DECISÃO SINGULAR
Sumário


Nos termos dos artigos 425.º n.º 6 e 113.º, n.º 10, do CPP, a notificação de acórdão proferido em recurso, pode/deve ser feita ao defensor, não carecendo de o ser também ao próprio arguido.

Texto Integral

Reclamação – artigo 405.º do CPP

I - Relatório:

O arguido AA foi condenado em 1.ª instância pela prática, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo artigo 165.º, n. º 2, do CP, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

Foi ainda condenado no pagamento de uma indemnização de € 30.000,00 à ofendida, a título de danos morais.

O arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 5 de dezembro de 2024, negou provimento ao recurso: “confirmando-se a condenação penal do Arguido, com alteração, porém, da qualificação jurídica dos factos, procedendo-se assim à sua condenação, pela prática de um crime de violação, previsto pelo art. 164º, nº 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.”

Confirmando, no mais, a decisão recorrida.

Inconformado, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Recurso que não foi admitido por despacho de 17 de março de 2025, com o seguinte fundamento:

“R(…) O recurso é intempestivo e não poderá por isso ser admitido.

Conforme resulta do muito doutamente expendido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do acórdão proferido no Apenso F), já transitado em julgado, os acórdãos proferidos pelos Tribunais de recurso não têm que ser notificados pessoalmente ao arguido – podem ser-lhes notificados, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 63º, nº 1, 113º, nº 10 e 425º, nº 6 do Código de Processo Penal, por via do seu Ilustre Mandatário/Defensor. Trata-se, como naquele douto acórdão bem expresso e que aqui damos por reproduzido, de uma posição pacífica na jurisprudência, incluindo constitucional, e na doutrina.

No caso concreto, e como resulta dos autos e já também reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça naquele douto acórdão, à data em que o recurso deu entrada, já o acórdão desta Relação se achava transitado em julgado.

Veja-se que resulta dos autos que o acórdão da Relação foi proferido em 5 de dezembro de 2024 e no dia seguinte foi objeto de registo e notificação aos sujeitos processuais, sendo que, quanto ao Arguido, essa notificação foi dirigida ao seu então Ilustre Mandatário, de tal sorte que, na ausência de recurso que houvesse entretanto dado entrada no prazo previsto pelo art. 411º, nº 1 do Código de Processo Penal, veio a transitar em julgado no dia 16 de dezembro de 2024, como de resto já atestado nos autos por certidão emitida a 6 de fevereiro de 2025 (referência eletrónica nº …41) e reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Apenso F).

Assim é que o recurso entrado apenas a 3 de março de 2025, por intermédio de Ilustre Causídica em que o anterior Ilustre Defensor substabeleceu sem reserva, conforme instrumento que acompanha o dito requerimento de interposição de recurso, é manifestamente extemporâneo.

Pelo exposto, e à luz do preceituado pelo art. 414º, nº 2 do Código de Processo Penal, decido não admitir o recurso.”

O recorrente apresentou reclamação do despacho que não admitiu o recurso, nos termos do artigo 405.º do CPP, argumentando, em síntese, que só tomou conhecimento do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 30 de janeiro de 2025 quando agentes da Polícia de Segurança Pública se deslocaram à sua habitação e lhe informaram que deveria ser conduzido ao Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena em que fora condenado, não tendo até essa data sido notificado pessoalmente, nem tomado conhecimento da decisão final condenatória, porquanto tal não lhe foi transmitido pelo seu defensor.

Mais refere, face ao disposto no artigo 113.º, n.º 10, do CPP, que o início da contagem do prazo de recurso, do referido acórdão só deve começar a contar com a sua efetiva notificação.

Acrescenta que recorreu para o STJ, por a decisão ser recorrível uma vez que o condenou numa pena superior a 5 anos e inferior a 8 anos e, ademais, não foi confirmada a decisão proferida em primeira instância.

Adita, que sendo este acórdão uma decisão final, equivalente a sentença, o mesmo devia ter-lhe sido notificado pessoalmente, nos termos do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, e ainda que o seu defensor não lhe transmitiu o conteúdo da decisão, violando os deveres deontológicos, que será apreciada em sede própria, limitando os direitos de defesa do arguido, violando o contrário os artigos 32.º da CRP e 6.º, n.º 3, da CEDH.

Requer, que o recurso seja admitido por tempestivo, ou em alternativa, que seja analisado como recurso extraordinário de revisão.


