NULIDADE DA SENTENÇA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário

I – As nulidades da sentença previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil sancionam vícios formais, de procedimento – errore in procedendo - e não patologias que eventualmente traduzam erros judiciais – error in judicando.
II - São requisitos da existência de justa causa de despedimento: a) um elemento subjetivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objetivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística.
III - O desvalor do comportamento, sua gravidade e a valoração da mesma, bem como ao juízo de prognose sobre a impossibilidade, imediata e prática, de subsistência do vínculo laboral, devem ser apreciados segundo o critério de um “empregador normal”, em face de cada caso concreto, segundo critérios de objetividade e razoabilidade.

Texto Integral

Apelação/Processo n.º 19799/22.7T8PRT.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 1

4ª Secção
Relatora: Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto: António Luís Carvalhão
2º Adjunto: Rui Manuel Barata Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Por requerimento (início de processo) AA (adiante designado por Autor), apresentou formulário para impulsionar ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra A..., Lda. (adiante designada por Ré), manifestando oposição ao seu despedimento, juntando decisão escrita do invocado despedimento.

Foi realizada audiência de partes, na qual não foi possível a conciliação.


Regularmente notificada para o efeito, a Ré veio apresentar articulado de motivação do despedimento e juntar o procedimento disciplinar. Reafirmou a factualidade descrita na nota de culpa e na decisão final de despedimento, sustentando que está em causa comportamento culposo do aqui Autor que consubstancia violação grave dos seus deveres laborais, mormente o dever de respeito, zelo, de velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho e de cumprir as ordens e instruções da Ré respeitantes à execução e disciplina do trabalho, bem como à segurança e saúde no trabalho, a justificar a aplicação da sanção disciplinar do despedimento. Concluiu no sentido de dever ser reconhecida a licitude e validade do despedimento, condenando-se o Autor como litigante de má-fé em multa e indemnização à Ré não inferior a € 2.000,00.

O trabalhador Autor apresentou o seu articulado de contestação com reconvenção, tendo impugnado a matéria factual que lhe é imputada, que apenas aceitou parcialmente, pugnando pela manutenção do vínculo laboral, e pela ilicitude do despedimento. Apresentou reconvenção referente a valores indemnizatórios e a título de créditos laborais que, em seu entender, lhe são devidos. Peticinou a condenação da Ré como litigante de má-fé em multa e indemnização ao Autor no montante de € 5.000,00.

Em sede de articulado de resposta à contestação a Ré deduziu oposição à reconvenção, impugnando a factualidade em que a mesma assenta e concluindo no sentido de que a mesma deverá ser julgada improcedente com a consequente absolvição da Ré.

Foi realizada audiência prévia (refª citius 449230378), no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Realizada a audiência final de discussão e julgamento, foi proferida sentença (refª citius 453427571), concluindo com a decisão seguinte:

“Atento o acima exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência, declara-se a ilicitude do despedimento aplicado pela R. ao A. enquanto sanção disciplinar, condenando-se, em conformidade a demandada a pagar ao demandante as seguintes quantias:

- A título de indemnização pela ilicitude do despedimento a quantia de € 12.792,00 (doze mil setecentos e noventa e dois euros);

- A título de retribuições vencidas, desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da presente decisão, a quantia de € 4.254,49 (quatro mil duzentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos) acrescida do montante mensal de € 177,71 (cento e setenta e sete euros e setenta e um cêntimos) vencidos desde Julho de 2023 até ao momento acima indicado, pela diferença entre o valor da retribuição e o do subsídio de desemprego que o demandante aufere.

- A título de créditos de horas de formação contínua não ministrada, a quantia de € 414,90 (quatrocentos e catorze euros e noventa cêntimos).

A estas quantias acrescem os respectivos juros de mora, vencidos à taxa legal, desde a data da citação e os vincendos até integral pagamento, absolvendo-se a demandada do demais peticionado.

Fixa-se à acção o valor de € 61.920,00.

Custas serão a suportar por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao A.

Registe e notifique.”

Inconformada com esta decisão a Ré interpôs recurso de apelação (refª citius 9059328), formulando as seguintes CONCLUSÕES [que se transcrevem[1]]:

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Termina pugnando para que seja dado provimento ao presente recurso, julgando-se procedentes as nulidades e irregularidades suscitadas, com as legais consequências e revogando-se o decisório recorrido, decidindo-se pela licitude do despedimento do Autor.

O Autor interpôs recurso de apelação (refª citius 37760559), formulando as seguintes CONCLUSÕES [que se transcrevem]:

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Termina pugnando pela alteração da sentença no que respeita à matéria de facto e com atribuição de uma compensação ao Autor a título de danos não patrimoniais e que para efeitos de indemnização seja tida em consideração 30 dias de retribuição por cada ano de antiguidade.

A Ré apresentou resposta (refª citius 37846304) à alegação do Autor, pugnando pela improcedência do recurso e sem prejuízo do recurso que já interpôs quanto à questão da licitude/ilicitude do despedimento.

O Autor apresentou resposta (refª citius 37866976) à alegação da Ré, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença com a alteração decorrente do recurso do Autor.

O Tribunal a quo proferiu o despacho com a refª citius 455476141 com o seguinte teor:

“Por estarem em tempo, terem legitimidade os recorrentes e tratar-se de decisão recorrível, admitem-se os recursos interpostos pela demandada e pelo demandante, os quais são de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – cfr. artigos 79ºA e seguintes dos C.P.T.

Notifique e oportunamente subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto. Porto, d.s.”

O Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal da Relação, emitiu parecer (refª citius 17769853 - artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se, no essencial, como se segue:
« (…)
2. O despacho de admissão dos recursos determinou que “(…)”, mas não conhece das nulidades invocadas a que se referem os artigos 617º, 1, e 641º, 1, do CPC.
2. A Ré impugna a decisão sobre a matéria de facto, invoca nulidades da decisão e impugna a decisão de direito.
A impugnação da matéria de facto e a arguição de nulidades referem-se, em grande, parte aos mesmos factos.
Da leitura da sentença entende-se que não se verificam as invocadas nulidades e se mostra corretamente julgada a matéria de facto.
Acompanhamos, quanto a ela, a resposta do recorrido, que se dá por reproduzida, evitando repetições.
3. A questão principal é, na verdade, a de decidir se atentos os factos dados como provados, são estes suficientes para determinar o despedimento do recorrido, ou se se mostra justa, equilibrada e proporcional a douta decisão recorrida.
E dentro destes o mais relevante é, sem dúvida, a forma como o Recorrido respondeu ao sócio-gerente da Recorrente.
A douta sentença em recurso bem como a resposta do recorrido referem a relação de conhecimento desde os tempos da Escola, e a consequente maior proximidade e à vontade que sente o Recorrido, para além da sua maneira de ser natural. Acompanhando esta argumentação entende-se que deverá manter-se a douta sentença recorrida.
4. Quanto ao recurso do Autor entende-se que tendo sido dado como provado que o estado de ansiedade e depressão vinha já desde 2017, não se vê que exista uma relação directa do despedimento e este estado de saúde, sendo correcta a decisão.
Do mesmo modo atentos os factos praticados pelo Autor, apesar de se considerar exagerado e, por isso, ilícito o despedimento, a ilicitude da Ré não é tão elevada que justifique a indemnização de 30 dias por cada ano de antiguidade, e não de 20 como decidido.
Também aqui deveria confirmar-se a douta sentença recorrida.
5. Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de ser negado provimento aos recursos e confirmada, antes, a douta sentença recorrida.
(…)».

As partes não apresentaram resposta ao referido parecer.

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Cumpre apreciar e decidir.

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II – OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[3]].

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinam-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

(1) - Saber se ocorrem as nulidades da sentença recorrida invocadas - Por falta de especificação dos fundamentos que justificam a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC) e por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC) [recurso da Ré];

(2) Saber se ocorreu erro de julgamento sobre a matéria de facto

- Impugnação da decisão da matéria de facto - recurso da matéria de facto [recursos do Autor e da Ré], sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação em sede de matéria de facto nos termos previstos no artigo 662.º do CPC;

(3) Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito, mais precisamente:

- Ao julgar ilícito o despedimento do Autor – juízo sobre o mérito no que se refere ao despedimento – questão da licitude ou ilicitude do despedimento do Autor [recurso da Ré];

- No que respeita à fixação em 20 dias do critério de fixação da indemnização em substituição da reintegração [recurso do Autor];

- No que concerne aos danos não patrimoniais – pedido de indemnização por danos não patrimoniais formulado pelo Autor [recurso do Autor].


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III – Fundamentação de facto

A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte[4]:

FACTOS PROVADOS

1) A aqui R. é uma sociedade comercial que, na prossecução do seu escopo social, se dedica à Indústria e comércio de artefactos de borracha e equipamento industrial, comércio a retalho de máquinas, metais, ferragens, abrasivos e utilidades, reparação de equipamento industrial, incluindo pequenas reparações de equipamento não industrial; Comércio por grosso de todo o tipo de equipamento de borracha e equipamento à base de borracha, incluindo pequenas peças, ferramentas e acessórios; Comércio por grosso de equipamento industrial não especializado.

2) O A. esteve ao serviço da R. desde 01/10/2014, tendo sido transferido da anterior empresa A..., Lda., para a qual exercia funções desde 01/01/1998 (ao abrigo de contrato de trabalho verbal) e, à data do despedimento, detinha a categoria profissional de Técnico de Produção, auferindo mensalmente a retribuição base de € 800,00).

3) A aqui R. enviou a nota de culpa referente ao procedimento disciplinar que aqui se aprecia, através de carta registada em 19/09/2022, tendo o A. apresentado defesa escrita em 29/09/2022. Completada a instrução do procedimento disciplinar a R. remeteu ao A. em 04/10/2022 a decisão final com aplicação da sanção de despedimento, por correio registado com A/r.

4) À data do despedimento, exercia as suas funções na sede da demandada e nas instalações dos seus clientes, onde fosse necessário realizar trabalho.

5) O colega do A., BB, é sobrinho do mesmo.

6) A R. aceita o teor dos documentos nºs 1 e 2 da contestação e a respectiva veracidade dos mesmos.

7) A R. não pagou ao A. qualquer quantia de diuturnidades, por considerar não serem devidas.

8) No dia 21/07/2022 pelas 17h00, nas instalações da aqui demandada, sitas na Rua ..., em ..., Vila Nova de Gaia, o A., após ter regressado do serviço externo junto de cliente, no qual tinha sido acompanhado pelo colega CC, que conduzia o veículo automóvel da mesma demandada, com a matrícula ..-ZP-.., tendo o mesmo veículo ficado estacionado no parque exterior daquelas mesmas instalações (fora da via pública), resolveu conduzir o mesmo veículo, apesar de não possuir carta de condução.

9) Ao realizar manobra de marcha-atrás com este veículo, o A. embateu com o veículo numa parede exterior, tendo provocado danos superficiais nesse mesmo veículo da aqui demandada.

