos órfãos, hoje o tema é condicionamento de arbitragem, não vás ao programa sem falar comigo. Depois, liga-me." (...)».
152. Na emissão do dia 19.12.2017 do programa “...”, o arguido AA reportou-se ao conteúdo de novos e-mails.
153. Assim, a partir do minuto 00:14:33, o arguido AA referiu o seguinte:
«(...) Depois, para além desse apoio às claques do Benfica há ainda coisas mais graves. Ainda mais quando se fazem com a conivência da polícia que é o que este email de 2009 demonstra. O mail é enviado por WWWWW, ... do Benfica, para o OO e com conhecimento de PP. E diz assim:
"Caro Dr., tal como falado", portanto, previamente falado,
"havia uma estratégia montada para retardar a entrada dos adeptos do Futebol Clube do Porto. Estratégia essa que incluía a participação da PSP, dado que foi instalada uma segunda linha de revista por parte dos spotters PSP".
Ora eu escuso de ler mais deste email (...)».
154. A partir do minuto 00:19:36, o arguido AA continuou a descrever: «(...) há vários emails, como um outro mail que é a final da Taça de Portugal de Futsal, em que a Federação fornece mil bilhetes ao Benfica, portanto, isto é um jogo em pavilhão, não sei a lotação do pavilhão, são cedidos 400 bilhetes à casa do Benfica na ..., imagino que o jogo fosse naquela região do país, e depois 300 bilhetes foram entregues aos No Name;
"50 bilhetes irão ser entregues ao XXXXX",
não sei quem é o XXXXX, nem interessa para o caso. Aqui o que interessa é que 300 bilhetes foram entregues aos No Name. Não podem entregar bilhetes aos No Name!
155. De seguida, o arguido AA reportou-se a um e-mail remetido por YYYYY a PP no dia 06.01.2009, incluindo um ficheiro anexo contendo informações sobre a claque No Name Boys:
«(...) mas no dia 6 de Janeiro de 2009 o senhor YYYYY, que é um funcionário do Benfica, envia para o PP o seguinte:
"Caro PP, junto ficheiro de acordo com o pedido do senhor ..."
(...) O pedido do senhor DD foi que fosse remetido para o PP um ficheiro com os dados dos No Name Boys. Eu só trouxe aqui uma folha mas isto são variadíssimas folhas e tem os dados, são nome, morada, localidade, código postal, data de nascimento. Portanto, o Benfica sabe bem quem são os No Name Boys».
156. Neste mesmo programa, a partir do minuto 00:31:41, o arguido AA deu conta de um e-mail enviado por OO a PP no dia 21.09.2009, em que o primeiro remetia uma mensagem sobre um contrato realizado pelo BENFICA com a Federação Portuguesa de Futebol, relativo ao jogo Portugal vs Hungria, a realizar no Estádio da Luz, referindo-se ao mesmo da seguinte forma:
«Só mais um e-mail para mostrar de que tipo de gente é que estamos a falar. O OO escreve para o PP na segunda-feira, 21 de Setembro de 2009:
"Podem começar a tratar com o WWWWW e ZZZZZ, quanto ao contrato está fechado do ponto de vista de negócio",
isto deixem-me só contextualizar, isto tem a ver com o jogo (...) Portugal - Hungria no Estádio da Luz, o jogo da selecção. (...) Um contrato com a Federação.
"O ... vai pagar pela porta do cavalo mais 50K",
50.000€,
"veja-se só as componentes jurídicas e pode-se preparar a assinatura",
o ... é bom de ver que se tratava de AAAAAA (...)».
157. A partir de 01:08:47 do programa, o arguido AA divulgou um e- mail sobre a capa de um jornal desportivo, datado de 2009 e enviado por PP a BBBBBB:
«(...) cá vamos a um e-mail. O PP, sempre o PP (...) Porque ele em 2009, em resposta a um e-mail do BBBBBB que só dizia “Babado", diz:
“Caro amigo, obrigado, depois da notícia do branqueamento da UEFA amanhã, sim, vamos ter uma primeira página que me fará feliz. He he he he". (...)».
158. E, finalmente, a partir de 01:09:22, o arguido AA revelou o conteúdo de um e-mail remetido por BBBBBB a PP sobre a condenação do FCP por tentativa de corrupção e sobre a absolvição da mesma entidade junto da UEFA:
«Posteriormente, o BBBBBB, responde novamente e diz:
“PP, o que é certo é que o Futebol Clube do Porto foi condenado por tentativa de corrupção e só se safou na UEFA porque os legisladores de Lyon redigiram o 1.04 com os pés." (...)».
Programa ... do dia 26 de dezembro de 2017
159. No programa “...” transmitido pelo ... no dia 26.12.2017, a partir de 01:01:58 o arguido AA leu um e-mail remetido por II a KK, referindo-se ao mesmo da seguinte forma:
«Mas então o que trazemos cá é um mail de II enviado para o KK, no dia 7 de Setembro de 2016, às 10h57. Este dia é um dia... relevante dizer isto, porque é II envia para o KK um mail que diz assim:
"KK, vê as questões que fiz para enviar ao CCCCCC e dá-me a tua opinião".
O CCCCCC é o ex-jogador, magnífico jogador, ainda me lembro dele mas, actualmente ex-jogador do Benfica (...) actualmente ... para o Benfica, em vários canais, na ..., na ..., e então eu vou ler aqui uma das perguntas que o (...) II sugeriu ao... para o KK enviar ao CCCCCC. Não sei se o KK enviou ou não, iremos ver à frente se enviou ou não.
"Como ex-jogador e ex-treinador do Benfica, tem que afirmar aqui e agora que nunca houve no Benfica e no futebol português nenhum Presidente que respeitasse tanto os jogadores do presente e do passado do Benfica".
(...)
"Por isso estou à vontade para lhe perguntar o que se passou concretamente com o AAA. Esteve ou não para sair?" (...)».
Programa ... do dia 2 de Janeiro de 2018
160. No dia 02.01.2018, no programa “...”, o arguido AA revelou e-mails trocados, recebidos ou enviados por colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”.
161. Assim, o arguido AA leu um excerto de um e-mail enviado no dia 14.03.2017 por DDDDDD para DD, dizendo o seguinte, ao minuto 00:02:03:
«Boa noite DDDDDD. Ao longo destes meses fomos sempre mostrando a teia que o Benfica, o que nós aqui baptizamos de polvo, que o Benfica foi mostrando no futebol português para ter o controlo de várias instituições, de vários grupos, de vários... De várias entidades, para servirem os interesses do Benfica, para contribuírem de forma irregular, para o sucesso desportivo, desportivo do Benfica. Com esta... Com a divulgação destes mails agora, através da internet, chegamos ao cúmulo do próprio Benfica, serem pessoas ligadas ao Benfica, a reconhecerem isso mesmo, a assumirem isso. E isso acontece num email enviado em Março, portanto, há menos de um ano, a 14 de Março de 2017, peio DDDDDD (...) e é ele que envia um extenso e-mail, na altura ainda referente às modalidades, que era a responsabilidade dele até ao final da época passada, em que ele faz uma extensa análise e como é que o Benfica há de fazer para ganhar. E num dos pontos aconselha o DD no seguinte:
"continuar o trabalho de teia do poder que temos conseguido com instituições, clubes, imprensa, para que se possam somar pequenas vitórias em todos os campos. Empréstimos de jogadores, relação com a Federação, Conselhos de Arbitragem e afins.’’».
162. A partir do minuto 00:12:30, o arguido AA deu conta de um e- mail enviado por PP para EEEEEE, em que o remetente pedia a marcação de um quarto, no hotel onde estava instalado, para JJJJ, bem como a disponibilização de dois convites para aquele:
«E hoje mesmo ficamos a saber, através de um mail do PP para a EEEEEE, que é uma funcionária do Benfica, que o WWW viaja, tem estadias pagas pelo Benfica:
"NN, para Dortmund, necessito que reserves um quarto no meu hotel de 8 para 9, em nome de JJJJ. Ele vai pelos meios próprios. Mais necessito que reserves, se possível, dois convites para ele"».
163. A partir do minuto 00:13:26, o arguido AA descreveu um e-mail remetido por PP a EEEEEE, datado de 27.03.2017, em que o primeiro solicitava a disponibilização de convites para TTT, WWW e RRRR:
«Mas há mais coisas dessas, porque a 27 de Março de 2017, também mais uma vez há menos de um ano, mais uma vez o PP enviou um mail para a EEEEEE a pedir:
"Para além dos bilhetes que requisitei" e tal, "preciso dos seguintes convites: TTT, três; WWW, quatro; RRRR, três"».
164. A partir do minuto 00:19:24, o arguido AA revelou um e-mail remetido por II a DD, em Março de 2017, com um orçamento para um blog, solicitando a aprovação do seu destinatário:
«E convém recordar quem porventura não tenha acompanhado isso, que o autor das cartilhas é o II e que continua a apresentar-se aos portugueses como um comentador de futebol independente, ele de independente não tem nada, mas mais do que não ter nada, é que ele presta-se a fazer um tipo de coisa ignóbil e que eu passo a explicar. Ele em Março envia um e-mail ao DD a dizer:
"DD, em anexo envio orçamento do blog para sua aprovação. A rede de colaboradores e informadores é muito importante para recebermos boas informações e ao mesmo tempo eles divulgarem as nossas notícias. Em princípio, hoje mesmo inicia a actividade. Abraço, II".
E depois em anexo, tem o orçamento do blog ....
"Custos de construção: 1000€; Custos de inscrição do domínio: 61,40€; manutenção anual: 100€; Custos com pessoal: mensal; Director II: a definir; Informático FFFFFF: 500€; Rede de colaboradores/informadores: ..., RP: 400€; ..., LD: 300€; ..., JB:400€; ..., AA:400€; ..., SK: 400€; ..., RB:400€; ..., VR: 300€; ...: CN: 300€; ..., JN: 400€. Observação: para manter o máximo de confidencialidade e sigilo, os pagamentos deverão ser feitos em cash. Proponho que os pagamentos sejam feitos até ao dia 15 de cada mês."».
165. No mesmo programa, a partir do minuto 00:30:20, o arguido AA reportou-se a uma mensagem de correio electrónico remetida por GGGGGG a PP, HHHHHH, IIIIII e OO, mensagem esta que havia sido recebida por alguém pertencente ao grupo No Name Boys:
«Mas reparem uma coisa. O Benfica que anda sempre a repetir isso à exaustão, ad nauseam. Em 2010, o GGGGGG encaminha para PP, JJJJJJ, IIIIII e OO um mail que tinha recebido dos No Name. E o mail é assim:
"KKKKKK, Rua ..."
(...)
"carro ..., novo, deste ano, um filho da"
(...)
"que não tinha onde cair morto, que andava a imitar o"
(...)
"do LLLLLL nos programas da ... e sem dentes, o filho da"
(...)
"mas cai-lhe agora. Matrícula: 21",
tal, tal, tal.
"Estes"
(...)
"pensam que brincam com o Benfica, mas estão enganados! É para haver bronca e da grossa. É que este artista, que tão bem conhecemos, se levar com um carregamentozinho a sério, amocha, ai amocha. Se ninguém lhe fizer nada é que continuamos na mesma. Porque esta corja quando se sente apertada, e a família, pensa duas vezes antes de ousar brincar connosco. Paguem-lhe o que lhe pagarem, pensa duas vezes! Em honra do nome Sport Lisboa e Benfica, divulguem esta merda. O JJJ vai para a próxima. Um abraço"».
166. Entre os minutos 00:45:54 e 00:46:30, o arguido AA referiu-se a um e-mail remetido por MMMMMM, solicitando um reforço da provisão para prestação de serviços jurídicos:
«(...) Nós já fartámos de aqui revelar documentação que atesta, comprova, sem margem para qualquer dúvida, o apoio do Benfica. Pois hoje vamos voltar a fazê-lo com novos elementos que acrescentam aos que já revelamos ao longo do último ano, é um serviço que estamos a prestar à sociedade portuguesa. (...) Em 2010, estava em julgamento o célebre caso dos No Name Boys, que é aquele caso que tinha a ver com tráfico de droga, tráfico de armas proibidas, um sem número, crime da pesada, crime da pesada. E nós percebemos agora que há aqui uma...um esquema, que o Benfica utiliza para suportar os custos da defesa de três arguidos dos No Name Boys. Defesa essa que com certeza não será barata porque recorre ao escritório do ... MMMMMM, um dos ... mais afamados do país, mas cujo pagamento é sucessivo, o MMMMMM manda as facturas para o escritório ..., que é o escritório do ..., por exemplo, do NNNNNN e do CCCC, ... do Benfica, que ainda recentemente reconheceu a existência de tráfico de influência nesta história dos mails, que por sua vez enviam para o Benfica. (...) E isto percebe-se aqui claramente. O MMMMMM manda um mail:
"vimos solicitar um reforço da provisão dos honorários inicialmente solicitada e que já se encontra totalmente esgotada no montante de 10.000€. Acrescerá o valor de IVA à taxa legal em vigor".
Nós podíamos dizer, mas o MMMMMM até nem sabia disto...Não, mas sabe. Sabe porque o MMMMMM no mail que envia para o DDDD diz:
"tanto quanto julgo saber, o Dr. PP encontra-se em período de gozo de merecidas férias"».
167. Entre os minutos 00:49:10 e 00:49:45, o arguido AA fez menção a um e-mail remetido por OOOOOO a PP com um projecto de tarjas dos No Name Boys, para aprovação do último e posterior pagamento:
«Mas há mais elementos que comprovam o apoio do Benfica às claques. (...) Depois temos aqui, muito rapidamente, o OOOOOO envia para o PP o projecto de umas tarjas, dos No Name Boys e a sequência disto é que o PP pede um orçamento e depois o Benfica paga isto, no valor de 45000€ ou à volta desse custo, 45000€. E o Benfica paga essas faixas que ainda hoje em dia são usadas. Nós podemos vê-las nos jogos».
168. No programa “...” transmitido no dia 09.01.2018, o arguido AA revelou e-mails trocados com dirigentes da estrutura do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, referindo-se, ao minuto 00:13:00, à correspondência electrónica trocada da seguinte forma:
«Na sexta-feira, 15 de Novembro de 2013, o DD encaminhou um mail para o JJ, sem qualquer texto. O mail tinha apenas um anexo. O anexo era um documento word, que tem um texto que não é particularmente relevante, o texto procura... debruça-se sobre os observadores dos jogos, vem na sequência de um Benfica - Sporting arbitrado pelo árbitro PPPPPP e alguém escreve:
"Hoje é adquirido que PPPPPP fez um bom trabalho, o único lance em que alguém pode apontar possível erro é um lance impossível de descortinar"
(...) O que é que este documento tem de particular? É que analisando as propriedades do documento, nós podemos informar que quem escreveu este texto, que o DD encaminhou para o JJ, foi o senhor QQ».
Programa ... do dia 20 de Fevereiro de 2018
169. No programa “...” transmitido no dia 20.02.2018, ao minuto 00:30:07, o arguido AA divulgou um e-mail enviado pelo ... QQQQQQ, dirigido ao ... DDDD, da seguinte forma:
«Desta vez vamos um bocadinho mais longe. Vamos demonstrar que o Benfica recorre a um expediente miserável, muito pouco ético, para pagar a defesa criminal, a defesa jurídica em processos crime, de elementos dos No Name Boys. E aqui o que está em causa são mails de 2010. Um dos mails enviados pelo QQQQQQ do escritório de advogados do ... MMMMMM, um dos mais proeminentes ... da área criminal do nosso país, e que vemos muitas vezes na televisão quando são assuntos relevantes (...). E o ... QQQQQQ envia para o DDDD, do escritório do CCCC, do NNNNNN e tal, envia um mail a solicitar-lhe o pagamento do caso dos No Name Boys por parte deste escritório. Ele escreve assim:
"Tendo abordado o Dr. PP do Benfica directamente sobre a questão dos honorários, ele pediu-nos que à semelhança do que ocorreu anteriormente remetessem uma factura à vossa sociedade que o ilustre colega daria o necessário encaminhamento."».
170. E o arguido AA prosseguiu, ao minuto 00:32:02, referindo:
«Há depois um mail do PP para o JJJJJJ do Benfica e para o OO em que diz:
"Este pagamento está previsto desde Junho, ainda não foi efectuado. O escritório do MMMMMM tem vindo a pressionar o Dr. DDDD no sentido de regularização dos honorários devidos. Agradecia, pois, a liquidação dos mesmos via escritório do DDDD que enviará de imediato a respectiva factura-recibo de igual valor. Prosseguimento idêntico ao anteriormente levado a cabo aquando da primeira fase, inquérito e julgamento. A justificação do valor em causa segue em e-mail, em separado, para ser dissipada qualquer dúvida, fico ao teu dispor".
(...) passam-se coisas muito graves como isto. Fazer pagamentos a sociedades de advogados, ter sociedades de advogados veículo, para fazer um pagamento final. Isto não é legítimo, não é razoável. Não podemos aceitar que na sociedade portuguesa continuem a existir procedimentos destes e o Benfica não pode estar acima da lei. Não pode. Portanto as autoridades que tomem atitudes (...)».
171. O arguido AA apenas deixou de divulgar e-mails do domínio “@slbenfica.pt” no programa “...”, após decisão datada de 21 de Fevereiro de 2018, proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, em sede de providência cautelar, no âmbito do processo n.° 17448/17.4...
172. Tal decisão determinou que os ali requeridos FUTEBOL CLUBE DO PORTO, FUTEBOL CLUBE DO PORTO - FUTEBOL SAD, FCP MEDIA, S.A., e o arguido AA, além do mais, se abstivessem de publicar ou divulgar, por qualquer meio, no todo ou em parte, directa ou indirectamente, a correspondência (ou suposta correspondência) privada dos requerentes SPORT LISBOA E BENFICA e SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL SAD, nomeadamente, a relacionada com e- mails com o domínio “@slbenfica.pt”.
173. No período compreendido entre 18.04.2017 e 20.02.2018, o arguido AA revelou nos programas “...” transmitidos pelo ... mensagens de correio electrónico trocadas entre colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” e entre estes e terceiros, sem que para o efeito tivesse recebido qualquer autorização do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, por parte desses colaboradores ou terceiros para fazê-lo.
174. Tais divulgações, porque transmitidas em canal televisivo, alcançaram vários milhares de telespectadores, designadamente, e em concreto, no dia 06.06.2017, em que foi registada uma audiência média de 22.000 espectadores e, no dia 13.06.2017, em que se registaram, pelo menos, 61.400 espectadores.
175. Nesses programas, foram lidos e analisados os conteúdos de correspondência electrónica enviada, trocada ou recebida por:
- MM, que assumia, à data, as funções de ... da Associação..., utilizador do e-mail ...;
- NN, ... departamento de relações públicas do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” e utilizadora do endereço de email ...;
- OO, ... da SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL SAD e utilizador do e-mail ...;
- PP, à data, ... da administração da SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL SAD e utilizador do e-mail ...;
- QQ, ex-árbitro da Associação..., ... da União de Sindicatos de ... e utilizador do e-mail ...;
- JJ, ... da Benfica TV e utilizador do e-mail profissional ...;
- TTT, à data a que se reportam os e-mails lidos, ... da Liga Portuguesa de Futebol e ex-árbitro da III Divisão, e utilizador do e-mail ...;
- DD, ... do CLUBE SPORT LISBOA E BENFICA e utilizador do e-mail ...;
- RRRRRR, ... da Liga Portuguesa de Futebol e utilizador, à data, do endereço de e-mail ...;
- ZZZ, ..., ... da Mesa da Assembleia Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e utilizador do e-mail ...;
- KK, ... do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” e utilizador do e-mail ...;
- BBBB, que se identificou como general e comissário nacional da Polícia da Guiné-Bissau, e utilizador do e-mail ...;
- CCCC, ... e utilizador do e-mail ...;
- DDDD, ... e utilizador do e-mail ...;
- JJJJ, ... do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol;
- KKKK, ...;
- LLLL, ...;
- OOOO, ... do jornal “...”;
- PPPP, à data a que se reportam os e-mails lidos, ... no “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, e utilizadora do e-mail ...;
- RRRR, ...;
- UUUU, pseudónimo utilizado por alguém que não foi identificado;
- WW, ... do Sport Lisboa e Benfica à data em que a correspondência foi trocada, ... e utilizador do e-mail ...;
- VVVV, ... do SPORT LISBOA E BENFICA à data em que a correspondência lida foi trocada, e utilizador do e-mail ...;
- ZZZZ, ...;
- BBBBBB, ex-jogador;
- WWWWW, à data ... do SPORT LISBOA E BENFICA e utilizador do e-mail ...;
- YYYYY, ... do SPORT LISBOA E BENFICA e utilizador do e-mail ...;
- II, ... do Belenenses e utilizador dos e-mails ... e ...;
- DDDDDD, ... do SPORT LISBOA E BENFICA e utilizador do e-mail ...;
- EEEEEE, ... e utilizadora do e-mail ...;
- GGGGGG, ... da Benfica TV e utilizador do e-mail ...;
- HHHHHH, ... do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” e utilizador do e-mail ...;
- IIIIII, ...do canal de televisão Benfica TV;
- QQQQQQ, ...;
- MMMMMM, ....
176. De entre estes, dezasseis eram colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” à data da troca da correspondência que veio a ser lida, que trocaram, receberam ou enviaram por força, em razão e para efeitos daquela actividade, sendo tal identificável, com excepção de WW, pelo endereço de correio electrónico usado - “_@slbenfica.pt” - ou pela assinatura electrónica dos e-mails, em que imediatamente se associa o utilizador ao “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”.
177. As mensagens de correio electrónico remetidas pelos colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” através do endereço de correio electrónico do domínio “@slbenfica.pt” tinham um aviso escrito, na parte final, com a indicação de:
«Aviso Esta mensagem (incluindo quaisquer anexos) pode conter informação confidencial para uso exclusivo do destinatário. Se não for o destinatário pretendido, não deverá usar, distribuir ou copiar este e-mail. Se recebeu esta mensagem por engano, por favor informe o emissor e elimine-a imediatamente. Obrigado.».
178. A correspondência electrónica trocada com o domínio “@slbenfica.pt” encontrava- se armazenada na plataforma de correio electrónico da BENFICA ESTÁDIO, sendo o seu conteúdo acessível à própria detentora do domínio e sociedades do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” autorizadas, bem assim aos utilizadores dos endereços de correio electrónico que trocaram as mensagens.
179. Pela forma descrita supra, o arguido AA também teve acesso a mensagens de correio electrónico trocadas com ZZZ e QQ, por terem sido interlocutores de correspondência com colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”.
180. Em razão da análise efectuada pelo arguido AA às mensagens de correio electrónico do domínio “@slbenfica.pt”, de ZZZ e de QQ, aquele arguido teve conhecimento dos endereços de correio electrónico dos intervenientes nessas mensagens e de todos aqueles que se encontravam acoplados às mesmas, por delas terem tido conhecimento, ou por terem produzido resposta.
181. Para além disso, o arguido AA teve conhecimento de elementos que se encontravam anexos a tais mensagens, como as listagens de elementos sobre árbitros a que fez referência no programa “...” de 05.12.2017 (em concreto, nome, datas de nascimento, moradas, fotografias), as listagens de elementos da claque dos No Name Boys (com nome, morada, localidade, código postal, data de nascimento destes), mensagens de telemóvel de terceiros, número de identificação fiscal de terceiros, moradas e contratos.
182. A divulgação de correspondência electrónica foi-se sucedendo no tempo, com a indicação ao longo dos diversos programas citados de que «o melhor ainda estaria para vir» e de que «iriam suceder-se mais revelações», de tal modo que o tema das revelações passou a ser espaço assíduo durante o referido programa “...”.
183. O arguido AA actuou da forma supra descrita bem sabendo que havia tido acesso a correspondência electrónica que não lhe pertencia, privativa da detentora do domínio “@slbenfica.pt” e dos colaboradores que a trocaram e, bem assim, à correspondência de terceiros que com aqueles haviam trocado mensagens.
184. Mesmo tendo consciência de que havia acedido a coisa alheia e não disponibilizada ao público em geral, o arguido AA não se coibiu de analisar o seu conteúdo, daí lhe tendo vindo o conhecimento de dados pertença de terceiros, como os endereços de correio electrónico, datas de nascimento, nomes completos, dados clínicos, contratos, elementos fiscais como o NIF, contas bancárias, matrículas automóveis, dados aos quais não fora autorizado a aceder.
185. Para além disso, o arguido AA decidiu e conseguiu divulgar o conteúdo de correspondência electrónica pertença do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, com o domínio “@slbenfica.pt”, de QQ e de ZZZ, optando por criar em torno dessa divulgação um espaço fixo no programa “...” acessível através de canal televisivo e com alcance a vários milhares de telespectadores.
186. No programa “...” transmitido no dia 06.06.2017, o arguido AA quis atingir a credibilidade do SPORT LISBOA E BENFICA e da SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL SAD perante milhares de telespectadores que viram o programa naquele dia.
