ALIMENTOS A MENOR
ALTERAÇÃO
PRESSUPOSTOS
FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA
Sumário

I - Para que seja alterável o montante da pensão de alimentos é necessário que, pelo menos, um dos vectores referentes às necessidades do alimentando, à capacidade do devedor de alimentos e à capacidade do alimentando prover ao seu próprio sustento sofra alterações, cabendo a quem pretende essa alteração o ónus de alegar as circunstâncias justificativas da mesma.
II - Assim, se as necessidades do menor ou as possibilidades do progenitor obrigado (ou ambas) se alteraram - se resultar provado que se alteraram -, o montante dos alimentos fixado pode/deve ser revisto, aumentado ou diminuído, conforme o circunstancialismo concreto.

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção

Processo n.º 4987/12.2TBT8VNG-E.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

AA, residente na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia requereu a alteração da prestação de alimentos devidos ao seu filho BB, nascido em ../../2008, onde concluiu pedindo que o progenitor/requerido, CC, passe a pagar um valor de pensão de alimentos mensal superior ao actual, liquidando, pelo menos, € 175,00 mensais, considerando a idade do jovem e o tempo decorrido desde a data da fixação da pensão vigente.


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Citado, o requerido apresentou oposição, onde concluiu pela manutenção do valor a que está obrigado, alegando, em síntese, não ter condições financeiras, dados os seus encargos, para suportar montante superior.

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Realizada conferência de pais, não foi possível obter acordo.

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Na falta de consenso, as partes foram notificadas para alegar e oferecer prova, o que fizeram.

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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância das formalidades legais.

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Foi proferida sentença exarada a 20.11.2024 que julgou a acção parcialmente procedente, fixando a obrigação alimentar do requerido CC para com o seu filho BB, no valor mensal de € 150,00, a pagar até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária para a conta da requerente AA, bem como a actualizá-la anualmente, de acordo com a aplicação da taxa de inflacção publicada pelo INE e referente ao ano civil anterior.

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Não se conformando com a decisão proferida, o recorrente CC veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I)O tribunal a quo tratou de uma forma igual, realidades factuais e socioeconómicas distintas, quando fixou as necessidades de alimentos do menor no montante mensal de € 300,00, e fixou a prestação de alimentos a cargo do progenitor, ora recorrente, no montante mensal de € 150,00.

II) A matéria de facto considerada provada nos autos revela, sem margem para dúvidas, uma diversa realidade socioeconómica entre os progenitores, em termos de rendimentos e de encargos mensais, em favor da progenitora (ilustrada nas alíneas p) a t), da matéria de facto provada) e em prejuízo do ora recorrente (ilustradas nas alíneas d) a l), da matéria de facto provada).

III) O tribunal a quo não explicita, nem fundamenta, como deveria ter fundamentado, qual a fórmula ou critério que seguiu ou adotou, para, em face da referida, notória e evidente desproporção de rendimentos ou de encargos entre os progenitores, optar por uma repartição igualitária de encargos entre os progenitores, no valor de € 150,00, em função das referidas necessidades alimentares mensais do menor, que fixou em € 300,00.

IV) Afigura-se que o critério, ou falta dele, adotado pelo tribunal a quo, é absolutamente desconforme com os critérios ou fórmulas que vêm sendo adotados e referidos pela jurisprudência, tais como as fórmulas de Melson e de Wisconsin.

V) Traduzindo-se, por isso, numa parametrização injusta da prestação alimentar a cargo do progenitor que põe em causa a sua subsistência, atentos os seus referidos encargos e despesas mensais, devidamente ilustrados na matéria de facto considerada provada nos autos (ilustradas nas alíneas d) a l), da matéria de facto provada).

VI) Outrossim, não é proporcional, nem por isso equitativa, ou justa, a fixação da prestação de alimentos a cargo do progenitor, ora recorrente, no montante mensal de € 150,00, atenta a referida desproporção.

VII) A decisão do tribunal a quo, nesta parte, resulta numa claríssima violação do disposto no artigo 2004.º, nº 1 e nº 2, do CC.