10) Ao ouvir o barulho provocado pelo embate, o gerente da empresa, DD, foi averiguar o que se tinha passado, tendo visto o A. a sair daquele veículo, tendo ficado convencido de que o mesmo apresentava sinais de ter consumido bebidas alcoólicas e questionado sobre o que se tinha passado, afirmou “bati com a carrinha”. Em seguida, o indicado gerente levou o aqui demandante a casa. – alterado nos moldes determinados infra no ponto IV 2, passando a ter a seguinte redação:

10) Ao ouvir o barulho provocado pelo embate, o gerente da empresa, DD, foi averiguar o que se tinha passado, tendo visto o A. a sair daquele veículo, tendo ficado convencido de que o mesmo apresentava sinais de ter consumido bebidas alcoólicas, designadamente com cheiro a álcool e exaltado, e questionado sobre o que se tinha passado, afirmou “bati com a carrinha”.”

10-a) Quando questionado o A. respondeu que tinha bebido álcool. - introduzido no elenco factos provados conforme determinado infra no ponto IV 2.2.

10-b) Perante o referido em 9), 10) e 10-a), em seguida, o indicado gerente levou o A. a casa – introduzido autonomamente com esta redação nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2.

11) O mesmo gerente da demandada impediu o A. de[5] conduzir empilhadores na empresa, actividade para a qual possui habilitação.

12) O acidente acima descrito causou à R. um prejuízo, ainda não quantificado, decorrente da necessidade de proceder à reparação do veículo envolvido no mesmo.

13) No dia 29/08/2022 pelas 18h00 horas, o gerente supra indicado chamou o aqui demandante ao seu gabinete para o questionar sobre o seu desempenho durante o mês de Agosto, tendo-lhe feito uma pergunta “como correu o trabalho, o que fez hoje?” ao que o A. respondeu aos berros, “não sei vais ter de perguntar à EE” acrescentando em tom exaltado “que é que queres? Queres foder-me a cabeça? São seis e um quatro e que quero é ir-me embora”.

14) Este tipo de linguagem e de modo de reagir já foi utilizado pelo A. noutras ocasiões. – alterado nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2., passando a ter a seguinte redação:

14) Este tipo de linguagem já foi utilizado pelo A. noutras ocasiões em relação a um superior hierárquico, mas relativamente ao gerente da Ré, senhor DD, nunca tinha sucedido o Autor responder-lhe aos berros e com o tom utilizado no dia 29-06-2022.

14-a) O A. utilizava facas e x-atos na sua atividade profissional na Ré. - introduzido no elenco factos provados nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2.

15) O A. teve outro procedimento disciplinar, por factos ocorridos em Julho de 2021, em que esteve envolvido o seu sobrinho BB e outros colaboradores da empresa, no âmbito do qual foi sancionado com suspensão por 15 dias, com perda de retribuição e de antiguidade.

16) A gerência da aqui R. nunca submeteu o A. a qualquer tipo de teste de alcoolémia nem tão pouco sugeriu ou exigiu ao mesmo que o apresentasse antes de começar a trabalhar.

17) O A. padece de doença de ansiedade desde o ano de 2017. – alterado nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2., passando a ter a seguinte redação:

17) O A. padece de doença de ansiedade desde o ano de 2017 e, em virtude dessa doença, estava a ser medicado desde essa data com escitalopram e flurazepam”.

18) A esposa do Trabalhador padece de uma doença degenerativa, o que limita quase em absoluto a sua mobilidade e, em consequência, a sua capacidade de trabalho e de ganho.

19) A filha do A. padece de doença crónica de Crohn, que também limita a sua mobilidade e, em consequência, a sua capacidade de trabalho e de ganho.

20) O A., ao longo dos 24 anos em que trabalhou para as sociedades aqui indicadas, recebeu a formação constante dos certificados juntos com o articulado de resposta à contestação, os quais traduzem a formação ocorrida em 2017 de 8 horas, em 2020 de 15 horas e meia, em 2021 de 6 horas e meia e em 2022 de 8 horas, no total.

21) O A. padece de ansiedade, pelo menos desde 2017.

22) O A. já tinha tido outro procedimento disciplinar, por ocorrência verificada em 22/07/2021, no qual lhe foi aplicada sanção de suspensão do trabalho por 15 dias, com perda de retribuição e antiguidade, que cumpriu de 01/10/2021 a 15/10/2021 – cfr. registo de sanções disciplinares junto com o requerimento refª 45870585.

22-a) No âmbito do procedimento disciplinar referido em 22), junto como documento 2 com o articulado motivador e que aqui se tem por reproduzido, foi proferida pela Ré decisão final, datada de 24-09-2021, com o seguinte teor:

- aditado conforme determinado infra no ponto IV 2.3.

22-b) O relatório final para o qual a decisão final referida em 22-a) remeteu tem o seguinte teor:




- aditado conforme determinado infra no ponto IV 2.3.

22-c) No âmbito do procedimento disciplinar referido em 22), junto como documento 2 com o articulado motivador, consta o seguinte termo de entrega:

- aditado conforme determinado infra no ponto IV 2.3.

23) Desde a data do despedimento o A. auferiu as quantias descritas no ofício da Segurança Social refª 36000405 a título de subsídio de desemprego, até Junho de 2023, num total de € 2.945,51.

FACTOS NÃO PROVADOS

A) Aquando do incidente acima descrito, ocorrido em 21/07/2022, o A. apresentava indícios claros de embriaguez, designadamente, estando exaltado e com a voz arrastada. – alterada nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2., passando a ter a seguinte redação:

A) Aquando do incidente acima descrito, ocorrido em 21/07/2022, o A. apresentava a voz arrastada.

B) Quando questionado o A. respondeu que tinha bebido álcool - eliminada do elenco dos factos não provados nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2.

C) A conduta do A. causava perigo para os colegas de trabalho, pelo que ficou inibido de conduzir empilhadores. - eliminada nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2.

D) O A. é uma pessoa alta e corpulenta e utiliza normalmente facas na sua actividade profissional e outros instrumentos de corte. - eliminada nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2.

