EMBARGOS DE TERCEIRO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
DESCARACTERIZAÇÃO DA DUPLA CONFORME
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
ARROLAMENTO
DEPÓSITO BANCÁRIO
LEGITIMIDADE
Sumário


I. Se o recurso de revista se fundar na violação das regras inerentes ao exercício dos poderes-deveres previstos no art. 662º, nº 1, do CPC, quanto à reapreciação pela Relação da matéria de facto, sindicável nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do CPC, não se verifica a formação da “dupla conforme”.
II. A arguição de nulidades processuais do acórdão da Relação não constitui fundamento exclusivo de recurso de revista, apenas se conhecendo das mesmas se o recurso for admitido.
III. A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada integração jurídica dos factos, ou a uma errada interpretação da norma, as quais poderão, antes, configurar eventual erro de julgamento.
IV. Na conformação da decisão com a pretensão do autor, tem o pedido formulado de ser interpretado à luz da causa de pedir.
V. O Supremo Tribunal de Justiça conhece de direito, competindo às instâncias a decisão de facto, na qual, por regra, não pode interferir, apenas sendo possível a sua intervenção quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido afronte disposição expressa de lei quanto às regras atinentes à impugnação da decisão de facto, ou quando ponha em causa preceito que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova.
VI. Através do disposto no art. 662º do CPC, foi concedida ao Tribunal da Relação autonomia decisória em sede de reapreciação e modificabilidade da decisão da matéria de facto, sendo, porém, o exercício desse poder cognitivo sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, que verifica se foram observados os parâmetros formais da respetiva disciplina processual (ou seja, se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova, conforme determinado pelo art. 607º, nº 4, do CPC), não se imiscuindo na valoração da prova feita pela Relação segundo o critério da sua livre e prudente convicção.
VII. Através dos embargos de terceiro, o embargante, além da posse, pode defender qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num ato de agressão patrimonial.
VIII. O contrato de depósito bancário é um contrato real quoad constitutionem, que exige um ato material de entrega dos fundos monetários, e quoad effectum, uma vez que implica a transferência da propriedade dos fundos para o banco, ficando o depositante na titularidade de um direito de crédito à restituição das quantias depositadas.
IX. O regime de movimentação das contas - solidária, conjunta ou mista conforme acordado - é distinta da questão da “titularidade” dos fundos nelas depositados, que podem pertencer a algum ou alguns dos titulares da conta, ou até a um terceiro.
X. Num procedimento cautelar de arrolamento prévio a ação de divórcio em que foi arrolado o saldo de uma conta bancária, um terceiro, que não é titular ou co titular desta, tem legitimidade para deduzir embargos de terceiro, por forma a demonstrar que o saldo arrolado é da sua “titularidade”.

Texto Integral


Acordam na 6ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

RELATÓRIO

Como preliminar de ação de divórcio, AA instaurou procedimento cautelar de arrolamento (apenso A) contra BB, no qual foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente o procedimento cautelar e, em consequência, ordenou o arrolamento dos saldos de todas as contas bancárias tituladas ou co-tituladas pelo Requerido junto das instituições bancárias Novobanco S.A, Banco BPI, S.A, Activo Bank S.A., Banco Comercial Português S.A., Caixa Geral de Depósitos S.A., Wizink Bank, S. A. U., Sucursal em Portugal, Bankinter Consumer Finance EFC S.A – Sucursal em Portugal, Unicre – Instituição Financeira de Crédito S.A., bem como de outros bens e de um imóvel.

Foram arrolados os saldos bancários das seguintes contas abertas junto do BPI, SA:

i. ...01, no valor de 14.281,23€;

ii. ...02, no valor de 6.270,58€;

iii. ...03, no valor de 4.259,32€;

iv. ...03, no valor de 1.243,75€;

v. ...01, no valor de 1.166,08€;

vi. ...01, no valor de 1.257,17€.

Foi arrolado o saldo no valor de 50.180,57€ depositado a prazo na conta n.º ...33 do Activo Bank, SA.

Em 26.4.2022, CC e DD deduziram embargos de terceiro, pedindo a exclusão, do arrolamento decretado, da totalidade dos valores depositados nas contas abertas junto do BPI e do Activo Bank, identificadas no respetivo auto, com a consequente descativação de todos os valores.

Alegaram, em síntese:

Serem pais do Requerido BB, e ter o arrolamento decretado ofendido o direito de propriedade e inerente posse dos Embargantes sobre os saldos bancários depositados junto do BPI e do Activo Bank (no valor de €94.413,73), que lhes pertencem na totalidade, que são sua propriedade, não tendo o Requerido BB aí realizado, no seu interesse, qualquer depósito ou entrega de valores.

São pessoas de provecta idade, e o Embargante DD é portador de deficiência, que lhe confere uma incapacidade permanente global de 60%, pelo que necessitam ambos do apoio dos filhos na sua vida diária.

Tendo consciência dessa debilidade e com vista a acautelar que teriam sempre acesso aos fundos depositados em instituições bancárias, os Embargantes decidiram, no ano de 2017, incluir os filhos na titularidade das suas contas bancárias, designadamente as abertas junto do BPI, conforme declaração junta.

No que diz respeito à conta aberta no Activo Bank, apesar de titulada pelo Requerido BB, todos os valores depositados são também propriedade dos Embargantes.

As contas abertas no Banco BPI com a numeração inicial ...18, são tituladas pelos Embargantes, pelo Requerido BB e pela sua irmã, EE, razão pela qual apenas ¼ do valor dos respetivos saldos foi arrolado.

Sucede, porém, que na conta à ordem aberta no BPI os Embargantes recebem os seus rendimentos, realizando, através dessa conta, o pagamento das despesas do seu quotidiano, não tendo os filhos dos Embargantes, designadamente o Requerido BB, realizado, no seu interesse, qualquer depósito ou entrega de valores, qualquer levantamento ou transferência de valores, sendo os Embargantes os proprietários da totalidade dos valores depositados nas contas com o início de numeração ...18.

Sendo o Requerido BB bancário, em face dos conhecimentos que tem do sector bancário, foi incumbido de apoiar os pais, Embargantes, na gestão do seu património financeiro, pelo que, pelo menos desde de 2017, realizou movimentações e investimentos da poupança e rendimentos dos seus pais, utilizando, por vezes, contas só por si tituladas para depósito e realização de transferências de valores entre bancos, como é o caso dos valores depositados, em seu nome, no Activo Bank, os quais provêm de contas tituladas pelos Embargantes e pela sua filha EE, também fiel depositária de valores dos seus pais, pelo que os Embargantes são os proprietários dos valores depositados na conta aberta junto do Active Bank, arrolada.

A embargada tinha pleno conhecimento do contexto familiar dos pais do Requerido, aqui Embargantes, bem sabendo que era o Requerido BB quem fazia a gestão do património financeiro dos seus pais, não lhe pertencendo os valores depositados, designadamente, nas contas do BPI e Activo Bank arrolados.

Em 17.7.2023, foi proferida sentença que julgou os embargos de terceiro procedentes, e, em consequência determinou o levantamento do arrolamento da totalidade dos valores depositados nas contas abertas junto do BPI e do Activo Bank, identificadas no respetivo auto com os seguintes números ...01, ...02, ...03, ...03, ...01 e ...01 do Banco BPI e conta de depósito a prazo com o n.º ...33 do Activo Bank.

Inconformada com a decisão, apelou a embargada, pedindo a final a revogação da sentença recorrida.

Em 9.5.2024, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que alterou “parcialmente a sentença recorrida em termos de que, no que toca às contas do BPI com o número ...03 (arrolada no valor de 4.259,32 €) e conta número ...03 (arrolada no valor de 1.243,75 €), o levantamento do arrolamento só será efetuado relativamente a metade dos montantes arrolados”, mantendo, quanto ao mais o decidido em 1ª instância.

De novo inconformada, a embargada interpôs “RECURSO DE REVISTA por ter havido alteração da decisão quanto a uma parte da sentença e de REVISTA EXCECIONAL quanto à demais matéria”, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

A) O presente recurso de revista excecional tem lugar, porquanto, a interpretação feita no acórdão recorrido tem caracter inovador inovadora, no sentido de entender que podem ser deduzidos Embargos de Terceiro, num Arrolamento de saldos de contas bancárias, por Terceiros que não sejam titulares dessas contas. Ou seja, que os Terceiros Embargantes são partes legítimas, detendo Legitimidade para deduzir embargos de terceiros não obstante não serem titulares das contas bancárias arroladas, nem deterem nenhum direito de crédito, muito menos um direito exclusivo, sobre a Instituição Bancária onde se encontram sediadas as contas arroladas.

B) Tal interpretação está em oposição com a jurisprudência que, sobre esta questão, tem vindo a entender que apenas são admissíveis os embargos de terceiros, na medida em que esses terceiros embargantes detenham a titularidade ou co-titularidade das

contas arroladas, daí lhe advindo a Legitimidade para a dedução dos embargos, por força de um direito de crédito sobre a instituição bancária.

C) A interpretação de que os embargos são admissíveis por terceiros que não detenham qualquer direito de crédito sobre a instituição bancária, faz errada aplicação do direito e põe em causa a confiança nos instrumentos bancários, essencial na vida quotidiana, em que todos os pagamentos, toda a gestão da vida financeira e económica de uma pessoa comum passa pelas suas contas bancárias, e na confiança de que são de sua propriedade os fundos depositados nas contas de que são titulares. Interpretar-se o contrário não pode deixar de gerar enorme inquietação social, extravasando o mero interesse das partes dos presentes autos.

D) A tal questão acresce ainda o facto, de relativamente a uma das contas arroladas, não ter sido junto qualquer documento bancário comprovativo dos movimentos da mesma, ou seja, duma total inexistência de prova documental e, em relação a outra das

contas arroladas, de o Tribunal da Relação ter considerado que os montantes que na mesma se encontravam depositados eram pertença exclusiva dos Embargantes, com base em mera prova testemunhal (as declarações dos filhos dos Embargantes o ex-cônjuge com interesse na causa e sua irmã), sem haver qualquer conciliação bancária, quando tal facto apenas poderia ter sido dado como provado com base em prova documental. Tal juízo gera insegurança jurídica.

E) Assume, assim, particular relevância jurídica a apreciação destas questões pelo Supremo Tribunal de Justiça, assumindo igual relevância social do ponto de vista prático da aplicação de direito, sendo questões que ultrapassam os limites da situação singular.