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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente AA veio interpor recurso subordinado de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I)A Douta Sentença não se pronunciou sobre o pedido que a progenitora apresentou mas apenas sob parte do mesmo: é verdade que a Requerente pretende o aumento da pensão mensal para 175,00 euros considerando a idade do menor e o aumento das despesas que naturalmente surgiram com o seu crescimento, mas pretendia também que o pai apenas ficasse obrigado a comparticipar nas despesas extraordinárias (quer as de saúde, quer outras que eventualmente venham a surgir) eliminando-se a comparticipação em todas as demais despesas previstas no regime em vigor.

II) Para além de incorrer em omissão de pronúncia, não é ainda clara e objetiva na decisão que incorpora. Na verdade, a decisão diz o seguinte: “(…) Julgo a presente ação parcialmente procedente, fixando a obrigação alimentar do requerido CC para com o seu filho BB, no valor mensal de 150,00 euros(...)”.

A dúvida coloca-se em saber se esta pensão resulta do cálculo do “sustento corrente” do menor e se destina apenas a esse “sustento corrente”, mantendo-se - como parece dever concluir-se - a comparticipação nas demais despesas:

- o pagamento na proporção de metade das despesas relacionadas com a frequência de ATL após o horário da escola pública e durante as férias escolares quando não esteja com os pais, nestes se incluindo eventuais despesas com transporte do menor da escola para o ATL e alimentação escolar,

- o pagamento da despesa do menor com a atividade extracurricular da natação,

- o pagamento na proporção de metade das despesas médicas e medicamentosas do menor na parte não comparticipada, sendo que quanto a despesas de saúde fora do SNS, o pai deverá ser informado e consultado,

- o pagamento na proporção de metade das despesas referentes a livros escolares e material escolar.

III) Ou seja, a Douta Sentença ora em recurso deverá ser reformulada no sentido de que fique objetivamente esclarecido se aumenta o valor da pensão de alimentos mensal para 150 euros, mantendo-se as demais obrigações elencadas na alínea anterior por parte do progenitor.

IV) Enferma assim a Douta Sentença de nulidade nos termos previsto nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

V) O Tribunal errou ao considerar o montante de 300 euros como a quantia necessária ao sustento do BB, tendo em conta os antecedentes deste incidente nomeadamente a fixação em 2012 das despesas correntes da irmã do BB, à data com 13 anos de idade e na mesma envolvência familiar, do montante de 350 euros para as mesmas despesas e necessidades;

VI) E errou ao desconsiderar a falta de oposição do pai às despesas e valores tal como descritos pela mãe; bem como a inexistência de alteração nas fontes de rendimentos do pai e das suas despesas.

VII) Errou de igual forma ao não considerar que, ao longo dos anos, as despesas com o menor foram reduzindo não tendo tido o pai qualquer alteração na fonte dos seus rendimentos, mantendo estáveis os seus ganhos e despesas pessoais. Essa diminuição de despesas resultou desde logo da saída do menor do Colégio ..., da recusa do pai em pagar os ATL e da recusa do pai em pagar uma atividade desportiva para além da natação.

VIII) A Douta Sentença fez assim uma errada interpretação do disposto no artigo 2003º do Código Civil ao não considerar as atuais necessidades do BB limitando-se a proceder a um aumento para um valor que, em 2012 já fora fixado à irmã.

IX) E errou na interpretação dos critérios de fixação da pensão de alimentos previstos no artigo 2004º do Código Civil uma vez que o progenitor não pôs em causa a existência e/ou razoabilidade das despesas ou a necessidade das mesmas por parte do BB pois fundamenta a sua oposição à alteração na alegação de que não tem condições financeiras para suportar montante superior ao que paga.

X) Até porque o progenitor não demonstrou qualquer alteração nas suas fontes de rendimentos ou das suas despesas, apresentou os argumentos que, desde o ano de 2012, vem esgrimindo nos diversos incidentes que já correram termos, e não alegou nem provou em momento algum, que o aumento da pensão de alimentos o deixasse sem “sobras” ou o vai colocar numa situação de endividamento ou de dificuldades na sua própria subsistência.