E) O gerente foi obrigado a retirar o colaborador das instalações da empresa, levando-o a casa, por este não ter condições para continuar a trabalhar, sem colocar em risco a sua integridade, a dos restantes funcionários da empresa e o próprio equipamento e instalações da empresa, não sendo a primeira vez que tal acontece - - eliminada nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2.

F) O comportamento do A. é agressivo e ameaçador criando mau ambiente na empresa, sendo um péssimo exemplo para todos. - eliminada nos moldes determinados infra no ponto IV 2.2.

G) O A. anda sempre preocupado com a saúde da sua mulher e da sua filha.

H) Este processo disciplinar, mormente a sua desproporcional sanção de despedimento, provocou, um agravamento abrupto do estado de saúde do A., preocupado com o sustento e sobrevivência da sua família.

I) O aqui A. passou a andar muito triste, angustiado, preocupado, ansioso, com dificuldades em descansar e dormir.


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IV – Apreciação/conhecimento

1 – Da nulidade da sentença (recurso da Ré)

Reverenciando a ordem da precedência lógica vertida no artigo 608.º, n.º 1 do CPC (ex vi artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), começaremos pela análise da questão atinente à invocada nulidade da sentença.

A Recorrente arguiu a nulidade da sentença, com a fundamentação sintetizada nas conclusões de recurso, já acima transcritas. Defende, em substância, que a mesma não especifica os fundamentos de facto, apresenta uma série de erros, contradições e imprecisões, tornando-a ambígua, obscura e ininteligível. Convoca o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC.

Preliminarmente, importa tecer algumas considerações gerais sobre as causas de nulidade da sentença, para depois então incidir a nossa análise no que respeita a cada um dos vícios invocados pela Recorrente Ré.

A sentença, como ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à luz do qual é proferida, torna-se passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC.

Em linha com o entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, assinala-se, desde já, que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário[6].

As nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artigo 615.º do CPC e reportam-se a vícios estruturais da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto ou de direito. Tais nulidades sancionam, pois, vícios formais, de procedimento – errore in procedendo – e não patologias que eventualmente traduzam erros judiciais - errore in judicando.

De facto, como se evidencia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-11-2021[7] «[a] violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607º a 609º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do nº 2 do artigo 663º e 679º), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (aplicáveis aos acórdãos ex vi nº 1 do artigo 666º e artigo 679º do Código de Processo Civil).».

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, a sentença é nula quando:

“a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”.


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1.1. Quanto à invocada nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão

Na ótica da Recorrente Ré, a sentença padece de nulidade a coberto do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, por conter na fundamentação de direito referência a materialidade que não consta dos factos, provados ou não provados, nem sequer dos temas de prova. Refere-se mais precisamente à seguinte passagem da fundamentação de direito, quando se reporta à atuação do trabalhador/Autor na primeira situação imputada (21-07-2022): “(…) tendo agido de acordo com o que, até então, tinha sido admitido mesmo que de forma tácita pela sua entidade empregadora, que permitia que trabalhadores que não possuem carta de condução conduzam os seus veículos, dentro das suas instalações, de forma a que fiquem estacionados em local conveniente para o efeito”. Argumenta que esses factos, respeitantes a uma alegada aceitação, ainda que de forma tácita, da entidade empregadora, que permitiria que os trabalhadores que não possuam carta, conduzam os seus veículos, não consta dos factos, provados ou não, nem sequer dos temas de prova indicados no saneador, mas apenas uma mera referência em sede de fundamentação de direito, o que configura uma nulidade. Mais argumenta que a prova produzida aponta precisamente em sentido oposto, conforme transcrições dos depoimentos das testemunhas que indica.

Importa sublinhar que a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como tem sido afirmado na jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, portanto, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Nesse mesmo sentido aponta a doutrina[8].

Como se pode ler no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-04-2024[9] (citando), «[o] vício relativo à falta de fundamentação correlaciona-se com o dever de fundamentação das decisões que se impõe ao julgador “por imperativo constitucional e legal (artigos 208.º, n.º1, da Constituição e 154.º, n.º1, do CPC) tendo ainda a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma e com a própria garantia do direito ao recurso (as partes precisam de ser elucidadas quanto aos motivos da decisão, sobretudo a parte vencida, para poderem impugnar os fundamentos perante o tribunal superior)” (acórdão deste Supremo Tribunal de 04-06-2019, proc. n.º 64/15.2T8PRG-C.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt).

No entanto, como é sublinhado pela doutrina (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pág. 736) e afirmado, de forma constante, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 11-02-2015 (proc. n.º 422/2001.L1.S1), não publicado, de 14-01-2021 (proc. n.º 2342/15.1T8CBR.C1.S1), in www.dgsi.pt, e de 17-01-2023 (proc. n.º 5396/18.5T8STB-A.E1.S1), não publicado), só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, gera a nulidade do acórdão, não integrando tal vício a fundamentação deficiente, errada ou não convincente.».

A nulidade por falta de fundamentação apenas se verifica quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando assim de forma evidente o dever de motivação ou de fundamentação das decisões judiciais. Só a ausência absoluta de uma qualquer motivação seja de facto, seja de direito conduz à nulidade da decisão.

Da sentença recorrida não ressalta de modo algum uma carência absoluta de falta de fundamentação nem de facto, nem, aliás, de direito.

O Tribunal a quo aduz a apontada fundamentação em sede de direito, fazendo as indicadas referências, sendo que se, como observa a Recorrente, as mesmas não têm respaldo na matéria de facto apurada, é questão que não se reconduz ao vício de falta de fundamentação em análise.