187. No mesmo programa, o arguido AA visou criar a ideia de que os assistentes que integram o “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” de algum modo influenciam as decisões e a escolha dos árbitros desportivos e utilizam a sua esfera de influência para afastar os adversários e ganhar uma vantagem competitiva indevida.
188. Ainda no mesmo programa, foi intenção do arguido AA incutir na audiência a ideia de que os assistentes que integram o “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” quereriam exercer influência sobre a arbitragem, pressionando-a com críticas e, por outro lado, procurando conquistar favores.
189. Nos restantes programas transmitidos pelo ... a que acima se fez referência, ao agir da forma descrita, o arguido AA fê-lo não só motivado pela rivalidade entre o FCP e o SLB e, dessa forma, contribuir para que a imagem pública do SLB ficasse negativamente afectada, mas também porque acreditava que o conteúdo dos seus relatos tinha interesse público e, nessa medida, estava contido no seu direito a informar.
190. No programa “...” transmitido no dia 13.06.2017, o arguido AA quis imputar aos assistentes que integram o “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” o poder de controlar as carreiras dos árbitros, designadamente as suas subidas e descidas de categoria através das classificações.
191. E procurou associar os mesmos assistentes a uma máfia.
192. Também o arguido BB, por via do acesso a mensagens de correio electrónico disponibilizadas pelo arguido AA, tomou conhecimento dos endereços de correio electrónico dos intervenientes nessas mensagens e de todos aqueles que se encontravam acoplados às mesmas, por delas terem tido conhecimento, ou por terem produzido resposta.
193. O arguido BB sabia que, ao explorar, ler e analisar o conteúdo da correspondência electrónica alheia que lhe era facultada pelo arguido AA acedia, como acedeu, a elementos de índole particular pertença de terceiros, mormente, colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” e de outros que com estes contactaram, como os endereços de correio electrónico.
194. Mais sabia o arguido BB que tais dados eram fruto de actividade ilícita junto do sistema informático do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, não se encontrando disponíveis ao público em geral, e que haviam sido transmitidos de forma sigilosa ao arguido AA.
195. Ao seleccionar a correspondência electrónica destinada a ser divulgada pelo arguido AA no programa “...”, o arguido BB fê-lo não só motivado pela rivalidade entre o FCP e o SLB e, dessa forma, contribuir para que a imagem pública do SLB ficasse negativamente afectada, mas também porque acreditava que tal divulgação tinha interesse público e, nessa medida, estava contida no seu direito a informar.
196. Apesar de no período temporal compreendido entre 18.04.2017 e 20.02.2018 o programa “...” ter o formato de debate, com três comentadores residentes e um moderador, o arguido CC, enquanto ...do ..., sabia que nos vários programas referidos iriam ser revelados e-mails de terceiros.
197. O arguido CC sabia, designadamente, que iriam ser revelados e analisados os conteúdos de correspondência electrónica trocada entre e com colaboradores do “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”.
198. O arguido CC nada fez, nem podia fazer, para impedir as transmissões dos programas “...” acima referidos.
199. O arguido CC sabia que, como ... de um canal televisivo, estava submetido às imposições da Lei da Televisão.
200. Os arguidos AA e BB tinham conhecimento dos factos acima descritos a cada um dos mesmos respeitantes e, ainda assim, quiseram agir pela forma mencionada, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
[Da acusação particular, para que remeteu o despacho de pronúncia, provou-se ainda que:]
201. O BENFICA CLUBE é um clube desportivo e foi fundado em 28 de Fevereiro de 1904.
202. A BENFICA SAD é uma sociedade anónima desportiva, constituída em 10.02.2000, que resulta da personalização jurídica da equipa do BENFICA CLUBE que participa nas competições profissionais de futebol.
203. O SPORT LISBOA E BENFICA é a instituição desportiva portuguesa com maior número de adeptos, dentro e fora de Portugal.
204. O número de adeptos do SPORT LISBOA E BENFICA é de vários milhões.
205. No campeonato nacional português de futebol, o SPORT LISBOA E BENFICA é o clube com mais títulos da Primeira Liga.
206. Nos últimos anos, as principais competições de futebol nacionais têm sido disputadas principalmente entre o SPORT LISBOA E BENFICA e o FUTEBOL CLUBE DO PORTO.
207. A rivalidade entre os dois clubes levou a que pessoas ligadas ao FUTEBOL CLUBE DO PORTO, incluindo os arguidos AA e BB, tenham formado o propósito de justificar o menor sucesso desportivo daquele clube tentando associar os assistentes que integram o “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA” a um conjunto de práticas ilegais, anti-desportivas e desleais que, na sua narrativa, justificariam o acrescido sucesso competitivo do SPORT LISBOA E BENFICA.
208. O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social concluiu, na Deliberação ERC/2018/112 (CONTJOR-TV), de 06.06.2018, que:
«o modelo folhetinesco semanalmente levado a cabo pelo serviço de programas "..." sob a aparência de um trabalho de investigação jornalística e que, a pretexto de um interesse público associado a uma denominada "verdade desportiva", denunciando exuberantemente práticas social e juridicamente reprováveis protagonizadas por pessoas ligadas ao Sport Lisboa e Benfica e por terceiros a esta instituição alheios, traduz-se afinal num exercício inconsequente, e em cujo âmbito são ignoradas elementares exigências aplicáveis a actividade jornalística».
209. Em consequência, o referido Conselho Regulador deliberou:
i. Considerar procedente a queixa apresentada pela Queixosa contra o operador televisivo A..., S.A.;
ii. Confirmar, por parte do operador televisivo identificado, o desvio aos fins referidos no artigo 9.°, n.° 1, alíneas a) e b), da Lei da Televisão, e o incumprimento dos deveres previstos no artigo 34.°, n.°s 1, e 2, alínea b), do mesmo diploma legal, a par da inobservância deliberada e reiterada, ao longo das edições do programa "..." emitidas desde 6 de Junho de 2012 no serviço de programas "...", dos deveres enunciados no artigo 14.°, n.01, alíneas a) e e), e n.° 2, alíneas c) e i), 2.a parte, do Estatuto do Jornalista;
iii. Reprovar veementemente o operador televisivo identificado pela sua conduta, da qual esteve ausente qualquer propósito sério de informar, e sendo a mesma susceptível de acarretar evidente e porventura irreparável afectação do bom nome e reputação da Queixosa e de terceiros;
iv. Recomendar a este mesmo operador televisivo o respeito escrupuloso pelos direitos fundamentais de terceiros em programas transmitidos sob a sua responsabilidade;
v. Sublinhar que pertence ao foro judicial o apuramento de eventuais ilícitos de natureza cível ou criminal que possam resultar do presente caso;
vi. Recomendar ao operador televisivo A..., S.A., a pronta actualização e rectificação dos dados constantes do sítio electrónico do serviço de programas "...", reportado ao programa "...";
vii. Dar conhecimento da deliberação resultante deste procedimento a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, para os fins por esta tidos por convenientes.
210. No dia 17.11.2017, foi publicado o livro ..., da autoria dos arguidos AA e BB e editado pela ..., uma marca registada da ..., sociedade anónima com sede na Rua da ....
211. A obra em causa tem como tema um conjunto de alegadas práticas anti-desportivas levadas a cabo pelos assistentes que integram o “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, conjuntamente designados como ....
212. Na introdução do livro, os arguidos AA e BB escreveram:
«Um polvo, como se sabe, é um animal invertebrado que se destaca pela exuberância dos seus oito tentáculos revestidos de ventosas. Gosta de se movimentar pelos fundos dos mares e mexe-se bem entre as rochas, alcançando alguns dos buracos maios recônditos com os tentáculos. Distingue-se pela sua capacidade de camuflagem, ajustando a cor da pele em função das necessidades. Quando se sente ameaçado, expele uma tinta escura que repele os predadores. Não por acaso, já há vários anos que se associa as características deste cefalópode à máfia. Metaforicamente, o Benfica é um polvo».
213. Ainda na introdução do livro, os arguidos AA e BB assumem como objectivo:
«(...) apresentar, em todo o seu esplendor, ... que, pelo menos nos últimos 15 anos, tem dominado quase por completo o futebol português - não no campo, onde os jogos se disputam -, adulterando a verdade desportiva das competições através do controlo dos bastidores do desporto».
214. No mesmo livro, os arguidos AA e BB escreveram:
- «A cabeça do Polvo está tranquila. A Assembleia Geral da Liga está em boas mãos. E, para além disso, tem uma missão. Não sabemos que missão é essa, mas sabemos que o Benfica já tem um histórico longo e consistente de controlo das instituições que lideram o futebol português. Esse é um objetivo estratégico que o clube persegue praticamente desde o início do século».
- «O controlo das instituições do futebol português pelo Benfica resulta, no fundo, de uma teia de relações e de uma colonização de lugares-chave de certos organismos que foram levadas a cabo ao longo da última década e meia e que proporcionam: 1) a circulação de informação privilegiada; 2) a obtenção de benefícios para o clube; 3) em última análise, vantagens no domínio desportivo. Isto tem um nome: tráfico de influências».
- «O Benfica soube construir a sorte que lhe tem permitido ganhar campeonatos através do desenvolvimento de uma rede de influências tentacular que lhe granjeia o controlo do setor da arbitragem e que abrange tanto o seu núcleo central (o Conselho de Arbitragem da Federação) como as suas ramificações a nível local».
- «Efetivamente, a intimidade entre responsáveis pelo Benfica e jornalistas é uma realidade amplamente documentada. Todos se recordarão, por exemplo, das fotografias dos jantares que reuniam frequentemente XXXX e o ... do ... e da ..., SSSSSS. Mas há mais. A 14 de Novembro de 2016, o ... do Benfica, KK, começou a preparar um ciclo de almoços de Natal de DD com jornalistas, na linha de uma prática que já vinha sendo hábito desde os tempos de XXXX. (...) Estamos perante um caso flagrante de fomento de intimidade entre DD e a comunicação social que parte do próprio e que pode ajudar a explicar os favores de vários órgãos e de alguns comentadores (...)».
- «A generalidade das opiniões emitidas publicamente por adeptos do clube é também ela objeto de controlo apertado, através de um mecanismo original e, tanto quanto se sabe, exclusivo do clube (...)».
- «Perante este panorama, nem os No Name Boys nem os Diabos Vermelhos podem legalmente receber qualquer tipo de apoio do clube da Luz. Não é isso o que acontece. Ambas as claques são ativamente apoiadas peia direção do Benfica, que, assim, para além de cometer uma ilegalidade, se torna moralmente responsável pela sua existência».
- «A verdade é que este clube, ao longo de várias décadas, tem beneficiado recorrentemente de situações excecionais proporcionadas por quem tem autoridade para as promover. Da mesma forma que as arbitragens ou a justiça desportiva, por norma, não têm conseguido assegurar a equidade e isenção que se exige face às outras equipas quando é o Benfica que está em causa, também os políticos têm uma propensão, que quase parece natural, para tratar o clube de forma diferente».
215. Os arguidos AA e BB tinham conhecimento destes factos e, ainda assim, quiseram escrever e publicar o referido livro.
215-A. Os arguidos AA e BB sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros tais factos, que sabiam ser inverídicos e atentatórios do bom nome das Assistentes, mas, ainda assim, quiseram-nos proferir publicamente através da publicação do livro. [aditado pelo acórdão da Relação]
[Da contestação apresentada pelos arguidos AA e BB, provou- se que:]
216. Em 05.10.2015 foi tornado público o caso denominado “vouchers do Benfica”.
217. Em 08.09.2006, o jornal Público noticiou: DD apanhado nas escutas e escolher árbitro.
218. Em 22.06.2007, o jornal Correio da Manhã noticiou: Árbitros para Benfica escolhidos por TTTTTT.
219. TTTTTT é um antigo ... da Federação Portuguesa de Futebol que, de acordo com o que foi noticiado nessa altura, servia de intermediário entre DD e o Conselho de Arbitragem na selecção dos árbitros que apitariam os jogos do Benfica.
220. Em 10.02.2016, a revista Visão publicou o “Roteiro dos 'escândalos de UUUUUU'”, ... da SAD do Benfica entre 2004 e 2006, já com DD como ....
221. Na edição de 08.06.2017, o jornal Record publicou alguns dos e-mails lidos (em parte) pelo arguido AA no programa do ...” transmitido em 06.06.2017.
222. QQ exerceu funções de árbitro de futebol, de observador de árbitros e de membro do Conselho de Arbitragem da Associação....
223. JJ foi ... da Benfica TV a partir de 2015, durante cerca de dois anos.
224. A graduação classificativa de árbitros dependia das observações que sobre eles era efectuada pelo observador de árbitros.
225. Quando trocou os e-mails acima referidos, TTT era ... da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
226. De acordo com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, “O Delegado da Liga é o agente desportivo que o Departamento de Competições da Liga Portugal nomeia para cada um dos jogos das competições que organiza com a responsabilidade de: Facilitar as relações entre os diversos agentes que interagem na organização do jogo: diretor de campo, diretor de segurança, comandante das forças de segurança, equipas, equipa de arbitragem, brigada antidopagem, comunicação social, entre outros; Garantir as condições legais e exigidas por regulamento para a realização do jogo; Dirigir a reunião preparatória de jogo; Reportar à Liga toda a informação prevista e relevante, juntamente com a demais documentação do jogo".
227. Em 16.02.2014, ZZZ era ... da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
228. O acima referido e-mail de 16.02.2014, remetido por ZZZ a JJ, continha um anexo com a transcrição de mensagens telefónicas gravadas num telemóvel de EE.
229. EE foi ... da Liga Portuguesa de Futebol Profissional entre Junho de 2010 e Dezembro de 2011 e, desde Dezembro de 2011, é ... da Federação Portuguesa de Futebol.
230. Os e-mails citados no livro “...” foram anteriormente divulgados em programas do ... ou noutros órgãos de comunicação social.
231. O arguido AA foi entrevistado pelo jornal The New York Times e pela revista The New Yorker sobre as divulgações de e-mails por ele realizadas.
232. Na edição de 11.08.2017, o jornal O Jogo noticiou que só na sequência da denúncia levada a cabo pelo arguido AA no programa “...” foi possível aos árbitros do quadro da I Liga e ao Conselho de Arbitragem em funções à data identificarem JJJJ como o autor dos e-mails que lhes haviam sido remetidos umas semanas antes através do endereço de correio electrónico “...”.
233. Os arguidos AA e BB agiram com a convicção de que os e-mails que foram divulgados no programa do ...”, e os ficheiros a eles anexados, são verdadeiros.
234. Foi instaurado um processo criminal, autuado sob o n.° 5340/17.7..., para apurar crimes de corrupção na arbitragem cometidos pela SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL SAD e/ou pelos seus administradores e dirigentes no interesse daquela.
235. No âmbito desse processo, o arguido AA entregou documentação que tinha em sua posse.
236. Também no âmbito do referido processo, foram efectuadas diversas buscas domiciliárias e não domiciliárias.
237. A investigação oficial que corre termos contra o SPORT LISBOA E BENFICA pelo crime de corrupção na arbitragem foi consequência directa da divulgação dos e-mails acima referidos por parte do arguido AA.
238. O “...”, com endereço electrónico, entre outros sites, em https://..., foi um blog que se dedicou à divulgação de conteúdos de carácter desportivo relacionados, sobretudo, com o SPORT LISBOA E BENFICA e a SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL SAD.
239. Tratou-se de um blog disponível em acesso aberto pela internet.
240. A partir do final de 2017, foram divulgados e disponibilizados nesse blog dezenas de gigabytes de conteúdos referentes a ficheiros de e-mail de caixas de correio electrónico pertencentes ao domínio “@slbenfica.pt”, podendo esses conteúdos ser livremente acedidos e descarregados por qualquer pessoa que acedesse ao dito blog.
241. Pelo menos na recta final dos programas do ... “...” acima referidos, o grosso dos e-mails divulgados pelo arguido AA já tinha caído no domínio público.
[No que respeita à inserção familiar e sócio-profissional do arguido AA, apurou-se que:]
242. O arguido AA é o mais novo de dois filhos, tendo o respectivo processo de desenvolvimento registado alguma mobilidade residencial devido à actividade laboral do pai, em barragens.
243. A mãe do arguido foi viver com os filhos para o Porto, a fim de assegurar a formação académica dos mesmos, quando aquele tinha 11 anos de idade.
244. A situação económica do agregado foi evoluindo favoravelmente ao longo dos anos, de acordo com a progressão na carreira por parte do pai do arguido, sendo a mãe deste doméstica.
245. O arguido apresenta um percurso escolar regular, tendo ingressado no Instituto Superior de Engenharia ..., na licenciatura em engenharia mecânica.
246. No âmbito do estágio académico, o arguido não se reviu nas saídas profissionais mais frequentes e ao fim de três anos abandonou a frequência do curso.
247. O arguido ocupou os seus tempos livres na prática desportiva de futebol e foi durante vários anos jogador federado de xadrez.
248. O arguido descreve-se como leitor compulsivo de jornais e no final de 1989, aquando do início da publicação do jornal ..., aí estagiou durante um ano, após o que passou a escrever artigos para aquele jornal, sendo pago “à peça”, até que abriu uma vaga na secção desportiva, à qual concorreu, e foi admitido.
249. Uma vez que nunca frequentou formação específica na área do jornalismo, quer durante o período de estágio, quer posteriormente, o arguido aprendeu o exercício da profissão com os colegas.
250. O arguido trabalhou como jornalista durante 12 anos no ..., entre 2003 e 2008 no ... e entre 2008 e 2011 na ..., registando progressão na carreira com assumpção de cargos de chefia.
251. Nesta profissão, a área de intervenção do arguido, durante 18 anos, decorreu na secção desportiva dos jornais e, durante os dois anos em que trabalhou no ..., como editor da secção de sociedade.
252. Em 2011, o arguido foi convidado para assumir funções como ... do FUTEBOL CLUBE DO PORTO (FCP), em que já se mostrava filiado, que passou a acumular, desde setembro de 2016, com a função de ... do mesmo clube.
253. Na sequência da compra do ... por parte do FCP, a secção desportiva do canal foi sedeada num espaço contíguo ao ..., no ..., direccionado exclusivamente para a transmissão de assuntos relacionados com a atividade do FCP, enquanto os restantes conteúdos são desenvolvidos num estúdio localizado na ..., em ....
254. O arguido casou aos 28 anos de idade, tendo esta relação culminado em divórcio.
255. Posteriormente, o arguido estabeleceu três relações afectivas com união de facto, tendo da última resultado o nascimento de uma filha, actualmente com 8 anos de idade.
256. Quando foram praticados os factos acima descritos, o arguido exercia actividade como ... do FCP, assumindo a supervisão da informação produzida sobre o clube, reportando sempre ao elemento da administração e director do grupo “FCPORTO MEDIA, S.A.”, situação que se mantém.
257. Neste âmbito, para além da participação semanal no programa ... do ..., no qual assume uma posição semelhante à de porta-voz do FCP, o arguido é também responsável pela edição mensal da revista “...” e pela informação diária sobre a situação do clube através de uma newsletter.
258. O arguido mantém o investimento na sua actividade profissional e revela sentimentos de satisfação perante o seu actual enquadramento laboral.
259. O arguido é tido por quem com o mesmo trabalha como alguém que exerce a chefia com uma atitude bastante assertiva, explanando com clareza as suas ideias e os resultados que pretende, e que assume um estilo de liderança liberal, com delegação de competências, e uma relação tranquila com os colaboradores.
260. Também quando foram praticados os factos acima descritos, o arguido residia com a companheira, com 47 anos de idade e jornalista, e com a filha de ambos, que é estudante.
261. O casal separou-se durante o ano de 2020 e no âmbito de acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais da filha de ambos foi acordada a guarda conjunta com residência alternada entre a casa do pai e a da mãe por períodos de sete dias.
262. No que respeita à prestação de alimentos, ficou acordado que o arguido assumiria 70% e a ex-companheira 30% das despesas escolares, frequentando a filha menor de ambos um estabelecimento privado de ensino, médicas e com os medicamentos.
263. Posteriormente, no âmbito de um processo criminal que corre termos no DIAP do Porto, foi imposta ao arguido a medida de coacção de proibição de contactar com a sua ex- companheira e com a filha de ambos, pelo que aquele acompanha a evolução da menor através de informação que vai obtendo junto do colégio que a mesma frequenta.
264. O arguido mantém contacto próximo com os seus pais e irmã.
265. O arguido aufere no exercício da sua actividade profissional o salário líquido mensal de €3.529,20.
266. O arguido tem como despesas fixas com habitação o valor mensal total de €1.028,14, dos quais €900,00 são despendidos a título do pagamento de renda de casa de tipologia T2, com boas condições de habitabilidade, situada em condomínio privado em zona residencial do Porto, caracterizada por discrição no relacionamento entre vizinhos e onde não se verifica incidência de problemáticas socias.
267. O arguido suporta ainda o pagamento da parte que lhe cabe referente ao estabelecimento de ensino que a filha frequenta, no valor mensal de €400,33, bem como a amortização de um empréstimo no montante mensal de €603,68, o qual se destinava a financiar a construção de uma moradia no Porto, projecto que não avançou na sequência da ruptura da relação daquele com a sua ex-companheira, estando o espaço à venda.
268. O arguido ocupa os seus tempos livres no convívio com amigos.
[No que respeita à inserção familiar e sócio-profissional do arguido BB, apurou-se que:]
269. O processo de desenvolvimento do arguido BB decorreu no seio familiar de origem, composto pelos pais e pelo irmão, sete anos mais novo, com o apoio próximo dos avós maternos, usufruindo de uma condição sócio-económica equilibrada proporcionada pela actividade profissional dos pais.
270. O arguido registou um percurso escolar regular e investido, ingressando no ensino superior na Faculdade de Letras ..., no curso de História, área pela qual manifestou interesse desde muito novo.
271. O arguido concluiu a licenciatura em 2011 e o mestrado em História Medieval e do Renascimento em 2013.
272. Após a conclusão do mestrado, entre 2013 e 2014, o arguido foi bolseiro de investigação pela Universidade ..., e em 2014 iniciou o programa de doutoramento em História.
273. O arguido foi presidente da associação de estudantes da ... entre 2011 e 2013.
274. As relações sociais e de amizade estabelecidas pelo arguido foram estabelecidas principalmente em contexto académico e profissional.
275. Quando foram praticados os factos acima descritos, o arguido residia no Porto, com os pais, ambos activos profissionalmente, e com o irmão, num apartamento arrendado de tipologia T3+1, com boas condições de habitabilidade, situação que se mantém.
276. A habitação do arguido encontra-se inserida numa zona mista, residencial e comercial, em meio social que não está conotado com a incidência de problemáticas sociais e criminais.
277. O arguido administrou nas redes sociais, em conjunto com um amigo, a página “...”, que se traduzia num espaço onde partilhavam opiniões e se debruçavam sobre notícias relacionadas com o FUTEBOL CLUBE DO PORTO (FCP), clube do qual é adepto.
278. O arguido abdicou da bolsa de doutoramento para aceitar o convite de emprego que lhe foi proposto pelo FCP, e em junho de 2017 integrou a FCPORTO MEDIA - S.A., passando a desempenhar a função de ..., reportando superiormente ao co-arguido AA.
279. Neste âmbito, o arguido exercia as suas funções nas instalações do ... existentes no “...”, produzindo conteúdos para os meios de comunicação do FCP, nomeadamente para o ..., para a edição mensal da Revista ..., para a newsletter “...”, que contempla informação diária sobre a situação do clube, e para o site do FCP.
280. O arguido integrou também, enquanto comentador, programas do ..., como o programa ....
281. Em 2020, o arguido habilitou-se com a carteira profissional de jornalista, após realização de estágio em contexto de trabalho sob orientação/supervisão do director de informação do ..., pelo período de 18 meses.
282. Em fevereiro de 2021, o arguido foi promovido a ..., cargo que continua a exercer, gerindo uma equipa de 20 colaboradores e reportando superiormente ao ... do FCPORTO MEDIA, S.A.
283. No exercício deste cargo, cabe ao arguido a escolher o meio de comunicação, dentre aqueles de que o FCP dispõe, para colocar artigos, informações ou notícias, mantendo-se também como comentador em programas e participante em documentários no ..., revelando satisfação pela sua actividade profissional.
284. Os arguidos AA e BB mantêm um bom relacionamento profissional e de amizade.
285. Paralelamente à actividade profissional, o arguido manteve o investimento no doutoramento, que concluiu em 01.06.2021.
286. O arguido aufere um vencimento mensal líquido de cerca de €1.900,00.
287. O arguido tem como despesas fixas a mensalidade do ginásio, no valor de €160,00, e a renda de um lugar de garagem, no montante mensal de €45,00.
288. As despesas fixas do agregado familiar onde o arguido se insere são asseguradas pelos rendimentos auferidos pelos seus pais no exercício das respectivas actividades profissionais, embora aquele colabore na economia doméstica, adquirindo bens alimentares ou outros bens essenciais, e apoie o irmão, que trabalha numa loja.