XI) A Douta Sentença enferma de erro na interpretação e aplicação da norma (artigo 2004º do Código Civil) no que respeita à aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso

concreto. Isto porque, embora aparentemente tenha dividido em igual medida pelos progenitores as despesas relativas ao menor, a verdade é que criou uma inaceitável diferenciação substancial (de mais de 50% entre o valor da pensão a pagar pelo pai e o valor suportado pela progenitora).


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Foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

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2. Factos assentes

Com relevância para o conhecimento dos recursos mostram-se assentes os seguintes factos:

1. BB nasceu em ../../2008 e é filho de requerente e requerido.

2. No âmbito do processo de separação judicial de pessoas e bens com o n.º ..., da 2.ª Conservatória do Registo Civil de Vila Nova de Gaia, foi homologado, em 20/04/2011, acordo dos pais quanto ao exercício das responsabilidades parentais, nos termos do qual, além do mais, foi fixada a residência do filho no domicílio da progenitora, ficando o progenitor obrigado ao pagamento de alimentos mensalmente.

3. No processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais com o n.º 4987/12.2TBVNG, que correu termos no extinto Tribunal Judicial de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, por sentença proferida em 11/12/2013, confirmada por acórdão do tribunal da Relação do Porto, de 24/03/2015, ficou estabelecido o seguinte regime de alimentos e despesas:

- o requerido, CC, ficou obrigado a contribuir com a quantia mensal de € 100,00 (cem euros), a título de pensão de alimentos para o filho BB, sujeita a atualização anual resultante da aplicação da taxa de inflação publicada pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) e referente ao ano civil anterior, a liquidar por transferência bancária, depósito bancário ou cheque para conta bancária da mãe, até ao dia 8 do mês a que disser respeito;

- o requerido ficou ainda obrigado a pagar metade das despesas relativas a propinas/mensalidades, inscrições, alimentação, transporte, prolongamento de horário e visitas de estudo do colégio que o filho BB frequente, mesmo durante as férias escolares quando não esteja com o pai ou a mãe;

- caso os pais, de comum acordo, optem por colocar o filho em estabelecimento de ensino público, o progenitor ficou obrigado a pagar metade das despesas relacionadas com a frequência de ATL após o horário da escola pública, e durante as férias escolares quando não esteja com os pais, nestas se incluindo eventuais despesas com transporte do filho da escola para o ATL e alimentação escolar;

- o requerido ficou também obrigado a pagar metade da despesa do filho com a atividade extracurricular de natação.

4. O requerente é sócio e gerente da sociedade comercial denominada “A..., Unipessoal, Ld.ª”, pessoa coletiva com o n.º ..., com sede na Rua ..., ..., Vila Nova de Gaia, sendo atualmente a única pessoa a laborar na respetiva atividade.

5. O requerente aufere mensalmente o salário mínimo nacional, beneficiando de seguro de saúde pago pela referida sociedade comercial, bem como de veículo automóvel desta, que usa nas suas deslocações profissionais e pessoais, tendo ainda uso de telemóvel dessa mesma empresa para as suas comunicações.

6. Vive sozinho em casa arrendada, pagando um valor mensal de € 250,00.

7. Suporta com despesas domésticas, designadamente com fornecimento de eletricidade, água e saneamento, a quantia mensal de cerca de € 80,00.

8. Em alimentação, despende mensalmente quantia não concretamente apurada, mas não inferior a € 250,00.

9. Foi diagnosticado ao requerido quadro de epilepsia, sendo assistido em consulta de neurologia e tomando medicação diariamente, de 12 em 12 horas, suportando a quantia de, pelo menos, € 6,41 com cada caixa de 56 comprimidos, já descontada com a comparticipação do Estado na respetiva aquisição.

10. O requerido tem ainda diminuição da visão, sendo acompanhado em consulta de oftalmologia e carecendo de usar óculos e lentes de contacto.

11. O requerido suporta, a título de pensão de alimentos devida à sua filha maior, DD, nascida em ../../2002, estudante do ensino superior, a quantia mensal atual de € 182,84, a que acresce comparticipação no pagamento de propinas, no valor médio de € 34,85 mensais, e de despesas de alimentação, no valor médio de € 22,80.

12. Atualmente, o requerido paga mensalmente, a título de alimentos devidos ao seu filho BB, a quantia de € 121,98, a que acrescem despesas de saúde e de educação variáveis.