F) A questão de admissibilidade dos embargos de terceiro num arrolamento de contas bancárias, tendo em conta que esta última é uma providência conservatória que visa a descrição dos bens, por isso não ofendendo a posse, tem sido fortemente debatida na doutrina e na jurisprudência, que se tem manifestado pela admissibilidade dos embargos, baseado na existência, na esfera jurídica dos embargantes, de um direito de crédito que por sua vez assenta na titularidade ou co-titularidade por parte do embargante da conta bancária arrolada, pelo que a resposta a dar pelo Supremo Tribunal de Justiça a estas questões assume uma dimensão paradigmática para casos futuros. Sob tais questões estão interesses de particular relevância social respeitantes a aspetos fulcrais da vivência comunitária, suscetíveis de, com alguma repercussão e controvérsia, gerar sentimentos coletivos de inquietação, insegurança, intranquilidade, injustiça e até indignação.

G) Com efeito, se alguém que é totalmente estranho a uma conta bancária, não sendo seu titular, nem co-titular, se pode arrogar ser o proprietário da totalidade dos “dinheiros” que nela constam, e se para isso, bastar um seu familiar declarar em tribunal que assim é, nada juntando de documentação bancária, ou juntando apenas alguns documentos desgarrados no tempo e antigos, incompletos e com parca informação (o arrolamento foi decretado em 2022, os embargantes e o embargado/ex-marido juntaram documentos de 2011, 2015, 2016, e alguns documentos de saldos, sem movimentos bancários) e sem qualquer conciliação entre contas arroladas, e o tribunal declarar os embargantes proprietários exclusivos dos saldos dessas contas, é facto que causa grave insegurança jurídica, pondo em causa a confiança da população nos tribunais e a desconfiança nos instrumentos bancários, confiança essa essencial na vida diária de qualquer cidadão.

H) Outra das questões que põe em causa essa mesma confiança nas instituições da justiça e fiabilidade bancária, tem que ver com o ónus da prova. Com efeito, tanto a sentença como o acórdão recorrido transferirem o ónus da prova para a Recorrente/embargada concluindo que esta é que tinha de provar que as contas arroladas não pertenciam aos embargantes, quando a jurisprudência e doutrina têm vindo afirmar precisamente o contrário. Era aos embargantes que competia provar que os montantes arrolados titulados em nome de seu filho, embargado, lhes pertenciam por força presunção legal decorrente da solidariedade das contas, conforme previsto nos artº 512 e sgs do C.Civil, violando o artº 342 também do Código Civil. Tanto a sentença como o acórdão recorridos reconheceram que a prova a ser produzida teria de ser documental e que era fácil aos embargantes e ao embargo/ex-marido fazer a junção desses documentos bancários, no entanto, em ambas as decisões, e não obstante a não junção por parte dos embargantes e embargado/ex-marido de tal documentação bancária, consideraram provados factos com base em prova meramente testemunhal (as declarações do embargado interessado e de sua irmã), quando tais factos podiam apenas ser provados por prova documental, havendo assim erro na apreciação da prova, verificando-se os requisitos do artº 674, nº 3 do C.P.Civil.

Neste sentido, estando verificados todos os seus pressupostos deve a presente Revista Excecional ser admitida

Da inadmissibilidade dos Embargos de Terceiro

I) Com interesse para a decisão da causa aponte-se que em sede de arrolamento, processo principal, foram arroladas 3 contas bancárias:

- a conta nº ...33 do Activo Bank (titulada exclusivamente em nome do Embargado BB e sua Irmã EE), sendo detida por dois titulares o arrolamento incidiu sobre metade do saldo bancário.

- a conta do Banco BPI iniciada com os números ...18 (que tem associada mais 4, titulada em nome do embargado, BB, de sua irmã, EE e em nome dos Embargantes), sendo detida por quatro titulares o arrolamento incidiu sobre um quarto do saldo bancário.

- a conta do BPI nº ...01 (titulada exclusivamente em nome dos Embargados, então casal), sendo detida por dois titulares o arrolamento incidiu sobre metade do saldo bancário.

J) Os presentes embargos de terceiro recaíram sobre duas dessas contas arroladas, a conta nº ...33 do Activo Bank e a conta do Banco BPI iniciada com os números ...18 (que tem associada mais 4). Entende a Recorrente que os presentes embargos não deveriam ter sido admitidos por não estarem objetivamente preenchidos os requisitos legais para o efeito, o que deveria ter levado ao seu indeferimento. Assim, conforme estipulado no artº 342 do C.P.Civil, se a penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão de bens ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro. Ora, constituindo o arrolamento a mera descrição dos bens, tal diligência não ofende nem a posse, nem a propriedade, não tendo, pela sua própria natureza, qualquer cariz executivo. O arrolamento de saldos bancários não constituí nenhum ato de apreensão judicial, não constituí qualquer ato de entrega judicial de bens, não constituí qualquer ato executivo judicial, sendo uma mera descrição dos bens existentes numa data concreta do tempo, pelo que não ofende nem a posse, nem qualquer outro direito invocado nos autos. Assim, face à natureza não executiva do arrolamento, não se encontram preenchidos os requisitos para a admissão dos embargos, artº 342, primeira parte do C.P.Civil, deveriam os mesmos ter sido indeferidos por legalmente inadmissíveis.

K) Mas mesmo que assim não se entenda, sempre seria de não admitir os embargos, por inexistência de ofensa de qualquer direito dos embargantes, artº 342 do C.P.C., última parte. Os Recorridos embargaram a conta nº ...33 do Activo Bank arrolada, no entanto, não demonstraram deterem sobre a mesma qualquer direito, não demonstraram serem titulares ou co-titulares da referida conta, não tendo demonstrado aí ter constituído qualquer depósito bancário. Nesse sentido não podem arrogar-se qualquer direito de crédito sobre a Instituição Bancária, ainda para mais direito exclusivo, quando nem sequer são titulares ou co-titulares das contas, sendo pessoas totalmente estranhas à titularidade das mesmas. Assim, deverá concluir-se pela inadmissibilidade legal dos presentes embargos quanto à conta nº ...33 do Banco ActivoBank, uma vez que os Recorridos são totalmente estranhos à sua titularidade, não detendo sobre a mesma qualquer direito legalmente constituído, não tendo, por isso, legitimidade para os embargos, sendo Partes Ilegítimas

L) A conta arrolada do Activo Bank, aberta cerca de um/dois meses antes da instauração da providência cautelar de arrolamento é titulada exclusivamente pelo Embargado, BB, e por sua irmã, EE. Nesse sentido não poderiam ter sido admitidos os presentes embargos, por inexistir em relação a tal arrolamento qualquer direito de que embargantes fossem ou pudessem arrogar-se titulares, uma vez que são totalmente alheios à titularidade da conta, sendo partes ilegítimas. Tal raciocínio e afirmações são igualmente válidos para a conta do BPI arrolada de que os Recorridos não fizeram prova da titularidade, nomeadamente a conta nº ...01, de que são apenas titulares os Embargados, conta comum do ex casal, aberta quando contraíram matrimónio e que os acompanhou no tempo e ao longo do mesmo, e em relação à qual, o Tribunal da Relação muito mal andou ao decidir pelo levantamento do arrolamento.

Mas mesmo que assim, não se entenda, facto que se admite por mera hipótese académica, será sempre de se revogar o acórdão recorrido.

Da Nulidade do Acórdão

M) Com efeito, entende a Recorrente que o acórdão, porque manteve a motivação da sentença, padece de nulidade nos termos do previsto no artº 615, nº1 al. c), porquanto, os fundamentos invocados estão em contradição com a decisão, sendo por vezes ambíguos e contraditórios. Senão vejamos, na motivação da decisão é por diversas vezes referido que a conta do Activo Bank acima identificada é apenas titulada pelo embargado BB e por sua irmã, EE. Nos autos de arrolamento (documentos juntos) e dos documentos juntos neste apenso sabe-se, que a conta do BPI nº ...01 é uma conta comum, titulada exclusivamente pelos elementos do ex-casal, os embargados. Ainda na motivação e também na fundamentação jurídica, são enumerados uma serie de decisões judiciais, acórdãos dos tribunais superiores, como fundamentação para a decisão, que o acórdão recorrido também secundou, nomeadamente invocando o facto de os embargos de terceiro poderem ser um meio usado para o arrolamento, apontando a existência de um direito de crédito dos Embargantes sobre o Banco como o admissível para o uso desta providência legal. Tais decisões têm em comum o facto de o terceiro que faz uso dos embargos de terceiro, ser, pelo menos, co-titular da conta bancária arrolada, arrogando-se por isso um direito de crédito sobre o seu depósito. Tal requisito, de titularidade ou co-titularidade dos embargantes, é referido, não só na motivação, mas também na fundamentação jurídica da sentença, que o acórdão do Tribunal da Relação confirmou, como elemento fundamental para o prosseguimento dos embargos de terceiro. É dessa titularidade ou co-titularidade que nasceria o mencionado direito de crédito sobre a entidade bancária, direito esse, que por sua vez, serviria de base aos embargos. Ora, o Tribunal da Relação sabe, conhece, até porque referido na sentença recorrida por si confirmada que os embargantes não são nem titulares, nem co-titulares, da contas do Activo Bank ...33 (titulada exclusivamente em nome do Embargado e sua irmã), nem da conta do BPI ...01 (conta comum, titulada exclusivamente por ambos os embargados). No acórdão recorrido decidiu manter-se a motivação da sentença, afirmando-se que os Embargantes podiam deduzir os embargos contra o arrolamento das contas bancárias referidas pois, como terceiros, foi violado o seu direito de crédito ao depósito bancário, e que por força do arrolamento desse direito de crédito estariam os Embargantes impedidos de solicitar a entrega desse dinheiro depositado ao Banco. Ora se não são titulares das contas, nunca os embargantes poderiam acionar um direito de crédito à entrega desse dinheiro junto do Banco. Para o Banco são meros desconhecidos, não detendo qualquer direito, nada podendo exigir à instituição bancária. Face à ausência de titularidade destas contas bancárias por parte dos Embargantes, inexistirá qualquer direito de crédito sobre a instituição bancária e ausência em absoluto de qualquer direito incompatível com a diligência de arrolamento, não detendo os mesmos legitimidade para os embargos, e não podendo os mesmos ser admitidos. Não obstante na decisão propriamente dita, a sentença julgou procedentes os embargos em relação às contas referidas no número anterior, estando assim a motivação e fundamentação em clara oposição com a decisão. Motivação e decisão essas mantidas pelo acórdão recorrido, quanto a esta questão, nos mesmos e exatos termos. Nesse sentido, o acórdão encontra-se ferido de nulidade, artº 615, nº 1 al. c) do C.P.Civil devendo ser revogada.

