A fixação como condição de suspensão da execução da pena de prisão da realização de um exame de condução que tem como pressuposto a realização de aulas de condução que exigem o pagamento de uma quantia que, à partida, o arguido pobre, que sobrevive abaixo do mínimo existencial, não tem capacidades de angariar e que, por isso, não demonstra probabilidades sérias de vir a ser cumprida por incapacidade financeira do condenado, não é admissível por violação do princípio geral de direito da inexigibilidade - «ad impossibilita nemo tenetur» - que teve também expressão no disposto no artigo 51º, nº. 2 do Código Penal.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Relator: William Themudo Gilman
1º Adjunto: Fernanda Sintra Amaral
2º Adjunto: Cláudia Sofia Rodrigues
No Processo Sumário nº 584/24.8GAVNG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia - Juiz 4, após julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e com os fundamentos supra expostos,
1. Condena-se o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 11 (onze) meses de prisão.
2. Suspende-se a execução da pena de prisão de 11 (onze) meses aplicada ao arguido AA pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova, e com a condição de o arguido, no prazo de 9 (nove) meses, se inscrever no IMT a fim de obter a necessária habilitação para conduzir veículos automóveis e se sujeitar a exame de código, comprovando-o nos autos, e ainda de se sujeitar a exame de condução no período da suspensão, comprovando-o nos autos.
3. Condenar o arguido AA no pagamento das custas do processo penal, fixando-se a taxa de justiça em ½ UC, nos termos do disposto no artigo 344.º, n.º 1, alínea c) e 513.º, ambos do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo.
Notifique e deposite.
*»
«CONCLUSÕES
1.O Arguido foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução.
2.A suspensão estabelece duas condições uma das quais está na plena disponibilidade do Arguido cumprir ou não (sujeição a prova teórica de exame de condução, para o que basta frequentar um número de aulas pré-determinado).
3.A outra escapa ao domínio do Arguido (sujeitar- se a prova prática de exame e condução, o que pressupõe aprovação prévia em prova teórica).
4.Ou seja, o Arguido pode ver-se impedido – independentemente da sua vontade, e até contra esta – de concluir a prova prática do seu exame de condução, sem que tal lhe possa ser imputado como falta de cooperação com o processo ou possa ser considerado demonstrativo de que a simples ameaça de prisão não foi bastante e suficiente ao cumprimento das finalidades da punição (artigo 50.º n.º 1 CP).
5.A decisão de que recorre viola assim os artigos 50.º e seguintes CP (maxime 50.º n.º 1, em conjugação com o espírito implícito dos artigos 51.º n.º 2 e 52.º n.º 1 c) CP), em conjugação com o estatuído no RHLC (maxime artigos 18.º n.º1 c), 35.º n.º 1, 2 e 3, 47.º n.ºs 1 e 2, 59.º nº 6).
6.Da leitura e aplicação conjugada dos artigos supra indicados, resulta que as condições de suspensão têm de representar verdadeiras “segundas oportunidades” colocadas à disposição do Arguido e não meras condições de cumprimento aleatório, alheias à vontade e colaboração do Arguido, que o podem favorecer ou prejudicar, mas que, em rigor, não dependem do seu arbítrio.
7.A correta aplicação desses normativos implicaria que a sujeição a prova prática do exame de condução não pudesse ser tomada como condição de uma decisão de suspensão da execução da pena de prisão, quando não há modo de garantir a aprovação na prova teórica que a antecede necessariamente.
8.A decisão tomada deve assim ser revogada no ponto 2 do seu dispositivo, 2.ª parte, na parte referente à obrigação de o Arguido “se sujeitar a exame de condução” no período de um ano, mantendo-se apenas a obrigação de “se sujeitar a exame de código” no período de 9 meses.
Termos em que se conclui requerendo que o presente recurso seja julgado procedente e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida, quanto à segunda parte do ponto 2 do seu dispositivo escrito (relativa a sujeição a exame de condução no prazo de 1 ano), sendo decidida a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 9 meses, ficando esssa suspensão da execução da pena de prisão dependente, apenas, da condição de o arguido, com regime de prova, nesse prazo de 9 meses, se inscrever no IMT a fim de obter a necessária habilitação para conduzir veículos automóveis e se sujeitar a exame de código, comprovando-o nos autos. »
«Cumpre retificar o segmento condenatório da sentença proferida em 26-11-2024, ao abrigo do disposto no artigo 614.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, - na parte em que refere “quaisquer inexatidões devidas a outra omissão” - ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal.