13. O jovem BB frequenta atualmente o 11.º ano de escolaridade, no Colégio 1..., não estando sujeita a pagamento de qualquer mensalidade.

14. O jovem deixou de frequentar a atividade de natação e de padel, frequentando atualmente apenas explicações de matemática e físico-química.

15. A requerente reside com os filhos DD e BB, bem como com um filho mais novo, irmão uterino daqueles, e com o seu marido, funcionário da Direção Regional de Agricultura ..., em habitação própria, prestando ainda pontualmente auxílio e cuidados a parente idosa, em sua casa.

16. Aufere, na sua atividade profissional de contabilista, o salário mensal líquido de cerca de € 2.020,00.

17. A requerente divide com o marido as despesas fixas principais, pagando de prestação bancária pelo empréstimo à habitação, o valor mensal de, pelo menos, € 400,00 mensais.

18. Com as despesas domésticas, de eletricidade, gás, água e saneamento, comunicações, a requerente e o seu marido suportam quantia não concretamente determinada, mas não inferior a € 300,00.

19. Em alimentação, despendem montante mensal não apurado, mas não inferior a € 600,00.

20. O agregado familiar da requerente dispõe de veículos automóveis para as suas deslocações.


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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:

Das conclusões formuladas pelos recorrentes as quais delimitam o objecto dos recursos, tem-se que as questões a resolver prendem-se com saber:

- Do recurso do Apelante:

- Da proporcionalidade da prestação alimentar a cargo do progenitor.

- Do recurso da Apelante:

- Se a decisão recorrida é nula;

- Do montante e da proporcionalidade da prestação alimentar a cargo do progenitor.

4. Conhecendo do mérito dos recursos

4.1 Do recurso da Apelante

- Da nulidade da sentença por ocorrência de ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível

Invoca a Apelante que a decisão proferida não é clara e objectiva porquanto não permite saber se a pensão fixada resulta do cálculo do “sustento corrente” do menor e se destina apenas a esse “sustento corrente”, mantendo-se a comparticipação nas demais despesas, designadamente, o pagamento de metade das despesas relacionadas com a frequência de ATL após o horário da escola pública e durante as férias escolares quando não esteja com os pais, nestes se incluindo eventuais despesas com transporte do menor da escola para o ATL e alimentação escolar, da despesa com a actividade extracurricular da natação e de metade das despesas médicas e medicamentosas na parte não comparticipada e das despesas referentes a livros escolares e material escolar.

Cumpre apreciar

De acordo com o disposto na alínea c), do n.º 1, do citado artigo 615º, do Código de Processo Civil, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Ora, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.

“Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.[1]

Feitas estas considerações e analisada a sentença recorrida resulta, a nosso ver, evidente que não vislumbramos em que medida é que a decisão recorrida enferma de ambiguidade ou obscuridade, que a torna ininteligível.

Com efeito, no caso vertente, cumpria decidir sobre o aumento peticionado do valor da prestação de alimentos mensal devida pelo progenitor CC ao seu filho BB, considerando as condições financeiras dos pais, designadamente os seus rendimentos e suas despesas e as necessidades do filho.

Ora, o Tribunal a quo, à luz do pedido formulado, que apreciou, aumentou o valor da pensão anual do progenitor, inferindo-se, como admite a Apelante, que, no demais, manteve as despesas já fixadas a suportar por ambos os progenitores.

Destarte, a sentença recorrida não padece de ambiguidade ou obscuridade.

Não ocorre, assim, este fundamento de nulidade da sentença.

- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Nas suas alegações, a Apelante invoca, ainda, que o Tribunal a quo apenas se pronunciou sobre parte do pedido que formulou, dado que pretendia o aumento da pensão mensal para € 175,00, bem como que o pai, apenas, ficasse obrigado a comparticipar nas despesas extraordinárias (quer as de saúde, quer outras que eventualmente venham a surgir) eliminando-se a comparticipação em todas as demais despesas previstas no regime em vigor.

Cumpre apreciar

Segundo o disposto no artigo 615º, n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Esta previsão legal está em consonância com o comando do artigo 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido.