A Recorrente Ré pode não concordar com a transcrita fundamentação da sentença, por a considerar deficiente ou incorreta – por entender que inexiste factualidade apurada que permita sustentar tais afirmações –, o que se situa já ao nível da questão do erro de julgamento, mas tal não consubstancia o vício formal da falta de fundamentação nos moldes atrás explicitados.

Não se verifica, pois, a nulidade em causa.


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1.2. Quanto à invocada nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível

Nesta sede, sustenta a Recorrente Ré, em síntese, que: o Tribunal a quo na sentença repete matéria de facto considerada provada [refere-se aos factos numerados sob os nºs 15 e 22] e considera a mesma matéria de facto como provada e não provada, em clara contradição lógica ou de raciocínio [reporta-se aos seguintes factos: facto provado sob o nº 11) e facto não provado sob a alínea C); facto provado sob o n.º 10) e facto não provado sob a alínea A)]; na sentença recorrida verifica-se uma clara contradição entre a documentação junta (processo disciplinar), a fundamentação de facto e a decisão quanto à matéria considerada não provada, o que torna a sentença ambígua ou obscura e a decisão ininteligível [apela concretamente aos factos não provados sob as alíneas D) e F), referindo que da fundamentação o Tribunal refere precisamente o oposto, apelando a Recorrente Ré a excertos da fundamentação para o ilustrar].

Decorre do primeiro segmento da alínea c) do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, que o vício de nulidade da sentença invocado – fundamentos em oposição com a decisão – ocorre quando os fundamentos de facto e/ou direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Está, pois, em causa um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. Porém, esta nulidade não abrange, como atrás já se referiu, o erro de julgamento, seja de facto ou de direito, designadamente a não conformidade da sentença com o direito substantivo.

Com efeito, a nulidade em referência ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Mas, tal situação, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifique quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.

Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8-04-2021[10] (citando), «[e]sta nulidade remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.

Por vezes torna-se difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, que é aquele que está na origem da decisão.

No acórdão do STJ de 30/9/2010[3], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.

Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artigo 615º do CPC são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável.

Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito.».

Por outro lado, a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.

O vício da ambiguidade ou obscuridade pressupõe ininteligibilidade de uma decisão ou resposta, ou seja, que não pode, com segurança, determinar-se o sentido exato dessa decisão ou resposta, quer porque não se mostra claramente expresso, quer porque contém em si mais que um sentido.

Ora, lida a sentença recorrida, não se identifica qualquer vício estrutural intrínseco da mesma, que afete a sua estrutura lógica e que consubstancie uma situação de error in procedendo. Ou seja, não pode dizer-se que ocorra uma incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final.

Analisada a pronúncia da sentença, podendo o Recorrente divergir da solução a que na mesma se chegou, tal não se traduz, porém, na existência de vício lógico que carateriza a nulidade em causa (em que os fundamentos conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas ao oposto).

Na verdade, sendo ou não adequado o juízo e conclusão a que se chegou na decisão recorrida - questão esta que, como vimos, não colhe cobertura no âmbito do vício analisado e sim no âmbito de eventual erro de julgamento –, percebe-se o raciocínio seguido nessa sentença e as razões que conduziram àquela conclusão.

Poderá o Recorrente divergir do entendimento seguido, seja na subsunção e consideração dos factos provados, seja depois na aplicação aos factos do direito, sendo que tal juízo não tem assento no vício que se analisa.

A sentença é também perfeitamente inteligível, não se identificando qualquer vício de ambiguidade ou obscuridade.

Refira-se que os pontos 15) e 22) dos factos provados não consubstanciam uma mera repetição, contendo em parte distintas concretizações (o primeiro quanto aos trabalhadores envolvidos nos factos ocorridos, o segundo quanto ao período em que foi cumprida a sanção de suspensão do trabalho).

Se atentarmos na argumentação aduzida pela Recorrente Ré para sustentar o vício em análise verificamos que a mesma se reconduz, afinal, àquela que avançou para fundamentar a impugnação da matéria de facto que apresentou, mais precisamente as alterações por si pretendidas no que respeita ao pontos 11) dos factos provados e alínea C) dos factos não provados, ao ponto 10) dos factos provados e alínea A) dos factos não provados e às alíneas D) e F) dos factos não provados.

De facto, atentos os argumentos invocados pela Recorrente Ré, a verificar-se os pressupostos que indica, a situação não seria reconduzível à previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, e sim, diversamente, a um erro de julgamento, no caso quanto à pronúncia em sede de matéria de facto. Tal situação pode ser sindicável em sede de recurso, podendo/devendo então o recorrente, tendo em vista afastar esse erro, dirigir o recurso à reapreciação da matéria de facto, como aliás o fez o Recorrente, pelo que será apreciada no momento próprio em sede do conhecimento da impugnação da decisão da matéria de facto que, como referimos, engloba a matéria convocada pelo Recorrente no que respeita ao vício de nulidade em análise.

Em suma, percorrendo as considerações efetuadas pela Recorrente Ré em sede do vício de nulidade em análise, o que sucede é que a mesma discorda da sentença proferida, assentando a sua discordância em eventuais erros de julgamento, mas o error in judicando, como vimos, não consubstancia qualquer um dos vícios de nulidade da sentença previsto no artigo 615.º do CPC.

Não se pode, pois, afirmar a verificação da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.


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2 - Da impugnação da decisão da matéria de facto - recurso da matéria de facto [recursos do Autor e da Ré], sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação em sede de matéria de facto nos termos previstos no artigo 662.º do CPC.

Os Recorrentes referem manifestam a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal.

Resulta das conclusões da respetiva apelação que o Recorrente Autor apenas dirige a respetiva impugnação da matéria de facto à última alínea dos factos não provados, ou seja à alínea I) (atenta a identificação efetuada no âmbito do presente acórdão), visando a respetiva integração nos factos provados [Conclusão 2ª)].