289. O quotidiano do arguido é organizado em função da sua actividade profissional e nos tempos livres dedica-se a redigir, para publicação, artigos para o ..., da ..., onde continua a ser ..., mas sem auferir qualquer rendimento.
290. No âmbito académico, para além da elaboração de artigos científicos, o arguido também participa em seminários e em conferências.
291. Nos tempos livres, o arguido frequenta o ginásio e convive com o grupo de amigos, sobretudo com os que perduram do tempo da faculdade, e com alguns colegas de trabalho, tendo ainda interesse em viajar.
292. O arguido pretende manter a actual actividade profissional e continuar a ser valorizado e reconhecido no seu trabalho.
[Relativamente aos antecedentes criminais do arguido AA, provou-se que:]
293. O arguido não tem antecedentes criminais.
[Relativamente aos antecedentes criminais do arguido BB, provou-se que:]
294. O arguido não tem antecedentes criminais.
[Do pedido de indemnização civil formulado por DD, provou-se que:]
295. DD sentiu-se indignado, revoltado e consternado com a divulgação de mensagens do seu correio electrónico pessoal, situação que desde então se mantém.
(…)”.
B) Factos não provados
“(…).
[Das acusações pública e particular, não se provou que:]
a) Entre 18.04.2017 e 20.02.2018, o programa “...” era transmitido a partir das instalações do ... sitas na Rua ....
b) Na qualidade de ... do ..., competia ao arguido CC a definição dos “contéudos FCPorto”.
c) O arguido AA seleccionou sozinho a correspondência que divulgou no programa ....
d) O arguido CC tinha condições para impedir as transmissões dos programas “...” acima referidos.
e) Na qualidade de ... do ..., o arguido CC tinha capacidade para impedir a transmissão dos programas “...” na modalidade de inclusão da rubrica de divulgação de e-mails do BENFICA, mas optou por não fazê-lo, aderindo à prática de revelação que foi conduzida pelo arguido AA e querendo o resultado que veio a ser alcançado.
f) Pelas 23:57:48 do dia 28.01.2014, QQ remeteu a JJ uma mensagem de correio electrónico.
g) O SPORT LISBOA E BENFICA é a instituição desportiva portuguesa mais bem classificada no ranking da FIFA das 250 melhores equipas de todos os tempos, onde surge em 19.° lugar, bem como no ranking da International Federation of Football History & Statistics, onde surge como o 9.° melhor clube europeu do século XX.
h) No dia 07.06.2017, o jornal “Record” referiu: AA revela o nome de oito "árbitros ao serviço do Benfica.
[Da contestação apresentada pelos arguidos AA e BB, não se provou que:]
i) Em Julho de 2015, III revelou no programa “...”, da ..., que o Benfica oferecia prostitutas aos árbitros nomeados para os seus jogos.
j) O arguido AA partilhou os referidos e-mails com o jornal Record.
k) O arguido AA indicava sempre a data dos e-mails que estava a ler e sempre que, por qualquer motivo, relacionou mensagens de dias diferentes e/ou andou para a frente e para trás na narrativa, fê-lo de forma absolutamente transparente, alertando o público.
l) Na edição de 02.06.2002 do jornal A Bola, DD constatou que para o SLB seria mais importante "ter presença nos órgãos sociais e de decisão do futebol português" do que contratar bons jogadores.
m) Todos os órgãos nacionais de comunicação social desportivos ou de informação generalista divulgaram alguns dos e-mails a que acima se faz referência.
n) No âmbito do processo n.° 5340/17.7..., o arguido AA entregou toda a documentação que tinha em sua posse.
o) O arguido AA foi procedendo à entrega à Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária da correspondência privada à medida que a ia recebendo de fonte anónima.
p) PP foi constituído arguido no processo com o n.° 5340/17.7...
q) Os ficheiros de e-mail de caixas de correio electrónico pertencentes ao domínio “@slbenfica.pt” foram divulgados e disponibilizados no blog “...”, de forma faseada, entre meados de Dezembro de 2017 e início de Janeiro de 2019.
(…)”.
C) Fundamentação de direito quanto à prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de ofensa de pessoa colectiva tendo por objecto a elaboração e publicação do livro ...
“(…).
5.3. Da prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187 do CP (referente à elaboração e publicação do livro ...)
(recurso dos arguidos)
O procedimento criminal – o modo de afirmação instrumental do jus puniendi do Estado – significa, em geral, tudo quanto cabe no próprio iniciar e desencadear da acção penal, enquanto modo de realização, afirmação e concretização do direito penal.
O Estado, porém, não guarda para si, ilimitadamente no tempo, a actuação do seu direito de punir. Decorrido que seja certo lapso de tempo sobre o facto criminoso, maior ou menor consoante as situações previamente definidas na lei, não poderá ser desencadeada ou prosseguir a acção penal por esses factos passados porque o procedimento criminal prescreve.
A prescrição tem vindo a ser historicamente justificada por razões, quer processuais, que de natureza substancial e material (cfr. Ac. STJ de 6/8/2008, in www.dgsi.pt) que são comuns a todos os ordenamentos que reconhecem o instituto (v.g. JESCHECK, “Tratado de Derecho Penal”, p. 1238 e segs.; CUELLO CALÓN, Derecho Penal, vol. II, pp. 758 e segs.;.).
Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, páginas 699 e 700:
«A prescrição justifica-se, desde logo, por razões de natureza jurídico-penal substantiva (…). Por um lado, a censura comunitária (…) esbate-se, se não chega mesmo a desaparecer» pelo «mero decurso do tempo». Por outro lado, as exigências de prevenção especial (…) tornam-se progressivamente sem sentido e podem mesmo falhar completamente os seus objectivos (…). Finalmente, e sobretudo, o instituto da prescrição justifica-se do ponto de vista da prevenção geral positiva: o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitária, já apaziguadas ou definitivamente frustradas».
«Também do ponto de vista processual (…), o instituto geral da prescrição encontra pleno fundamento. Sobretudo (…) na medida em que o decurso do tempo torna mais difícil e de resultados mais duvidosos a investigação (e a consequente prova) do facto e, em particular, da culpa do agente, elevando a cotas insuportáveis o perigo de erros judiciários».
A sua inserção no Código Penal, e não no Código de Processo Penal, denuncia a natureza substantiva deste instituto, já que não tem apenas efeitos sobre a própria responsabilidade criminal, traduzindo-se na renúncia do Estado ao direito de punir, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal. O período de tempo decorrido desde a data da prática do facto torna-o não carenciado de punição (neste sentido Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, pág. 701 e 702).
Também o STJ se tem abundantemente pronunciado sobre a natureza substantiva das normas sobre prescrição do procedimento criminal têm – cf. Assento de 19-11-1975, BMJ 251.º/75.
A prescrição do procedimento criminal está disciplinada nos artigos 117° e segs. do Código Penal.
De facto, a prescrição do procedimento criminal, embora revertendo ao decurso do tempo, está operativamente dependente da consideração e dos efeitos de momentos e actos processuais determinantes.
Assim, estabelece o art.º 119º do CP que:
1 - O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.
2 - O prazo de prescrição só corre:
a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação;
b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto;
c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.
3 - No caso de cumplicidade atende-se sempre, para efeitos deste artigo, ao facto do autor.
4 - Quando for relevante a verificação de resultado não compreendido no tipo de crime, o prazo de prescrição só corre a partir do dia em que aquele resultado se verificar.
Diz-nos o art.º 120º do CP que:
1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - No caso previsto na alínea c) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
4 - No caso previsto na alínea e) do n.º 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.
5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.
6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.
Por seu turno, estabelece o art.º 121 do CP que:
1- A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
c) Com a declaração de contumácia.
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 118.º, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a dois anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.
Deste modo, no caso da interrupção, quando se verifique uma das causas elencadas no artigo 121.º, n.º 1, do Código Penal, começa a correr novo prazo de prescrição, sendo que, nesses casos, o legislador estipula um prazo máximo que corresponde ao prazo normal, acrescido de metade, ressalvado o período de suspensão (artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal).
No caso da suspensão, o prazo suspende-se durante os períodos máximos estabelecidos nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 120.º do Código Penal, reiniciando-se após a sua cessação (artigo 120.º, n.º 6, do Código Penal).
Tendo em conta a moldura penal abstrata prevista para o crime em causa, de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a) e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, que é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa não inferior a 120 dias o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 5 anos [alínea c) do nº 1 do artigo 118.º do Código Penal].
Tal prazo, nos termos do disposto no artigo 119º, nº 1, do Código Penal, iniciou-se em 17.11.2017, que é a data da publicação do livro.
Dito isto, cumpre então verificar se o prazo de prescrição decorreu já, como afirmam os arguidos.
Os assistentes deduziram acusação particular pelo crime em causa, mas esta não foi acompanhada pelo MP.
Ora, é jurisprudência unânime que a notificação da acusação particular deduzida pelo assistente e não acompanhada pelo MP é insuscetível de suspender ou de interromper o decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do disposto nos arts. 120º, nº 1, al. b) e 121º, nº 1, al. b), ambos do CP (cfr. Ac. RE de 05-02-2019, Ac. RG de 12/10/2020 e Ac. TC nº 445/2012, in www.dgsi.pt).
A constituição dos denunciados como arguidos ocorreu a 01-03-2018 (arguido AA) e a 9/11/2018 (arguido BB) e, esta sim, operou a interrupção do prazo de prescrição, nos termos do disposto no art.º 121º n.º 1 al a) do CPP.
Vejamos ainda que em 18 de março de 2020, foi declarado o Estado de Emergência, por via do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020 que, para além do mais, declarou parcialmente suspenso o exercício do direito de deslocação e fixação em qualquer parte do território nacional, autorizou as autoridades públicas a determinar a interdição das deslocações e da permanência na via pública que não fossem justificadas, designadamente pelo desempenho de atividades profissionais, pela obtenção de cuidados de saúde, pela assistência a terceiros, pelo abastecimento de bens e serviços e por outras razões ponderosas (cf. artigo 4º, al. a)) e atribuiu ao Governo português a possibilidade de implementar medidas com o intuito de prevenir e conter a propagação do surto de COVID-19.
Perante a gravidade da situação, o Estado de Emergência foi renovado através do Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de abril, atribuindo ao Governo novos poderes para introduzir medidas excecionais e voltou a ser renovado através do Decreto n.º 20-A/2020, de 17 de abril.
Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril, o Governo declarou a situação de calamidade, tendo aprovado um conjunto alargado de medidas excecionais, a vigorar entre 3 de maio e 17 de maio de 2020.
Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2020, de 17 de maio, foi prorrogada a situação de calamidade até ao dia 31 de maio de 2020 e finalmente, considerando ainda necessário que a situação de calamidade se mantivesse, o Governo aprovou a Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020, de 29 de maio, prorrogando a situação de calamidade até às 23h59 do dia 14 de junho de 2020.
A Lei 1-A/2020, alterada pela Lei 4-A/2020, introduziu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19 e no seu artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, determinou que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, desde 9 de março de 2020, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
A Lei 16/2020, de 29 de maio, revogou o artigo 7.º da Lei 1-A/2020, alterada pela Lei 4-A/2020, pondo termo à suspensão dos aludidos prazos de prescrição e caducidade (cf. artigo 8.º da Lei 16/2020).
A lei n.º 4-B/2021, de 01.02, no seu art.º 6.º-B, n.ºs 3 e 4, veio depois determinar que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
Tais prazos de suspensão da prescrição vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro a 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).
Desta forma, por força dos dispositivos legais supra citados, foi estabelecido um regime excecional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, introduzido pelo artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, que vigorou sem alterações desde o dia 9 de março de 2020 (artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020) até ao dia 3 de junho de 2020 (artigos 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020) – num total de 87 dias – bem como, foi estabelecido um outro regime excecional de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, introduzido pelo artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que vigorou sem alterações desde o dia 22 de Janeiro de 2021 (artigo 4.º, da Lei n.º 4-B/2021) até ao dia 5 de Abril de 2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021) – num total de 74 dias.
Estabelece o referido art.º 6º -B n.º 3 que:
“3 — São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 — O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.”
E o Artigo 4.º do mesmo diploma, com a epígrafe “Produção de efeitos”, estipula que:
“O disposto nos artigos 6.º -B a 6.º -D da Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.”
Aqui chegados, a questão que importa de imediato analisar é a de saber se as normas que estabeleceram as causas de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal introduzidas pelo artigo 6.º-B, n.º 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que vigorou sem alterações desde o dia 22 de Janeiro de 2021 (artigo 4.º, da Lei n.º 4-B/2021) até ao dia 5 de Abril de 2021 (artigo 7.º da Lei n.º 13-B/2021), podem aplicar-se aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, em face do disposto no nº 4 do art.º. 29º da Constituição da República Portuguesa que proíbe a aplicação retroactiva de leis penais mais gravosas para o arguido.
É conhecida a cisão jurisprudencial a este respeito, sendo contudo maioritária a corrente que defende a sua não aplicação (cfr., por todos, e a título de exemplo, os Acórdãos desta Relação de Lisboa, , em sentidos divergentes, um datado de 11-02- 2021 e outro de 27-10-2022, ambos in www.dgsi).
Ora, lida a argumentação aduzida por ambas as teses em confronto, propendemos a entender que sim.
Vejamos.
Estão em causa medidas determinadas no âmbito de um estado de exceção constitucional que levou à declaração do Estado de Emergência, o qual, como se lê no AC TC Nº 660/2021 (https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210660.html) se “insere na denominada tipologia de estados de necessidade ou estados de exceção consagrados na CRP” e “constitui um estado de anormalidade constitucionalmente previsto, que pressupõe a possibilidade de restrições mais intensas dos direitos fundamentais do que aquelas que constitucionalmente são admitidas em circunstâncias de normalidade, autorizando a suspensão coletiva de direitos (cfr. Canotilho, J.J. Gomes, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 6.ª ed., Almedina, 2002, Coimbra, págs. 1085 e 109)”.
As medidas em causa, designadamente de suspensão dos prazos de prescrição, justificam-se pela situação de crise sanitária que se viveu com a epidemia Covid-19 e visaram proteger a comunidade judiciária num período em que se mostrou essencial o confinamento e evitar a deslocação ao Tribunal e a prática de atos em que não estivesse em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, sendo, consequentemente, adequada e proporcional.
E são essas mesmas razões que justificam que a suspensão dos prazos de prescrição se apliquem a todos os processos, mesmo os já pendentes, já que se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos.
Esta interpretação, segundo se entende, não contende com o princípio constitucional da proibição da aplicação retroativa da lei penal de conteúdo desfavorável, consagrado no artigo 29.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, pelas razões que infra se explanarão.
Assim, como salienta o Tribunal Constitucional em recentes arestos, a natureza do instituto da prescrição (substantiva, ou pelo menos, mista) não obriga à sujeição de todos os seus elementos às exigências constitucionais decorrentes do princípio da legalidade. Tal depende antes de, relativamente à lei nova, “se verificarem ou não, relativamente a ela, as razões subjacentes à proibição da aplicação da lei penal a factos cometidos antes do início da sua vigência
Tem de facto o nosso Tribunal Constitucional vindo a decidir que não se mostra inconstitucional a norma contida no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretada no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência. (cfr. neste sentido os Acórdão n.º 500/2021, n.º 600/2021, n.º 798/2021, n.º 126/2009 e n.º 449/2002).
Recentemente foi publicado a DECISÃO SUMÁRIA N.º 256/2023 no seguinte sentido:
“Não julgar inconstitucional a norma extraível do artigo 7.º, n.ºs 2, 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretados no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência, vigorando até ao termo da situação excecional de infeção epidemiológica por SARS-COV-2 e doença COVID-19”
Louvamo-nos dos ensinamentos do Ac. TC n.º 600/2021, onde se lê que:
“A proibição da aplicação retroativa da lei penal in malam partem está umbilicalmente ligada ao princípio da confiança, que radica “numa ideia de previsibilidade” das normas, no sentido de que qualquer cidadão, para além de não ser surpreendido pela incriminação de um comportamento anteriormente adotado (n.º 1 do artigo 29.º da Constituição), também não pode ser surpreendido pela aplicação de uma sanção mais grave ou por normas processuais materiais de efeitos mais gravosos do que aqueles com que podia contar à data da prática do facto (cfr. Acórdão n.º 261/2020).
(…)
Na verdade, a causa de suspensão da prescrição prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, deve ser lida como uma decorrência necessária da paralisação da atividade dos tribunais portugueses e da sustação do rito processual, quase generalizado, durante o período de 9 de março a 3 de junho de 2020, dos processos de grande parte das jurisdições.
Naturalmente, a sua consagração não radicou em nenhum objetivo de política criminal, i.e., não houve uma alteração de ponderação de valores pelo legislador, no âmbito processual penal, que tenha presidido à implementação de uma nova causa de suspensão da prescrição. O legislador não pretendeu com esta norma “prolongar” a sua atividade de prossecutor da ação penal, nem reparar uma situação de “inércia pretérita” do Estado (Acórdão n.º 500/2021), repondo um período de tempo em seu benefício.
(…)
Tal premissa conduz-nos à conclusão de que as finalidades subjacentes ao próprio regime da prescrição, que ditam a sujeição desta causa de suspensão ao princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, não se verificam, porquanto não presidiu à sua consagração uma finalidade de política criminal que reclame o freio do princípio da legalidade, como defesa do cidadão perante o ius puniendi do Estado: pelas razões descritas, nem está em causa reverter sobre o arguido as consequências da inércia pretérita do Estado, nem uma violação do princípio da confiança, já que o evento era imprevisível, para além do arguido, para qualquer outro sujeito processual e para o próprio Estado titular da ação penal, não sendo a situação de pandemia, pela sua imprevisibilidade, apta a constituir um quadro de referência sobre o qual se possa falar de “confiança” (essencialmente no mesmo sentido, v. o já citado Acórdão n.º 500/2021).
Acresce que nos parece evidente que a intenção do legislador era a aplicação desta causa de suspensão da prescrição a processos em curso, aquando da sua entrada em vigor, isto é, a factos cometidos antes dessa data, por serem esses mesmos procedimentos que sofreram uma “torção” na sua tramitação com a sustação da respetiva tramitação. Como tem sido evidenciado pela jurisprudência constitucional acima elencada, para além de não existir um direito subjetivo à prescrição do procedimento criminal, é também legítimo que o legislador contemple causas de suspensão em diplomas especiais, desde que sejam suficientemente precisas e emitidas pela Assembleia da República, o que se verifica neste caso (cfr. Acórdão n.º 449/2002).
Assim, consideramos que a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto – aliás, encontra-se fora do respetivo âmbito de proteção (v., de novo, o Acórdão n.º 500/2021).
Quer isto dizer que, na linha de pensamento de GIAN LUIGI GATTA, quando o prazo de prescrição não tenha ainda atingido o seu fim, ao determinar o prolongamento – como no caos da suspensão motivada pela pandemia –, a lei superveniente não torna punível um facto não punível: ela limita-se a conceder ao Estado, por qualquer motivo, neste caso por força de uma emergência sanitária, mais tempo para apurar os factos e a responsabilidade criminal. O direito de defesa não resulta, de modo algum, comprometido e o Estado não abusa do poder punitivo, nem frustra aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal: como mostra a própria disciplina da prescrição do crime (…) o momento em que se cumpre a prescrição é, na verdade, variável e em boa medida imprevisível antes da prática do facto, quando o agente nem sequer sabe se alguma vez será alvo de um procedimento criminal (cfr. “Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade: um curto-circuito”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 30, n.º 20, maio-agosto 2020, Gestlegal, pág. 312 e 313). A solução preconizada legitima, por isso, a aplicação da suspensão da prescrição em razão do quadro de exceção sanitária e assegura o efeito útil das medidas implementadas para fazer face à emergência sanitária experienciada, que é a respetiva aplicabilidade aos procedimentos interrompidos pelo “lockdown” da justiça, em particular da justiça criminal (cfr. GATTA, GIAN LUIGI, Ob. Cit., pág. 313)”.
(…)
As normas relativas à prescrição do procedimento criminal não se encontram incluídas, de modo literal, na proibição da retroatividade in pejus fixada para as normas incriminadoras (neste sentido, quanto à proibição da analogia, v. Acórdão n.º 205/1999). A sua recondução ao âmbito de aplicação do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4.º, da Constituição, só poderá fazer-se, por isso, com apoio em argumentos jurídico-constitucionais, os quais, por sua vez, haverão de extrair-se, não da classificação das normas atinentes ao instituto da prescrição segundo os critérios desenvolvidos no plano infraconstitucional, mas antes da ratio da proibição da retroatividade in pejus e, por conseguinte, dos próprios fundamentos do princípio da legalidade penal. Ainda que para justificar uma leitura maximizadora das garantias inerentes àquela proibição, não deixa de ser esse o sentido em que adverte Pedro Caeiro: a distinção entre normas processuais formais e normas processuais materiais não deve constituir um «prius relativamente à questão da (não) sujeição das normas» – ou de certa norma – «àquela proibição da retroatividade, mas sim um resultado da correta delimitação do âmbito de aplicação da retroatividade desfavorável» (“Aplicação da lei penal no tempo e prazos de suspensão da prescrição do procedimento criminal: um caso prático”, Separata de Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, 2001, Coimbra Editora, p. 243). O que vale por dizer que, quando se trata de determinar o estatuto constitucional de certo elemento legal à face do artigo 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição, importa ter em definitivo presente, «não tanto a integração deste ou daquele instituto no direito penal ou processual, quanto a função atribuída pela Constituição ao princípio da irretroatividade» (Giorgio Marinucci e Emilio Dolcini, ob. cit., p. 59).
Salienta ainda este aresto do TC que esta interpretação encontra eco na jurisprudência do TJUE e do TEDH.
Ou seja, estamos efetivamente perante uma causa de suspensão do prazo de prescrição inserida no Ordenamento Jurídico por lei posterior à data dos factos mas, tendo em conta o carácter totalmente imprevisível dos acontecimentos que a determinaram, não se pode afirmar que a sua aplicação aos procedimentos pendentes coloque em causa expectativas legítimas do agente do ilícito contemporâneas da prática do facto, que frustre a exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal a que responde a proibição da retroatividade in pejus. Trata-se, pois, de uma situação de retroactividade de segundo grau (artigo 12º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil), "retroactividade inautêntica" ou "retrospectividade”. O princípio da confiança não reclama que se materialize a possibilidade de serem conhecidas todas as causas de suspensão do prazo de prescrição no momento da consumação do crime. Se assim não fosse, estaria retirado ao Estado a possibilidade de reagir em emergência perante situação física portadora de particular gravidade e, obviamente, imprevisível no momento dessa consumação.
Assim, a aplicação da nova causa de suspensão não viola o art.º 29º da CRP, pois não ultrapassou a necessidade gerada pela situação de crise sanitária que se viveu nem houve excesso nem desproporção na definição do tempo da suspensão do prazo prescricional
Lê-se no Ac. RL de 05-04-2022, in www.dgsi.pt, a cuja argumentação aderimos:
I – A especialíssima legislação – Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e n.º 4-B/2021, de 01.02, - foi implementada num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito apertadas as excepções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, excepto em situações de manifesta urgência.
III - Esta situação sanitária de extrema excepcionalidade justifica que a suspensão dos prazos de prescrição que vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril) se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores. Se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos. Por isso, desde que os processos estejam pendentes, são aplicáveis tais prazos de suspensão da prescrição.”
Concluindo: suspendem-se os prazos de prescrição durante o tempo supra referido, desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cf. artigos 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril), tudo no total de 160 dias, ou seja, 5 meses e 10 dias.
Depois, vemos ainda que foi proferido despacho de pronúncia dos arguidos pela prática dos crimes que constavam da acusações particulares, o qual foi notificado aos arguidos por carta registada enviada a 21-06-2022, o que é causa de interrupção da prescrição, e ainda causa de suspensão da prescrição, nos termos do disposto no art.º 120 n.º 1 al. b) do CP e 121º n.º 1 al. b) do CPP.
Desta forma, considerando a data do início do prazo de prescrição, 17.11.2017, que é a data da publicação do livro e as datas das causas de interrupção (com a constituição dos denunciados como arguidos e com a notificação da decisão instrutória de pronúncia) e de suspensão da prescrição (“leis covid” e notificação da decisão instrutória de pronúncia), concluímos que o prazo de prescrição do procedimento criminal ainda não decorreu.
Não merece por conseguinte acolhimento a defesa dos arguidos.
(…)”.
D) Fundamentação de direito quanto à qualificação da conduta do recorrente AA referente ao dia 30 de Junho de 2017 [unidade criminosa ou concurso de crimes, com a conduta do dia 21 de Junho de 2017]
“(…).
Na emissão do dia 30/6, depois de ter passado uma peça televisiva em que o arguido DD falara, o arguido AA afirmou o seguinte:
“Porque é que o Benfica precisa de monitorizar SMS do ... da Federação, EE?”