De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objecto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia.

Neste sentido, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis[2], refere este saudoso Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.”

(…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as “questões de que não podia deixar de tomar conhecimento[3]”.

Feitas estas considerações, cremos que, in casu, não existe qualquer omissão de pronúncia na decisão recorrida.

Com efeito, no requerimento inicial a Apelante limitou-se a pedir a alteração da pensão de alimentos para o montante de € 175,00, pretensão que o Tribunal a quo apreciou, aumentando o valor da pensão anual e definiu a proporção a cargo de cada um dos progenitores.

Assim, como resulta evidente da sentença agora questionada, a 1ª instância apreciou e decidiu a questão que lhe foi colocada.

Diferente é saber se a decidiu bem ou mal, o que tem que ver com a interpretação e aplicação do Direito, não com um vício que ponha em causa a sentença qua tale.

Não ocorre, assim, também este fundamento de nulidade da sentença.


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4.2 Dos recursos do Apelante e da Apelante

- Da proporcionalidade e montante da prestação alimentar a cargo do progenitor.

Defende a Apelante que a decisão recorrida enferma de erro ao considerar o montante de € 300,00 como a quantia necessária ao sustento global do menor que, no seu entender, é exíguo, bem como violou o princípio da proporcionalidade, ao nível da parametrização e fixação da pensão de alimentos a cargo do progenitor, ao fixar, apenas, o montante mensal de € 150,00.

Por sua vez, o Apelante refere que aceita como valor global adequado ao sustento actual do menor, o montante de € 300,00, defendendo, porém, não se conformar com a divisão, em partes iguais, entre os progenitores, entendendo ser justo e equitativo reduzir-se a pensão a seu cargo, apenas, na quantia mensal de € 125,00.

Vejamos, então, se o montante dos alimentos fixado se mostra adequado e proporcional às possibilidades de pai e mãe.

Segundo o artigo 1906.º, nºs. 1 e 3 do Código Civil[4], “as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (...)”, sendo que “o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente”.

Estabelece o n.º 5, do mesmo preceito que “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.

E acrescenta, ainda, o n.º 7, do referido normativo que “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.

Vemos, assim, que na regulação do exercício das responsabilidades parentais deverão ser observados, entre outros, os princípios fundamentais do interesse dos menores e da igualdade entre os progenitores, atendendo-se, prioritariamente, ao interesse do menor, sem prejuízo da consideração de outros interesses legítimos que concorram no caso concreto.

Ou seja, em qualquer decisão que verse sobre o exercício das responsabilidades parentais deve ter-se em conta, como critério fundamental a atender, o do superior interesse da criança, conceito jurídico indeterminado que está presente de forma constante nos textos legislativos e nas Convenções Internacionais que regulam os direitos e os estatutos dos menores[5].

Pode definir-se este conceito como o direito da criança e do jovem ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade[6].

Com efeito, as “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral[7].

Compete ao Tribunal, em cada caso concreto, conseguir a melhor definição e concretização possível, perante as circunstâncias presentes, desse superior interesse.

Ora, conforme sabido, uma vez regulado o exercício das responsabilidades parentais, pode esse regime acordado sofrer alterações.

Nos termos do artigo 42.º, n.º 1, do RGPTC quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um deles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.

No caso vertente, a progenitora, Apelante, discorda do montante fixado pelo Tribunal a quo a título de pensão global de alimentos e defende que o mesmo seja fixado em montante superior, bem como repartido em proporção diferente da determinada pelo mesmo Tribunal.

Por sua vez, o progenitor, agora Recorrente, defende que o montante de alimentos fixado (€ 300,00) seja repartido em proporção diversa e que recaia sobre si, apenas, o montante de € 125,00 mensais.

Ora, como é sabido, o dever de alimentos está englobado no conjunto dos deveres inerentes ao poder paternal.

Assim, o artigo 1878.º, n.º 1 do Código Civil refere que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.

Quanto à medida dos alimentos, estatui o artigo 2004.º, n.º 1 do Código Civil que devem ser proporcionados aos meios daquele que houver que prestá-los e à necessidade daquele que houver que recebê-los.