Ainda na nulidade do acórdão

N) O acórdão recorrido está igualmente ferido de nulidade por ter condenado em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, artº 615, nº 1 al. e) do C.P.Civil. Da leitura da petição inicial de embargos de terceiro, recolhe-se que os Embargantes pretendiam embargar o arrolamento da conta do Banco BPI iniciada com os números ...18 (desdobrável em mais 4) e da conta do Banco Activo Bank com o nº ...33. São estas as únicas contas sobre que os Recorridos se arrogam um direito nos embargos de terceiro, veja-se artº 17 e segs da petição inicial de embargos, sobre a mencionadas contas do BPI iniciadas com a numeração ...18. É também exclusivamente sobre esta conta do BPI que é junta alguma prova documental e requerido ao tribunal que oficiosamente solicite ao banco BPI extratos descriminados, por os Embargantes os entenderem como essenciais para a prova do alegado. Prova documental essa que nunca foi junta aos autos. Veja-se também artº 23 e 29 e segs da petição de embargos em que os embargantes se arrogam proprietários exclusivos dos valores depositados nessas contas do BPI iniciadas ...18 (desdobráveis em 4 contas), e da conta do ActivoBank. Em momento algum, os Embargantes/Recorridos se arrogaram qualquer direito sobre os montantes arrolados na conta comum do casal do Banco BPI nº ...01, não tendo peticionado o levantamento do arrolamento dessa conta. Aliás, foi afirmado pelo embargado que os montantes retirados da conta comum do casal para as outras contas arroladas eram de seus pais Embargantes, o mesmo não foi afirmado em relação aos valores que permaneceram na conta e que foram arrolados. Por outro lado, no pedido formulado na petição de embargos é solicitado o levantamento de todas contas arroladas no BPI e Activo Bank, mas enquanto relativamente às demais contas são indicados factos, é formulada causa de pedir para o levantamento do arrolamento, em relação a esta conta em concreto no BPI nº ...01 nenhuns factos ou circunstancialismos são indicados ou descritos, pelo que não se pode valorar um pedido geral formulado sem factos, sem causa de pedir. Os pedidos devem ser concretos, e é imperativo que haja uma pretensão jurídica concretamente formulada não havendo pedido sem causa de pedir. Assim sendo, não se tendo os Embargantes arrogado proprietários dos montantes na mesma arrolados, o acórdão recorrido ao confirmar a sentença que determinou o levantamento do arrolamento da totalidade dos valores depositados na conta comum do ex-casal do banco BPI nº ...01, condenou em objeto diverso do pedido, estando assim ferido de irremediável nulidade nos termos do previsto no artº 615, nº 1 al. e) do C.P.Civil.

Mas mesmo que assim não se entenda sempre será de revogar o acórdão recorrido

O) Os Embargados contraíram matrimónio católico em ... de ... de 1999, sem convenção nupcial, tendo aberto seguidamente, em nome de ambos, a referida conta bancária no banco BPI ...01 arrolada. Em janeiro de 2022, o Embargado comunica à Recorrida a sua vontade de dela se divorciar. A Embargada constata que o Embargado, um mês antes, em dezembro 2021 tinha feito levantamentos diários em dinheiro no montante de €400,00 (€200,00+€200,00), da conta de ambos no banco BPI ...01 (extrato bancário do Banco BPI, S.A.-doc.2) e que desde o dia 24 de Dezembro de 2021, véspera de Natal até ao dia 31 de dezembro de 2021, véspera de ano Novo, o Embargado tinha efetuado 16 (dezasseis) levantamentos multibanco de €200,00 dessa conta do BPI, no montante global de €3.200,00 (três mil e duzentos euros). No mesmo período, da conta de ambos os Embargados do Novo Banco, o Embargado tinha feito mais 5 levantamentos de €200,00 cada, tudo por multibanco, no montante global de €1.000,00 (mil euros), fazendo igualmente transferências para outras contas que que a Recorrente não era titular (extrato bancário (doc. 3 da petição de arrolamento), nomeadamente para a conta do Activo bank, conta totalmente desconhecida da Recorrente. Os Embargados tinham no IGCP a conta aforro nº ...85, na qual existiram certificados de aforro de serie E subscritos em 22/6/2021, resgatados pelo valor de €17.027,71 que desmobilizou em 27 de dezembro de 2021 para conta do casal do Banco BPI ...01 (facto dado como provado na sentença de arrolamento) e que nos dias seguintes transferiu para conta do activo Bank ...33 titulada em seu nome e no de sua irmã EE. O Embargado desmobilizou igualmente uma aplicação financeira que detinha no banco BPI para a conta comum do casal no montante de €13.611,55 em 24 de dezembro de 2021, (facto dado como assente na sentença de arrolamento), e que transferiu para a mesma conta do Activo Bank. A partir do dia 25 de dezembro de 2021, dia de Natal, o Embargado transferiu da conta BPI do casal acima indicada para a conta com o nº ...33 (Banco ActivoBank, S.A.) arrolada e aqui embargada, e titulada exclusivamente em seu nome e no de sua irmã, e para contas de destinatário desconhecidas, o montante global de € 29.500,00 (vinte e nove mil e quinhentos euros) (facto dado como assente na sentença de arrolamento), sobrou um saldo de €937,94. No período mencionado (entre 24 e 31/12 de 2021) foram retiradas das contas exclusivas do então casal, o valor de €33.700,00 (trinta e três mil e setecentos euros), nomeadamente da conta do Novo banco, com o nº...08, sobrando um saldo de €327,92. Foi julgado procedente o arrolamento.

P) Seguidamente pelos Recorridos foi intentada a presente ação de embargos de terceiro e por sentença proferida em 17/7/2023, foram julgados procedentes os embargos e ordenado o levantamento dos arrolamentos respeitantes às contas:

- do BPI nº ...18 (...01;...02;...03;...03;...01), co-tituladas pelos Embargantes, Embargado e irmã EE;

-Banco Activo Bank nº ...33, titulada exclusivamente pelo Embargado e sua irmã EE

-Banco BPI nº ...01, conta comum do ex-casal, titulada exclusivamente em nome de ambos os Embargados

O Tribunal da Relação do Porto alterou a decisão da primeira instância no sentido de considerar que se devia manter o arrolamento relativamente às contas BPI ...03 e ...03 em metade dos montantes arrolados, respetivamente, metade de €4.259,32 e metade de 1.243,75. A Recorrente não se conforma com tal decisão, entendendo que deveria ter sido ordenada a manutenção do arrolamento, não em relação a metade dos saldos, e sim da totalidade dos saldos das contas referidas no artigo anterior, uma vez que no arrolamento foi tido em conta o número de titulares das contas, pelo que aqueles montantes respeitam apenas à parte correspondente ao embargado, tendo havido no acórdão errada qualificação jurídica dos factos.

Q) Entende a Recorrente que, em desrespeito pelo estatuído no artº 607 do Código de Processo Civil, o tribunal a quo não compatibilizou toda a matéria de facto adquirida, nem lhe aplicou as regras de experiência, apresentando-se ambígua e contraditória a fundamentação da decisão proferida. Conheceu ainda de questões quanto às quais não podia conhecer, ocorrendo errada qualificação jurídica dos factos. Entende a Recorrente que não é possível, não sendo logicamente subsumível a conclusão de que todo o dinheiro constante nas contas dos embargados, nomeadamente nas contas do Activo bank e no BPI (com exceção do que foi alterado no acórdão recorrido) pertencia aos Embargantes, por falta de conciliação bancária. Foram juntos na petição de embargos, documentos de alegadas transferências realizadas de contas desconhecidas para uma conta do Activo BanK com o nº ...13. Essa conta é desconhecida dos autos. Tais transferências foram, assim, realizadas para conta bancária diferente da arrolada, (a conta arrolada dos autos do Activo Bank é a nº ...33), e foram realizadas no ano de 2018, ou seja, 4 anos antes do arrolamento. A conta arrolada em questão do Activo Bank foi aberta em dezembro de 2021, e, no início de 2022, data em que o embargado comunica à Recorrente a sua vontade de se divorciar, encontrava-se provisionada com a quantia de €100.361,14 (cem mil trezentos e sessenta e um euros e quarenta e um cêntimos), enquanto as contas do casal passaram a ter saldos inesperadamente baixos face a outubro de novembro de 2021 (documentos juntos em sede de arrolamento) e a todos os anos anteriores. Além das transferências que o Embargado fez da conta do BPI do então casal, provadas na sentença de arrolamento, desconhece-se a proveniência do montante depositado na conta do Activo Bank arrolada. Não foi junto autos qualquer extrato ou documento bancário da conta do Activo Bank arrolada, nem de qualquer conta do BB, da EE ou dos Embargantes. Não existem documentos/comprovativos nos autos referentes à movimentação bancária desta conta ou de outras tituladas em nome da EE e/ou do BB, donde alegadamente poderia ter origem o dinheiro, não sendo por isso, possível, qualquer conciliação bancária. Não há o mínimo indício da existência de movimentos bancários entre a conta do Activo Bank arrolada e outras quaisquer contas.

P) 1 Por outro lado, faz-se referência no acórdão recorrido, como motivação da decisão, a documentos juntos pelo embargado relativos à conta do BPI titulada que é desdobrável em 4 contas. Ora tais documentos são extratos de 2011, 2015, 2016, ou seja, cerca de 10, 8 e 7 anos antes do arrolamento. Face a todos estes factos, não é possível concluir que o valor arrolado é dos Embargantes, quando nem sequer se conhece outros rendimentos que não as pensões. Certo é que que nenhuma documentação bancária foi junta aos autos referente à conta do Activo Bank arrolada e mesmo a documentação junta referente à conta do BPI nº...18 é parca, sendo, a maioria, extratos globais, de saldos globais que nada comprovam relativamente à movimentação da referida conta. O Tribunal da Relação fundamenta tal conclusão quase exclusivamente nas declarações do Embargado (o principal interessado em que o arrolamento seja levantado), e nuns documentos bancários antigos e sem qualquer sequência lógico-temporal, à margem de qualquer conciliação bancária. Posto isto não era possível concluir pela propriedade pelos embargantes da totalidade dos saldos de qualquer das contas bancárias arroladas, beneficiando a Embargada da presunção prevista no artº 512 e 516 do Código Civil, ou seja, sendo as contas solidárias, os montantes arrolados, que tinham tido já tido em consideração o número de titulares da conta, eram pertença do Embargado por força de tal presunção legal, pelo que se deveria ter mantido o arrolamento em toda a sua extensão, fazendo o acórdão recorrido uma errada interpretação e uma má aplicação aos factos de tais disposições legais.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido.