Por sua vez, a Recorrente Ré organiza a impugnação da matéria de facto, em concreto, nos seguintes termos (por reporte à identicação da matéria constante da decisão de facto efetuada no âmbito do presente acórdão):

- impugna o ponto 9) dos factos provados, visando a alteração da respetiva redação nos termos que explicita [Conclusões 5. a 13.];

- impugna o ponto 10) dos factos provados e a alínea A) dos factos não provados, visando a eliminação dos factos não provados da matéria constante da referida alínea e a alteração da redação do referido ponto dos factos provados nos termos que explicita de maneira a integrar também a referida matéria [Conclusões 14. a 31.];

- impugna o ponto 14) dos factos provados, visando a alteração da respetiva redação nos termos que explicita [Conclusões 32. a 39.];

- impugna o ponto 16) dos factos provados, visando a alteração da respetiva redação nos termos que explicita [Conclusões 40. a 43.];

- impugna o ponto 17) dos factos provados, visando a alteração da respetiva redação nos termos que explicita [Conclusões 44. a 49.];

- impugna a alínea B) dos factos não provados, pretendendo que a respetiva matéria seja considerada como provada [Conclusões 50. a 55.];

- impugna a alínea C) dos factos não provados, pretendendo que a respetiva matéria seja considerada como provada [Conclusões 56. a 61.];

- impugna as alíneas D) e F) dos factos não provados, pretendendo que a respetiva matéria seja considerada como provada [Conclusões 62. a 67.];

- impugna a alínea E) dos factos não provados, pretendendo que a respetiva matéria seja considerada como provada [Conclusões 68. a 74.].

Importa referir que sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» (sublinhou-se).

A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da matéria de facto proferida pela 1.ª instância, impondo-se-lhe no que concerne à prova sujeita à livre apreciação do julgador, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus legalmente definidos pelo artigo 640.º do CPC.

Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[11] – de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo – de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão de 17-04-2023[12] desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

De facto, como também se evidencia neste último Acórdão[13], «a parte recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção [21 – É que de outra forma, ocorreria uma inversão da posição dos intervenientes no processo, mediante a substituição da convicção de quem tem que julgar pela convicção de quem espera a decisão].».

Como refere António Santos Abrantes Geraldes[14], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.

A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[15], «(…) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que impliquem decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter».

Dispõe o artigo 640.º do CPC o seguinte:

“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 – O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636.º”.

A respeito dos ónus relativos à impugnação da matéria de facto, apesar de apenas ter fixado jurisprudência a respeito da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, importa atender à fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023[16].

Assim, e como se mostra sintetizado no Acórdão desta Secção Social de 20-05-2024[17], «[d]o que nos afigura também resultar da citada fundamentação, entendemos como adequado, em face do que resulta da lei, o entendimento de que, para cumprir os ónus legais aqui analisados, o recorrente sempre terá de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, como estabelecido na alínea a) do n.º 1 do preceito citado, enquanto definição do objeto do recurso, sendo que, noutros termos, já quanto ao cumprimento do disposto nas alíneas b) e c) do mesmo número, desde que vertido no corpo das alegações, a respetiva não inclusão nas conclusões não determina tal rejeição do recurso». Neste mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes[18], quando elenca as situações de rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo Supremo Tribunal de Justiça [falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto; falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados; falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc); falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação].

No caso dos autos, analisadas as alegações dos recursos e as respetivas conclusões, consideram-se suficientemente cumpridos os referidos ónus legais de impugnação pelos Recorrentes, nada obstando à apreciação da impugnação que apresentaram.

Importa ainda sublinhar que o juiz, como regra, aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artigo 607.º, n.º 5, do CPC). Pode também dizer-se que é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, impondo-se ao invés um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global. Este juízo deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferido segundo regras de experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.

Por último, deixa-se também desde já consignado que nesta sede recursiva, se procedeu à reanálise de toda a prova produzida na matéria em causa (ou seja, não só a indicada pelos Recorrentes, mas também a mencionada em sede de fundamentação do Tribunal a quo). Assim se procedeu, por forma a que estivesse garantida a devida contextualização dos elementos de prova convocados em sede de recurso e na fundamentação da decisão recorrida.

Isto posto, procederemos agora à indagação em concreto das impugnações apresentadas.

2.1. Recurso do Autor

- Alínea I) dos factos não provados, visando o Recorrente a respetiva integração nos factos provados

A alínea em causa tem a seguinte redação:

“O aqui A. passou a andar muito triste, angustiado, preocupado, ansioso, com dificuldades em descansar e dormir”.

Para sustentar a sua posição, o Recorrente Autor, como meios probatórios que em seu entender impõem decisão diversa, apela a excertos dos depoimentos das testemunhas FF, GG e BB, que transcreve, identificando as passagens da gravação, para concluir que face a tais depoimentos a matéria em causa deve ser considerada provada. Argumenta que não pode valer aqui o argumento de que tais depoimentos são da mulher, do genro e do sobrinho do Recorrente, porquanto, de acordo com as regras da experiência é normal que um trabalhador que entenda que foi despedido ilicitamente “passe a andar muito triste, angustiado, preocupado, ansioso, com dificuldades em descansar e dormir”.