O arguido foi condenado na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução “pelo período de 1 (um) ano, com regime de prova, e com a condição de o arguido, no prazo de 9 (nove) meses, se inscrever no IMT a fim de obter a necessária habilitação para conduzir veículos automóveis e se sujeitar a exame de código, comprovando-o nos autos, e ainda de se sujeitar a exame de condução no período da suspensão, comprovando-o nos autos.”.
Assim, clarifica-se que a condição de o arguido se sujeitar a exame de condução é imposta no período da suspensão, ou seja, no período de 1 ano. Já para o cumprimento da condição de sujeição ao exame de código foi concedido o prazo máximo de condução. Tal foi explicado ao arguido na leitura da sentença. 9 meses, pelo que, não sendo esgotado este prazo, teria o arguido o remanescente, até 1 ano, para a sujeição ao exame de
Mais se esclarece que decorre das regras da obtenção da habilitação legal de condução previstas no código da estrada, que a segunda condição imposta – de se “sujeitar a exame de condução” – depende da aprovação no exame de código.
Nesta senda, o Tribunal não impôs nem a obtenção da carta de condução (que implicaria a aprovação nos dois exames), nem a aprovação no exame de condução, nem a aprovação no exame de código, mas, tão só que o arguido se sujeite a exame. Tal foi explicado ao arguido na leitura da sentença.
Assim, cremos que no caso de o arguido se sujeitar a exame de código, cumprindo a primeira condição imposta, mas não obtiver aprovação no mesmo por dificuldades educativas e na aprendizagem teórica, de modo a que não possa cumprir a segunda condição da suspensão da pena – isto é, de se sujeitar a exame de condução – tal deve ser ponderado e apreciado em sede de eventual revogação ou prorrogação da pena suspensa - cf. artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal: “é revogada sempre que (…) o condenado (…) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social;”.
Assim, clarifica-se que no segmento decisório deve ler-se: “(…) se sujeitar a exame de código, comprovando-o nos autos, e ainda, caso obtenha aprovação, de se sujeitar a exame de condução (…)”.
Retificada a omissão, notifique-se a Il. Defensora do arguido para esclarecer se mantém interesse no recurso interposto.»
«Requerimento que antecede:
Visto.
Dê-se conhecimento do seu teor ao Ministério Público.
Aguardem os autos o decurso do prazo em curso.»
Colhidos os vistos e indo os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir.
2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada a que acrescem as de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
1-Rejeição do recurso – por falta de interesse em agir ou por manifesta improcedência.
2- Redução das condições da suspensão, retirando a relativa à sujeição a exame de condução no prazo de 1 ano e a diminuição do período da suspensão para 9 meses.
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar os factos provados (transcrição):
« II.FUNDAMENTAÇÃO
1.De facto
1.1. Factos provados
Da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:
- Constantes da acusação pública:
1.No dia 28 de outubro de 2024, por volta das 14:00h., na Rua ..., em ..., Vila Nova de Gaia, o arguido conduziu, na via pública, um veículo automóvel de marca Renault, modelo ..., cor branca e matrícula ..-..-EM, sem estar legalmente habilitado.
2.O arguido sabia que não podia conduzir aquele tipo de veículo em tais circunstâncias, o que não o inibiu de o fazer.
3.Deste modo, agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida pela lei penal.
- Constantes da contestação:
Inexistem.
- Quanto aos antecedentes criminais do arguido provou-se que:
4.Por sentença transitada em julgado em 10-09-2012, no âmbito do processo comum n.º 157/10.2GBVNG, foi condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros), pela prática em 21-02-2010, de um crime de injúria agravada, a qual foi substituída por trabalho e extinta, pelo cumprimento, em 09-04-2013.
5.Por sentença transitada em julgado em 14-07-2016, no âmbito do processo comum n.º 34/15.0GAVLC, foi condenado na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, pela prática em 21-01-2015, de um crime de furto qualificado, a qual foi extinta, pelo cumprimento, em 01-02-2019.