Ou seja, o arguido afirmou um facto inverídico, em forma de pergunta retórica, sabendo que era inverídico e esse facto propalado (que constitui crime) é na realidade ofensivo do bom nome da visada. Não se tratou de um juízo de valor, de uma conclusão extraída naquele momento de um email verídico, mas sim, da afirmação de um facto inverídico (lembramos aqui as considerações a este respeito feitas em B.1).
Tendo o arguido agido dolosamente, como se provou, concluímos que bem andou o Tribunal Coletivo em entender que a conduta do arguido é subsumível à prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e 2 al. a) e 183 nº 2 do CP.
Contudo, e aqui reside a discordância dos assistentes, entendeu também o Tribunal Coletivo que o arguido, no dia 30/6, “deu continuidade ao que já afirmara no dia 21/6/2017, o que fez escassas semanas depois” e que, nessa medida, estamos perante uma única resolução criminosa.
Em consonância, veio o Tribunal Coletivo a condenar o arguido pela prática de um só crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, tendo por referência os factos do dia 21/6 e os factos do dia 30/6.
É fundada a discordância dos assistentes, adiantamos desde já.
Vejamos o artigo 30.º, n.º 1, 1ª parte, do Código Penal, onde se escreve:
“O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos”.
Como critério geral orientador na decisão sobre o concurso de crimes, segue-se a posição de Figueiredo Dias (exposta in Direito Penal: Parte Geral I. Questões Fundamentais: a Doutrina Geral do Crime, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 977), a qual não rejeita, antes completa, a construção de Eduardo Correia, que assentava na pluralidade de resoluções (ou de determinações da vontade) pelas quais o agente actuou, e que conhecemos como “critério da unidade ou pluralidade da intenção criminosa”.
Figueiredo Dias propõe. como critério fundamental da unidade ou pluralidade de infrações, o da unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica.
A essência do facto punível reside, para Figueiredo Dias, não na mera ação típica, nem na norma (no bem jurídico tutelado), mas no “substrato de vida” dotado de sentido jurídico-penalmente negativo. O que se tem de contar são sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global. Daí que, em seu entender, seja a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude do comportamento global a determinar a unidade ou pluralidade de crimes
Explica o Ac. STJ de fixação de jurisprudência n.º 10/2003, in www.dgsi.pt:
“Segundo esta orientação, vários factores deverão ser considerados, não assumindo cada um deles isoladamente relevância decisiva, mas sendo tomados no seu conjunto, e no âmbito das concretas circunstâncias do comportamento em causa, pois é esse conjunto, esse "comportamento global", que tem significado segundo um juízo de ilicitude material. Assim, os bens jurídicos afectados, a unidade ou pluralidade de resoluções, a distância ou proximidade espácio-temporal entre as acções, as conexões de sentido entre elas (por exemplo, a relação meio-fim), o modo como tais bens jurídicos, condutas e relações encontram tradução nos tipos legais de crime, a unidade ou pluralidade de vítimas, serão elementos a relevar.”
Assim, o preenchimento, em concreto, de vários tipos legais pelo comportamento do agente não implicará necessariamente o concurso efectivo, pois pode concluir-se pela existência de um sentido de ilicitude dominante, sendo os restantes dominados ou subordinados, hipótese em que se verifica um concurso aparente.
E o preenchimento de um único tipo legal também não se traduz necessariamente na unidade do facto punível, podendo dar-se o caso de o comportamento do agente revelar uma pluralidade de sentidos de ilicitude.
Na prossecução desta sua tarefa, o decisor deve recorrer a subcritérios orientadores, como o da unidade do desígnio criminoso do agente, o da unidade de sentido do comportamento ilícito global, o da relação ilícito-meio/ ilícito-fim, o da conexão situacional espácio-temporal, o dos diferentes estádios de realização da actuação global.
(este entendimento tem vindo a ser acolhido na jurisprudência, de que são exemplo os Ac. STJ de 24-04-2019 e de 30-10-2014, in www.dgsi.pt).
No caso, quer se sufrague a doutrina de Eduardo Correia, quer a interpretação da norma proposta por Figueiredo Dias, a conclusão é a mesma: estamos perante um concurso efetivo homogéneo, perante dois crimes e não em face de uma unidade criminosa.
Aqui, conseguimos identificar dois comportamentos que ocorreram em dois momentos temporalmente distintos, subsumíveis ao mesmo tipo de ilícito criminal.
Para que a unidade resolutiva se possa afirmar, é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação. A resolução criminosa antecede a execução da respectiva acção ilícita,
Ora, no caso não existe um “fio sequencial” único de comportamento em relação aos dois comportamentos. As afirmações do arguido foram proferidas em dois programas de televisão distintos, separados 15 dias, tendo ele tido intervenção num outro programa que teve lugar a meio. Os programas televisivos tiveram, naturalmente, públicos distintos. Não é como se fossem atos consecutivos, que tenham tido lugar no mesmo programa, ou no mesmo dia.
Como de forma simples e clara se exemplifica no Ac. RE, de 12/07/2010, in www.dgsi.pt:
“(…): se alguém toma a resolução de passar o resto da vida a assaltar residências, fazendo disso modo de vida, não se pode concluir, por mais firme que seja essa resolução, que todos os assaltos que fizer no futuro são a execução do mesmo único crime de furto. (…) Porém a “resolução criminosa” pressupõe sempre a representação pelo agente dos factos concretos que vão ser praticados. Não se pode reduzir a um mero “projecto de vida”, que abranja todos os factos criminosos, praticados em momento indeterminado do futuro, à medida que as oportunidades criminosas forem aparecendo.”
Assim, entende-se que no caso concreto o arguido, nestes dois dias diferentes, accionou e renovou os mecanismos da sua vontade para proferir as afirmações em causa, perante um público de televisão necessariamente distinto, o que faz com que, seguindo a tese de Eduardo Correia, a cada uma dessas resoluções corresponda um crime.
E, na verdade, estamos também em face de uma pluralidade de sentidos de ilicitude autónomos – critério relevante na doutrina de Figueiredo Dias – impondo a conclusão de que há um concurso homogéneo de crimes, um praticado a 21/6 e outro a 30/6.
Em conformidade, revogar-se-á o Acórdão recorrido nesta parte, condenando-se o arguido pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada p. e p. pelo art.º 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183º n.º 2 do CP, pelos factos praticados no programa de televisão do dia 30/6.
(…)”.
E) Fundamentação de direito quanto ao preenchimento do tipo do crime de ofensa de pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º e 183º do C. Penal, pela elaboração e publicação do livro ...
“(…).
Considerando a factualidade demonstrada no Acórdão recorrido nos pontos 212 a 214, com o aditamento à matéria de facto supra ordenado, à luz das considerações supra tecidas a respeito do crime de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187º do CP, entende este Tribunal da Relação que os arguidos AA e BB cometeram efetivamente, em co-autoria, um crime de ofensa de pessoa coletiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º e 183º do CP, como advogam os assistentes no recurso interposto.
Vejamos mais pormenorizadamente.
Antes de mais, há que lembrar que o AC. STJ n.º 14/2023, de 11 de dezembro veio pôr termos à polémica, fixando jurisprudência no seguinte sentido:
“O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo artigo 187.º do Código Penal, pode ser cometido através de escrito”.
Não vemos razão para não seguir a doutrina deste Acórdão, com a qual concordamos, pelo que nos resta aferir se os factos escritos pelos arguidos são de facto ofensivos do bom nome das assistentes.
Resulta dos factos provados que os arguidos escreveram no livro que publicaram que:
- “ a obra em causa tem como tema um conjunto de alegadas práticas anti-desportivas levadas a cabo pelos assistentes que integram o “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, conjuntamente designados como ....
- «Um polvo, como se sabe, é um animal invertebrado que se destaca pela exuberância dos seus oito tentáculos revestidos de ventosas. Gosta de se movimentar pelos fundos dos mares e mexe-se bem entre as rochas, alcançando alguns dos buracos maios recônditos com os tentáculos. Distingue-se pela sua capacidade de camuflagem, ajustando a cor da pele em função das necessidades. Quando se sente ameaçado, expele uma tinta escura que repele os predadores. Não por acaso, já há vários anos que se associa as características deste cefalópode à máfia. Metaforicamente, o Benfica é um polvo».
- “..., pelo menos nos últimos 15 anos, tem dominado quase por completo o futebol português - não no campo, onde os jogos se disputam -, adulterando a verdade desportiva das competições através do controlo dos bastidores do desporto».
- “ o Benfica já tem um histórico longo e consistente de controlo das instituições que lideram o futebol português. Esse é um objetivo estratégico que o clube persegue praticamente desde o início do século».
- «O controlo das instituições do futebol português pelo Benfica resulta, no fundo, de uma teia de relações e de uma colonização de lugares-chave de certos organismos que foram levadas a cabo ao longo da última década e meia e que proporcionam: 1) a circulação de informação privilegiada; 2) a obtenção de benefícios para o clube; 3) em última análise, vantagens no domínio desportivo. Isto tem um nome: tráfico de influências».
- «O Benfica soube construir a sorte que lhe tem permitido ganhar campeonatos através do desenvolvimento de uma rede de influências tentacular que lhe granjeia o controlo do setor da arbitragem e que abrange tanto o seu núcleo central (o Conselho de Arbitragem da Federação) como as suas ramificações a nível local».
-Estamos perante um caso flagrante de fomento de intimidade entre DD e a comunicação social que parte do próprio e que pode ajudar a explicar os favores de vários órgãos e de alguns comentadores (...)».
- «A generalidade das opiniões emitidas publicamente por adeptos do clube é também ela objeto de controlo apertado, através de um mecanismo original e, tanto quanto se sabe, exclusivo do clube (...)».
- «Perante este panorama, nem os No Name Boys nem os Diabos Vermelhos podem legalmente receber qualquer tipo de apoio do clube da Luz. Não é isso o que acontece. ».
Considerando a distinção entre juízos de facto e juízos de valor, explanada supra neste acórdão (em B1), entendemos que estamos aqui perante a imputação de factos às assistentes e não em face de juízos de valor, embora, é certo, essa imputação de factos seja acompanhada de juízos de valor e de juízos conclusivos.
De facto, os arguidos imputam ao Benfica ações concretas: tráfico de influências, com vista a obter vantagens na arbitragem; controlar as opiniões dos adeptos; apoiar ilegalmente claques. E trata-se de factos graves, objetivamente idóneos a lesar o bom nome do clube, a sua credibilidade (capacidade da instituição de cumprir as regras e respeitar prazos e de ser diligente) prestígio (capacidade para ser merecedora de respeito pela comunidade n seu sector de atividade) e confiança (capacidade para ser vista pela comunidade como sendo sólida e merecedora de crédito).
Acresce que se provou que os arguidos sabiam que os factos que escreveram eram inverídicos, não tendo fundamento sério para, em boa fé, os reputar como verdadeiros, tendo agido dolosamente.
Tratando-se de um livro, que foi publicado, estamos perante um “meio de comunicação social”, razão pela qual a conduta dos arguidos é subsumível ao disposto no n.º 2 do art.º 183 do CP.
Sobre o conceito de meio de comunicação social, diz Faria Costa, mais uma vez, que temos de apelar ao valor de uso da palavra no seio da comunidade jurídica para delimitar o seu sentido. E acrescenta: “A comunicação social realiza-se na pluralidade de meios que, em determinado momento histórico, a comunidade é capaz de fornecer para a difusão dos diferentes fluxos informacionais e que visa, tem por específica finalidade atingir com essa informação um conjunto alargado ou maciço de pessoas Assim, o livro, a revista, o jornal são meios de comunicação social que utilizam suporte físico e se exprimem pela escrita” (op. cit., anotação ao artigo 183º)
(neste sentido, cfr. o Ac. RP de 23/2/2022, in www.dgsi.pt onde se escreve: Os meios de comunicação social são todos os tipos de aparatos analógicos ou digitais utilizados para transmitir textos, imagens e áudios para uma massa heterogênea e indeterminada de pessoas. Os meios mais conhecidos são os livros, jornais, revistas, rádio, cinema, televisão, gravações (discos de vinil, fitas cassete, VHSs, cartuchos, CDs, DVDs, blu-rays, cartões de memória etc.), video games e internet).
No que concerne à alínea b) do art.º 183, considerando a teleologia do art.º 187º, entende esta Relação que não é abarcada pela norma remissiva. – vide neste sentido Faria Costa, in Comentário…, cit., p. 685 e Ac. RL de 08-09-2010, www.dgsi.pt.
Entendemos ainda que, no caso do crime previsto no artigo 187.º do Código Penal, não há lugar ao funcionamento da causa de justificação prevista no artigo 180.º, n.º 2 do Código Penal. Com efeito, nem a norma remissiva do n.º 2 do artigo 187.º remete para a mesma nem, em bom rigor, podia remeter, já que o tipo do artigo 187.º, n.º 1 pressupõe a afirmação ou propalação de factos inverídicos. Assim, por definição, a prova da veracidade destes factos actua a montante, ao nível do preenchimento do tipo e não ao nível da ocorrência de eventuais causas de justificação.
Mostra-se pois afastada a possibilidade de justificação da conduta do recorrente ao abrigo desta específica causa de exclusão da ilicitude prevista no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal.
E poderá considerar-se a mesma justificada por prevalência do invocado direito constitucional de expressão, opinião e crítica?
Segundo o artigo 31.º do Código Penal, o facto não é punível “quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade” [n.º 1], não sendo nomeadamente ilícito o facto praticado “no exercício de um direito” [alínea b) do n.º 2].
Ora, não pode invocar-se o direito de informar inerente à liberdade de expressão e de informação prevista no artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa quando a informação veiculada é inverídica e o arguido não tem motivos para em boa fé confiar na veracidade das afirmações que fez.
Uma última nota se impõe: não obstante os arguidos tenham sido pronunciados pelos assistentes da prática de um crime de ofensa de pessoa coletiva, p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e n.º 2 al. A) e 183 n.º 1 al. a) e al. b) do CP o certo é que, em sede de audiência de julgamento de dia 27/3/2023 foi proferido um despacho com o seguinte teor:
“Advertem-se os arguidos para a possibilidade de vir a considerar-se que a factualidade descrita na acusação particular relativa à publicação do livro “...”, para que remeteu o despacho de pronúncia, estando em causa meio utilizado para transmitir textos e imagens para uma massa heterogénea e indeterminada de pessoas (cf. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.02.2022, disponível em www.dgsi.pt – processo 555/16.8T9STS.P1), nessa medida integrando o conceito de meio de comunicação social, consubstancia a prática por ambos, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.ºs 1, al. b), e 2, ambos do Código Penal.”
Dir-se-á ainda que, considerando a factualidade provada e o conceito de co-autoria, supra exposto neste Acórdão, no ponto A.4, , os arguidos são claramente co-autores do crime consumado de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pelo qual devem ser condenados.
Em razão do exposto, procede o recurso dos assistentes nesta parte.
(…)”.
F) Fundamentação de direito quanto à medida das penas parcelares e da pena única
“(…).
Aqui chegados, lembremos os crimes pelos quais os arguidos foram condenados pelo Tribunal Coletivo, condenações essas que, como vimos, mereceram o nosso acordo.
Assim, o arguido AA foi condenado pela pratica:
- em co-autoria e na forma consumada, de (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos arts. 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal,
- em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos arts. 187.º, n.os 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal,
- em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos arts. 187.º, n.os 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal,.
Já o arguido BB foi condenado pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos arts. 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal
Vimos ainda que é nosso entendimento que os arguidos praticaram, para além destes, os seguintes crimes (cfr. pontos B.3 e B.4 deste Acórdão):
- o arguido AA, em autoria material, um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada p. e p. pelo art.º 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, pelos factos praticados no programa de televisão do dia 30/6 e, como co-autor, um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pela publicação do Livro “...”.
- o arguido BB, como co-autor, um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187.º, n.os 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pela publicação do Livro “...”.
Desta forma, ao abrigo da Jurisprudência fixada obrigatoriamente pelo Acórdão STJ nº4/2016, DR-36 SÉRIE I de 2016-02-22, cumpre de seguida proceder à determinação da espécie e medida da pena a aplicar aos arguidos pela prática destes crimes.
a) Escolha da pena:
Sabemos que, admitindo a punição prevista para o crime de ofensa a pessoa coletiva agravado, p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 do CP a aplicação, em alternativa, de duas penas principais, deve o juiz começar por escolher a espécie de pena que concretamente vai aplicar, seguindo o critério fixado no art.º 70º do C. Penal:
“Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Relativamente às exigências de prevenção, ensina Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, in As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 211 e ss e 327 e ss., que a prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Tal significa que o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária.
Por seu turno a prevenção geral positiva surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer que, se impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
(cfr. ainda Anabela Rodrigues, em anotação ao Ac. do STJ de 21/05/90, in RPCC, 2, 1991, pg. 243).
Ora, as exigências de prevenção geral positiva são efetivamente escassas, dado que o crime em causa não causa alarme na sociedade.
Relativamente às exigências de prevenção especial positiva, sob a forma de ressocialização, são já elevadas, não obstante os arguidos estejam social, familiar e profissionalmente inseridos e não tenham antecedentes criminais-
Na verdade, o arguido AA praticou os crimes que aqui estão em causa e os demais crimes de ofensa a pessoa coletiva pelos quais foi condenado pelo Acórdão recorrido, ao longo de vários meses, mostrando-se insensível aos prejuízos que causava aos visados e indiferente aos valores que devem reger a conduta dos cidadãos em comunidade, ciente da polémica que causava no espaço público e das queixas que contra ele foram apresentadas em várias sedes, revelando uma personalidade avessa ao direito, com manifesta incapacidade para, após cada crime cometido, refletir e entender o desvalor da acção praticada, de modo a conduzir a sua vida sem cometer novos crimes, mantendo-se sempre firme no seu propósito criminoso. Os factos provados traduzem uma verdadeira campanha do arguido AA no sentido de denegrir publicamente a imagem do Benfica, que ele levou a cabo de forma persistente, movido não só por um intuito de informar mas também pela rivalidade clubística com o Sport Lisboa e Benfica.
Desta forma, acompanhamos o Tribunal Coletivo no entendimento de que a pena de multa não apresenta claramente potencialidades para realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, impondo-se a aplicação de uma pena que tenha nele um efeito mais incisivo e que, por isso, permita uma efetiva interiorização do desvalor da sua conduta.
De resto, este entendimento mereceu a concordância do arguido, que não recorreu da pena.
Relativamente ao arguido BB, é certo que está em causa nos autos um único crime de ofensa a pessoa coletiva agravada. Contudo, ele é praticado quando existia já uma forte polémica sobre os programas de televisão, com queixas já apresentadas à ERCS e queixas crime, o que denota uma grande intensidade de desígnio criminoso da sua parte, uma personalidade avessa ao direito, com manifesta incapacidade para refletir e entender o desvalor da acção praticada e interiorizar a necessidade da respectiva censura, de modo a conduzir a sua vida sem cometer novos crimes.
Assim, também relativamente a este arguido, são elevadas as exigências de prevenção especial positiva, apenas atenuadas pelo facto de não ter antecedentes criminais e de estar profissional e socialmente inserido.
Deste modo, a escolha deverá recair sobre a pena de prisão também relativamente a este arguido.
b) Da medida concreta da pena:
Diz-nos o artigo 40º do Código Penal que:
1- A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A respeito da determinação da medida concreta da pena, ensina o Prof. Figueiredo Dias in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, págs. 110-111o seguinte
“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.
Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos e da reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura penal assim encontrada.
Dando concretização aos vectores enunciados no n.º1 do artigo 71º do Código Penal (culpa do agente e exigências de prevenção), o n.º 2 daquele preceito legal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente: o grau de ilicitude do facto; o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Ora, considerando em primeiro lugar o crime pelo arguido AA praticado no dia 30/6, terá de ser valorado desfavoravelmente o dolo direto com que agiu, a indiciar uma culpa elevada. Salientamos que o arguido tinha já conhecimento, quando proferiu a frase em causa, da polémica gerada pelas afirmações que tinha proferido em programas anteriores, teve oportunidade de refletir sobre a gravidade das suas condutas, de se aconselhar, de arrepiar caminho e, não obstante, reiterou a sua conduta criminosa, sendo por isso intensa a vontade criminosa
Também o grau de ilicitude da conduta é elevado, considerando a gravidade do facto propalado.
Os motivos que determinaram a pratica do crime, designadamente a rivalidade clubística, não podem deixar de ser valorados em desfavor do arguido, por ser um sentimento asténico, que não é merecedor de qualquer compreensão por parte da comunidade.
As exigências de prevenção especial são elevadas, como supra foi exposto, sendo apenas minoradas pela inserção profissional, social e familiar do arguido.
Já as exigências de prevenção geral positiva são reduzidas, pois não é um crime que cause grande impacto na sociedade.
Assim, e atenta a moldura penal abstratamente aplicável e as circunstâncias acima referidas, entendemos ser adequado fixar a pena de prisão pela prática deste crime em 12 meses de prisão.
No que concerne ao crime praticado pelos dois arguidos, referente à publicação do livro, igualmente em desfavor dos dois arguidos terão de ser consideradas as exigências de prevenção especial positiva, o dolo direto com que agiram e a elevada ilicitude da conduta, pelas razões já supra expostas e que aqui são inteiramente válidas.
Acresce que o livro é publicado numa altura em que era grande a polémica que envolvia os programas de televisão em causa e as afirmações que nele fazia o arguido AA. Neste contexto, ao publicarem este livro, os arguidos mostraram de facto uma grande intensidade de vontade criminosa e indiferença perante o dever ser jurídico-penal.
No que respeita aos sentimentos e motivos que determinaram a pratica do crime, designadamente a rivalidade clubística, não podem deixar de ser valorados em desfavor dos arguidos, por ser um sentimento asténico, que não é merecedor de qualquer compreensão por parte da comunidade.
A ilicitude é elevada, atenta a gravidade dos factos propalados.
Já as exigências de prevenção geral positiva são reduzidas.
Considerando pois tudo o que acima foi exposto, entende-se adequado fixar a pena de prisão em um ano e dois meses para cada um dos arguidos.
c) Da pena única:
Em consequência destas condenações, a pena única dos arguidos tem de ser reformulada.
Entre nós vigora um sistema de pena conjunta, obtida através de um cúmulo jurídico, onde é feita a combinação das várias penas parcelares concretamente fixadas pelo Tribunal, as quais não perdem a sua natureza de fundamentos da pena do concurso. Desta forma, a pena aplicável ao concurso de crimes é uma pena única.
Dispõe o art.º 77º, n.º 1 do CP que:
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
A pena aplicável tem como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal).
Na formação da pena única no concurso de crimes, o Supremo Tribunal de Justiça, evidenciando preocupações de justiça relativa e de equidade, tem adoptado maioritariamente um critério segundo o qual a pena conjunta se há-de encontrar, em resultado da apreciação conjunta dos factos e da personalidade do agente, fazendo acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um quinto, salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados (cfr. Simas Santos-Leal Henriques, Código Penal Anotado, 4ªed., Lisboa, 2015, vol. II, pág. 213).
Sustenta-se no Acórdão STJ de 14-09-201, in www.dgsi.pt:
“na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele «pedaço» de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade. É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”.
Ora, no que respeita ao arguido AA, estão em causa as seguintes condenações:
- pela prática de um crime de violação de correspondência e telecomunicações agravada, a pena de 10 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 12 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão.
Assim, a pena única há-de ser encontrada numa moldura abstrata que tem por mínimo um ano e dois meses e por limite máximo 5 anos e 4 meses.
Nesta operação ter-se-á- em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com a qual, na formação da pena de conjunto as penas parcelares em concurso devem sofrer um factor de compressão, em regra, de 1/3, sem prejuízo de, por exemplo, em situações que espelhem uma carreira criminosa possa ser introduzido um factor de compressão mais lato do que o de 1/3. (cfr. por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.04.2011 e de 27.05.2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
E na realidade, valorando em conjunto as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto e o comportamento anterior e posterior aos factos e a personalidade do arguido manifestada nos factos, bem assim como as exigências de prevenção geral e especial presentes, afigura-se adequado fixar a pena única em 2 anos e 6 meses de prisão.
No que respeita ao arguido BB, na construção da moldura da pena única tem de se considerar as seguintes condenações:
- pela prática de um crime de violação de correspondência agravada, a pena de 9 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão;
Assim, numa moldura abstrata que tem por mínimo um ano e 2 meses e por máximo um ano e 11 meses, e considerando também relativamente a este arguido as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto e o comportamento anterior e posterior aos factos e a personalidade do arguido manifestada nos factos, bem assim como as exigências de prevenção geral e especial presentes, afigura-se adequado fixar a pena única em 1 ano e 5 meses de prisão.
(…)”.
*
*
*
Âmbito do recurso
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.
Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.
Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).
Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir no recurso, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:
- A de saber se ocorreu a prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, tendo por objecto a elaboração e publicação do livro ..., e relativo aos crimes de ofensa a pessoa colectiva agravado, tendo por objecto as condutas do recorrente AA, ocorridas em 21 e 30 de Junho de 2017;
- A de saber se a conduta do recorrente AA ocorrida no dia 30 de Junho de 2017, referida à conduta do mesmo, de 21 de Junho de 2017, deve ser qualificada como unidade criminosa [ou, pelo contrário, como concurso de crimes];
- A de saber se a elaboração e publicação do livro ... preenche o tipo do crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º e 183º do C. Penal;
- A de saber se foi incorrectamente determinada a medida concreta das penas parcelares e da pena única;
- A de saber se o recorrente BB beneficia das medidas de clemência previstas na Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto.
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Da prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, tendo por objecto a elaboração e publicação do livro ..., e relativo aos crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, tendo por objecto as condutas do recorrente AA, ocorridas nos programas televisivos de 21 e 30 de Junho de 2017
1. Alegam os recorrentes – conclusões 3 a 17 – que a prescrição do procedimento criminal relativamente aos crimes de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva agravados, p. e p. pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, a) e 183º, nº 2, ambos do C. Penal, por factos ocorridos em 21 e 30 de Junho de 2017 e de 17 de Novembro de 2017, imputados ao recorrente AA, se consumou no dia 29 de Março de 2023, ainda antes, portanto, do acórdão da 1ª instância pois, sendo de 5 anos o prazo de prescrição do crime, o mesmo voltou a correr em 1 de Março de 2018, data em que o referido recorrente foi constituído arguido, e esteve suspenso, apenas, entre 9 de Março e 6 de Abril de 2020 portanto, durante 29 dias, enquanto relativamente ao arguido BB, no que respeita ao crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, a) e 183º, nº 2, ambos do C. Penal, por factos ocorridos em 17 de Novembro de 2017, o mesmo prazo voltou a correr em 9 de Novembro de 2018, data da sua constituição como arguido, e esteve igualmente suspenso, apenas, 29 dias, entre 9 de Março e 6 de Abril de 2020, tendo terminado em 6 de Dezembro de 2023 portanto, antes do acórdão da Relação de Lisboa ora recorrido que, pela primeira vez, o condenou por tal crime.
Mais alegam ter a Relação violado várias normas da Legislação COVID que limitaram a suspensão dos prazos de prescrição aos processos cuja tramitação foi suspensa por não serem urgentes, designadamente, o art. 7º da Lei nº 1-A/2020, na redacção da Lei nº 4-A/2020 (art. 7º, nº 7) pois que, tendo o Ministério Público atribuído carácter urgente ao inquérito por despacho de 2 de Outubro de 2019, que se manteve nas fases de instrução e julgamento, só cessando, em 12 de Junho de 2023, com a prolação do acórdão da 1ª instância, mesmo durante a vigência da Legislação COVID, quer determinou a suspensão dos prazos processuais e, portanto, a suspensão dos prazos prescricionais, os autos só estiveram suspensos, conforme já dito, por 29 dias, entre 9 de Março e 6 de Abril de 2020, sendo inconstitucional, por violação do princípio da legalidade com assento no art. 29º, nº 1 da lei Fundamental, a interpretação dos nºs 3 e 7 do art. 7º da Lei nº 1-A/2020, na redacção da Lei nº 4-A/2020, no sentido de a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal prevista no referido nº 3 ser aplicável aos processos urgentes previstos no referido nº 7.
Alegam também que, não tendo o Ministério Público acompanhado a acusação particular relativamente aos factos ocorridos a 21 e 30 de Junho e a 17 de Novembro de 2017, não é aplicável a causa de suspensão da prescrição prevista no art. 120º, nº 1, b) do C. Penal, por a notificação aí prevista apenas se referir à acusação pública, do mesmo modo que, também a notificação do despacho de pronúncia, ocorrida em 21 de Junho de 2022, pela prática de tais factos não suspendeu tal prazo, uma vez que o disposto nos arts. 120º, nº 1, b) e 121º,nº 1, b), ambos do C. Penal, é aplicável quando é proferida decisão instrutória de pronúncia não precedida de acusação só têm lugar quando o despacho de pronúncia tiver um significado de corroboração de um requerimento instrutório para que o arguido seja sujeito a julgamento, implicando entendimento diverso o desvirtuamento da razão da solução adoptada pela lei para a instrução e para a disciplina da prescrição, e uma limitação dos direitos de defesa.
E concluem pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade (art. 29º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa), da interpretação do art. 120º, nº 1, b) do C. Penal, no sentido de que, em processo dependente da acusação particular, a notificação do despacho de pronúncia proferido em instrução requerida pelo arguido, para comprovação de acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público, suspende a prescrição do procedimento criminal, bem como, pela inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade, do art. 121º, nº 1, b) do C. Penal, no sentido de que, em processo dependente de acusação particular, a notificação do despacho de pronúncia proferido em instrução requerida pelo arguido, para comprovação da acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público, interrompe a prescrição do procedimento criminal.
Na resposta ao recurso, alegam as assistentes que, a coberto do disposto na alínea e) do nº 1 do art. 400º do C. Processo Penal, vieram os recorrentes invocar a prescrição do procedimento criminal, questão que não pode nem deve se conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, por não ser admissível recurso para o mesmo, nos termos da alínea c) do mesmo número e artigo, de acórdão proferido em recurso, pela relação, que não conheça, a final, do objecto do processo, excepto nos casos em que, inovadoramente, tenha aplicado medida de coacção ou de garantia patrimonial, quando em 1ª instância não tenha sido aplicada qualquer medida, para além de termo de identidade e residência, sendo que a prescrição do procedimento criminal, enquanto questão prévia, não integra o conceito de questão respeitante ao objecto do processo.
O acórdão da Relação, reportando-se, exclusivamente, à questão da prescrição relativa ao crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva agravado que tem por objecto a elaboração e publicação do livro ..., suscitada pelos recorrentes – na resposta ao recurso interposto pelas assistente, do acórdão da 1ª instância –, portanto, visando apenas o facto ocorrido a 17 de Novembro de 2017 [data da publicação do livro], começou por afirmar ser de 5 anos o prazo de prescrição do procedimento criminal do crime em causa e que o prazo se iniciou em 17 de Novembro de 2017, reconheceu – como decorre da transcrição supra feita, da respectiva fundamentação –, que a jurisprudência se inclina no sentido de que a notificação da acusação deduzida pelo assistente e não acompanhada pelo Ministério Público, não suspende nem interrompe, nos termos dos arts. 120º, nº 1, b) e 121º, nº 1, b), ambos do C. Penal, o decurso do prazo de prescrição, atendeu a que o recorrente AA foi constituído arguido em 1 de Março de 2018 e que o recorrente BB foi constituído arguido em 9 de Novembro de 2018, considerou que estes factos interromperem o prazo de prescrição por força do disposto no art. 121º, nº 1, a) do C. Penal, considerou que por força da Legislação COVID, o prazo de prescrição esteve suspenso de 9 de Março a 3 de Junho de 2020 e de 22 de Janeiro a 6 de Abril de 2021, nos termos dos arts. 6º-A, 7º, 10º e 11º da Lei nº 16/2020 de 29 de Maio, e art. 6º da Lei nº 13-B/2021, de 5 de Abril, num total de 160 dias, considerou que o despacho de pronúncia dos recorrentes pelos crimes que constavam da acusação particular, lhes foi notificado por carta registada de 21 de Junho de 2022, sendo esta notificação causa de suspensão da prescrição, nos termos do art. 120º, nº 120º, nº 1, b) do C. Penal, e causa de interrupção da prescrição, nos termos do art. 121º, nº 1, b) do mesmo código, e assim, considerando a data do início do prazo prescricional, as causas de suspensão e de interrupção verificadas, decidiu não estar verificada a prescrição do procedimento criminal, quanto ao referido crime.
Tendo o recorrente AA invocado na contestação a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, tendo por objecto a publicação do livro ... [note-se que foi no decurso da audiência de julgamento em 1ª instância que, na decorrência de comunicação da alteração da qualificação jurídica, foi admitida a possibilidade de este crime vir a ser imputado, em co-autoria, ao recorrente BB], esta questão interlocutória não veio a ser conhecida no acórdão da 1ª instância de 12 de Junho de 2023, por nele, previamente, ter sido entendido que o questionado crime só admitia, como forma de cometimento, a acção oral – e não, também, a forma escrita – sendo, em consequência, qualificada como conduta atípica, a publicação do referido livro.
a. Aqui chegados, dada a complexidade da situação emergente dos autos, resultante da modificação das imputações e condenações operadas nas instâncias, torna-se conveniente deixar registo, na parte relevante, da sucessão verificada.
Assim:
No Inquérito
A) O Ministério Público imputou:
- Ao recorrente AA,
a prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, três crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo art. 194º, nºs 1 e 2, do C. Penal [tendo por ofendidos, o SLB, ZZZ e QQ], três crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelo art. 194º, nº 3, ex vi nºs 1 e 2 do mesmo artigo, e pelo art. 197º, b), ambos do C. Penal [em concurso aparente com três crimes de devassa da vida privada, p. e p. pelo art. 192º, nº 1, a) e 197º, b) do C. Penal, tendo por ofendidos, o SLB, ZZZ e QQ], um crime de acesso indevido, p. e p. pelo art. 44º, nºs 1 e 2, al. b), da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro [redacção da Lei nº 103/2015, de 24 de Agosto, em vigor à data dos factos],
- Ao recorrente BB,
a prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo art. 194º, nºs 1 e 2, do C. Penal [tendo por ofendido o SLB], e um crime de acesso indevido, p. e p. pelo art. 44º, nºs 1 e 2, b), da Lei nº 67/98, de 26 de Outubro [na referida redacção].
B) As assistentes Sport Lisboa e Benfica e Benfica – Futebol SAD imputaram:
- Ao recorrente AA,
A prática na forma consumada e concurso efectivo, a prática, em autoria imediata, de cinco crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, p. e p. pelo art. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 2, ambos do C. Penal, e em co-autoria, de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), ambos do C. Penal [livro ...],
- Ao recorrente BB,
a prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelo art. 187.º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), ambos do C. Penal [livro ...].
C) O Ministério Público, relativamente à acusação particular, deduziu acusação, apenas, pelos factos ocorridos em 6 de Junho de 2017, imputando ao recorrente AA a prática em autoria imediata, de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelo art. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nºs 1, a) e b) e 2, ambos do C. Penal.
Na Instrução
Os arguidos requereram a abertura da instrução, peticionando que, no seu termo, a) fosse proferida decisão, determinando o arquivamento do processo quanto aos crimes de violação de correspondência ou telecomunicações, por inexistência de queixa válida e tempestivamente exercida ou, assim não se entendendo, que fosse proferido despacho de não pronúncia quanto a tais crimes, b) fosse declarada a prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, imputado ao recorrente AA, pela publicação do livro ... ou, assim não se entendendo, que fosse proferido despacho de não pronúncia quanto a tal crime e c) fosse proferido despacho de não pronúncia quanto às demais imputações.
Por decisão instrutória de 20 de Junho de 2022 foram os recorrentes AA e BB [bem como o co-arguido CC] pronunciados pelos factos e imputações constantes da acusação pública e da acusação particular.
A decisão instrutória foi notificada aos recorrentes por via postal simples com prova de depósito de 21 de Junho de 2022, presumindo-se a notificação efectivada no 5º dia posterior ao do seu depósito na caixa de correio do destinatário [consta do processo electrónico, com as referências ...44 e ...45, a apresentação das provas de depósito em 4 de Julho de 2022].
No Julgamento
Na audiência de julgamento de 27 de março de 2023 (referência ...34) foi proferido o seguinte despacho:
Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal:
- Adverte-se o arguido BB para a possibilidade de vir a considerar-se que a factualidade descrita na acusação pública, para que remete o despacho de pronúncia, integra a prática pelo mesmo, não do ilícito criminal a que ali se faz referência, mas antes, em co-autoria e na forma consumada, de 3 (três) crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações agravados, p. e p. pelos arts. 194º, nº 3, com referência ao nº 2 do mesmo dispositivo legal, e 197º, b), ambos do C. Penal;
- Adverte-se o arguido AA para a possibilidade de vir a considerar-se que os 3 (três) crimes de violação de correspondência ou de telecomunicações agravados que lhe foram imputados na pronúncia foram praticados em co-autoria (art. 26º do C. Penal);
- Advertem-se os arguidos AA e BB para a possibilidade de vir a considerar-se que a factualidade descrita na acusação particular relativa à publicação do livro “...”, para que remeteu o despacho de pronúncia, estando em causa meio utilizado para transmitir textos e imagens para uma massa heterogénea e indeterminada de pessoas (cf. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23.02.2022, disponível em www.dgsi.pt – processo 555/16.8T9STS.P1), nessa medida integrando o conceito de meio de comunicação social, consubstancia a prática por ambos, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º, nos 1 e 2, a), e 183º, nºs 1, b), e 2, ambos do C. Penal.
Concedida a palavra aos Ilustres Mandatários dos arguidos, pelos mesmos foi dito nada terem a requerer.
Por acórdão de 12 de Junho de 2023, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz ..., foi decidido:
A) Condenar o recorrente AA, pela prática, em co-autoria, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelo art. 194º, nº 3, com referência ao nº 2 do mesmo preceito e 197º, b), ambos do C. Penal, na pena de 10 meses de prisão, pela prática, em autoria imediata, de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, a), e 183º, nº 2, ambos do C. Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, pela prática, em autoria imediata, de um crime de crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, a), e 183º, nº 2, ambos do C. Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por um ano e dois meses a contar do trânsito em julgado da decisão.
Absolver o recorrente AA da prática dos demais crimes imputados.
B) Condenar o recorrente BB, pela prática, em co-autoria, de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos arts. 194º, nº 3, com referência ao nº 2 do mesmo preceito, e 197º, b), ambos do C. Penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de um ano a contar do trânsito em julgado da decisão.
Absolver o recorrente BB da prática dos demais crimes imputados.
No Recurso
Na sequência de recursos interpostos pelos arguidos e pelas assistentes Sport Lisboa e Benfica, Sport Lisboa e Benfica SAD e Benfica Estádio – Construção e Gestão de Estádios, SA, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 23 de Janeiro de 2024, decidiu:
I- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelas assistentes e, em consequência,
A) Alterou a decisão proferida sobre a matéria de facto, aditando-lhe o seguinte facto provado:
215-A – Os arguidos AA e BB sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros tais factos, que sabiam serem inverídicos e atentatórios do bom nome das Assistentes, mas, ainda assim, quiseram-nos proferir publicamente através da publicação do livro.
B) Condenar o recorrente AA pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado, p. e p. pelo art. 187º nº 1 e nº 2, a) e 183º, nº 2 do C. Penal, na pena de 12 meses de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado, p. e p. pelo art. 187º nº 1 e nº 2, a) e 183º, nº 2 do C. Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão e, em cúmulo destas com as demais penas de prisão impostas pela 1ª instância, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por dois anos e seis meses, a contar do trânsito da decisão.
C) Condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado, p. e p. pelo art. 187º nº 1 e nº 2, a) e 183º, nº 2 do C. Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão e, em cúmulo desta com a pena de prisão impostas pela 1ª instância, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na respectiva execução por um ano e cinco meses, a contar do trânsito da decisão.
II- Julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA e BB.
III- Confirmar, quanto ao mais, o acórdão da 1ª instância.
b. Atentemos agora na questão prévia da irrecorribilidade parcial do acórdão da Relação, no que respeita à arguição da prescrição do procedimento criminal, suscitada pelas assistentes.
Estabelece o art. 432º, nº 1, b) do C. Processo Penal que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º. E dispõe o art. 433º do C. Processo Penal que os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo das situações previstas nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 432º do mesmo diploma legal.
Por sua vez, dispõe a alínea c) do nº 1 do art. 400º do C. Processo Penal que, não é admissível recurso, [d]e acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo, excepto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coacção ou de garantia patrimonial, quando em 1ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196º.
Assim, com excepção dos casos subsumíveis à previsão da 2ª parte da norma, não é admissível recurso dos acórdãos da relação, proferidos em recurso, que não conheçam, a final, do objecto do processo portanto, que não julguem o mérito da causa.
O objecto do processo é integrado pelos factos narrados na acusação e/ou na pronúncia, pelos factos alegados pela defesa e ainda, pelos factos resultantes da discussão da causa, desde que relevantes para as questões elencadas nº 2 do art. 368º do C. Processo Penal (art. 339º, nº 4 do mesmo código). Assim, conhecer do objecto do processo é conhecer da viabilidade da acusação e/ou da pronúncia, em ordem ao seu desfecho, seja de condenação, seja de absolvição, consoante o caso (Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1251). Notam Simas Santos e Leal Henriques (Recursos Penais, 9ª Edição, 2020, Rei dos Livros, pág. 38) que este fundamento de irrecorribilidade pretende acautelar a necessidade de defender o Supremo tribunal de Justiça da intervenção em questões de menor importância que assim se querem ver decididas definitivamente pela Relações, quando forem objecto de recurso intercalar autónomo.
Temos, então, que as decisões de questões interlocutórias ou intermédias, portanto, de questões que não integram no objecto do processo, proferidas pela Relação, em recurso interposto da decisão final, não perdem a qualidade de decisões que não conhecem, a final, do objecto do processo, razão pela qual, delas não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (António Gama, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, obra colectiva, 2024, Almedina, pág. 60, e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 2023, processo nº 813/22.2JABRG.G1.S1, 30 de Setembro de 2020, processo nº 195/18.7GDMTJ.L1.S1, de 19 de Junho de 2019, processo nº 881/16.6JAPRT-A.P1.S1, de 2 de Março de 2017, processo nº 126/15.6PBSTB.E1.S1 e de 29 de Outubro de 2015, processo nº 1584/13.9JAPRT.C1.S1, in www.dgsi.pt).
Tendo a Relação conhecido no acórdão recorrido, da questão da prescrição do procedimento criminal relativo ao crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), ambos do C. Penal, tendo por objecto a elaboração e publicação do livros ..., indeferindo-a, porque tal questão é interlocutória ou intermédia, dela não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por, nesta parte, ser o acórdão recorrido, (art. 400º, nº 1, c), do C. Processo Penal).
A circunstância de o recurso ter sido admitido sem restrições não vincula o tribunal superior (art. 414º, nº 3 do C. Processo Penal).
Assim, nos termos do disposto nos arts. 400º, nº 1, c), 414º, nºs 2 e 3 e 420º, nº 1, b), todos do C. Processo Penal, deve o recurso ser rejeitado, nesta parte, por irrecorribilidade do acórdão da Relação.
Deste modo, em sede de prescrição do procedimento criminal, resta apenas dela conhecer relativamente aos crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, tendo por objecto as condutas do recorrente AA, ocorridas nos programas televisivos de 21 e 30 de Junho de 2017
2. Atentemos, então, nas circunstâncias relevantes para a prescrição do procedimento criminal relativo aos crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, tendo por objecto as condutas do recorrente AA, ocorridas nos programas de 21 e 30 de Junho de 2017 [cumpre esclarecer que o acórdão da 1ª instância considerou que os factos ocorridos e 30 de Junho de 2017, praticados pelo recorrente AA, estavam em continuidade e tiveram a presidi-los a mesma resolução criminosa, integrando, por isso, a prática de um único crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, enquanto o acórdão recorrido entendeu que os factos de 21 e 30 de Junho de 2017 têm distintas resoluções criminosas e correspondem a uma pluralidade de sentidos de ilicitude e, em consequência, manteve a condenação por crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, quanto aos factos do dia 21, e autonomizou os factos do dia 30, condenando o identificado recorrente pela prática de mais um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado].
i) Está em causa a prática pelo recorrente AA de dois crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, p. e p. pelos arts. 187º nº 1 e nº 2, a) e 183º, nº 2 do C. Penal, crimes puníveis com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.
Assim, é inquestionável que, atento o disposto no art. 118º, nºs 1, c) e 4 do C. Penal, o prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal é o de 5 anos.
O fundamento da prescrição do procedimento criminal radica na progressiva diminuição do juízo de culpa e das exigências de prevenção especial, pelo decurso do tempo sobre a prática do facto, deste modo se justificando a não intervenção do direito penal (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 699).
Porém, o decurso do tempo não pode premiar o agente do crime quando a pretensão punitiva do Estado é evidenciada pela verificação de determinados actos de perseguição penal, que se traduzem nas causas de interrupção e de suspensão da prescrição do procedimento criminal (aut., op. cit., pág. 708).
O princípio geral a observar nesta sede é o de que só actos judiciais em sentido estrito portanto, actos de um juiz, devem ser tipificados como causas de interrupção da prescrição do procedimento. Mas trata-se de regra que comporta uma excepção, fundada na circunstância de, na realização da função punitiva do Estado, também o Ministério Público desempenhar uma função relevante, pelo que, também certos actos da competência desta Magistratura podem ser tipificados como causas de interrupção da prescrição do procedimento (aut., op. e loc. cit.).
ii) O prazo de prescrição do procedimento criminal inicia-se no dia em que o facto se consumou (art. 119º, nº 1 do C. Penal) portanto, in casu, nos dias 21 de Junho e 30 de Junho de 2017.
Tendo o recorrente AA sido constituído arguido em 1 de Março de 2018, os prazos de prescrição dos dois questionados crimes interromperam-se nesta data (art. 121º, nº 1, a) do C. Penal).
A interrupção da prescrição significa a destruição do prazo prescricional até então decorrido. Por isso, dispões o nº 2 do art. 121º referido, que, [d]epois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
iii) Foi deduzida acusação pública e foi deduzida acusação particular, sendo que esta não foi acompanhada pelo Ministério Público, na parte respeitante aos dois referidos crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados.
No acórdão recorrido da Relação de Lisboa foi sustentado o entendimento segundo o qual, conforme jurisprudência unânime – sendo indicados os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 5 de Fevereiro de 2019, processo nº 727/15.2T9TNV.E1e do Tribunal da Relação de Guimarães de 12 de Outubro de 2020, processo nº 157/15.6GDGMR.G2, ambos in www.dgsi.pt e do Tribunal Constitucional nº 445/2012, de 26 de Setembro de 2012, processo nº 889/2010, in tribunalconstitucional.pt, que decidiu [n]ão julgar inconstitucional a norma do dos artigos 120.º, n.º 1, alínea b) e 121.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal (CP), na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal não se suspende, nem interrompe com a notificação da acusação particular, se esta não for acompanhada pelo Ministério Público –, a notificação da acusação particular deduzida por assistente, não acompanhada pelo Ministério Público, não integra a causa de suspensão e a causa de interrupção da prescrição do procedimento criminal, previstas, respectivamente, no art. 120º, nº 1, b) e no art. 121º, nº 1, b), ambos do C. Penal.
A jurisprudência das relações é efectivamente unânime no sentido adoptado pelo acórdão recorrido, mas é também escassa, pois, para além da indicada, no mesmo sentido, só encontrámos a referência feita ao acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Outubro de 2010, enquanto objecto do supra identificado acórdão do Tribunal Constitucional. O mesmo sucede com a doutrina, notando-se que Paulo Pinto de Albuquerque se limita à simples afirmação de que a acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público, citando a jurisprudência constitucional e das relações, indicada (Comentário do Código Penal, 6ª Edição actualizada, 2024, UCE Editora, pág. 560).
Em todo o caso, se é hoje pacífico que actos do Ministério Público podem ser elevados à dignidade de causas de suspensão e de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal, porque corporizam a inquestionável vontade de o Estado exercer o jus puniendi, dificilmente se aceitaria que actos do assistente – único sujeito processual que pode deduzir acusação particular (art. 69º, nº 2, b) do C. Processo Penal –, porque actos de particular, pudessem ter a mesma dignidade processual.
Com efeito, o assistente é um mero colaborador do Ministério Público, estando a sua intervenção no processo subordinada à actividade daquele, salvas as excepções previstas na lei (art. 69º, nº 1 do C. Processo Penal). Sendo uma destas excepções a dedução da acusação particular, porque o assistente defende interesses próprios, a carga de subjectividade inerente a esta circunstância, poderá facilmente conduzir a construções e/ou interpretações forçadas e subjectivas, de forma a sujeitar a julgamento quem pretende.
Muito diferente é a situação decorrente da acusação pública, na medida em que o Ministério Público não tem qualquer interesse privado na sua dedução, estando, aliás, sujeito, nesta sede, a critérios de legalidade estrita, competindo-lhe exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade (art. 219º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa). Como se escreveu no acórdão do Tribunal Constitucional, supra identificado, «Todavia, o processo penal não se converte, por isso, num mero processo de interesse privatístico. Mesmo com os poderes de promoção do procedimento condicionados pela atuação do ofendido, é ao Ministério Público que, constitucionalmente, continua a caber a titularidade da ação penal orientada pelo princípio da legalidade. Independentemente de saber se a interpretação normativa em causa é a mais acertada, encontra-se nessa configuração constitucional e na natureza prevalentemente substantiva da prescrição, fundamentação material bastante para só atribuir efeito interruptivo ou suspensivo da prescrição, a mais dos que decorrem de atos jurisdicionais, à afirmação da vontade de perseguição penal que seja assumida, em nome do Estado, pelo Ministério Público.».