Não se mostram juntas contra alegações.

O Tribunal recorrido não admitiu o recurso, e a embargada apresentou reclamação, nos termos do disposto no art. 643º do CPC, pedindo a revogação do despacho reclamado e a admissão do recurso de revista excecional interposto.

Deferida a reclamação, foram os autos remetidos à Formação a que alude o art. 672º, nº 3, do CPC, que, em 5.2.2025, proferiu acórdão, no qual:

- se identificou “como fundamentos da excecionalidade da revista interposta, a relevância jurídica e social das seguintes questões: - Saber se podem ser deduzidos embargos de terceiro a um arrolamento de saldos de contas bancárias, por terceiros que não sejam titulares dessas contas; - Saber se o tribunal, para declarar como proprietários dos fundos bancários depositados numa determinada conta, pessoas estranhas à titularidade dessa conta, tem que basear-se em prova inequívoca, nomeadamente em prova documental que permita conciliação bancária; - Saber a quem pertence o ónus da prova da titularidade dos montantes monetários depositados nas contas bancárias arroladas, ou seja, se é a embargada que tem de provar que as contas arroladas não pertencem aos embargantes ou se é a estes últimos que compete provar que os montantes arrolados titulados em nome de seu filho, embargado, lhes pertencem por força da presunção legal decorrente da solidariedade das contas, nos termos do disposto nos artigos 512.º e segs. e 342.º, ambos do Código Civil.”;

- se concluiu que “A questão de saber se um sujeito pode deduzir embargos de terceiro, reclamando que lhe pertence o dinheiro depositado numa conta bancária, ainda que não figure como co-titular dessa conta, é uma questão que se reveste de relevância jurídica”, “Relativamente à questão de saber se a prova da titularidade do dinheiro se pode fazer sem qualquer documento bancário comprovativo dos movimentos da conta e com o recurso a mera prova testemunhal, entende-se que estamos no domínio da livre apreciação da prova, pelo que, não tendo o Supremo poder cognitivo para apreciação da mesma, interpreta-se o pedido da autora como um alegado mau uso pela Relação dos seus poderes quanto ao conhecimento da matéria de facto, ao abrigo do artigo 662.º do CPC. Esta questão, apesar de não assumir relevância jurídica e social, quebra a dupla conformidade, devendo, por isso, ser analisada pela Juíza Relatora originária.”, e “Quanto à última questão enunciada, a questão da distribuição do ónus da prova da titularidade do dinheiro, … Tudo visto esta questão não se reveste de autonomia em relação às anteriores e não constituiu a ratio decidendi do acórdão recorrido.”

- se decidiu “reenviar o processo à Juíza Conselheira Relatora originária e admitir o recurso de revista excecional nos termos atrás expostos”.

Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Vêm dados como provados os seguintes factos:

1) Por sentença de 9 de fevereiro de 2022 foi decretado o arrolamento entre outros bens dos saldos de todas as contas bancárias tituladas ou contituladas pelo requerido junto das seguintes instituições bancárias: Novobanco S.A, Banco BPI, S.A, ActivoBank S.A., Banco Comercial Português S.A., Caixa Geral de Depósitos S.A., Wizink Bank, S. A. U., Sucursal em Portugal, Bankinter Consumer Finance EFC S.A – Sucursal em Portugal, Unicre – Instituição Financeira de Crédito S.A.;

2) Na sequência da sentença referida em 1) foram arrolados os saldos bancários das seguintes contas abertas junto do BPI:

a) ...01, no valor de 14.281,23 €;

b) ...02, no valor de 6.270,58 €;

c) ...03, no valor de 4.259,32 €;

d) ...03, no valor de 1.243,75 €;

e) ...01, no valor de 1.166,08 €;

f) ...01, no valor de 1.257,17 €.

2-A) 2 Os saldos bancários existentes nas contas referidas no facto 2 são propriedade exclusiva dos embargantes, à exceção dos saldos das contas do BPI com os números ...03 (arrolada no valor de 4.259,32€) e conta nº ...03 (arrolada no valor de 1.243,75€), relativamente às quais apenas metade dos montantes arrolados são pertença dos Embargantes.

3) As contas referidas em 2) com a numeração inicial ...18, são tituladas pelos embargantes, pelo requerido BB e pela sua irmã, EE;

4) 3 Na conta à ordem aberta no BPI a embargante CC recebe a sua pensão de reforma no valor de cerca €1.622,00, realizando, através dessa conta, o pagamento das despesas do seu quotidiano;

5) Na sequência da decisão referida em 1) foi arrolado o saldo bancário no valor de 50.180,57€ existente na conta de depósito a prazo com o n.º ...33 do Activo Bank;

6) A quantia em dinheiro referida em 5) proveio de transferências realizadas, para esse banco pelos Embargantes e pela irmã do Requerido BB, designadamente e entre outras:

a) 10.000,00 €, em 15/11/2017;

b) 200,00 €, em 15/05/2018;

c) 200,00 €, em 18/06/2018;

d) 200,00 €, em 19/07/2018;

e) 200,00 €, em 13/08/2018;

f) 1000,00 €, em 15/10/2018;

g) 200,00 €, em 12/11/2018;

h) 200,00 €, em10/12/2018;

7) Para além dos valores transferidos diretamente pelos embargantes ou pela sua filha EE, também foram transferidos para a conta do Activo Bank em causa, valores provenientes de contas tituladas pelo Requerido BB das quais era fiel depositário;

8) O Requerido BB é bancário e trabalha no Novo Banco;

9) Os Embargantes são pais do Requerido BB, sendo pessoas de idade.

10) O embargante DD é portador de deficiência, que lhe confere uma incapacidade permanente global de 60%;

11) Atenta a debilidade do casal decorrente da idade, agravada, quanto ao Embargante DD, pela sua incapacidade, necessitam ambos do apoio dos filhos na sua vida diária;

12) Em virtude dos conhecimentos que o embargado tem do sector bancário tem sido incumbido de apoiar os pais, embargantes, na gestão do seu património financeiro;

13) Tendo consciência dessa debilidade e com vista a acautelar que teriam sempre acesso aos fundos depositados em Instituições Bancárias, para as necessidades da sua vida quotidiana e para acorrer a qualquer despesa imprevista, os Embargantes decidiram, no ano de 2017, incluir os filhos na titularidade das suas contas bancárias, nomeadamente nas contas referidas em 2);

14) A embargada tem conhecimento do contexto familiar dos embargantes;

15) A embargada sabia que o embargado fazia a gestão patrimonial do património financeiro dos embargantes.

*

E foram dados como não provados os seguintes factos:

I. para além do que deu como provado em 15) a embargada tinha conhecimento de que os valores depositados, nas contas do BPI e Activo Bank pertenciam aos embargantes;

II. a embargada tenha requerido o arrolamento das referidas contas apenas com o intuito de causar constrangimento ao Requerido;

III. a embargante tivesse conhecimento de que o requerido procedeu à transferência de fundos pertencentes a ambos cônjuges para a conta do ActivoBank que é titulada pela embargante;

IV. o embargado tenha escondido à embargada de que era titular de contas dos pais;

V. o embargado tenha aproveitado o facto de ser titular das contas de seus pais para tentar ocultar e fazer desaparecer as poupanças do casal.

QUESTÕES A DECIDIR

Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), e tendo em atenção o acórdão da Formação, cumpre delinear de forma clara o objeto do presente recurso de revista.

O acórdão do Tribunal da Relação do Porto decidiu, por unanimidade, confirmar a decisão da 1ª instância que, julgando procedentes os embargos de terceiro, determinou o levantamento do arrolamento da totalidade dos valores depositados nas contas abertas junto do BPI e do Activo Bank, identificadas no respetivo auto com os números ...01, ...02, ...01 e ...01 do Banco BPI e conta de depósito a prazo com o n.º ...33 do Activo Bank, e alterou-a no que toca às contas do BPI com o número ...03 (arrolada no valor de 4.259,32€) e conta número ...03 (arrolada no valor de 1.243,75€), determinando que o levantamento do arrolamento só será efetuado relativamente a metade dos montantes arrolados nestas duas contas.

Entendendo que se verificava uma situação de dupla conforme, e não se verificava o impedimento relativo à sucumbência, a relatora admitiu o recurso de revista excecional interposto pela Recorrente.

Remetidos os autos à Formação, foi admitida a revista excecional “quanto à questão de saber se um sujeito pode deduzir embargos de terceiro, reclamando que lhe pertence o dinheiro depositado numa conta bancária, ainda que não figure como co-titular dessa conta”.

A questão colocada pela Recorrente, apenas, se coloca relativamente às contas arroladas no BPI com o nº ...01, e no Activo Bank com o nº ...33.

Embora da factualidade provada não resulte assente que as referidas contas bancárias não são co-tituladas pelos embargantes, tal resulta inquestionável do teor da PI (ver arts. 5º, 12º a 15º, 17º, 19º, 22º e 23º) e dos documentos juntos com esta, e com o requerimento de 17.5.2022 (refª ...78).

Por outro lado, acolhendo o entendimento da Formação de que a Recorrente invoca nas conclusões “um alegado mau uso pela Relação dos seus poderes quanto ao conhecimento da matéria de facto, ao abrigo do artigo 662.º do CPC”, o que, efetivamente, quebra a dupla conformidade 4, deve a questão ser apreciada por este tribunal de recurso.

Saliente-se, contudo, que a competência do Supremo Tribunal de Justiça é circunscrita à aplicação do direito, sendo da competência das instâncias a decisão de facto, na qual, por regra, o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir, apenas sendo possível a sua intervenção quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido afronte disposição expressa de lei quanto às regras atinentes à impugnação da decisão de facto, ou quando ponha em causa preceito que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova - arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 2, do CPC 5.

Nesta conformidade, a este tribunal de recurso apenas incumbirá aquilatar se o Tribunal da Relação do Porto violou as invocadas regras processuais ao apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto extravasando os seus poderes, ou violou prova vinculada, não lhe incumbindo fazer qualquer reapreciação da prova, ou analisar a que foi feita pelo tribunal recorrido, na medida em que o mesmo se baseou em prova (declarações de parte, testemunhal e documental) sujeita à livre apreciação do tribunal (arts. 466º, nº 3, do CPC, 376º e 396º, ambos do CC).