6.Por acórdão transitado em julgado em 12-01-2017, no âmbito do processo comum n.º 194/15.0T9VLC, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa com regime de prova por igual período, pela prática em agosto de 2015, de um crime de tráfico de estupefacientes, a qual foi extinta, pelo cumprimento, em 10-09-2019.
7.Por sentença transitada em julgado em 21-02-2022, no âmbito do processo comum n.º 34/22.4PFVNG, foi condenado na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 660,00 (seiscentos e sessenta euros), pela prática em 19-01-2022, de um crime de condução sem habilitação legal, a qual foi extinta, pelo cumprimento, em 13-12-2022.
8.Por sentença transitada em julgado em 09-10-2023, no âmbito do processo sumário n.º 320/23.6PFVNG, foi condenado na pena de 11 meses de prisão, substituída por 170 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no total de € 1020,00 (mil e vinte euros), pela prática em 23-08-2023, de um crime de condução sem habilitação legal, a qual foi extinta, pelo cumprimento, em 05-03-2024.
- Quanto à situação económica, familiar, social e profissional do arguido provou-se que:
9.O arguido tem o 9.º ano de escolaridade.
10.À data dos factos subjacentes ao presente processo e que reportam ao dia 28-10-2024, AA residia com a então companheira, de 29 anos, operária fabril, na morada dos autos. Recentemente, o casal separou-se em consequência de problemas relacionais entre ambos. Neste contexto a ex-companheira apresentou participação formal contra o arguido por violência doméstica na GNR ....
11.Desde então, arguido reside sozinho na morada identificada em epígrafe, que corresponde a uma habitação de tipologia 1, pré-fabricada, localizada na freguesia ..., Vila Nova de Gaia, em zona não conotada com problemas de exclusão social.
12.AA encontra-se em situação de desemprego há 6 meses e apresenta registos de insípidas experiências profissionais em áreas indiferenciadas. Beneficia do subsídio de desemprego, no montante de 585,65 €, até 04-07-2025. Referiu executar trabalhos pontuais e informais na área da construção civil, auferindo cerca de 30 €/dia.
13.O arguido apresenta uma situação económica caracterizada como carenciada, dependente do valor do subsídio de desemprego, tendo como encargos a renda da habitação, no valor de 550€ e as despesas referentes ao fornecimento de serviços básicos como eletricidade, água, gás e telecomunicações, no valor de 225 €.
14.O arguido apresenta anteriores contactos com o sistema de justiça penal por crimes de condução sem habilitação legal, entre outros, tendo sido acompanhado por esta Equipa da DGRSP no âmbito de medidas de suspensão provisória do processo, substituição de multa por trabalho comunitário, prestação de trabalho a favor da comunidade e suspensão da execução da pena, sujeita a regime de prova, que cumpriu de forma globalmente satisfatória.
15.O arguido verbaliza reconhecer a ilicitude dos factos pelos quais se encontra acusado, identificando tais condutas como comportamentos rodoviários de risco e avaliando as potenciais consequências da adoção deste tipo de condutas transgressivas, quer para si, quer para os outros.
16.Neste sentido, o arguido está inscrito na Escola ..., desde março de 2024, para obter a carta de condução.
17.O arguido frequentou 20 aulas de código desde março a novembro de 2024, com alguma irregularidade que justificou com a fragilidade da sua situação financeira.
- Mais se provou:
18.O arguido confessou livre integralmente e sem reservas em audiência de discussão e julgamento os factos de que vinha acusado.
19.O arguido encontra-se inscrito na Escola ... desde 1 de março de 2024 para obtenção da licença de condução de automóveis ligeiros, categoria B, com o número .../B, com validade até 27-03-2026.»
2.3.1- Rejeição do recurso – por falta de interesse em agir ou por manifesta improcedência.
Entende o Ministério Público, em primeiro lugar, que o recurso deve ser rejeitado por falta de interesse do arguido em agir, uma vez que o que pretende já resulta da sentença, nos termos do art.º 401.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
Entendemos que o Ministério Público não tem razão, pois que o arguido foi condenado em:
- 11 meses de prisão suspensa por 1 ano (…) e com a condição de no prazo de 9 meses se inscrever no IMT e se sujeitar a exame de código e ainda de se sujeitar a exame de condução no período da suspensão.