Em suma, afirmando-se a vigência do princípio geral de que as causas interruptivas e suspensivas da prescrição do procedimento criminal devem corresponder a actos de um juiz, agora flexibilizado pela atribuição de tal efeito a certos actos do Ministério Público, devendo reconhecer-se a pouco feliz redacção da alínea b) do nº 1 do art. 120º do C. Penal – impunha-se que dela constasse que só a notificação da acusação pública ou da acusação particular acompanhada pelo Ministério Público, é causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal –, aceitamos o entendimento de que a notificação da acusação particular, não acompanhada pelo Ministério Público, não suspende o decurso do prazo de suspensão do procedimento criminal.
iv) Conforme referido, o recorrente requereu a abertura da instrução, visando, quanto aos crimes em análise, a declaração da prescrição do respectivo procedimento criminal e, finda esta fase processual, por decisão instrutória de 20 de Junho de 2022, foram pronunciados pelos factos e imputações constantes da acusação pública e da acusação particular.
O despacho de pronúncia foi notificado aos recorrentes por via postal simples com prova de depósito de 21 de Junho de 2022, presumindo-se a notificação efectivada no 5º dia posterior ao do seu depósito na caixa de correio do destinatário portanto – e constando do processo electrónico, com as referências ...44 e ...45, a apresentação das provas de depósito em 4 de Julho de 2022 –, presumindo-se a notificação efectuada a 11 de Julho de 2022.
Na data da efectivação da notificação do despacho de pronúncia ainda se encontrava a correr o prazo de prescrição iniciado a 1 de Março de 2018 para o recorrente AA, prazo que, por força do disposto no art. 121º, nº 1, b) do C. Penal, se interrompeu com a dita notificação, como se decidiu no acórdão recorrido.
O recorrente discorda deste entendimento, aplicando a esta causa de interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal, as razões, supra expostas, determinantes de a notificação da acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público, não integrar a causa de suspensão do referido prazo, prevista na alínea b) do nº 1 do art. 120º do C. Penal.
Ressalvado o devido respeito, cremos que não lhe assiste razão.
O despacho de pronúncia é um acto judicial em sentido estrito, que finaliza a fase da instrução, fase esta que tem por finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação (art. 286º, nº 1 do C. Processo Penal).
In casu, o juiz de instrução, pelo despacho de pronúncia, decidiu levar o recorrente a julgamento pelos crimes imputados, na acusação pública e na acusação particular, embora esta não tenha sido acompanhada, in totum, pelo Ministério Público. Não obstante esta circunstância, é inequívoca a pretensão punitiva do Estado, evidenciada no despacho de pronúncia proferido, acto da competência do juiz de instrução e ao qual não pode ser atribuído qualquer propósito de defesa de interesses privados e, portanto, de eventual falta de isenção. Trata-se, tão só, de aplicar ao caso concreto o princípio geral, já referido supra, segundo o qual [só] os actos judiciais em sentido estrito devem tipificados como causas de interrupção da prescrição, por representarem o jus puniendi do Estado.
Por outro lado, o argumento do recorrente de que este entendimento determina um agravamento da sua posição processual – consistente na interrupção do prazo prescricional –, relativamente à que existiria, caso não tivessem requerido a instrução, não nos parece procedente, pois apenas estão em causa as consequências substantivas de uma opção processual, livremente escolhida pela defesa.
Em suma, com a efectivação da notificação ao recorrente do despacho de pronúncia em 11 de Julho de 2022, por força do disposto nos arts. 120º, nº 1, b) e 121º, nº 1, b) do C. Penal, interrompeu-se o prazo de prescrição que então corria e suspendeu-se o prazo de prescrição que, na sequência da interrupção, se iniciaria, sendo que, nos termos do nº 2 do referido art. 120º, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
E porque estamos perante um acto judicial em sentido estrito, não se vê como possa ser considerada inconstitucional o art. 121º, nº 1, b) do C. Penal no sentido de, em processo dependente de acusação particular, a notificação do despacho de pronúncia proferido em instrução requerida pelo arguido, para comprovação da acusação particular não acompanhada pelo Ministério Público, interrompe a prescrição do procedimento criminal.
Deste modo, considerando que o C. Penal, face ao efeito sucessivo das diversas causas de interrupção e suspensão da prescrição, impõe um limite temporal máximo para que esta ocorra, correspondente ao prazo normal de prescrição, acrescido de metade, com ressalva do tempo de suspensão, temos que, quanto aos factos de 21 e 30 de Junho de 2017, atento o prazo normal de prescrição [5 anos], metade deste prazo [2 anos e 6 meses] e o período de suspensão [3 anos], a prescrição do respectivo procedimento criminal, considerando apenas as normas aplicáveis do C. Penal, não ocorrerá antes de Dezembro de 2027;
v) Resulta do que se deixou dito na alínea que antecede, que a não prescrição do procedimento criminal relativo aos crimes em análise, foi suportada apenas no regime legal do instituto regulado no C. Penal, não se tendo convocado para o efeito, por desnecessidade, as normas excepcionais relativas à suspensão da prescrição previstas na comummente designada legislação COVID.
Não obstante a não convocação deste regime extraordinário, e sua posterior análise – aliás, feita no acórdão recorrido, que o considerou aplicável ao caso –, não deixaremos, a título de mero obiter dictum, de expressar o nosso entendimento no sentido de que, brevitatis causa, a criação da causa de suspensão da prescrição prevista no art. 7º, nºs 3 e 4 da lei nº 1-A/2020, não tendo por fundamento um objectivo de política criminal, portanto, ao não representar a vontade do Estado em prosseguir a acção penal ou em emendar apatia passada, antes pretendendo unicamente atalhar as consequências da imprevisível situação de emergência sanitária causada pela pandemia COVID, com o abrandamento ou mesmo, paralisação, dos processos em curso na data da sua [da nova causa de suspensão] criação, sendo, aliás, manifesto o propósito do legislador na sua aplicação a tais processos, não colide a sua aplicação aos processos pendentes, com o princípio da proibição da aplicação retroactiva da lei penal, inexistindo, portanto, obstáculo constitucional à sua aplicação.
c. Em conclusão, pelas razões sobreditas, sendo de 5 anos o prazo normal de prescrição do procedimento criminal relativos aos crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, p. e p. pelos arts. 187º nº 1 e nº 2, a) e 183º, nº 2 do C. Penal, em causa, tendo-se iniciado tal prazo em Junho de 2017, veio o mesmo a ser interrompido pela constituição como arguidos do recorrente, em 1 de Março de 2018.
Iniciado novo prazo de prescrição, veio o mesmo a ser interrompido com a notificação ao recorrente do despacho de pronúncia, em 11 de Julho de 2022. Do mesmo modo, ficou suspensão o novo prazo de interrupção que, então se iniciaria, pelo período máximo de 3 anos.
Deste modo, atento o disposto no art. 121º, nº 3 do C. Penal, relativamente aos factos de Junho de 2017, considerando o prazo normal de prescrição [5 anos], metade deste prazo [2 anos e 6 meses] e o período de suspensão [3 anos], a prescrição do respectivo procedimento criminal, pela exclusiva aplicação das normas do C. Penal, não ocorrerá antes de Dezembro de 2027.
Deverá, pois, ser julgada improcedente, a invocada prescrição do procedimento relativamente aos dois identificados crimes ofensa a pessoa colectiva agravados.
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Da qualificação dos factos ocorridos em 21 e 30 de Junho de 2017, praticados pelo recorrente AA, como unidade criminosa ou como concurso de crimes
3. Alega o recorrente AA – conclusões 25 a 33 – que o tribunal a quo considerou que as condutas por si praticadas nos programas ..., de 30 de Junho de 2017 e ..., de 21 de Junho de 2017 consubstanciam a prática de dois crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, em concurso efectivo, afastando o entendimento da 1ª instância de existir, quanto a elas, uma unidade criminosa, quando existe entre tais condutas uma evidente linha de continuidade, quer pelo período temporal que as separa de, apenas, nove dias, quer pelo conteúdo materialmente idêntico de ambos os programas, pois que no dia 30 se limitou a dar continuidade à resolução tomada no dia 21, tendo-se limitado a referir, com o único propósito de recordar, o que havia sido dito por DD, não se podendo encontrar na conduta do dia 30 um sentido de ilicitude distinto do que o verificado na conduta do dia 21, uma vez que se trata do mesmo substrato de vida dotado de um sentido jurídico-penal uno, portanto, uma vez que se trata de um único crime, impondo-se a sua absolvição pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado. Assim não se entendendo – acrescenta – porque se limitou no programa de 30 de Junho, a afirmar factos verdadeiros, sustentados em e-mails lidos no programa de 21 de Junho, deverá concluir-se que agiu na plena convicção de ser verdadeiro tudo o que afirmou e divulgou, é atípica a sua conduta.
Vejamos.
a. A questão suscitada pelo recorrente AA convoca a problemática da unidade e pluralidade de infracções portanto, e de forma mais simples, da problemática do concurso de crimes.
Brevitatis causa, diremos que no concurso de crimes há que distinguir entre o concurso legal, aparente ou impuro e o concurso efectivo, verdadeiro ou puro.
No primeiro, existe um concurso de normas. A conduta do agente preenche, formalmente, vários tipos de crime, mas a relação existente entre as normas que os preveem, determina que a aplicação de uma afaste a aplicação das outras (por relação de especialidade, de consumpção ou de subsidiariedade).
No segundo, portanto, no concurso efectivo, verdadeiro ou puro, que é o que releva para a questão em apreço, as várias normas abstractamente preenchidas pela conduta do agente e, por isso, aplicáveis, concorrem, paralelamente, na aplicação ao caso concreto. Aqui, há ainda que distinguir entre concurso ideal, quando através de uma só conduta são preenchidos diversos tipos (concurso ideal heterogéneo), ou se preenche várias vezes o mesmo tipo (concurso ideal homogéneo), e concurso real, quando através de uma pluralidade de condutas é preenchida uma pluralidade de tipos ou várias vezes o mesmo tipo.
Dispõe o art. 30º do C. Penal, com a epígrafe «Concurso de crimes e crime continuado», na parte em que agora interessa:
1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente.
(…).
Assim, quando a conduta do agente preenche mais do que um tipo de crime, ou preenche várias vezes o mesmo tipo de crime estamos perante um concurso de crimes, sendo que a norma, prevendo o concurso efectivo, equipara o concurso ideal ao concurso real.
Eduardo Correia ensinava que, se a conduta do agente preencheu vários tipos de ilícito, necessariamente foram negados diversos valores jurídico-penais, com a consequente verificação de uma pluralidade de infracções, do mesmo modo que, se apenas um tipo de ilícito foi preenchido, a conduta do agente apenas negou um valor jurídico-penal e apenas se verifica uma única infracção. Mas porque a conduta, para além de típica e ilícita, tem também de ser culposa, haverá que recorrer ao critério da pluralidade de juízos de censura [a unidade de tipo legal preenchido não importa definitivamente a unidade da conduta que o preenche; pois sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes], determinando-se a existência desta pluralidade, pela verificação de uma pluralidade de resoluções de realização do projecto criminoso, aferida fundamentalmente pela conexão temporal que liga as diversas acções integradoras da conduta, no sentido de que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação (Direito Criminal, II, Reimpressão, 1971, Livraria Almedina, pág. 201 e seguintes).
Figueiredo Dias refuta esta posição, defendendo o critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global. Assim, o “crime” por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal ao caso efectivamente aplicável. A essência de uma tal violação não reside pois nem por um lado na mera “acção”, nem por outro na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside – numa palavra que vimos usando e progressivamente concretizando ao longo de toda esta exposição sistemática – no ilícito típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 988 e seguintes). Deste modo, a pluralidade de resoluções é compatível com a unidade de sentido de ilícito do comportamento total, independentemente de estarem ou não em causa, bens eminentemente pessoais, da mesma forma, que a unidade de resolução é compatível com a pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global, ainda que não exista descontinuidade temporal entre os vários actos praticados, independentemente da natureza eminentemente pessoal dos bens em causa (op. cit., pág. 1007 e seguintes).
Dito isto.
O acórdão recorrido decidiu a questão como segue:
“(…).
Na emissão do dia 30/6, depois de ter passado uma peça televisiva em que o arguido DD falara, o arguido AA afirmou o seguinte: “Porque é que o Benfica precisa de monitorizar SMS do ... da Federação, EE?”
Ou seja, o arguido afirmou um facto inverídico, em forma de pergunta retórica, sabendo que era inverídico e esse facto propalado (que constitui crime) é na realidade ofensivo do bom nome da visada. Não se tratou de um juízo de valor, de uma conclusão extraída naquele momento de um email verídico, mas sim, da afirmação de um facto inverídico (lembramos aqui as considerações a este respeito feitas em B.1).
Tendo o arguido agido dolosamente, como se provou, concluímos que bem andou o Tribunal Coletivo em entender que a conduta do arguido é subsumível à prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado p. e p. pelo art.º 187 n.º 1 e 2 al. a) e 183 nº 2 do CP.
Contudo, e aqui reside a discordância dos assistentes, entendeu também o Tribunal Coletivo que o arguido, no dia 30/6, “deu continuidade ao que já afirmara no dia 21/6/2017, o que fez escassas semanas depois” e que, nessa medida, estamos perante uma única resolução criminosa.
Em consonância, veio o Tribunal Coletivo a condenar o arguido pela prática de um só crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, tendo por referência os factos do dia 21/6 e os factos do dia 30/6.
É fundada a discordância dos assistentes, adiantamos desde já.
Vejamos o artigo 30.º, n.º 1, 1ª parte, do Código Penal, onde se escreve:
“O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos”.
Como critério geral orientador na decisão sobre o concurso de crimes, segue-se a posição de Figueiredo Dias (exposta in Direito Penal: Parte Geral I. Questões Fundamentais: a Doutrina Geral do Crime, 2ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 977), a qual não rejeita, antes completa, a construção de Eduardo Correia, que assentava na pluralidade de resoluções (ou de determinações da vontade) pelas quais o agente actuou, e que conhecemos como “critério da unidade ou pluralidade da intenção criminosa”.
Figueiredo Dias propõe. como critério fundamental da unidade ou pluralidade de infrações, o da unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica.
A essência do facto punível reside, para Figueiredo Dias, não na mera ação típica, nem na norma (no bem jurídico tutelado), mas no “substrato de vida” dotado de sentido jurídico-penalmente negativo. O que se tem de contar são sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global. Daí que, em seu entender, seja a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude do comportamento global a determinar a unidade ou pluralidade de crimes.
(…).
Assim, o preenchimento, em concreto, de vários tipos legais pelo comportamento do agente não implicará necessariamente o concurso efectivo, pois pode concluir-se pela existência de um sentido de ilicitude dominante, sendo os restantes dominados ou subordinados, hipótese em que se verifica um concurso aparente. E o preenchimento de um único tipo legal também não se traduz necessariamente na unidade do facto punível, podendo dar-se o caso de o comportamento do agente revelar uma pluralidade de sentidos de ilicitude.
Na prossecução desta sua tarefa, o decisor deve recorrer a subcritérios orientadores, como o da unidade do desígnio criminoso do agente, o da unidade de sentido do comportamento ilícito global, o da relação ilícito-meio/ilícito-fim, o da conexão situacional espácio-temporal, o dos diferentes estádios de realização da actuação global. (este entendimento tem vindo a ser acolhido na jurisprudência, de que são exemplo os Ac. STJ de 24-04-2019 e de 30-10-2014, in www.dgsi.pt).
No caso, quer se sufrague a doutrina de Eduardo Correia, quer a interpretação da norma proposta por Figueiredo Dias, a conclusão é a mesma: estamos perante um concurso efetivo homogéneo, perante dois crimes e não em face de uma unidade criminosa.
Aqui, conseguimos identificar dois comportamentos que ocorreram em dois momentos temporalmente distintos, subsumíveis ao mesmo tipo de ilícito criminal.
Para que a unidade resolutiva se possa afirmar, é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação. A resolução criminosa antecede a execução da respectiva acção ilícita,
Ora, no caso não existe um “fio sequencial” único de comportamento em relação aos dois comportamentos. As afirmações do arguido foram proferidas em dois programas de televisão distintos, separados 15 dias, tendo ele tido intervenção num outro programa que teve lugar a meio. Os programas televisivos tiveram, naturalmente, públicos distintos. Não é como se fossem atos consecutivos, que tenham tido lugar no mesmo programa, ou no mesmo dia.
(…).
Assim, entende-se que no caso concreto o arguido, nestes dois dias diferentes, accionou e renovou os mecanismos da sua vontade para proferir as afirmações em causa, perante um público de televisão necessariamente distinto, o que faz com que, seguindo a tese de Eduardo Correia, a cada uma dessas resoluções corresponda um crime.
E, na verdade, estamos também em face de uma pluralidade de sentidos de ilicitude autónomos – critério relevante na doutrina de Figueiredo Dias – impondo a conclusão de que há um concurso homogéneo de crimes, um praticado a 21/6 e outro a 30/6.
Em conformidade, revogar-se-á o Acórdão recorrido nesta parte, condenando-se o arguido pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada p. e p. pelo art.º 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, pelos factos praticados no programa de televisão do dia 30/6.
(…)”.
A matéria de facto relativa ao programa ... de 21 de Junho de 2017, encontra-se narrada nos pontos 92 a 99 dos factos provados que constam do acórdão recorrido.
Em síntese, aí se pode ler que o arguido AA divulgou no referido programa um e-mail enviado em 16 de Fevereiro de 2014, por ZZZ a JJ, referindo-se a tal e-mail, dizendo que nos últimos programas tem vindo a desmascarar o polvo do futebol, um incontável número de comportamentos desportivos e não desportivos, censuráveis do ponto de vista ético, uns, censuráveis em termos de ilicitude, e que, para demonstrar até onde chega a perseguição do Benfica, iria revelar o referido e-mail, explicando que ZZZ é ex-jogador do Benfica, ..., ... da Liga de Clubes na ... de XXX e presença assídua no camarote do Estádio da Luz, que tendo a obrigação de ser isento, enviou o referido e-mail a JJ, e-mail que continha mensagens sms de EE, então ... da Liga de Clubes e depois, ... da Federação Portuguesa de Futebol, onde o mesmo se declara azul e branco. Sabe agora – continua o arguido – que o Benfica monitoriza os sms de EE, que é conhecido adepto do Futebol Club do Porto, do qual foi atleta, dirigente e ... da SAD, mas que em nada tem beneficiado o clube, sendo uma vergonha o que o Benfica faz, havendo outro mail enviado por ZZZ a JJ, a dizer que era ele que decidia os requerimentos que visavam a saída de XXX, e que o avisava em primeiro lugar, que estão enterrados até ao pescoço e é uma vergonha monitorizar o ... da Liga e da Federação, que ninguém acredita que o Benfica é um competidor sério. Na sequência da pergunta de outro interveniente no programa, diz o arguido que o que pretendem é informação classificada que lhes confira vantagem, superioridade e condicionamento das vítimas destes comportamentos e, mais adiante, o arguido divulga um e-mail de PP para KK, ... do Grupo Sport Lisboa e Benfica, referindo que num jogo do Braga e num jogo do Porto, os adeptos lançaram tochas para o relvado, que o Benfica emitiu um comunicado a apelar à contenção dos seu adeptos, respondendo PP que era necessário reforçar o aspecto da segurança, face aos recentes acontecimentos noutros estádios, seguramente com consequências disciplinares preventivas, pois assim colocavam pressão no conselho de disciplina, para sancionar o Porto e o Braga e como ainda iriam jogar a Braga, podia ser que houvesse coragem para interditarem a (estádio da) Pedreira. Mais adiante, diz o arguido que o Benfica tem uma forma muito concreta de agir, entrando no ataque pessoal, e refere que tem vários e-mails enviados por TTT a JJ, de índole pessoal, da intimidade dos árbitros de futebol, amantes e coisas assim, é esta a maneira de agirem, a maneira de se comportarem.
Finalmente, mostra-se provado que as afirmações do arguido feitas no programa tiveram repercussão na imprensa, com notícia a 22 de Junho no Diário de Notícias e com notícia a 25 de Junho no Jornal de Notícias.
A matéria de facto relativa ao programa ... de 30 de Junho de 2017, encontra-se narrada nos pontos 113 a 116 dos factos provados que constam do acórdão recorrido.
Em síntese, aí se pode ler que o arguido AA afirmou que DD dizia que devia ser conservada distância relativamente a comportamentos impróprios da actividade desportiva e que no Benfica não existem actos ilegais nem condutas censuráveis, mas pelo que tem sido divulgado, o que há é muito disso, perguntando, mais adiante, por que razão precisa o Benfica de monitorizar sms do ... da Federação, EE, e para que serve que TTT envie ao Benfica informação íntima sobre os árbitros de futebol e elementos e responsáveis pela arbitragem, pois isso acontece, e importa esclarecer o sucedido, vindo depois a concluir que o futebol nacional precisa de ser limpo destes comportamentos.
Como se percebe, o que está em causa é a afirmação feita pelo recorrente AA, no programa de 21 de Junho de 2017, de que sabia que o Benfica monitorizou SMS de EE, ... da Federação Portuguesa de Futebol, o que é uma vergonha, e a afirmação feita pelo recorrente, no programa de 30 de Junho de 2017, ainda que sob a veste de uma pergunta retórica, segundo a qual, o Benfica precisava de monitorizar SMS do ... da Federação [Portuguesa de Futebol], EE, enquanto facto inverídico ofensivo do bom nome do clube visado, afirmações estas, dolosamente feitas.
Tenhamos presente que as afirmações feitas pelo recorrente no programa ..., de 21 de Junho de 2017 e no programa ... de 30 de Junho de 2017, transmitidos pelo canal de televisão ..., bem como, que o recorrente teve intervenção no programa ..., de 27 de Junho de 2017 [no qual, como reconhece no corpo da motivação do recurso, as suas declarações incidiram sobre outros e-mails e sobre outras temáticas, mas sempre dentro da lógica e intenção de divulgação de e-mails do Benfica, tidos como de interesse público por si].
Entre os dois programas – de 21 e 30 de Junho – decorreram nove dias, não podendo este hiato, com ressalva do respeito devido por diversa opinião, ser considerado reduzido e por isso, claramente revelador de unidade de resolução criminosa e/ou de unidade do mesmo sentido de ilicitude.
Segundo julgamos saber, os questionados programas televisivos não constituíam um folhetim por episódios sequenciais, antes radicavam de um propósito, da lógica e intenção de divulgação de e-mails do Benfica nas palavras do recorrente, num ambiente de antagonismo desportivo existente.
Assim, independentemente do referido propósito, o recorrente, no decurso daqueles nove dias, até pela necessária preparação de cada programa, não poderia deixar de reflectir sobre o justo ou injusto da opção tomada quanto ao alinhamento dos temas a serem tratados em cada um e, em consequência, de se motivar pela adequação da sua conduta ao direito ou, pelo contrário, de formar nova resolução criminosa.
O que não consideramos curial é que, tendo o agente tomado a resolução genérica de passar parte da sua vida a praticar um determinado tipo de crime, v.g., o crime objecto da presente questão, se considere razoável concluir, por mais intensa e sólida que seja essa resolução, que todos os actos típicos futurados venham a consubstanciar a execução de um único crime. Com efeito, a resolução criminosa exige a representação pelo agente dos concretos actos a praticar, não sendo compatível com a formulação de um projecto que abranja de forma indistinta todos os factos criminosos a levar a efeito em momentos futuros indeterminados, à mercê de oportunidades que eventualmente surjam, pois, como se pode ler no acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Junho de 2022 (processo nº 10/20.1PAENT.S1, in www.dgsi.pt), o que conta para a unificação da conduta criminosa do arguido, quando a mesma se desdobra em várias acções subsumíveis, cada uma delas, ao respectivo tipo legal, não é aquela primeira decisão tomada em abstracto (…), mas a decisão de cometer determinado crime em concreto, em determinadas circunstâncias que pelo arguido foram concretamente ponderadas e analisadas e lhe permitiram passar à respectiva execução.
Assim, tendo o recorrente, no programa de 30 de Junho, usado como ‘bengala’ de introdução do tema, duas frases que reproduziu e que atribuiu a DD [então, ... do Benfica], para se referir, mais uma vez, à necessidade do Benfica em monitorizar SMS do ... da Federação Portuguesa de Futebol, EE, quando não abordou este tema no programa de 27 de Junho de 2014, independentemente de devermos reconhecer que ‘tempo de televisão’ ocupado por este assunto no programa de 21 de Junho de 2014 foi mais extenso do que o ocupado no programa de 30 de Junho de 2014, certo é que a necessária reflexão feita pelo recorrente – imposta pelo intervalo temporal entre programas – sobre o modo de introduzir a problemática da necessidade de monitorização dos referidos SMS neste último programa evidencia a existência de uma nova resolução criminosa.