A Recorrida Ré defende o julgado, sustentando que o Apelante mais não faz do que se limitar a escolher as passagens que lhe interessam, designadamente no depoimento da mulher, do genro e do sobrinho do Recorrente, omitindo tudo o mais que foi dito e que não lhe interessa, assim pretendendo defraudar a verdade material. Argumenta ainda que mesmo essas próprias testemunhas, cujo depoimento parcial foi efetuada a transcrição, a forma como foram inquiridas, ao invés de lhe terem sido efetuadas perguntas, deixando-as livremente responder, o Ilustre Mandatário do Apelante na pergunta dava já a resposta, induzindo a testemunha na resposta que dela esperava (cita, transcreve e localiza excertos dos depoimentos em causa e da situação em que suscitou essa questão à Mmª Juíza para ilustrar a referida afirmação). Para além disso, refere que o Apelante se parece ter esquecido do depoimento da sua médica de família Drª HH, claramente contraditório com o depoimento das referidas três testemunhas (cita, transcreve e localiza excertos do depoimento dessa testemunha).

Consta na sentença recorrida em sede de motivação da decisão de facto com relevo quanto à matéria em análise o seguinte:

«Considerou-se também o teor da declaração médica, junta aos autos pelo A. e que consigna a existência de patologia (perturbação de ansiedade) por parte do mesmo desde 2017, a qual veio a ser confirmada pelo depoimento da testemunha HH, médica que tem vindo a acompanhar o aqui demandante desde 2014 e que confirmou a medicação que o mesmo toma actualmente (um indutor do sono e um antidepressivo). Este documento e as declarações da referida testemunha foram o fundamento da convicção do Tribunal para arredar o nexo de causalidade invocado pelo A., entre a instauração deste procedimento disciplinar e a patologia do foro mental de que é portador, dado que se esta patologia já se encontra diagnosticada desde 2017 e a situação em apreço, apenas ocorreu em 2022, não pode ser a sua causa, sendo que, mesmo em termos de agravamento dos sintomas, não foi referido pela testemunha acima indicada, como tendo sido descrito pelo demandante ou identificado por si como um factor relevante.

[…]

Além dos meios de prova acima indicados, o Tribunal considerou ainda o depoimento das seguintes testemunhas:

[…]

FF, disse ser esposa do A. e afirmou que o mesmo ficou muito abalado com o despedimento que lhe foi aplicado pela A., tendo ainda confirmado que o seu marido recebia um envelope com um valor em numerário e que no total auferia mensalmente € 1.100,00 (não coincidente sequer com o montante que o próprio demandante invoca no seu articulado), revelando, no entanto, desconhecimento da quantia que era paga em numerário e acrescentando que este pagamento era pontual, o que cria a convicção de que o seu depoimento, face ao grau de parentesco com o demandante se revelou pouco credível.”

Importa ter em conta que a alínea I) dos factos não provados está intima e sequencialmente relacionada com a alínea imediatamente anterior, ou seja a alínea H) dos factos não provados, que não foi objeto de impugnação e que tem a seguinte redação:

“Este processo disciplinar, mormente a sua desproporcional sanção de despedimento, provocou, um agravamento abrupto do estado de saúde do A., preocupado com o sustento e sobrevivência da sua família.”.

Isto porque a matéria da alínea I) pretendia ilustrar em que se teria alegadamente traduzido o invocado agravamento abrupto do estado de saúde do Autor, nos termos invocados no articulado de contestação do trabalhador. Isso mesmo decorre da utilização da expressão “passou a andar”.

Da transcrita fundamentação da sentença recorrida resulta claro a razão pela qual a julgadora não ter logrado adquirir convicção positiva quanto à factualidade vertida nas alíneas H) e I) dos factos não provados.

Reanalisados os meios de prova produzidos, quer os convocados pelo Recorrente Autor quer pela Recorrida Ré, a convicção a que chegamos na matéria em causa não é distinta daquela a que chegou o Tribunal a quo.

Os depoimentos convocados pelo Recorrente Autor não impõem decisão diversa nesta matéria, sendo pertinentes as considerações tecidas pela Recorrida Ré no que respeita à falta de espontaneidade das respetivas respostas, condicionadas pela forma como à partida foram feitas as questões, conforme, aliás, já se alcançava dos excertos transcritos e ficou confirmado pela respetiva audição.

Por seu turno, o depoimento da testemunha HH, médica de família do Recorrente Autor, foi em sentido logicamente incompatível com a resposta positiva à matéria em causa, sendo que o respetivo depoimento se revelou objetivo e isento, merecedor de inteira credibilidade.

O Recorrente faz, pois, uma interpretação dos elementos probatórios diversa do Tribunal a quo e entende que deveria ser acolhida a sua apreciação, o que, sendo-lhe legítimo, não resultou em evidenciar a ocorrência de qualquer erro do julgador na formação da sua convicção no que respeita à matéria em análise.

Pelo exposto, e sem necessidade de considerações adicionais, improcede a impugnação da matéria de facto apresentada pelo Recorrente Autor.

2.2. Recurso da Ré

Importa, antes de mais, consignar que o Recorrido Autor na resposta apresentada não se deteve sobre cada um dos pontos impugnados pela Recorrente Ré, posicionando-se apenas genericamente no sentido de não poderem valer os pedidos de alteração da matéria de facto efetuados pela mesma. Argumenta que a produção da prova e a convicção da Mmª Juíza estão ancoradas nos princípios fundamentais da imediação e da oralidade, pelo que não pode o Recorrente pretender obter um novo julgamento agora em 2ª instância.

Neste conspecto, remetem-se para as considerações já preliminarmente tecidas no que se refere à amplitude de conhecimento deste Tribunal e jurisprudência citada no que se lhe refere, havendo, sim, que apurar em concreto se resultou evidenciado erro de valoração, se os meios de prova convocados impõem decisão diversa na matéria impugnada.