O arguido no recurso pede:
- Redução do período da suspensão para 9 meses e remoção da condição de se sujeitar a exame de condução no período da suspensão
Assim e desde logo é certo que o arguido tem interesse em agir contra a decisão proferida em dois pontos: redução do período da suspensão e remoção da condição de se sujeitar a exame de condução.
Quanto à redução do período da suspensão, o arguido não tem qualquer razão, pois que o período da suspensão já foi fixado no mínimo legal de um ano previsto no artigo 50º, n.º 5 do Código Penal, pelo que nesta parte é improcedente o recurso.
Quanto à questão da remoção da condição, haverá de se ter ainda em conta que o despacho proferido após a admissão do recurso e em que se invoca o artigo 614º, n.º1 do Código de Processo Civil para ‘retificar’ a sentença e ‘clarificar’, desde logo a norma invocada não tem aplicação no processo penal, pois o processo penal tem regra própria: o artigo 380º do CPP, segundo o qual o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correção da sentença quando (…) a sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
Ora, a condição de suspensão originária «de se sujeitar a exame de condução no período da suspensão» é algo diversa da condição superveniente de «caso obtenha aprovação (no exame de código), de se sujeitar a exame de condução», introduzindo-se um pressuposto na condição nesta segunda versão, embora se trate de um pressuposto legal previsto no regulamento para a obtenção da habilitação legal para conduzir. No fundo, trata-se de um despacho equivalente ao do artigo 414º, n.º 4 do CPP, de um despacho de sustentação ou reparação da decisão, o qual é manifestamente irregular como invocado elo recorrente. Acresce que o poder jurisdicional estava esgotado e não havia que fazer alterações na sentença proferida.
Seja como for, nem falta ao recorrente interesse em agir, pois pretende seja proferida uma decisão mais favorável do que a recorrida, como também não vemos que a segunda pretensão do recorrente seja manifestamente improcedente, como veremos de seguida.
2.3.2- Redução das condições da suspensão, retirando a relativa à sujeição a exame de condução no prazo de 1 ano e a diminuição do período da suspensão para 9 meses.
Passemos então para a fase de determinação da medida da pena, com a qual o recorrente não concorda em dois pontos: a exclusão da condição relativa à sujeição a exame de condução no prazo de 1 ano e a diminuição do período da suspensão para 9 meses.
Quanto à redução do período da suspensão de 1 ano para 9 meses, como já dissemos acima, o período da suspensão já foi fixado no mínimo legal de um ano previsto no artigo 50º, n.º 5 do Código Penal, pelo que nesta parte é improcedente o recurso.
Avancemos para a questão da remoção da condição de realização do exame de condução.
Nos termos do art.º 40º, nº 1, do Código Penal as finalidades das sanções penais são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo nunca a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, nº 2).
Dito de outro modo, a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva (necessidade de manutenção da confiança da comunidade na validade da norma posta em crise pelo cometimento do crime) devem atuar as exigências de prevenção especial (necessidade de preparação do agente para, no futuro, não cometer crimes).
Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Vejamos então, face aos factos que resultam da sentença recorrida, pois só estes, além dos factos do conhecimento geral, podem ser considerados.
Na sentença recorrida afastou-se a substituição da pena de prisão por pena multa por ou por prestação e trabalho a favor da comunidade por as considerar insuficientes para as finalidades da punição, decisão que o recorrente não impugna.
Entendeu-se aplicar uma pena de substituição da prisão e assim determinou-se a suspensão por um ano da execução da pena de prisão aplicada, com regime de prova, e com a condição de o arguido no prazo de 9 (nove) meses se inscrever no IMT a fim de obter a necessária habilitação legal para conduzir veículos automóveis e se sujeitar a exame de código, comprovando-o nos autos, devendo sujeitar-se a exame de condução no período da suspensão, comprovando-o nos autos.
Quanto ao condicionamento da suspensão a realizar o exame de condução no período da suspensão, comprovando-o nos autos, haverá de se dizer que não só se trata de uma condição incerta, pois não está apenas dependente da vontade do arguido a sua sujeição a exame de condução, dependendo ainda de outros fatores como a passagem com êxito no exame de código, bem como pressupõe a realização de umas dezenas de aulas de condução e a passagem no exame de condução.