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Cumpre decidir

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II - Fundamentação:

1. No caso em apreciação, a questão que vem posta prende-se com a tempestividade do recurso interposto.

O artigo 411.º, n.º 1, do CPP, prescreve o seguinte: ----

1. O prazo para interposição do recurso é de trinta dias e conta-se:

Por sua vez o artigo 425.º n.º 7 também do CPP estatui: ----

“7 - O prazo para a interposição de recurso conta-se a partir da notificação do acórdão.”

No caso, o acórdão recorrido, datado de 5 de dezembro de 2024, foi notificado como manda o disposto no artigo 425.º n.º 6 do CPP, segundo o qual: ------

6 - O acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público.”

Foi notificado ao então defensor do arguido no dia seguinte (certidão junta aos autos).

Mas o requerimento do arguido a interpor o recurso só foi apresentado em 3 de março de 2025 (conforme consta do formulário).

Portanto, muito para além do prazo legal de 30 dias contados da notificação do acórdão recorrido.

Recurso que é largamente extemporâneo.

2. O arguido, ora reclamante, argumenta para defender a tempestividade do recurso interposto que só tomou conhecimento do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 30 de janeiro de 2025, defendendo que o prazo para a interposição do recurso se deveria começar a contar a partir dessa data.

Não tem razão.

Nos termos do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, invocado pelo reclamante, “as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas a aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data notificação efetuada em último lugar”.

Só se impõe a notificação pessoal do arguido nos casos ressalvados na segunda parte desta norma, nela não se mencionando os acórdãos proferidos em recurso.

É que, conforme se notou, a notificação dos acórdãos proferidos em recurso tem regime especial consagrado no artigo 425.º n.º 6 e 7 do CPP.

A sua notificação ao arguido pode e deve ser feitas ao respetivo defensor ou advogado.

Deste modo, o prazo para interpor recurso do acórdão condenatório da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, conta-se, da notificação ao defensor, independentemente de o arguido ter dele sido notificado, daí que a sua apresentação tenha sido intempestiva, como atrás se referiu.

Aliás é entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, interpretando o disposto nos artigos 425.º e 113.º, n.º 10, do CPP, que em caso de recurso de acórdão proferido em recurso, a notificação pode ser feita ao defensor, não carecendo de o ser igualmente ao próprio arguido.

3. Por outro lado, o direito ao recurso só pode ser cabalmente exercido uma vez verificados e cumpridos todos os pressupostos e condições de que depende.

O artigo 32.º, n.º 1 não dispensa a observância dos requisitos e pressupostos legalmente estabelecidos para a interposição de recurso um dos quais é o de que seja apresentado dentro do prazo legalmente estabelecido.

4. Na reclamação, o reclamante requereu, inovatoriamente e para o caso de o recurso não ser admitido por intempestivo, que seja admitido como recurso extraordinário de revisão.

Pretensão manifestamente deslocada e sem fundamento.

Deslocado porque o recurso de revisão não pode ser interposto na reclamação prevista no artigo. 405.º do CPP que é um procedimento especial unicamente destinado a sindicar o despacho que não admitiu recurso ou contra a retenção de recurso.

Ora, o despacho reclamado não foi confrontado com qualquer recurso extraordinário e, consequentemente, não decidiu nem omitiu de decidir sobre a admissão ou não do referido recurso extraordinário.

Acresce que o requerimento a interpor recurso extraordinário de revisão em processo penal apresenta-se no tribunal que proferiu a sentença ou acórdão que se pretende rever – art. 451.º do CPP.

Que aí se autua por apenso aos autos onde foi proferida a sentença revidenda.

Não pode, como é evidente, apresentar-se na reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso ordinário, nem em tribunal diferente daquele que proferiu a sentença ou acórdão ou despacho que se pretende rever.

Por outro lado, os fundamentos do recurso extraordinário de revisão de condenações transitadas em julgado são unicamente os previstos no artigo 449.º n.º 1 do CPP.

E não é admissível se visar corrigir a medida da pena aplicada.


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III - Decisão:

5. Termos em que, por manifesta intempestividade do recurso apresentado, indefere-se a reclamação deduzida pelo arguido AA.

Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça de 3 UCs.

Notifique-se.


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Lisboa, 7 de abril de 2025

O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

Nuno Gonçalves