Objeto do presente recurso são, pois, as questões de saber: se o Tribunal da Relação do Porto violou as invocadas regras processuais ao apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto; e se os embargantes têm legitimidade para deduzir embargos de terceiro, reclamando que lhes pertence o dinheiro depositado numa conta bancária, ainda que não figurem como co-titulares dessa conta.

Admitido o recurso de revista, cumpre apreciar, também, as invocadas nulidades do acórdão recorrido.

A arguição de nulidades processuais do acórdão da Relação não constitui fundamento exclusivo de recurso de revista, apenas se conhecendo das mesmas se o recurso for admitido - ver, entre outros, os Acs. do STJ de 20.12.2022, P. nº 4509/19.4T8ALM-A. L1.S1 (Ricardo Costa), de 6.7.2023, P. nº 929/21.2T8VCD.P1.S1 (Nuno Pinto de Oliveira), e de 12.12.2024, P. nº 1008/22.0T8ANS-A.C1.S1 (Isabel Salgado), em www.dgsi.pt, e Abrantes Geraldes, em Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, pág. 431.

Isto esclarecido, apreciemos.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Nulidades do acórdão.

1.1. Sustenta a Recorrente que o acórdão recorrido, “porque manteve a motivação da sentença, padece de nulidade nos termos do previsto no artº 615, nº1 al. c), porquanto, os fundamentos invocados estão em contradição com a decisão, sendo por vezes ambíguos e contraditórios” – conclusão M), para a qual se remete atenta a sua extensão.

As causas de nulidade da sentença constantes do art. 615º do CPC, são taxativas.

Dessa taxatividade resulta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” 6.

Dispõe o art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

A nulidade referida na 1ª parte do mencionado preceito legal verifica-se quando as premissas do raciocínio apontarem num sentido e a decisão for noutro.

O juiz analisa a questão que lhe é colocada, equaciona os seus argumentos em determinado sentido, e, a final, conclui / decide, em sentido (lógico) contrário àquele que fundamentou.

Como escrevia Alberto dos Reis, no CPC Anotado, Vol. V, pág. 141 7, “no caso considerado no nº 3 do art. 668º 8 a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.

Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, no Manual de Processo Civil, pág. 690, elucidavam que “nos casos abrangidos pelo artigo 668º, 1, c) 9, há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente”.

A nulidade referida na 2ª parte do art. 615º, nº 1, al. c), do CPC, foi introduzida pelo NCPC.

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, no CPC Anotado, Vol. I, 3ª ed., pág. 794, escrevem que “A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes”.

No sentido referido, sumaria-se no Ac. do STJ de 2.6.2016, P. 781/11.6TBMTJ.L1.S1 (Fernanda Isabel Pereira), em www.dgsi.pt: “… III - O vício a que se refere a primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 615º do NCPC radica na desarmonia lógica entre motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diversa. A obscuridade e a ambiguidade mencionadas na segunda parte desse preceito verificam-se, respetivamente, quando alguma passagem da decisão seja ininteligível ou quando se preste a mais do que um sentido”.

Ocorre ambiguidade sempre que certo termo ou frase sejam passíveis de uma pluralidade de sentidos e inexistam meios de, com segurança, determinar o sentido prevalecente, e verifica-se obscuridade sempre que um termo ou uma frase não têm um sentido que seja percetível, determinável (Ac. do STJ de 11.09.2024, P. nº 13440/21.2T8PRT.P1.S1 (Mário Belo Morgado), em www.dgsi.pt).

Quer a ambiguidade, quer a obscuridade têm de se projetar na decisão, tornando-a incompreensível, impossibilitando que seja apreciada criticamente por não se alcançarem as razões subjacentes.

Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no CPC Anotado, Vol. 2, 4ª ed., pág. 735, escrevem que “No regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa tirar da decisão um sentido inequívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”.

Neste sentido, sumariou-se no Ac. do STJ de 10.12.2024, P. nº 24620/15.0T8PRT.P1.S1 (Nelson Borges Carneiro), em www.dgsi.pt, que “… II – Para efeitos da nulidade por ininteligibilidade da decisão, prevista no art. 615º/1/c, segunda parte, do CPCivil, obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido.”.

Analisando o acórdão recorrido, constata-se que não padece da nulidade invocada (tal como não padecia a sentença de 1ª instância na análise do acórdão recorrido).

Da própria alegação da Recorrente, e do teor da conclusão M), resulta que não está em causa qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, ou quaisquer “fundamentos ambíguos ou contraditórios”, mas eventual erro de julgamento na subsunção jurídica dos factos.

O tribunal recorrido, na análise de mérito, remeteu para a fundamentação da sentença, e manteve a decisão recorrida (exceto na parte influenciada pela alteração da matéria de facto, como referido supra).

E conforme se escreve no acórdão recorrido, ao apreciar a invocada nulidade da sentença de 1ª instância, “Na fundamentação jurídica, o Juiz começou por dissertar sobre os fundamentos dos embargos, designadamente no tocante ao arrolamento de depósitos bancários, analisou-se a titularidade das contas do Activo Bank e do Banco BPI, considerou-se ter-se demonstrado que os dinheiros aí depositados pertencem aos Embargantes, terminando-se com a decisão de determinar o levantamento do arrolamento sobre tais depósitos. A decisão tomada é consentânea com a linha de raciocínio por que se enveredou, pelo que não existe violação da lógica jurídica do mesmo.”.

Se o acórdão recorrido (e a sentença de 1ª instância) se fundamentou na existência de um direito de crédito dos embargantes sobre o Banco que não poderá existir por não serem os embargantes titulares ou co-titulares das contas bancárias, em contradição com jurisprudência que citou, não padece de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, ou por fundamentação ambígua.

O que poderá estar em causa é eventual erro na subsunção jurídica dos factos, ou interpretação da lei, que não se confunde com a nulidade invocada.

Ainda no âmbito do anterior CPC, mas com plena pertinência, Manuel Amâncio Ferreira, no Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 54, sublinhava que “A oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento”.

Improcede, assim, a nulidade invocada pela recorrente, pela sua falta de fundamento.

1.2. Sustenta, ainda, a Recorrente, que o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença de 1ª instância que determinou o levantamento do arrolamento da totalidade dos valores depositados na conta do banco BPI nº ...01, está ferido de nulidade, nos termos do art. 615º, nº1, al. e), do CPC, por ter condenado em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, uma vez que os embargantes apenas pretendiam embargar o arrolamento da conta do Banco BPI iniciada com os números ...18 (desdobrável em mais 4) e da conta do Banco Activo Bank com o nº ...33.

Dispõe o art. 615º, nº 1, al. e) do CPC, que a sentença é nula quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

O estatuído no mencionado preceito é a sanção pelo desrespeito do disposto no art. 609º, nº 1, do CPC, que estipula que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, em observância do princípio do dispositivo.

Manuel Domingues de Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, pág. 298, ao pronunciar-se sobre os limites da sentença, escrevia que esta “deve manter-se no âmbito da ação (pedido, lato sensu), identificada através dos sujeitos, do objeto e da causa de pedir: artigo 661º. O thema decidendum é a ação assim configurada. … À não coincidência entre a sentença e os petita partium pode chamar-se extrapetição; se a diferença não é de qualidade mas de quantidade pode falar-se ainda de ultrapetição ou de infrapetição. O vício da extrapetição produz a nulidade da sentença: artigo 668º, nº 1, d) e e)”.

Como se escreve no Ac. do STJ de 9.1.2024, P. nº 5766/20.9T8GMR.G1.S1 (Pedro de Lima Gonçalves), em www.dgsi.pt, “No que respeita ao pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é, pois, de grande importância o modo como se mostra formulado, por o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor.”.

No recurso de apelação a Recorrente invocou a nulidade da sentença de 1ª instância, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. e), do CPC, com os mesmos argumentos.

O tribunal recorrido entendeu que o tribunal de 1ª instância se tinha movido nos estritos limites do peticionado, não se verificando a nulidade invocada, e, a final, confirmou a decisão daquele tribunal de ordenar o levantamento do arrolamento do saldo da conta nº ...01 do BPI.

É certo que o pedido formulado pelos embargantes é “a exclusão, do arrolamento decretado, da totalidade dos valores depositados nas contas abertas junto do BPI e do Activo Bank, identificadas no respetivo auto, com a consequente descativação de todos os valores” (sublinhados nossos).

Também é certo que, conforme resulta provado, “2) Na sequência da sentença referida em 1) foram arrolados os saldos bancários das seguintes contas abertas junto do BPI: a) ...01, no valor de 14.281,23€; b) ...02, no valor de 6.270,58€; c) ...03, no valor de 4.259,32€; d) ...03, no valor de 1.243,75€; e) ...01, no valor de 1.166,08€; f) ...01, no valor de 1.257,17€.”.

Vejamos, porém, o que os embargantes alegaram na PI:

“1º Como resulta do respetivo auto, foram arrolados parte dos saldos bancários de várias contas de depósito à ordem e a prazo, abertas junto do Novo Banco, do BPI, do BCP, do Activo Bank e da CGD, no valor global de 94.413,73 €. …

4º Conforme resulta do auto do arrolamento, dos saldos bancários arrolados, foram constituídas fiéis depositárias as respetivas Instituições Bancárias, o que motivou a cativação dos valores a crédito nas aí identificadas contas. Assim,

5º O arrolamento ofendeu o direito de propriedade e inerente posse dos Embargantes sobre os saldos bancários depositados junto do BPI e do Activo Bank, que lhes pertencem na totalidade, como se demonstrará, …

11º Atenta a debilidade do casal decorrente da idade, agravada, quanto ao Embargante DD, pela sua incapacidade, necessitam ambos do apoio dos filhos na sua vida diária.

12º Tendo consciência dessa debilidade e com vista a acautelar que teriam sempre acesso aos fundos depositados em Instituições Bancárias, para as necessidades da sua vida quotidiana e para acorrer a qualquer despesa imprevista, os Embargantes decidiram, no ano de 2017, incluir os filhos na titularidade das suas contas bancárias,

13º Designadamente as abertas junto do BPI, conforme decorre da declaração que se junta como doc. n.º 2, emitida pela referida instituição bancária. …

Contas abertas no BPI;

16º Foram arrolados os saldos bancários das seguintes contas abertas junto do BPI: i. ...01, no valor de 14.281,23 €; ii. ...02, no valor de 6.270,58 €; iii. ...03, no valor de 4.259,32 €; iv. ...03, no valor de 1.243,75 €; v. ...01, no valor de 1.166,08 €; vi. ...01, no valor de 1.257,17 €.