Ora, se atentarmos nos factos provados e se é certo que o arguido está inscrito na escola de condução desde março de 2024 para obter a carta de condução e que já frequentou 20 aulas de código desde março a novembro de 2024, com alguma irregularidade que justificou com a fragilidade da sua situação financeira, a verdade é que não se pode esquecer que o arguido reside sozinho numa habitação de tipologia 1, pré-fabricada, encontra-se em situação de desemprego há 6 meses e apresenta registos de insípidas experiências profissionais em áreas indiferenciadas; beneficia do subsídio de desemprego, no montante de 585,65 € até 04-07-2025 e referiu executar trabalhos pontuais e informais na área da construção civil, auferindo cerca de 30 €/dia; apresenta uma situação económica caracterizada como carenciada, dependente do valor do subsídio de desemprego, tendo como encargos a renda da habitação, no valor de 550€ e as despesas referentes ao fornecimento de serviços básicos como eletricidade, água, gás e telecomunicações, no valor de 225 €.
Concluindo, do apurado, o arguido é pobre, vivendo abaixo do mínimo existencial, considerando este como constituído por um mínimo vital (alimentação, vestuário, abrigo, saúde) e por um mínimo de sobrevivência condigna (educação, trabalho, habitação, transporte, lazer, segurança, segurança social, cultura, proteção à maternidade e à infância), que o Estado não pode subtrair aos cidadãos[1].
Considerando que o arguido vive abaixo do mínimo existencial e sabendo-se as largas centenas de Euros que o arguido terá de despender para ter as aulas obrigatórias de condução para se sujeitar ao exame de condução, afigura-se ser desadequada a sujeição da suspensão à realização do exame de condução.
Com efeito, a fixação de uma condição de suspensão da pena que à partida não demonstra probabilidades sérias de vir a ser cumprida vai contra a finalidade preventiva da suspensão com sujeição a deveres ou condições, pressuposta pelos artigos 51.º e 52.º do Código Penal e contra o princípio geral de direito segundo o qual uma obrigação só tem fundamento para ser imposta ou subsistir se houver a concreta possibilidade de o condenado a cumprir - «ad impossibilita nemo tenetur»[2]. Aliás, nos termos do artigo 51º, nº. 2 do Código Penal «Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.»
A fixação como condição de suspensão da execução da pena de prisão da realização de um exame de condução que tem como pressuposto a realização de aulas de condução que exigem o pagamento de uma quantia que à partida o arguido pobre que sobrevive abaixo do mínimo existencial não tem capacidades de angariar e que por isso não demonstra probabilidades sérias de vir a ser cumprida por incapacidade financeira do condenado não é admissível por violação do princípio geral de direito da inexigibilidade - «ad impossibilita nemo tenetur» - que teve também expressão no disposto no artigo 51º, nº. 2 do Código Penal[3].
Assim, nesta parte a sentença deverá ser revogada retirando-se a condição imposta de realização de um exame de condução.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, e em consequência:
- Revogam a sentença na parte em que impunha como condição de suspensão da execução da pena de prisão a realização de um exame de condução, retirando essa condição.
- No mais, mantêm a decisão recorrida.
Sem custas.
Notifique.
Porto, 9 de abril de 2025
William Themudo Gilman
Fernanda Sintra Amaral
Cláudia Rodrigues
__________________
[1] Sobre o mínimo existencial cfr.: Ac. TRP de 31-01-2024, proc. 1061/23.0SPPRT.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/e39353602a3ee99c80258ad9005433e9?OpenDocument; Ac. TRP de 26.06.2024, proc. 636/22.9T9PRD.P1(William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/cfd425252a2ceb0c80258b5f00381555?OpenDocument ;
[2] Cfr. sobre este princípio, Jorge de Figueiredo Dias, O Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal, 3ª edição, 1987, p. 58, 59 e nota 19.
[3] Cfr. neste sentido: o Ac. TRP de 28.02.2024 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/142895896b05a1be80258afb003c8ffb?OpenDocument; o Ac. TRP de 11.12.2024, proc. 119/22.7PASJM.P1 (William Themudo Gilman), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/078fb645fe61373980258c0c003bcc9f?OpenDocument .