Dispondo o nº 2 do mesmo artigo que, na fixação de alimentos atender-se-á outrossim à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.

Os alimentos compreendem tudo aquilo que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor, conforme dispõe o artigo 2003.º do Código Civil. O montante dos alimentos que deve ser fixado em concreto depende, por um lado, das necessidades do credor desses alimentos, mas também, por outro lado, das possibilidades de os prestar por parte do devedor de alimentos e ainda da possibilidade do alimentando prover à sua própria subsistência[8].

A prestação alimentícia está, assim, dependente de três vectores fundamentais, que podem sofrer alterações ao longo do tempo, não sendo, por isso, imutável ou insusceptível de alteração. Essas alterações podem justificar um aumento ou uma diminuição do montante fixado a título de pensão de alimentos.

Deste modo, para que seja alterável o montante da pensão de alimentos é necessário que, pelo menos, um daqueles vectores (necessidades do alimentando, capacidade do devedor de alimentos, capacidade do alimentando prover ao seu próprio sustento) sofra alterações, cabendo a quem pretende essa alteração o ónus de alegar as circunstâncias justificativas da mesma[9].

Ora, no caso vertente cumpria decidir sobre o aumento peticionado do valor da prestação de alimentos mensal devida pelo progenitor CC ao seu filho BB, considerando as condições financeiras dos pais, designadamente os seus rendimentos e suas despesas e as necessidades do filho.

Nos termos dos dispositivos atrás mencionados, a obrigação alimentar deve conciliar a necessidade do filho com a possibilidade dos pais, impondo-se que haja equilíbrio e proporcionalidade.

Ou seja, a necessidade dos filhos não deve prevalecer sobre a capacidade dos pais, sendo que a capacidade dos pais não pode nem deve ser indiferente à necessidade dos filhos. No que concerne a contribuição de cada um dos pais, esta deve ser igualmente proporcional entre si para assegurar a sua subsistência, sem prejudicar o sustento dos filhos.

No caso em apreço, a obrigação de alimentos devida pelo progenitor não residente ao filho era de € 121,98, tendo sido aumentada e bem, para € 150,00 (ao invés dos € 175.00 peticionados pela progenitora), para além da obrigação de pagar metade das despesas relativas a propinas/mensalidades, inscrições, alimentação, transporte, prolongamento de horário e visitas de estudo do filho, mesmo durante as férias escolares, quando não esteja com o pai ou com a mãe; metade das despesas relativas à frequência de ATL após o horário da escola pública, e durante as férias escolares, quando não esteja com os pais, incluindo eventuais despesas com o transporte do filho da escola para o ATL e alimentação escolar e metade da despesa do filho com a actividade extracurricular de natação.

Na fixação deste montante foi, igualmente, tido em consideração, conforme expressamente consta da sentença recorrida a diferença de valor pago pelo pai ao jovem, tendo em consideração o que aquele paga à sua filha, maior de idade e ainda a estudar.

Foi, ainda, tido em consideração um dos requisitos da fixação dos alimentos, qual seja o da proporcionalidade, como estabelece o artigo 2004.º do Código Civil, ou seja, o valor deve resultar da conjugação entre os meios daquele que houver de prestá-los e a necessidade daquele que houver de recebê-los, pois que pai e mãe não estão obrigados a contribuir em igual medida, se os respectivos rendimentos não forem semelhantes.

No caso concreto, resulta da matéria de facto assente que o pai aufere um salário inferior ao da recorrente, logo, a sua contribuição deve ser inferior.

Afigura-se-nos, assim, que o valor fixado na sentença de € 150,00 a seu cargo é adequado, ajustado e proporcional, quer à possibilidade/condições do prestador de alimentos pai, quer às necessidades condignas do jovem.

De resto, a quantia global de € 300,00 fixada a título de alimentos devidos ao menor, também nos parece adequada, dadas as suas necessidades e atentos os rendimentos e a situação socioeconómica de cada um dos progenitores.

Além disso, ao contrário do defendido pelo progenitor na sua apelação, também entendemos não lhe assistir razão, porquanto a quantia fixada a título de alimentos devidos ao menor, não viola o princípio da proporcionalidade, atentos os rendimentos e a situação socioeconómica de cada um dos progenitores.