17º Como decorre do documento junto com doc. n.º 2, as contas com a numeração inicial ...18, são tituladas pelos Embargantes, pelo Requerido BB e pela sua irmã, EE,

18º Razão pela qual apenas ¼ do valor dos respetivos saldos foi arrolado, por aplicação da presunção ilidível a que se refere o artigo 780º, n.º 5 do CPC, aplicável ex vi o art. 406º, n.º 5 do CPC.

19º Juntam-se, ao deante, como docs. números 3 a 56 os extratos mensais globais das contas tituladas pelos Embargantes e pelos filhos, que foram objeto do presente arrolamento, desde o mês de Outubro de 2017, mês em que estes entraram na sua titularidade, até ao mês de Março de 2022.

20º Como se conclui da análise dos mencionados extratos (cfr. docs. 3 a 56), o saldo total tem muito pouca oscilação, cifrando-se, em Outubro de 2017, em 111.076,00 € e, em Março de 2022, em 109.758,00 €.

21º Na conta à ordem aberta no BPI os Embargantes recebem os seus rendimentos, realizando, através dessa conta, o pagamento das despesas do seu quotidiano, conforme resultará dos extratos discriminados que deverão ser pedidos, pelo Tribunal, ao BPI, o que, desde já se protesta requerer.

22º Os filhos dos Embargantes, designadamente o Requerido BB, não realizaram, no seu interesse, qualquer depósito ou entrega de valores, qualquer levantamento ou transferência de valores,

23º Tudo visto, são os Embargantes os proprietários da totalidade dos valores depositados nas contas com o início de numeração ...18, cujo saldos foram parcialmente objeto de arrolamento, os quais, por força da cativação realizada pelo fiel depositário BPI, se vêm privados de movimentar. …”.

O pedido formulado pelo A. tem de ser interpretado à luz da causa de pedir.

E à luz desta, tem de entender-se que o pedido formulado pelos embargantes era de “exclusão, do arrolamento decretado, da totalidade dos valores depositados nas contas [com o início de numeração ...18] abertas junto do BPI …, identificadas no respetivo auto, com a consequente descativação de todos os valores.” 10.

A condenação foi, pois, em quantidade superior ao pedido, e o acórdão recorrido, ao confirmar a sentença de 1ª instância que determinou o levantamento do arrolamento da totalidade dos valores depositados na conta nº ...01 do banco BPI, padece da invocada nulidade, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. e), do CPC.

Nesta conformidade, procede a revista nesta parte, devendo alterar-se o acórdão recorrido, determinando a manutenção do arrolamento do saldo da conta nº ...01 do banco BPI.

2. Violação pelo Tribunal da Relação do Porto das invocadas regras processuais na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Analisadas as conclusões do recurso de revista (D, H, Q e P), cotejadas com as alegações (nomeadamente, 65ª à 75ª), afigura-se-nos que a Recorrente invoca a violação em causa na apreciação pelo Tribunal da Relação do Porto da decisão sobre os factos 6 e 7 da fundamentação de facto 11.

Conforme suprarreferido, a este Supremo Tribunal de Justiça apenas incumbirá aquilatar se o Tribunal da Relação do Porto violou as invocadas regras processuais ao apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto extravasando os seus poderes, ou violou prova vinculada, não lhe incumbindo fazer qualquer reapreciação da prova, ou analisar a que foi feita pelo tribunal recorrido, na medida em que o mesmo se baseou em prova (declarações de parte e documental) sujeita à livre apreciação do tribunal (arts. 466º, nº 3, do CPC, e 376º do CC).

A Recorrente sustenta que o Tribunal da Relação do Porto violou as regras processuais na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto porquanto:

- admitiu que a prova da titularidade do dinheiro existente na conta nº ...33 do Activo Bank fosse feita com o recurso a mera prova testemunhal, quando tais factos podiam apenas ser provados por prova documental;

- transferiu o ónus da prova para a Recorrente/embargada concluindo que esta é que tinha de provar que as contas arroladas não pertenciam aos embargantes;

- não há o mínimo indício da existência de movimentos bancários entre a conta do Activo Bank arrolada e outras quaisquer contas, tendo-se o tribunal recorrido baseado exclusivamente nas declarações do Embargado e nuns documentos bancários antigos e sem qualquer sequência lógico-temporal, à margem de qualquer conciliação bancária.

Importa começar por esclarecer que o tribunal recorrido não transferiu para a Recorrente o ónus da prova de que o saldo da conta arrolada não pertencia aos embargantes.

A pronúncia do tribunal recorrido sobre esta matéria reporta-se apenas às contas do BPI, referindo que, por estas contas estarem tituladas pelos 2 Embargantes e pelos seus 2 filhos, beneficiam aqueles da presunção do art. 516º do CC, pelo que os Embargantes “só teriam de provar a propriedade no tocante à restante metade dos respetivos montantes” e “a Embargada, pretendendo ilidir a presunção de serem os Embargantes proprietários de, pelo menos, metade do dinheiro, a ela competia a prova de que, afinal, era o seu marido o proprietário exclusivo da totalidade dos montantes”, o que nenhuma censura merece.

Por outro lado importa referir que a lei não impõe determinado meio de prova para a prova da titularidade do saldo bancário, nomeadamente não impõe que a mesma assente em conciliação bancária, sendo desejável, por uma questão de segurança, que a mesma se faça, essencialmente através de prova documental.

Apreciando a impugnação da decisão sobre a matéria de facto requerida na apelação pela Recorrente, o tribunal recorrido manteve a decisão da 1ª instância sobre os pontos 6) e 7) da fundamentação de facto, com a seguinte motivação: “… Começando pelas contas há que referir que, em casos como os presentes, em que se discute a propriedade dos dinheiros de depósitos bancários, e ressalvada a hipótese de confissão, a prova é essencialmente documental, designadamente no que toca a depósitos, levantamentos e transferências entre contas. … Como já se referiu, foi ordenado o arrolamento de todas as contas bancárias em que BB fosse titular ou co-titular e foi concretizado o arrolamento em contas de várias instituições. Aqui importam apenas as efetuadas no BPI e no ActivoBank, que são as que os Embargantes alegam ser o respetivo saldo de sua propriedade exclusiva. Como já atrás se deixou explanado, em relação à propriedade de metade do saldo, beneficiam eles da presunção do art.º 516º do CC, nada precisando de demonstrar. Quanto à restante metade do valor dos saldos, vejamos se os Embargantes lograram a demonstração que a eles competia. As contas arroladas do BPI foram as seguintes: … Quanto à conta ...01 (arrolada no valor de 1.257,17 €: Em 31/05/2023, a Embargada, pretendendo demonstrar que o casal por si constituído tinha poupanças na ordem dos 100 mil euros, que o ex-marido terá desviado, junta os seguintes documentos: - 1 extrato do Novo Banco, referente à conta à ordem nº ...08, constando BB como 1º titular, do qual resulta que no início de 2016, ele tinha como ativos um total de € 39.534,04 (depósitos à ordem, depósitos poupança e PPR capitalização) e passivos de € 75.868,61 (crédito à habitação). - 1 extrato integrado do BPI, de dezembro 2015, dirigido a BB e relativo à conta “NUC ...39”, do qual resulta a existência de depósitos à ordem de € 825,57, aplicações a prazo fixo de € 52.922,25 e outros títulos de € 1.032,00. Pode aceitar-se que se trata da conta arrolada com o nº ...01. - 1 carta da Zurich, dirigida à Embargada, mencionando o pagamento de € 9.909,22, em 2014, referente a um sinistro. Confrontado com tais documentos, referiu BB (sessão de 19/06/2023 e de 10/07/2023): O extrato da conta BPI em seu nome nº ...39, de 12/2015, com um total de 54.779,82, a grande maioria era dinheiro dos pais, com o objetivo de gerir esses montantes. Depois, deu origem à conta ...33 do ActivoBank, titulada pelos pais + ele e a irmã. Entretanto, juntou ele próprio juntou 7 documentos em audiência. Prosseguindo o depoimento, sobre o confronto entre os documentos juntos pela Embargante e por ele próprio, disse o seguinte: Extratos juntos por ele: a transferência de certificados de aforro em 11/11/2022. Os certificados de aforro eram montantes dos pais, que lhe entregaram a guarda e gestão; no decurso destes anos colocou-os em diversos sítios, já estiveram em 3 Bancos e voltaram de novo para certificados aforro Os extratos da conta do BPI de 05/2o14 + 10/2015 refletem as transferências e origem assinaladas por ele nos documentos. Da respetiva análise temos uma transferência da mãe de € 3.243,20 + uma entrega de valores de € 1.756,80 em maio de 2015. Em outubro de 2015, aparece uma transferência da mãe de € 200,00 + uma transferência do pai de 25.000,00, logo transferida para um depósito a prazo com o mesmo valor. Quanto aos extratos do BPI de 2014 a 2016, juntos pela Embargada, referiu ainda o depoente: ele era titular das contas ...90/BPI e da Novo Banco nº ...01. Depois, encerram a conta do ActivoBank (nº 455 “e qualquer coisa”) que era titulada apenas pelos pais e foi constituída uma conta em conjunto com a irmã, que é a conta arrolada do facto provado 5. O débito de 30 mil euros da conta BPI (extrato 01/2016) foi para não colocar todo o montante num só Banco, sabendo que nos Bancos nem sempre corria tudo bem, como aconteceu no BES (onde trabalhava) e decidiram fazer uma repartição. Há a constituição dum depósito a prazo de 25 mil euros em 10/2015. Quanto aos extratos do Banco BES foi a que deu origem à do Novo Banco, na sequência da insolvência do BES, e ficou com o mesmo número. … Por fim, no que toca à conta ActivoBank, o documento junto com a PI refere tratar-se da “conta depósitos à ordem” nº ...13 que, no final de novembro de 2017 ficou “a zeros”, tendo-se constituído um depósito a prazo ...14 no valor de 10 mil euros. Mais resulta estar correlacionada com a conta ...41, “Poup Start/Boas vindas”, depósito a prazo por um ano, com um capital de € 30.103,82. O documento refere BB como titular, e nada refere quanto à existência de outros titulares. Esse documento respeita a conta diferente da conta constante do facto provado 5 (conta de depósito a prazo com o n.º ...33). Porém, resulta do depoimento de BB que o extrato da conta BPI em seu nome nº ...39, de 12/2015, com um total de 54.779,82, a grande maioria era dinheiro dos pais, com o objetivo de gerir esses montantes. Depois, deu origem à conta ...33 do ActivoBank (conta arrolada, facto provado 5), titulada pelos pais + ele e a irmã. Quanto aos extratos do BPI de 2014 a 2016, juntos pela Embargada, referiu ainda o depoente: ele era titular das contas ...90/BPI e da Novo Banco nº ...01. Depois, encerram a conta do ActivoBank (nº 455 “e qualquer coisa”) que era titulada apenas pelos pais e foi constituída uma conta em conjunto com a irmã, que é a conta arrolada do facto provado 5. Concluindo, é de considerar que o depósito existente na conta ...33 do ActiveBank (arrolada pelo valor de 50.180,57 €) é propriedade exclusiva dos Embargantes.”.