Acresce que a própria diferenciação de programas e os diferentes públicos que necessariamente atingiram, que não puderam deixar de ser ponderados pelo recorrente no programa de 30 de Junho, apontam para uma pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do recorrente.
Concluímos, deste modo, não merecer censura o entendimento da Relação quanto a existir um concurso efectivo de crimes, portanto, dois crimes de ofensa a pessoa colectiva agravados, p. e p. pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, a) e 183º, nº 2, do C. Penal, tendo por objecto os factos praticados pelo recorrente nos programas de 21 e 30 de Junho de 2017.
b. No que respeita à atipicidade da conduta por ter o recorrente, no programa de 30 de Junho, afirmado factos verdadeiros suportados pelos e-mails que havia lido no programa de 21 de Junho, convicto da verdade de tudo o que afirmou e divulgou, cumpre notar que, relativamente à tipicidade dos factos praticados pelo recorrente AA no programa de 21 de Junho de 2017, a Relação de Lisboa, concordando com a argumentação da 1ª instância, que transcreveu [“A partir do texto de um e-mail verídico, o arguido AA afirmou um facto falso, sabendo dessa falsidade. Na verdade, o envio a alguém vinculado ao SPORT LISBOA E BENFICA de um e-mail contendo SMS trocadas pelo então "... da Liga" não permite afirmar o facto muito específico, concreto, de que o SPORT LISBOA E BENFICA "monitoriza" os SMS daquela pessoa, com o sentido claro de intercepção de comunicações. O e-mail a que o arguido AA se reportou não demonstra o que o mesmo afirmou. Na verdade, tal e-mail não permite concluir que o SPORT LISBOA E BENFICA tenha monitorizado as SMS - com referência à data destas - do então "... da Liga" e - com referência à data da transmissão do programa - "... da Federação Portuguesa de Futebol". E tal e-mail muito menos permite demonstrar o que arguido AA insinuou, ou seja, de que à data da transmissão do programa aquela monitorização ainda podia estar a ocorrer. De resto, para reforçar a insinuação que expressamente verbalizou, o arguido AA foi sempre fazendo referência ao "... da Federação Portuguesa de Futebol".], concluiu que o recorrente afirmou, dolosamente, um facto inverídico [que o Sport Lisboa e Benfica monitoriza os SMS do (então) ... da Liga de clubes de futebol (na dada dos factos, ... da Federação Portuguesa de Futebol], facto que, para o homem médio, é ofensivo do bom nome da assistente e, considerando preenchido o respectivo tipo legal, confirmou a condenação imposta ao recorrente, pela prática, quanto a esta factualidade, de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravado p. e p. pelo art. 187º nº 1 e 2, a) e 183º, nº 2 do C. Penal.
Tendo o recorrente, no programa de 30 de Junho de 2017, feito a afirmação de que o Sport Lisboa e Benfica monitorizava os SMS do ... da Liga, depois, ... da Federação de futebol, com base nos e-mails que havia lido no programa de 21 de Junho, é evidente que, pelas razões acabadas de expor, voltou a divulgar um facto inverídico, pois não resultava do contexto dos referidos e-mails, o que bem sabia, pelo que, carece de fundamento a argumentação de que se limitou a afirmar factos verdadeiros, nestes [e-mails], respaldados.
Por outro lado, tendo o recorrente conhecimento da inveracidade do facto afirmado, é evidente que não pode ter actuado moldado por uma plena e fundada convicção da veracidade de tudo quanto afirmou e divulgou.
Concluímos, assim, não ser atípica a conduta do recorrente que teve lugar no programa de 30 de Setembro de 2017, devendo manter-se a respectiva condenação.
*
Do preenchimento do tipo do crime de ofensa de pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º e 183º do C. Penal, através da elaboração e publicação do livro ...
4. Alegam os recorrentes AA e BB – conclusões 19 a 24 – que o conteúdo do livro «...» designadamente, o levado aos factos provados reduz-se à mera formulação de juízos de valor e não, à imputação de factos inverídicos, juízos contundentes, é certo, mas com suficiente base factual demonstrada nos e-mails acedidos. Porém, continuam, mesmo que se tratasse da divulgação de factos, as circunstâncias em que o fizeram resulta do convencimento legítimo da verdade do que disseram, pois em momento algum questionaram a veracidade dos e-mails que serviram de apoio para a elaboração do livro, sendo, pois, atípica a conduta.
Vejamos.
A matéria de facto provada relevante para a questão em análise encontra-se encerrada nos pontos 210 a 215-A dos factos provados do acórdão recorrido, com o seguinte teor:
- [210] No dia 17.11.2017, foi publicado o livro ..., da autoria dos arguidos AA e BB e editado pela ..., uma marca registada da ..., sociedade anónima com sede na Rua da ....
- [211] A obra em causa tem como tema um conjunto de alegadas práticas anti-desportivas levadas a cabo pelos assistentes que integram o “GRUPO SPORT LISBOA E BENFICA”, conjuntamente designados como ....
- [212] Na introdução do livro, os arguidos AA e BB escreveram:
«Um polvo, como se sabe, é um animal invertebrado que se destaca pela exuberância dos seus oito tentáculos revestidos de ventosas. Gosta de se movimentar pelos fundos dos mares e mexe-se bem entre as rochas, alcançando alguns dos buracos maios recônditos com os tentáculos. Distingue-se pela sua capacidade de camuflagem, ajustando a cor da pele em função das necessidades. Quando se sente ameaçado, expele uma tinta escura que repele os predadores. Não por acaso, já há vários anos que se associa as características deste cefalópode à máfia. Metaforicamente, o Benfica é um polvo».
[213] Ainda na introdução do livro, os arguidos AA e BB assumem como objectivo:
«(...) apresentar, em todo o seu esplendor, ... que, pelo menos nos últimos 15 anos, tem dominado quase por completo o futebol português - não no campo, onde os jogos se disputam -, adulterando a verdade desportiva das competições através do controlo dos bastidores do desporto».
214. No mesmo livro, os arguidos AA e BB escreveram:
- «A cabeça do Polvo está tranquila. A Assembleia Geral da Liga está em boas mãos. E, para além disso, tem uma missão. Não sabemos que missão é essa, mas sabemos que o Benfica já tem um histórico longo e consistente de controlo das instituições que lideram o futebol português. Esse é um objetivo estratégico que o clube persegue praticamente desde o início do século».
- «O controlo das instituições do futebol português pelo Benfica resulta, no fundo, de uma teia de relações e de uma colonização de lugares-chave de certos organismos que foram levadas a cabo ao longo da última década e meia e que proporcionam: 1) a circulação de informação privilegiada; 2) a obtenção de benefícios para o clube; 3) em última análise, vantagens no domínio desportivo. Isto tem um nome: tráfico de influências».
- «O Benfica soube construir a sorte que lhe tem permitido ganhar campeonatos através do desenvolvimento de uma rede de influências tentacular que lhe granjeia o controlo do setor da arbitragem e que abrange tanto o seu núcleo central (o Conselho de Arbitragem da Federação) como as suas ramificações a nível local».
- «Efetivamente, a intimidade entre responsáveis pelo Benfica e jornalistas é uma realidade amplamente documentada. Todos se recordarão, por exemplo, das fotografias dos jantares que reuniam frequentemente XXXX e o ... do ... e da ..., SSSSSS. Mas há mais. A 14 de Novembro de 2016, o ... do Benfica, KK, começou a preparar um ciclo de almoços de Natal de DD com jornalistas, na linha de uma prática que já vinha sendo hábito desde os tempos de XXXX. (...) Estamos perante um caso flagrante de fomento de intimidade entre DD e a comunicação social que parte do próprio e que pode ajudar a explicar os favores de vários órgãos e de alguns comentadores (...)».
- «A generalidade das opiniões emitidas publicamente por adeptos do clube é também ela objeto de controlo apertado, através de um mecanismo original e, tanto quanto se sabe, exclusivo do clube (...)».
- «Perante este panorama, nem os No Name Boys nem os Diabos Vermelhos podem legalmente receber qualquer tipo de apoio do clube da Luz. Não é isso o que acontece. Ambas as claques são ativamente apoiadas peia direção do Benfica, que, assim, para além de cometer uma ilegalidade, se torna moralmente responsável pela sua existência».
- «A verdade é que este clube, ao longo de várias décadas, tem beneficiado recorrentemente de situações excecionais proporcionadas por quem tem autoridade para as promover. Da mesma forma que as arbitragens ou a justiça desportiva, por norma, não têm conseguido assegurar a equidade e isenção que se exige face às outras equipas quando é o Benfica que está em causa, também os políticos têm uma propensão, que quase parece natural, para tratar o clube de forma diferente».
- [215] Os arguidos AA e BB tinham conhecimento destes factos e, ainda assim, quiseram escrever e publicar o referido livro.
- [215-A] Os arguidos AA e BB sabiam que não tinham fundamentos sérios para reputar como verdadeiros tais factos, que sabiam ser inverídicos e atentatórios do bom nome das Assistentes, mas, ainda assim, quiseram-nos proferir publicamente através da publicação do livro. [aditado pelo acórdão da Relação].
Na fundamentação do acórdão recorrido, quanto a este aspecto, pode ler-se:
“(…).
Considerando a distinção entre juízos de facto e juízos de valor, explanada supra neste acórdão (em B1), entendemos que estamos aqui perante a imputação de factos às assistentes e não em face de juízos de valor, embora, é certo, essa imputação de factos seja acompanhada de juízos de valor e de juízos conclusivos.
De facto, os arguidos imputam ao Benfica ações concretas: tráfico de influências, com vista a obter vantagens na arbitragem; controlar as opiniões dos adeptos; apoiar ilegalmente claques. E trata-se de factos graves, objetivamente idóneos a lesar o bom nome do clube, a sua credibilidade (capacidade da instituição de cumprir as regras e respeitar prazos e de ser diligente) prestígio (capacidade para ser merecedora de respeito pela comunidade n seu sector de atividade) e confiança (capacidade para ser vista pela comunidade como sendo sólida e merecedora de crédito).
Acresce que se provou que os arguidos sabiam que os factos que escreveram eram inverídicos, não tendo fundamento sério para, em boa fé, os reputar como verdadeiros, tendo agido dolosamente.
Tratando-se de um livro, que foi publicado, estamos perante um “meio de comunicação social”, razão pela qual a conduta dos arguidos é subsumível ao disposto no n.º 2 do art.º 183 do CP.
(…).
No que concerne à alínea b) do art.º 183, considerando a teleologia do art.º 187º, entende esta Relação que não é abarcada pela norma remissiva. - vide neste sentido Faria Costa, in Comentário…, cit., p. 685 e Ac. RL de 08-09-2010, www.dgsi.pt
Entendemos ainda que, no caso do crime previsto no artigo 187.º do Código Penal, não há lugar ao funcionamento da causa de justificação prevista no artigo 180.º, n.º 2 do Código Penal. Com efeito, nem a norma remissiva do n.º 2 do artigo 187.º remete para a mesma nem, em bom rigor, podia remeter, já que o tipo do artigo 187.º, n.º 1 pressupõe a afirmação ou propalação de factos inverídicos. Assim, por definição, a prova da veracidade destes factos actua a montante, ao nível do preenchimento do tipo e não ao nível da ocorrência de eventuais causas de justificação.
Mostra-se pois afastada a possibilidade de justificação da conduta do recorrente ao abrigo desta específica causa de exclusão da ilicitude prevista no n.º 2 do artigo 180.º do Código Penal.
E poderá considerar-se a mesma justificada por prevalência do invocado direito constitucional de expressão, opinião e crítica?
Segundo o artigo 31.º do Código Penal, o facto não é punível “quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade” [n.º 1], não sendo nomeadamente ilícito o facto praticado “no exercício de um direito” [alínea b) do n.º 2].
Ora, não pode invocar-se o direito de informar inerente à liberdade de expressão e de informação prevista no artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa quando a informação veiculada é inverídica e o arguido não tem motivos para em boa fé confiar na veracidade das afirmações que fez.
(…).
Dir-se-á ainda que, considerando a factualidade provada e o conceito de co-autoria, supra exposto neste Acórdão, no ponto A.4, , os arguidos são claramente co-autores do crime consumado de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187.º, n.os 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pelo qual devem ser condenados.
(…)”.
Pois bem.
a. Dispõe o art. 187º do C. Penal, com a epígrafe «Ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva», na parte em que agora releva:
1 – Quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
(…).
Trata-se de um crime comum [porque praticável por qualquer cidadão], formal [porque o resultado não é elemento do tipo] e de perigo abstracto-concreto [porque não sendo o perigo elemento do tipo, a lei considera que a conduta encerra o risco elevado de lesão do bem jurídico ou de o pôr em perigo, mas admite que, em certas circunstâncias, a perigosidade pressuposta possa, no caso concreto, ser afastada], que tutela o bem jurídico bom nome da pessoa colectiva, densificado nas ‘qualidades’, algo redundantes, da credibilidade, prestígio e confiança que transmitem à comunidade, pela forma como se organizam e actuam (Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, obra colectiva, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, 2012, Coimbra Editora, págs. 981-983, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª edição actualizada, 2015, Universidade Católica Editora, pág. 741, Oliveira Mendes, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, 1996, Almedina, pág. 113, e Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal Anotado, Vol. III, 4ª Edição, 2016, págs. 647-648), e tem como elementos constitutivos do respectivo tipo:
[Tipo ilícito objectivo]
- A acção típica, i.e.,
que o agente afirme ou propale factos inverídicos capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio e ou a confiança devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, e
não tenha fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros;
[Tipo ilícito objectivo]
- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto;
[Tipo de culpa]
- A realização do facto típico com culpa dolosa enquanto atitude contrária ou indiferente à violação do bem jurídico, pressuposta a consciência da ilicitude da conduta.
A complexidade do tipo objectivo recomenda algumas reflexões, necessariamente breves, pois a matéria mostra-se adequadamente tratada na fundamentação do acórdão recorrido.
Em primeiro lugar, o tipo só fica preenchido se o agente afirmar ou propalar factos, mas já não, juízos de valor, sendo certo que é nesta distinção que os recorrentes suportam a defesa da pretensão em análise, dizendo que no questionado livro apenas formularam juízos de valor contundentes sobre a actuação da assistente.
Para Faria Costa (op. cit., pág. 913 e seguintes), facto é o que acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência portanto, um facto é um juízo de existência ou de realidade, enquanto o juízo é, não a apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor. Para Augusto Silva Dias (Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e de Injúrias, 1989, AAFDL, pág. 14) facto é o acontecimento ou situação pertencente ao passado ou ao presente susceptível de prova, e juízo a afirmação contendo uma apreciação sobre o carácter do ofendido, não inscrita em factos.
Em segundo lugar, cumpre notar que só a afirmação ou propalação de factos inverídicos tem relevância típica.
Nota Faria Costa (op. cit., pág. 984 e seguintes) que a referência na norma do nº 1 do art. 187º do C. Penal a factos inverídicos, em vez de, factos falsos [falsidade da imputação], como consta da alínea b) do nº 1 do art. 183º do mesmo código, tem o sentido de o conceito de inveridicidade é mais amplo do que o de falsidade isto é, afirmar ou propalar uma ‘meia-verdade’ não é, sob pena de insanável contradição lógica, asseverar uma falsidade, mas em determinadas circunstâncias aquela ‘meia-verdade’ já pode ser percebida ou valorada como afirmação de coisa inverídica.
Em terceiro lugar, os factos inverídicos afirmados ou propalados devem ser idóneos, portanto, devem ter aptidão para ofenderem o bem jurídico tutelado em qualquer uma das suas vertentes, credibilidade, prestígio ou confiança. E esta idoneidade ou aptidão deve ser aferida pelo critério do homem médio.
Por último, o agente afirma ou propala factos inverídicos idóneos a ofenderem o bem jurídico, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros.
A boa fé aqui pressuposta, como defende Faria Costa (op. cit., pág. 927 e 987) não significa um puro convencimento subjectivo, antes devendo assentar numa indispensável dimensão objetiva.
Aqui chegados.
b. Resulta da matéria de facto provada supra transcrita, designadamente, dos pontos 213 e 214, que os recorrentes imputam ao Benfica, portanto, às assistentes, factos, portanto, juízos de existência ou de realidade corporizados, como se diz no acórdão recorrido, em acções concretas de tráfico de influências, com vista à obtenção de vantagens na arbitragem, controlo das opiniões dos adeptos e apoio ilegal das claques.
Estes factos são inverídicos, não têm suporte nos e-mails invocados pelos recorrentes e são, evidentemente, aptos a ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança, devidos à instituição desportiva Benfica e, por isso, o bom nome das assistentes.
Estando igualmente provado que os recorrentes quiseram escrever e publicar o livro, nele incluindo factos que sabiam ser inverídicos e ofensivos do bom nome das assistentes, sabendo igualmente que não tinham fundamentos sérios para reputar tais factos como verdadeiros, mostram-se preenchidos, tal como se entendeu no acórdão recorrido, os elementos típicos do crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, a), e 183º, nº 2, do C. Penal.
Concluímos, assim, ser típica a conduta dos recorrentes, tendo por objecto a elaboração e publicação do livro ..., pelo que deve manter-se a sua condenação, em co-autoria, pela prática do referido crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, decretada pela Relação.
*
Da incorrecta determinação da medida concreta das penas parcelares e da pena única
5. Alegam os recorrentes AA e BB – conclusões 36 a 58 – que o tribunal a quo criticou o facto de, na sua actuação, terem sido movidos pela rivalidade entre Futebol Club do Porto e Sport Lisboa e Benfica, mas esqueceu que também se provou que ambos agiram no convencimento de que os relatos dos programas e a divulgação do livro tinham interesse público, estando, por isso, contido no direito de informar, como também esqueceu que os e-mails em que suportaram os programas e o livro eram verdadeiros, pelo que, não poderiam deixar de ser considerados como circunstâncias atenuantes. A sua actuação – continuam – ao longo do tempo, que foi critério decisivo na escolha da pena, não foi enquadrada no contexto de uma ‘quase’ continuidade criminosa, entendida como tendo sido motivados, na divulgação dos e-mails, apesar das polémicas já existentes, pelo propósito de informar o público, sendo por isso, excessivas, não se justificando, as penas fixadas para os crimes de ofensa a pessoa colectiva agravado relativos ao programa de 30 de Junho de 2017 (1 ano de prisão) e à publicação do livro (1 ano e 2 meses de prisão), sendo que, haveria lugar a distinguir entre os recorrentes, no que respeita à pena, igual, aplicada pelo crime relativo à publicação do livro, dado ter o recorrente BB um histórico menor e encontrar-se numa relação de subordinação, devendo a sua pena situar-se bem mais próximo do limite mínimo. E – terminam – quanto às penas únicas, havendo que determinar o sentido global e unitário dos factos e da personalidade do agente, tal não foi feito pelo tribunal a quo, quando a omitida avaliação podia e devia levar à fixação de penas únicas mais reduzidas, sendo inconstitucional, por violação do princípio da legalidade criminal (art. 29º, nºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa)a interpretação do art. 77º, nº 1 do C. Penal, no sentido de que a medida concreta da pena única conjunta deve ser determinada com base numa fórmula matemática que faça acrescer ao limite mínimo da moldurado concurso, dado pela pena parcelar mais grave, uma fracção da soma das demais penas parcelares aplicadas, impondo-se a fixação das pena únicas nos respectivos mínimos legais.
Relativamente à medida concreta das penas parcelares impostas pela Relação, disse o acórdão recorrido:
“(…).
Aqui chegados, lembremos os crimes pelos quais os arguidos foram condenados pelo Tribunal Coletivo, condenações essas que, como vimos, mereceram o nosso acordo.
Assim, o arguido AA foi condenado pela prática:
- em co-autoria e na forma consumada, de (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos arts. 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal,
- em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos arts. 187.º, n.os 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal,
- em autoria imediata e na forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa a pessoa colectiva agravada, p. e p. pelos arts. 187.º, n.os 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal,.
Já o arguido BB foi condenado pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de 1 (um) crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravada, p. e p. pelos arts. 194.º, n.º 3, com referência ao n.º 2 do mesmo dispositivo legal, e 197.º, al. b), ambos do Código Penal
Vimos ainda que é nosso entendimento que os arguidos praticaram, para além destes, os seguintes crimes (cfr. pontos B.3 e B.4 deste Acórdão):
- o arguido AA, em autoria material, um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada p. e p. pelo art.º 187º n.º 1 e n.º 2 al. a) e 183 n.º 2 do CP, pelos factos praticados no programa de televisão do dia 30/6 e, como co-autor, um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pela publicação do Livro “...”.
- o arguido BB, como co-autor, um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187.º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 183.º, n.º 2, ambos do Código Penal, pela publicação do Livro “...”.
Desta forma, ao abrigo da Jurisprudência fixada obrigatoriamente pelo Acórdão STJ nº4/2016, DR-36 SÉRIE I de 2016-02-22, cumpre de seguida proceder à determinação da espécie e medida da pena a aplicar aos arguidos pela prática destes crimes.
(…).
Diz-nos o artigo 40º do Código Penal que:
1- A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
A respeito da determinação da medida concreta da pena, ensina o Prof. Figueiredo Dias in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, págs. 110-111o seguinte
“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.
Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos e da reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura penal assim encontrada.
Dando concretização aos vectores enunciados no n.º1 do artigo 71º do Código Penal (culpa do agente e exigências de prevenção), o n.º 2 daquele preceito legal enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis para a graduação e determinação concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente: o grau de ilicitude do facto; o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Ora, considerando em primeiro lugar o crime pelo arguido AA praticado no dia 30/6, terá de ser valorado desfavoravelmente o dolo direto com que agiu, a indiciar uma culpa elevada. Salientamos que o arguido tinha já conhecimento, quando proferiu a frase em causa, da polémica gerada pelas afirmações que tinha proferido em programas anteriores, teve oportunidade de refletir sobre a gravidade das suas condutas, de se aconselhar, de arrepiar caminho e, não obstante, reiterou a sua conduta criminosa, sendo por isso intensa a vontade criminosa
Também o grau de ilicitude da conduta é elevado, considerando a gravidade do facto propalado.
Os motivos que determinaram a pratica do crime, designadamente a rivalidade clubística, não podem deixar de ser valorados em desfavor do arguido, por ser um sentimento asténico, que não é merecedor de qualquer compreensão por parte da comunidade.
As exigências de prevenção especial são elevadas, como supra foi exposto, sendo apenas minoradas pela inserção profissional, social e familiar do arguido.
Já as exigências de prevenção geral positiva são reduzidas, pois não é um crime que cause grande impacto na sociedade.
Assim, e atenta a moldura penal abstratamente aplicável e as circunstâncias acima referidas, entendemos ser adequado fixar a pena de prisão pela prática deste crime em 12 meses de prisão.
No que concerne ao crime praticado pelos dois arguidos, referente à publicação do livro, igualmente em desfavor dos dois arguidos terão de ser consideradas as exigências de prevenção especial positiva, o dolo direto com que agiram e a elevada ilicitude da conduta, pelas razões já supra expostas e que aqui são inteiramente válidas.
Acresce que o livro é publicado numa altura em que era grande a polémica que envolvia os programas de televisão em causa e as afirmações que nele fazia o arguido AA. Neste contexto, ao publicarem este livro, os arguidos mostraram de facto uma grande intensidade de vontade criminosa e indiferença perante o dever ser jurídico-penal.
No que respeita aos sentimentos e motivos que determinaram a pratica do crime, designadamente a rivalidade clubística, não podem deixar de ser valorados em desfavor dos arguidos, por ser um sentimento asténico, que não é merecedor de qualquer compreensão por parte da comunidade.
A ilicitude é elevada, atenta a gravidade dos factos propalados.
Já as exigências de prevenção geral positiva são reduzidas.
Considerando pois tudo o que acima foi exposto, entende-se adequado fixar a pena de prisão em um ano e dois meses para cada um dos arguidos.
(…)”
E relativamente à medida concreta das penas únicas impostas pela Relação, disse o acórdão recorrido:
“(…).
Em consequência destas condenações, a pena única dos arguidos tem de ser reformulada.
Entre nós vigora um sistema de pena conjunta, obtida através de um cúmulo jurídico, onde é feita a combinação das várias penas parcelares concretamente fixadas pelo Tribunal, as quais não perdem a sua natureza de fundamentos da pena do concurso. Desta forma, a pena aplicável ao concurso de crimes é uma pena única.
Dispõe o art.º 77º, n.º 1 do CP que:
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
A pena aplicável tem como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal).
Na formação da pena única no concurso de crimes, o Supremo Tribunal de Justiça, evidenciando preocupações de justiça relativa e de equidade, tem adoptado maioritariamente um critério segundo o qual a pena conjunta se há-de encontrar, em resultado da apreciação conjunta dos factos e da personalidade do agente, fazendo acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um quinto, salvo casos excepcionais, devidamente fundamentados (cfr. Simas Santos-Leal Henriques, Código Penal Anotado, 4ªed., Lisboa, 2015, vol. II, pág. 213).