Conforme resulta da alínea e), da matéria dada como assente, que não se mostra impugnada, o aqui Apelante aufere mensalmente o salário mínimo nacional, beneficiando de seguro de saúde, pago pela referida sociedade comercial da qual é sócio único, bem como de veículo automóvel desta, que usa nas suas deslocações profissionais e pessoais, tendo, ainda, uso de telemóvel dessa mesma empresa para as suas comunicações.

Assim, o salário do recorrente não é, na prática, equivalente ao salário mínimo pois que, a esse valor, importa somar todas estas despesas que o recorrente não tem que suportar com o seu rendimento pessoal porquanto essas despesas são suportadas pela empresa da qual é sócio gerente único e que se revelam importantes na economia doméstica de cada um.

Por sua vez, pese embora a progenitora do menor aufira um rendimento superior, tem que suportar todas as suas despesas pessoais e comparticipar as despesas do seu agregado familiar actual, apesar de apresentar uma situação socioeconómica mais favorável.

Conforme atrás já referimos, sendo a obrigação de alimentos uma obrigação inerente ao conceito de responsabilidades parentais, os progenitores estão obrigados a prover ao sustento dos seus filhos, sendo que este compreende não só as necessidades básicas e essenciais relativas à sua segurança, saúde e educação (artigos 1878.º, n.º 1, 1879.º, a contrario, e 2003.º do Código Civil) mas também que lhes seja proporcionado um nível de vida digno, confortável e seguro.

É através dos alimentos que se asseguram as necessidades básicas dos alimentandos.

Como estipula o artigo 2004.º do Código Civil, a obrigação alimentar tem que conciliar a necessidade do filho com a possibilidade dos pais, de modo a que haja equilíbrio e proporcionalidade.

A contribuição de cada um dos pais deve ser proporcional entre si, para assegurar a sua subsistência, sem prejudicar o sustento dos filhos, sendo neste ponto de equilíbrio que deve ser fixada a pensão de alimentos que lhes é devida e à qual estão obrigados.

Como bem consta da decisão recorrida, para decidir sobre a medida dos alimentos devidos aos filhos, adequando-os aos meios dos progenitores a eles obrigados, não basta que o tribunal tenha em consideração apenas o estrito valor dos rendimentos e das despesas dos pais, pois, também, tem que apreciar, numa análise global, a condição social e o nível de vida, bem como o activo patrimonial e a capacidade de aquisição de novos meios de rendimento ou de bens, devendo ser tidas em conta as necessidades essenciais dos filhos, a sua idade, o seu estádio de desenvolvimento, a sua inserção escolar, social e cultural, encontrando o valor que é digno e ajustado.

Assim e a esta luz, afigura-se-nos adequada, judiciosa e equitativa a decisão do Tribunal a quo.

Impõe-se, por isso, o não provimento de ambas as apelações.


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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:

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5. Decisão

Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação do Apelante, bem como o recurso subordinado da Apelante, confirmando a decisão recorrida.


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Custas dos respectivos recursos a cargo de cada um dos Apelantes.

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Notifique.


Porto, 20 de Março de 2025

Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
José Manuel Correia
Aristides Rodrigues de Almeida

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
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[1]Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, pág. 151.
[2]Cfr. ob. cit., pág. 151.
[3] Cfr. Abrantes Geraldes In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª edição, pág. 283.
[4] Cfr. redacção conferida pela Lei nº 61/2008, de 31/10.
[5] Cfr. o Princípio 2 do Anexo à Recomendação n.º R (84) 4, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Setembro de 1984; o artigo 3.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque em 26 de Janeiro de 1990 e ratificada por Portugal em 8 de Junho do mesmo ano; o artigo 1906.º, n.º 7, do Código Civil e o artigo 40.º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 41/2015, de 8 de Setembro.
[6]Cfr. Almiro Rodrigues, in Interesses do Menor - Contributo para uma Definição.
[7]Cfr. Armando Leandro, in “Poder Paternal: Natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária”, Temas do Direito da Família - Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, pág. 119.
[8]Cfr. artigo 2004.º, do Código Civil.
[9]Cfr. artigo 42.º, n.º 2, do RGPTC.