Conforme resulta da transcrição feita, o tribunal recorrido não se baseou, apenas, em prova testemunhal, como alega a Recorrente, mas baseou-se em prova documental junta aos autos, emitida pelas entidades bancárias, que analisou e ponderou de forma conjugada com as declarações do embargado, estando em causa prova sujeita à livre apreciação do tribunal.

No âmbito da apreciação da decisão de facto impugnada, incumbe ao Tribunal da Relação formar o seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos, e das que lhe for ainda lícito renovar ou produzir (nos termos do disposto no art. 662º, nº 2, als. a) e b), do CPC), à luz do critério da sua livre e prudente convicção (nos termos do art. 607º, nº 5, ex vi do disposto no art. 663º, nº 2, do CPC), tendo um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa (como decorre do nº 1 do art. 662º do CPC), sem estar adstrito aos meios de prova convocados pelas partes ou indicados pelo tribunal de 1ª instância, e sem se limitar à verificação da existência de erro manifesto na apreciação da prova.

Através do disposto no art. 662º do CPC, foi concedida (pelo NCPC) ao Tribunal da Relação autonomia decisória em sede de reapreciação e modificabilidade da decisão da matéria de facto.

Não obstante, o exercício desse poder cognitivo do Tribunal da Relação é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, que verifica se foram observados os parâmetros formais da respetiva disciplina processual, isto é, se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova, conforme determinado pelo art. 607º, nº 4, do CPC (não se imiscuindo, porém, na valoração da prova feita pela Relação segundo o critério da livre e prudente convicção do julgador).

No Ac. do STJ de 5.4.2022, P. 1916/18.3T8STS.P1.S1 (Luís Espírito Santo), em www.dgsi.pt, apontaram-se como casos típicos de uso incorreto dos poderes do Tribunal da Relação na decisão sobre a impugnação da matéria de facto, aqueles em que o tribunal “não se debruça, com a suficiência, a autonomia e a completude exigíveis, sobre a análise de toda a matéria concretamente impugnada, refugiando-se em considerações de natureza geral ou tabelar que não se traduzem em qualquer efetivo reexame dos factos que o recorrente alegou encontrarem-se incorretamente decididos”, ou “descura a exposição da fundamentação que permite objetivamente compreender o percurso intelectual subjacente à reanálise da prova” 12.

Ora, no caso sub judice, o Tribunal da Relação apreciou de forma adequada e suficiente a matéria de facto impugnada, reapreciando os meios de prova disponíveis, e formou a sua própria convicção, que fundamentou com a completude exigível, afigurando-se-nos que procedeu dentro dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, e em obediência ao disposto no art. 607º, nº 4, do mesmo diploma legal, resultando das alegações que o que está em causa é a discordância dos recorrentes da apreciação feita, não cabendo a este tribunal de revista imiscuir-se na valoração dessa prova, como já sublinhado.

Em conclusão do que se deixa escrito, o tribunal recorrido não violou o disposto no art. 662º do CPC.

3. Legitimidade dos embargantes para deduzir embargos de terceiro, reclamando que lhes pertence o dinheiro depositado na conta bancária nº ...33 do Activo Bank, ainda que não figurem como co-titulares dessa conta

Dispõe o art. 342º, nº 1, do CPC, que “Se a penhora, ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro”.

Este artigo é idêntico ao art. 351º do CPC1961, resultante da revisão de 1995/1996, a qual eliminou o capítulo VII do Título IV (relativo aos processos especiais), que tratava dos meios possessórios, e no qual se inseria o art. 1037º, que regulava os embargos de terceiro.

Nos termos do referido art. 1037º, nº 1, a função dos embargos estava limitada à defesa da posse, ofendida por qualquer diligência ordenada judicialmente, fazendo-se especial referência à penhora, ao arresto, ao arrolamento, à posse judicial avulsa e ao despejo.

Com o regime introduzido pela reforma de 95/96, da qual resultou o art. 351º (deslocado para o capítulo dos incidentes da instância), o embargante, além da posse, pode, através dos embargos, defender qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial, que se traduza num ato de agressão patrimonial.

Como escreve Salvador da Costa, em Os Incidentes da Instância, 6ª ed., 2013, pág. 154, “…, apesar de regulados nessa sede de incidentes da instância, configuram-se como ação declarativa, autónoma e especial, embora conexa com alguma ação ou procedimento de função executiva, … Outra das inovações, a principal, esta de natureza substancial, consistiu em que o objeto dos embargos de terceiro deixou de se cingir à ofensa da posse, passando o embargante a poder defender, por via deles, qualquer direito de conteúdo patrimonial. … Por via deles, por apenso ao próprio processo em que ocorreu o ato judicial lesivo, pode o embargante invocar qualquer direito que seja incompatível com o ato de penhora, arresto, arrolamento, apreensão ou entrega de coisa certa ao exequente, evitando a afetação negativa direta ou indireta desses atos, dispensando o recurso à demorada ação de reivindicação. … O conceito de direito incompatível apura-se por via do confronto da sua estrutura com a finalidade instrumental da diligência em causa, … Nos procedimentos cautelares de arrolamento …, onde tenha ocorrido a diligência de apreensão em causa, o confronto da incompatibilidade deve fazer-se relativamente à entrega da coisa …”.

No caso em apreço, o arrolamento incidiu sobre o saldo (parte) da conta nº ...33 do Activo Bank, da qual os embargantes não são titulares ou co-titulares.

O contrato de depósito bancário, assessório do contrato de abertura de conta, é um contrato inominado, com características de depósito irregular, porquanto o depositário apenas assume a obrigação de restituir as coisas em género, qualidade e quantidade (art. 1205º do CCiv.), não havendo restituição in natura, aplicando-se, na medida da compatibilidade, o regime jurídico do mútuo (art. 1206º CCiv.), nomeadamente os arts. 1142º e 1144º do CCiv.

Está em causa um contrato real quoad constitutionem, que exige um ato material de entrega dos fundos monetários, e quoad effectum, uma vez que implica a transferência da propriedade dos fundos para o banco, ficando o depositante na titularidade de um direito de crédito à restituição das quantias depositadas 13.

Em razão do número de titulares, as contas bancárias podem ser singulares ou coletivas, e estas podem ser solidárias, conjuntas ou mistas, conforme resulte do regime de movimentação acordado.

São solidárias quando qualquer dos titulares possa movimentar sozinho e livremente a conta, exonerando-se o banqueiro com a entrega da totalidade do saldo a quem o pedir, são conjuntas quando tenha de ser movimentada por todos os titulares em simultâneo, ou mistas quando alguns dos titulares podem movimentar a conta mas apenas em conjunto com outro ou outros dos titulares.

Como se escreve no Ac. do STJ de 11.7.2023, P. nº 400/18.0T8PVZ.P1.S2 (Ricardo Costa), em www.dgsi.pt, “Este regime de movimentação e funcionamento dos débitos em conta [10] constitui declaração tácita sobre a solidariedade ou conjunção do direito de crédito à restituição perante o banco proprietário dos fundos depositados (arts. 512º, 1, 2ª parte – «cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles»; 513º – resulte «da vontade das partes» – e 217º; do CCiv.) [11]. Sendo solidários estes direitos de crédito em face do banco proprietário, pode haver estipulação das partes sobre a quota-parte ideal que a cada um compita nas relações internas; nada se convencionando, presume-se que os credores «comparticipam em partes iguais no crédito», «sempre que da relação jurídica existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve obter o benefício do crédito» (art. 516º do CCiv.). Contudo, tal regime, convencional ou legal, não obsta a que se demonstre – desde logo, para elisão dessa presunção – qual a percentagem ou quota-parte que em concreto cabe a cada um dos contitulares em função da proveniência dos fundos depositados. [12]”.

É nesta esteira, que se entende que um co-titular de uma conta bancária pode deduzir embargos de terceiro para defesa do seu direito de crédito, nomeadamente para demonstrar que o depósito bancário foi constituído, exclusivamente ou em determinada quantia, com dinheiro seu e lhe pertence na totalidade ou em determinada quota 14.

Certo é, porém, que este Supremo Tribunal de Justiça vem constantemente salientado que o regime de movimentação das contas (solidária, conjunta ou mista conforme acordado) é distinta da questão da “titularidade” dos fundos nelas depositados, que podem pertencer a algum ou alguns dos titulares da conta, ou até a um terceiro – entre outros, podem ver-se os Acs. de 24.3.2004, P. nº 04A3101 (Afonso Correia), de 12.2.2009, P. nº 08A3714 (Hélder Roque), de 31.3.2011, P. nº 281/07.9TBSVV.C1.S1 (Serra Batista), de 15.3.2012, P. nº 492/07.TBTNV.C2.S1 (Maria dos Prazeres Beleza), de 4.6.2013, P. nº 226/11.1TVLSB.L1.S1 (Alves Velho), de 15.11.2017, P. nº 879/14.9TBSSB.E1.S1 (António Piçarra), todos em www.dgsi.pt.

Também Paula Ponces Camanho, na ob. cit., pág. 134, nota 395, escreve que “A titularidade da conta pode nada ter a ver com a propriedade das quantias nela existentes. De facto, os titulares da conta podem não ser os proprietários das quantias depositadas. MUÑOZ-PLANAS afirma que “a faculdade que tem cada titular para dispor unicamente com a sua assinatura, no todo ou em parte, dos fundos ou valores depositados não significa que ostente sobre tais bens algum tipo de direito dominial (…) o poder de disposição singulatiim que aqueles têm deriva exclusivamente do contrato que celebraram com o banco, abstraindo de quem seja proprietário dos objetos depositados. Estes podem pertencer a todos ou a alguns titulares, com quotas idênticas ou não; ou só a um deles, ou, inclusivamente, a nenhum, mas a terceiro (…). Neste caso existe um contraste absoluto entre a titularidade “jurídica” e a titularidade “económica” da conta” …”.