Sustenta-se no Acórdão STJ de 14-09-2016, in www.dgsi.pt:
“na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele «pedaço» de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade. É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”.
Ora, no que respeita ao arguido AA, estão em causa as seguintes condenações:
- pela prática de um crime de violação de correspondência e telecomunicações agravada, a pena de 10 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 12 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão.
Assim, a pena única há-de ser encontrada numa moldura abstrata que tem por mínimo um ano e dois meses e por limite máximo 5 anos e 4 meses.
Nesta operação ter-se-á- em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com a qual, na formação da pena de conjunto as penas parcelares em concurso devem sofrer um factor de compressão, em regra, de 1/3, sem prejuízo de, por exemplo, em situações que espelhem uma carreira criminosa possa ser introduzido um factor de compressão mais lato do que o de 1/3. (cfr. por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27.04.2011 e de 27.05.2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
E na realidade, valorando em conjunto as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto e o comportamento anterior e posterior aos factos e a personalidade do arguido manifestada nos factos, bem assim como as exigências de prevenção geral e especial presentes, afigura-se adequado fixar a pena única em 2 anos e 6 meses de prisão.
No que respeita ao arguido BB, na construção da moldura da pena única tem de se considerar as seguintes condenações:
- pela prática de um crime de violação de correspondência agravada, a pena de 9 meses de prisão;
- pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva agravada, a pena de 1 ano e 2 meses de prisão;
Assim, numa moldura abstrata que tem por mínimo um ano e 2 meses e por máximo um ano e 11 meses, e considerando também relativamente a este arguido as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto e o comportamento anterior e posterior aos factos e a personalidade do arguido manifestada nos factos, bem assim como as exigências de prevenção geral e especial presentes, afigura-se adequado fixar a pena única em 1 ano e 5 meses de prisão.
(…)”.
Vejamos, então.
a. Dispõe o art. 40º do C. Penal, com a epígrafe «Finalidades das penas e das medidas de segurança», no seu nº 1 que, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Estabelece, por sua vez, o seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, exprimindo esta a responsabilidade individual do agente pelo facto, sendo, assim, o fundamento ético da pena. Prevenção geral – protecção dos bens jurídicos – e prevenção especial – reintegração do agente na sociedade – constituem, pois, as finalidades da pena, através delas se reflectindo a necessidade comunitária da punição do caso concreto.
É neste quadro que vai funcionar o critério legal de determinação da medida concreta da pena, previsto no art. 71º do C. Penal.
Estabelece o seu nº 1 que a determinação dessa medida é feita, dentro dos limites definidos pela moldura penal abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, dispondo o seu nº 2 que, para este efeito, devem ser atendidas todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, designadamente, as enunciadas nas diversas alíneas deste mesmo número.
Diremos, então, com Figueiredo Dias, que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).
A medida concreta da pena resultará do grau de necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), sem que possa ser ultrapassada a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime,1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 227 e seguintes e 238 e seguintes, e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 43 e seguintes) ou, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2014 (processo nº 1081/11.7PAMGR.C1.S1, in www.dgsi.pt), a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.
Seguindo a mesma linha, entende Anabela Miranda Rodrigues que, «[e]m primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.» (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, Nº 2, Abril-Junho, 2002, págs. 181-182).
Para terminar, cumpre sublinhar que à tarefa de determinação da medida concreta da pena pelo juiz, não corresponde o exercício de um poder discricionário mais ou menos modelado pela sua arte de julgar, mas a aplicação de um critério legal, constituindo, assim, a pena concreta o resultado de um procedimento juridicamente vinculado.
Em todo o caso, o controlo desta operação pela via do recurso, podendo incidir sobre a questão do limite ou da moldura da culpa e sobre a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, já não pode ter por objecto, o quantum exacto da pena, salvo se se mostrarem violadas as regras da experiência ou se a medida concreta fixada se mostrar desproporcionada (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime,1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 197).
b. Revertendo para o caso concreto e começando pelo recorrente AA, diz o mesmo que o tribunal recorrido não ponderou, como circunstâncias atenuantes:
- o facto de estar convencido – conforme se provou (ponto 189) – de que os relatos dos programas e a divulgação do livro tinham interesse público estando, nessa medida, contidos no seu direito a informar;
- o facto de os e-mails que divulgou e que estiveram na base dos relatos dos programas e na base do livro, tinham conteúdo verdadeiro que reflectia a realidade do futebol nacional no período em causa;
- o facto de a actuação havida ao longo do tempo não ter sido enquadrada no contexto de uma quase continuidade criminosa, pois foi divulgando os e-mails, apesar das polémicas, por se guiar pelo referido propósito de informar o público, o mesmo acontecendo com o livro onde apenas compilou conteúdos divulgados nos programas e já conhecidos do público;
- o facto de não ter sido considerado, atenta a conexão dos factos e o fim visado que era informar, a diminuição do impacto mediático das divulgações, à medida que o tempo decorria, pela redução do interesse do público, com reflexo nas penas parcelares, antes persistindo uma ideia de igualação.
Pois bem.
O acórdão recorrido ponderou, relativamente ao crime que tem por objecto o programa de 30 de Junho de 2017, o grau elevado de ilicitude face à natureza do facto propalado, a considerável intensidade do dolo, que revestiu a modalidade de directo, e os motivos determinantes da conduta, designadamente, a rivalidade clubística que, pela sua debilidade, não é merecedor da compreensão da sociedade. Considerou ainda serem elevadas as exigências de prevenção especial, considerando o período de vários meses em que foi cometendo os crimes [não apenas este, mas todos os outros relativos aos restantes programas], mostrando-se insensível aos danos causados e às queixas que vinham sendo apresentadas, manifestando uma personalidade avessa ao direito e incapaz de reflexão apta a entender o desvalor da acção praticada e, por fim, considerou serem reduzidas as exigências de prevenção geral por estarmos perante crimes sem significativo impacto na comunidade.
Relativamente ao crime que tem por objecto a elaboração e divulgação do livro, o acórdão recorrido ponderou, pelas mesmas razões, a elevada ilicitude da conduta e uma elevada intensidade do dolo, igualmente directo e revelador de grande vontade criminosa, pois que a publicação ocorreu quando os programas em causa e as afirmações do recorrente neles feitas, envolviam já grandes polémica, e a debilidade dos motivos determinantes da conduta, pelas razões, supra, apontadas. Foram consideradas reduzidas as exigências de prevenção geral.
Entende o recorrente que o seu convencimento quanto a terem interesse público, quer os relatos que fazia nos programas, quer o conteúdo do livro e por esta via, estarem incluídos no seu direito a informar, é susceptível de diminuir o grau de ilicitude dos factos praticados, o que não foi ponderado no acórdão recorrido.
O aludido convencimento do recorrente que, como vimos, está provado, não significa, per se, que existisse efectivamente interesse público nos assuntos versados sendo certo que, tratando-se da propalação e divulgação de factos inverídicos, como o recorrente sabia, não se vê como compatibilizar a informação transmitida com aquele interesse.
Entende o recorrente que também devia ter sido valorada, como atenuante da ilicitude da conduta, a circunstância de o conteúdo dos e-mails divulgados ser verdadeiro, e reflectir a realidade do futebol nacional naquele período. Sendo verdadeiro o conteúdo dos e-mails, a verdade é que a sua manipulação pelo recorrente, nos termos que resultaram provados, é que permitiu a afirmação de factos inverídicos, portanto, a afirmação de factos que não tinham suporte naqueles documentos. Não se vê, pois, como possa a autenticidade dos e-mails atenuar a ilicitude das acções praticadas.
Entende o recorrente que igualmente devia ter sido valorada, a quase continuidade criminosa em que se traduziu a sua actuação ao longo do tempo, uma vez que foi sempre movido pelo propósito de informar o público, quer quanto à divulgação dos e-mails, quer quanto à publicação do livro. Com ressalva do respeito devido por diversa opinião, a pluralidade de ilícitos típicos, pura e simplesmente, agrava a culpa do agente, não se compreendendo o alcance visado com a figura de uma quase continuidade criminosa, nem do já invocado propósito informativo, já acima, tratado.
Finalmente, a pretendida diminuição do impacto mediático das divulgações, pelo decurso do tempo, não resulta evidenciada e, em todo o caso, não se vê que devesse ter reflexo na medida da pena.
Por outro lado, concordamos com a Relação no sentido de ser elevado o grau de ilicitude dos factos, atenta a intensidade com que cada um atingiu o bem jurídico tutelado, em ser elevada a intensidade do dolo, e não ser relevante o móbil dos crimes.
Concordamos também com a Relação na consideração de serem relevantes as exigências de prevenção especial face aos traços de uma personalidade desvaliosa revelados pelo comportamento do recorrente, embora minorados pela sua inserção profissional, social e familiar e pela ausência de antecedentes criminais, e de serem reduzidas as exigências de prevenção geral.
Assim, tudo ponderado, considerando a moldura penal abstracta aplicável ao crime de ofensa a pessoa colectica agravado, p. e p. pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, a) e 183º, nº 2, do C. Penal – pena de 1 mês a 2 anos de prisão –, sobrepondo-se as circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, sendo relevantes as exigências de prevenção especial e reduzidas as de prevenção geral, entendemos que a pena de 12 meses de prisão, aplicada pelo crime que tem por objecto o programa de 30 de Junho de 2017, porque situada ainda abaixo do ponto médio daquela moldura penal, se mostra necessária, adequada, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente.
Entendemos também, considerando as mesmas circunstâncias e exigências de prevenção, que a pena 1 ano e 2 meses de prisão, aplicada pelo crime que tem por objecto a publicação do livro, situada ligeiramente acima do ponto médio da referida moldura penal, permite uma ligeira redução, sem que deixe de assegurar as suas finalidades, sendo, assim, mais adequada, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente, a pena de 1 ano de prisão.
Em suma, por não merecerem censura, devem ser mantidas as penas parcelares decretadas pela Relação ao recorrente AA, com ressalva da pena relativa à elaboração e publicação do livro «...», cuja pena passa a ser a de 1 ano de prisão.
c. Atentemos agora na pena aplicada ao recorrente BB.
Concordamos com o acórdão recorrido quanto a, relativamente ao crime que tem por objecto a publicação do livro, ser elevada ilicitude da conduta do recorrente, ser elevada a intensidade do dolo com que actuou, não ser relevante o móbil do crime, serem significativas as exigências de prevenção especial, dados os traços de uma personalidade avessa ao direito revelados pela sua conduta, igualmente minoradas pela sua inserção laboral, familiar e social e pela inexistência de antecedentes criminais, e serem reduzidas as exigências de prevenção geral.
Por outro lado, não descortinamos nos factos provados justificação para a pretendida subordinação, capaz de reduzir a ilicitude da conduta.
Porém, relativamente ao co-arguido, há que ponderar o menor número de ilícitos praticados.
Assim, considerando a moldura penal abstracta aplicável ao crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. pelos arts. 187º, nºs 1 e 2, a) e 183º, nº 2, do C. Penal – pena de 1 mês a 2 anos de prisão –, sobrepondo-se as circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, sendo relevantes as exigências de prevenção especial e reduzidas as de prevenção geral, entendemos que a pena de 1 ano e 2 meses de prisão, aplicada pelo crime que tem por objecto a publicação do livro, comporta um abrandamento sem que deixe de assegurar as suas finalidades, sendo mais adequada, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente, a pena de 10 meses de prisão.
Em suma, a pena a aplicar ao arguido BB relativa à elaboração e publicação do livro «...», passa a ser a de 10 meses de prisão.
d. Discordam os recorrentes das penas únicas fixadas pela Relação, peticionando que as mesmas sejam fixadas nos respectivos mínimos legais, alegando que a Relação não aplicou devidamente o critério legal e, depois de fazer uma referência ao uso, pelos tribunais, de um critério essencialmente matemático e, por isso, desgarrado da ponderação global dos factos e da personalidade do agente, invocou a inconstitucionalidade da norma do art. 77º, nº 1, do C. Penal, por violação do art. 29º, nºs 1 e 4 da Lei Fundamental, interpretada no sentido de que a medida concreta da pena única conjunta deve ser determinada com base numa fórmula matemática que faça acrescer ao limite mínimo da moldurado concurso, dado pela pena parcelar mais grave, uma fracção da soma das demais penas parcelares aplicadas.
Vejamos.
O art. 77º do C. Penal, com a epígrafe «Regras da punição do concurso», dispõe na 1ª parte do seu nº 1 que, [q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.
É pressuposto da aplicação deste critério especial de determinação da medida da pena que o agente tenha praticado uma pluralidade de crimes constitutiva de um concurso efectivo – real ou ideal, homogéneo ou heterogéneo –, antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, distinguindo este último aspecto os casos de concurso dos casos de reincidência. Verificado que seja o referido pressuposto, o agente é condenado numa pena única.
A lei afastou o sistema da acumulação material de penas, tendo optado por um sistema de pena conjunta, resultante de um princípio de cúmulo jurídico (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas/Editorial Notícias, pág. 283 e seguintes e Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 2013, Coimbra Editora, pág. 56 e seguintes).
Com efeito, estabelece o nº 2 do art. 77º do C. Penal que, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limites mínimos a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
A determinação da medida concreta da pena única a aplicar ao concurso de crimes impõe a observância de um procedimento sequencial.
Em primeiro lugar, há que determinar a medida concreta da pena de cada crime que integra o concurso, de acordo com o critério geral de determinação da medida da pena, previsto no art. 71º do C. Penal.
Em segundo lugar, há que fixar a moldura penal do concurso, que terá como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas aos vários crimes que integram o concurso – limite que não pode ultrapassar os limites expressamente fixados na lei – e como limite mínimo, a mais elevada das penas parcelares (nº 2 do art.77º do C. Penal).
Em terceiro lugar – constituindo a verdadeira operação de concretização da pena única –, há que determinar a medida concreta da pena conjunta do concurso, dentro dos limites da respectiva moldura penal, em função dos critérios gerais da medida da pena – culpa e prevenção – fixados no art. 71º do C. Penal, e do critério especial previsto no art. 77º, nº 1, parte final do mesmo código, nos termos do qual, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Por último, quando legalmente admissível, há que substituir a pena conjunta.
A ponderação conjunta dos factos e da personalidade do agente, pedra angular do critério especial de determinação da pena única, aconselha uma breve explicação.
Podemos dizer que o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante, para a sua fixação, a conexão existente entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade unitária do agente permite aferir se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa da personalidade ou, pelo contrário, se é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante. É igualmente importante, neste âmbito, a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 290 e seguintes).
Em síntese, e como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Fevereiro de 2013 (processo nº 455/08.5GDPTM, in www.dgsi.pt), «[f]undamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade.».
Conhecemos a jurisprudência deste Supremo Tribunal que sufraga o entendimento segundo o qual, perante o arco de punibilidade desenhado pela moldura penal abstracta aplicável ao concurso de crimes, se deve adicionar à pena parcelar mais elevada fracções variáveis das demais penas parcelares, tendo por referência vários critérios jurisprudenciais e o emprego de um ‘factor de compressão’ que actue entre o mínimo e o máximo daquela moldura.
Para nós, impondo a determinação da pena única, como vimos, o uso do critério geral da prevenção e da culpa e o uso do critério especial da avaliação da gravidade do ilícito global e da personalidade unitária do agente, e não sendo o funcionamento dos dois critérios legais compatível com o emprego de critérios de ordem matemática, nunca estes poderão desempenhar papel preponderante ou mesmo, significativo, na determinação da pena conjunta, podendo, quando muito, servir de mero indicador auxiliar, do raciocínio subjacente à operação, nos casos em que é muito amplo o arco de punibilidade permito pela moldura penal aplicável, mas sempre com o propósito de assegurar a proibição do excesso e alcançar a justa decisão (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 2025, processo nº 651/15.9PAPTM.1.S2, in www.dgsi.pt).
Dito isto.
i) Relativamente ao recorrente AA, o acórdão recorrido enunciou as penas parcelares que integram o concurso – 10 meses de prisão por crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravado; 1 ano e 2 meses de prisão por crime de ofensa a pessoa colectiva agravado; 1 ano e 2 meses de prisão por crime de ofensa a pessoa colectiva agravado; 12 meses de prisão por crime de ofensa a pessoa colectiva agravado; 1 ano e 2 meses de prisão por crime de ofensa a pessoa colectiva agravado –, determinou a respectiva moldura penal abstrata – 1 ano e 2 meses a 5 anos e 4 meses de prisão –, referiu ir ter em consideração a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de a pena conjunta resultar da aplicação de um factor de compressão ao conjunto das penas parcelares, em regra, 1/3, passou à valoração conjunta da gravidade global dos factos, do comportamento anterior e posterior e da personalidade do recorrente neles manifestada, o que fez em termos genéricos, convocou as exigências de prevenção presentes, e considerou adequada a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.
Parece-nos evidente a brevidade da discussão que teve por objecto a determinação da pena conjunta, embora nela se intua a remissão implícita feita para o que havia sido já referido, nas anteriores operações de escolha da pena e de determinação da medida concreta das penas parcelares.
Por outro lado, a referência feita ao uso do que, na falta de melhor denominação, designaremos por critério matemático, contém-se no único papel possível de atribuir a tal critério, conforme supra se deixou dito. Pois bem.
Face aos factos provados que consubstanciam cada um dos crimes em concurso, só podemos concluir pela conexão entre todos existente, quer numa perspectiva temporal, quer pela identidade de tipo legal, quer pela relação meio-fim, quer pelo modus-operandi, quer pela identidade de motivação, tudo apontando para uma gravidade do ilícito global de grau médio/elevado, em razão da intensidade da lesão do bem jurídico.
Relativamente à personalidade unitária do recorrente, a repetição do mesmo tipo de ilícito, visando o mesmo propósito, revela traços de uma personalidade desvaliosa e indiferente aos valores comunitários que as normas violadas tutelam e, de alguma forma, à ameaça das respectivas sanções, sem que, contudo, possa afirmar-se a existência de uma carreira criminosa que radique desses traços.
Por outro lado, fazem-se sentir as exigências de prevenção especial e são reduzidas as exigências de prevenção geral, pelas razões já referidas.
Sucede que, pelas razões sobre ditas, uma das penas parcelares que integra o concurso foi alterada, havendo pois que considerar a nova moldura penal abstracta que, na sequência da referida modificação, é a de 1 ano e 2 meses a 5 anos e 2 meses de prisão.
Assim, atenta a moldura penal abstracta agora aplicável, considerando a gravidade do ilícito global e a personalidade unitária do recorrente nos termos que se deixaram referidos, porque nos parece que a pena única fixada pela Relação admitiria um abrandamento, e considerando-se agora a nova moldura abstracta, entendemos adequada, proporcional e plenamente suportada pela culpa unitária do recorrente, a pena única de 2 anos de prisão.
ii) Relativamente ao recorrente BB o acórdão recorrido enunciou as penas parcelares que integram o concurso – 9 meses de prisão por crime de violação de correspondência ou de telecomunicações agravado; 1 ano e 2 meses de prisão por crime de ofensa a pessoa colectiva agravado –, determinou a respectiva moldura penal abstrata – 1 ano e 2 meses a 1 ano e 11 meses de prisão –, passou à valoração conjunta da gravidade global dos factos, do comportamento anterior e posterior e da personalidade do recorrente neles manifestada, o que fez em termos genéricos, convocou igualmente as exigências de prevenção presentes, e considerou adequada a pena única de 1 ano e 5 meses de prisão.
Reafirmando-se o que ficou dito quanto ao laconismo da discussão feita no acórdão recorrido relativamente à determinação da pena conjunta, face aos factos provados que consubstanciam os dois crimes em concurso, concluímos pela conexão entre ambos existente, quer numa perspectiva temporal, quer na perpsectiva do ‘aproveitamento’ de um na prática do outro, quer pela identidade de motivação, tudo apontando para uma gravidade do ilícito global de grau médio/elevado, em razão da intensidade da lesão do bem jurídico.
Relativamente à personalidade unitária do recorrente, o propósito comum à prática dos crimes revela traços de uma personalidade desvaliosa e indiferente aos valores comunitários que as normas violadas tutelam e, de alguma forma, à ameaça das respectivas sanções, sem que, contudo, possa afirmar-se a existência de uma carreira criminosa que radique desses traços.
Também relativamente a este arguido, e pelas razões que se deixaram expostas, uma das penas parcelares que integra o concurso foi alterada, havendo pois que considerar a nova moldura penal abstracta que, na sequência da referida modificação, é a 10 meses a 19 meses de prisão.
Assim, atenta a moldura penal abstracta agora aplicável, considerando a gravidade do ilícito global e a personalidade unitária do recorrente nos termos que se deixaram referidos, entendemos adequada, proporcional e plenamente suportada pela culpa unitária do recorrente, a pena única de 1 ano de prisão.
iii) Relativamente à invocada inconstitucionalidade da norma do art. 77º, nº 1, do C. Penal, por violação do art. 29º, nºs 1 e 4 da Lei Fundamental, interpretada no sentido de que a medida concreta da pena única conjunta deve ser determinada com base numa fórmula matemática que faça acrescer ao limite mínimo da moldurado concurso, dado pela pena parcelar mais grave, uma fracção da soma das demais penas parcelares aplicadas [no pressuposto de a Relação a ter aplicado com tal interpretação], cumpre dizer que, tal como, supra, se deixou referido, a menção feita no acórdão recorrido ao uso do referido critério matemático, contém-se no único papel possível de lhe atribuir, ou seja, o de mero auxiliar do raciocínio feito para determinar a pena única, mas sempre com o propósito de encontrar a sua justa medida. Com efeito, o acórdão recorrido, depois de tal referência, passou à valoração conjunta da gravidade global dos factos, do comportamento anterior e posterior e da personalidade do recorrente neles manifestada, de forma genérica e assaz sintética, convocou seguidamente as exigências de prevenção presentes, e indicou a pena única que considerou adequada para cada recorrente.
Assim, a Relação não aplicou a norma do nº 1 do art. 77º do C. Penal com a interpretação apontada pelos recorrentes, pelo que, não se considera verificada a invocada inconstitucionalidade.
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Da aplicação ao recorrente BB das medidas de clemência previstas na Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto
6. Alega o recorrente BB – conclusões 34 e 35 – que deve beneficiar do regimes estabelecido na Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, por estarem preenchidos os dois requisitos previstos no seu art. 2º, nº 1, uma vez que não tinha mais de 30 anos à data dos factos e estes foram praticados antes de 19 de Junho de 2023, pelo que, deve ser aplicada à pena única o perdão de um ano de prisão.
Independentemente da verificação, ou não, dos requisitos de aplicação do perdão da lei em causa, dispõe o seu art. 14º, com a epígrafe «Aplicação» que, [n]os processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz do julgamento ou da condenação.
Não compete, pois, ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto última instância de recurso, proceder, sendo disso caso, à aplicação do pretendido perdão, tarefa que incumbe à 1ª instância.
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III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em:
A) Rejeitar o recurso, nos termos do disposto nos arts. 400º, nº 1, c), 414º, nºs 2 e 3 e 420º, nº 1, b), todos do C. Processo Penal, por irrecorribilidade do acórdão recorrido, na parte respeitante à prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), ambos do C. Penal, que tem por objecto a elaboração e publicação do livro «...».
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B) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, decidem:
1. Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido AA, pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), ambos do C. Penal, que tem por objecto a elaboração e publicação do livro «...», na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, e na parte em que o condenou na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), ambos do C. Penal, que tem por objecto a elaboração e publicação do livro «...», na pena de 1 (um) ano de prisão, e em cúmulo jurídico – com as demais penas parcelares –, na pena única de 2 (dois) anos de prisão.
Manter a suspensão da execução da pena única de prisão, agora, pelo período de dois anos, a contar da data do trânsito do presente acórdão.
2. Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido BB, pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), ambos do C. Penal, que tem por objecto a elaboração e publicação do livro «...», na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, e na parte em que o condenou na pena única de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão.
Condenar o arguido BB, pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva agravado, p. e p. 187º, nºs 1 e 2, a), com referência ao art. 183º, nº 1, a) e b), ambos do C. Penal, que tem por objecto a elaboração e publicação do livro «...», na pena de 10 (dez) meses de prisão, e em cúmulo jurídico – com a restante pena parcelar –, na pena única de 1 (um) ano de prisão.
Manter a suspensão da execução da pena única de prisão pelo período de um ano, a contar da data do trânsito do presente acórdão.
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C) Manter, quanto ao mais, o acórdão recorrido.
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D) Recurso sem tributação, atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1, do C. Processo Penal, a contrario).
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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).
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Lisboa, 3 de Abril de 2025
Vasques Osório (Relator)
José Piedade (1º Adjunto)
Jorge Bravo (2º Adjunto)