Também António Menezes Cordeiro, em Direito Bancário, 6ª ed. revista e atualizada, pág. 609, admite que o dono dos fundos possa ser um terceiro, não contitular da conta.

Januário Gomes, em Direitos Comerciais, I. Contratos Comerciais em Geral, II. Contratos Bancários, 2013, Reimpressão, págs. 124/125, escreve que “Ser titular de uma conta significa poder exercer os direitos e estar sujeito aos deveres associados à conta e ao contrato de conta. No que respeita aos direitos, aquele que tem maior relevo é o da movimentação da conta: trata-se, como maior rigor, de um poder de movimentação, situação ativa identificável dentro da complexa posição jurídica do titular da conta. … Seja como for, a partir do momento em que o movimento a crédito é feito, o dinheiro “perde a cor”: perde-a com a transferência da propriedade a favor do banco. A partir daí, o único sujeito que, face ao banco, pode dispor do saldo da conta é o seu titular ou alguém por este autorizado ou devidamente representado. Naturalmente que, na base do saldo positivo do cliente, podem existir as mais diversas situações: são as situações paraconta. A pergunta “donde vem o dinheiro?” – ou mesmo, “de quem é o dinheiro?” – pode ter múltiplas explicações, centradas, designadamente, nas atividades, ganhos ou fortuna do próprio, liberalidades ou empréstimos de terceiros, de uma situação de fiducia cum amico, ou mesmo fruto ou produto de atividades de pouca moral ou até ilícitas. Nada disso interessará, em princípio, ao banco, salvo nos casos em que a lei, por razões específicas, designadamente no âmbito da prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita ou de combate ao terrorismo, lhe imponha deveres de indagação e de controle específicos; noutros casos, a lei permite trazer ao de cima a situação de paraconta, para efeitos de tutelar a posição do sujeito proprietário (económico) do dinheiro que não figura como titular da conta 15.”.

Como o referido autor salienta, o banco é imune às vicissitudes das relações do titular da conta com terceiros, estando estas “como algo “lost in transaction” no que à relação com o banco respeita”, tudo se processando entre o banco e o respetivo titular (salvo decisão judicial que lhe imponha outro comportamento), o que não afasta a relação entre o titular da conta e “o terceiro proprietário do dinheiro antes da efetivação do depósito”, referindo que “com tal entrega, a relação entre os sujeitos passa a ser uma relação credor-devedor, no que a um crédito pecuniário respeita” (pág. 126 e nota 423).

No caso em apreço, não sendo os embargantes titulares da conta bancária cujo saldo foi (em parte) arrolado, apenas está/estará em causa um direito de crédito sobre os titulares da conta, reflexamente atingido pelo arrolamento, nenhum direito de crédito podendo exercer perante o banco.

Salvador da Costa, na ob. cit., pág. 159, enfatiza que “Como os embargos de terceiro visam a defesa da posse ou de algum direito incompatível com a diligência judicial envolvente, não são, em regra, meio idóneo para obstar à afetação negativa de direitos de crédito”, excecionando, precisamente, a situação em que o direito de crédito emerge da co-titularidade da conta.

Contudo, no caso em apreço os embargantes invocam a “titularidade” do saldo bancário arrolado perante os titulares da conta bancária, pretendendo ver reconhecido aquele direito.

Tendo em conta o entendimento que este Supremo Tribunal de Justiça vem perfilhando (e, pelo menos, a doutrina referida), e o fim/objetivo dos embargos de terceiro, pretendendo obviar-se à necessidade do embargante ter de recorrer à “demorada ação de reivindicação”, afigura-se-nos poderem, no caso, os embargantes, não titulares ou co titulares da conta bancária cujo saldo foi arrolado, deduzir embargos de terceiro, por forma a demonstrar ser o saldo arrolado da sua “titularidade”.

A invocação de que o dinheiro depositado (arrolado) lhes pertence e da ofensa dessa “titularidade”, confere-lhes legitimidade para deduzir os presentes embargos de terceiro perante os titulares da conta (art. 30º do CPC).

Não assiste, pois, razão à Recorrente.

Em conclusão de quanto se deixa escrito, procede, em parte, o recurso de revista, devendo revogar-se o acórdão recorrido na parte em que manteve a decisão da 1ª instância de determinar o levantamento do arrolamento do saldo da conta bancária nº ...01 do banco BPI, determinando-se a manutenção do arrolamento desta conta bancária.

As custas, na modalidade de custas de parte, são a cargo da Recorrente e dos Recorridos, atento o respetivo decaimento – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC -, e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que a Recorrente beneficia.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em conceder, parcialmente, revista, revogando o acórdão recorrido na parte em que manteve a decisão da 1ª instância de determinar o levantamento do arrolamento do saldo da conta bancária nº ...01 do banco BPI, determinando-se a manutenção do arrolamento do saldo da referida conta bancária, e mantém-se o demais decidido.

Custas pela Recorrente e Recorridos, nos termos referidos.

*

Lisboa, 2025.03.25

Cristina Coelho (Relatora)

Luís Correia de Mendonça

Maria Olinda Garcia

SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora):

_____________________________________________

1. Existe manifesto lapso descrita, porquanto a alínea devia ser a R).

2. Aditado pelo tribunal recorrido.

3. Alterado pelo tribunal recorrido.

4. Como se sumariou no Ac. do STJ de 7.7.2021, P. 5835/18.5T8BRG.G1.S1 (Ricardo Costa), em www.dgsi.pt, “… II - Fundando-se o recurso de revista na averiguação das regras inerentes ao exercício dos poderes-deveres previstos no art. 662.º, n.º 1,do CPC quanto à reapreciação pela Relação da matéria de facto, sindicável nos termos do art. 674.º, n.º 1, al. b), do CPC, esta impugnação não concorre para a formação da “dupla conformidade”, uma vez que é apontado à Relação erro de interpretação ou aplicação da lei processual que é privativo e apenas emergente do acórdão proferido no âmbito da apreciação do recurso de apelação quanto à apreciação da impugnação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto; logo, quanto a esta pronúncia e decisão, não estamos perante duas decisões sucessivas conformes e sobreponíveis, antes uma primeira decisão, tomada a título próprio pela Relação, suscetível de ser impugnada através do recurso de revista (normal, sem prejuízo da interposição de revista excecional quanto à matéria de direito afetada pelas decisões conformes). …”.

5. Como se sumariou no Ac. do STJ de 3.2.2022, P. nº 428/19.2T8LSB.L1.S1 (Manuel Capelo), consultável em www.dgsi.pt: “I - O STJ conhece do direito, cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, estando-lhe vedado, por regra, apreciar a matéria de facto fixada pelas instâncias recorridas – art. 682.º, n.º 1, do CPC, sem embargo de em caso de insuficiência ou contradição da decisão de facto que inviabilize a decisão de direito poder devolver os autos ao tribunal recorrido. II - Nos casos taxativamente previstos no art. 674.º, n.º 3, do CPC, o STJ pode sindicar a ofensa de disposição legal expressa que exija determinada espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de lei de determinado meio de prova, bem como pode fiscalizar o cumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto do art. 640.º do CPC, que se inscreve nos fundamentos da revista por violação ou errada aplicação das leis de processo e na previsão do art. 674.º, n.º 1, al. b), do CPC. …”.

6. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, no Manual de Processo Civil, pág. 686.

7. Com atual pertinência.

8. Do CPC de 1939, de redação igual à da parte inicial da al. c) do nº 1, do art. 615º do CPC atual.

9. Correspondente ao atual art. 615º, nº 1, al. c), 1ª parte, do CPC.

10. O que, aliás, foi entendido pelo tribunal de 1ª instância, quando, no despacho saneador, elencou os temas da prova, não fazendo constar a conta nº ...01 do BPI: “Atenta a posição das partes, o tema da prova consiste em averiguar: 1) se os embargantes são os proprietários dos valores depositados nas contas n.ºs ...01, com saldo no valor de 14.281,23€, n.º ...02, com saldo no valor de 6.270,58€ do Banco BPI; n.º ...03, no valor de 4.259,32 €; n.º ...03, no valor de 1.243,75 € e n.º ...01, no valor de 1.166,08 €; 2) se o valor de 50.180,57 € depositado a prazo na conta n.º ...33 do Activo Bank, proveio de transferências realizadas, para esse banco pelos embargantes e pela irmã do requerido BB, proveniente de contas tituladas pelos Embargantes e pela sua filha EE e provenientes de contas tituladas pelo requerido BB e das quais este era fiel depositário; …”.

11. Restringido-se o âmbito de apreciação em face da decisão sobre a nulidade do acórdão por condenação em quantidade superior ao pedido.

12. Neste sentido, para além dos inúmeros acórdãos citados neste aresto, ver os recentes Acs. do STJ de 19.9.2024, P. nº 2849/21.1T8PTM.E1.S1 (Nuno Pinto de Oliveira), de 31.10.2024, P. 9277/22.0T8PRT-A.P1.S1 (Catarina Serra), de 14.11.2024, P. nº 2719/1B.0T8AVR.L3.S1 (Maria da Graça Trigo), e de 14.1.2025, P. nº 1424/22.8T8GMR-A.G1.S1 (Jorge Leal), em www.dgsi.pt.

13. Paula Ponces Camacho, em Do Contrato de Depósito Bancário, pág. 117.

14. Neste sentido, cfr. os Acs. da RP de 17.9.2009, na CJ, Tomo 4, pág. 182, da RC de 15.5.2012, P. nº 532/11.5TBSEI-B.C1 (Falcão de Magalhães), da RL de 6.9.2018, P. 149/14.2TCFUN-F.L1-2 (Arlindo Crua), da RG de 13.2.2020, P. nº 1413/06.0TBFAF-B.G1 (Fernando Fernandes Freitas), estes em www.dgsi.pt.

15. Remetendo, em nota de rodapé, para “o regime do artigo 166/3, alínea e) do RGIC, em sede de garantia de depósitos, onde é colocada em confronto a posição do “titular da conta” face à do “titular dos direitos aos montantes depositados”. Hoje, art. 166º, nº 4, al. e) do DL nº 298/92, de 31.12 (RGICSF), com as alterações subsequentes.