- Ponto 9) dos factos provados, visando a alteração da respetiva redação nos termos que explicita

A Recorrente Ré defende que o ponto 9) dos factos provados deve ser alterado, sendo que

- o ponto em causa tem a seguinte redação:

“Ao realizar manobra de marcha-atrás com este veículo, o A. embateu com o veículo numa parede exterior, tendo provocado danos superficiais nesse mesmo veículo da aqui demandada.”;

- a redação defendida pela Recorrente Ré é a seguinte (realçando-se a negrito as alterações pretendidas):

“Ao realizar manobra, conduz para a frente e para trás, aos “sss”, efetuando manobras completamente descabidas, e quando conduzia de marcha-atrás com este veículo, o A. embateu com o veículo numa parede exterior, tendo provocado danos superficiais nesse mesmo veículo da aqui demandada”.

Relativamente a esta matéria o Recorrente Autor começa por referir que, aquando do depoimento do legal representante foi requerida e deferida pelo Tribunal a quo a prova “por inspeção ao telemóvel deste, conforme consta da ata da 1ª sessão do julgamento, de 24-10-2023”. Mais refere o disposto no artigo 493.º do CPC, dizendo que “compulsada a ata dessa sessão de julgamento verifica-se que da mesma não consta qualquer auto com os elementos úteis para o exame e decisão da causa, como deveria”. Não obstante, a Recorrente nada requer ou suscita a esse propósito, sendo que para sustentar a sua posição quanto ao ponto em análise, como meios probatórios que em seu entender impõem decisão diversa, apela apenas a excertos dos depoimentos do legal representante da Ré, DD, e da testemunha EE, que transcreve, identificando as passagens da gravação.

Consta na sentença recorrida em sede de motivação da decisão de facto quanto à matéria em análise o seguinte:

“[…]

Quanto à forma como ocorreu este sinistro e, especialmente, o espaço em que o mesmo ocorreu, o Tribunal considerou as filmagens das câmaras de videovigilância visionadas no decurso da audiência de julgamento, ilustrativas da forma como o A. conduziu o veículo em questão, a manobra realizada e o embate com a parede então ocorrido; sendo que, quanto às consequências para o veículo o Tribunal considerou as fotos juntas aos autos, com o procedimento disciplinar, nas quais são visíveis os danos no veículo que não só aparentam ser de pequena monta, como ainda não foram reparados (e daí não ter sido quantificado o respetivo prejuízo para a aqui demandada.”.

Tenha-se ainda presente que a referida factualidade está, por sua vez, relacionada com o ponto 8) dos factos provados, que não foi objeto de impugnação e tem a seguinte redação:

“No dia 21/07/2022 pelas 17h00, nas instalações da aqui demandada, sitas na Rua ..., em ..., Vila Nova de Gaia, o A., após ter regressado do serviço externo junto de cliente, no qual tinha sido acompanhado pelo colega CC, que conduzia o veículo automóvel da mesma demandada, com a matrícula ..-ZP-.., tendo o mesmo veículo ficado estacionado no parque exterior daquelas instalações (fora da via pública), resolveu conduzir o mesmo veículo, apesar de não possuir carta de condução”.

Haverá também que ter em conta a factualidade que foi imputada na nota de culpa, ficou a constar da decisão de despedimento e foi invocada no articulado motivador no que se refere à matéria em causa:

“7. No passado dia 21 de julho de 2022, pelas 17:04 horas, nas instalações da Ré situadas na Rua ..., ..., em ... V. N. de Gaia, o A., após regresso de serviço exterior ao cliente B... que tinha feito com seu companheiro de equipa o técnico Sr. CC (condutor da carrinha neste serviço), foi pegar na carrinha de marca Peugeot, com a matrícula ..-ZP-...

8. A carrinha estava estacionada no parque exterior da empresa e o A. conduziu-a, não obstante não estar habilitado para o fazer, visto não ter carta de condução.

9. Tendo efetuado uma manobra sem qualquer sentido – o veículo não circulava em linha reta, mas de marcha-atrás, aos “esses” e acabou por embater no muro da parede exterior da empresa, danificando a traseira da carrinha e a parede do edifício, provocando um estrondo audível pelo gerente, o Exmº Senhor DD e por outros funcionários da empresa que se encontravam no local.” – cfr. artigos 7. a 9. do articulado motivador de despedimento,

factos 4 a 6. da nota de culpa e factos 1. a 3. considerados provados na decisão de despedimento.

Assim, e no que respeita à forma como o Autor conduzia e como se deu o acidente, o que constava da nota de culpa e, portanto, foi imputado ao Autor foi que o mesmo efetuou uma manobra em que o veículo não circulava em linha reta, mas de marcha atrás, aos “sss” (“esses” – sic) e acabou por embater no muro da parede exterior da empresa.

As expressões “manobra sem qualquer sentido” (que constava da nota de culpa) e “manobras completamente descabidas” (que a Recorrente Ré pretende seja introduzida na redação do ponto 9) dos factos provados) constituem afirmações meramente genéricas e conclusivas, contendo um juízo meramente valorativo.

Conforme vem sendo entendimento pacífico desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto e o vimos afirmando em outros arestos, em linha com posição seguida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Daí que, quando o tribunal a quo se tenha pronunciado em sede de matéria de facto sobre afirmações conclusivas, encerrando um juízo valorativo, interpretativo, integrando mesmo o thema decidendum, essa pronúncia deve ter-se por não escrita[19].

Como tal, não temos dúvidas que as referidas expressões - “manobra sem qualquer sentido”/“manobras completamente descabidas”- não devem constar do acervo factual da decisão da matéria de facto – seja os factos provados, seja os factos não provados.

Por outro lado, consta da ata da primeira sessão de julgamento (refª citius 453132438) o seguinte:

- No decurso do depoimento do legal representante da Ré, DD, o Ilustre Mandatário da Ré ditou o seguinte requerimento - -- “Atendendo aquilo que o legal representante da Ré acabou de referir no seu depoimento, segundo o qual terá gravado com o seu telemóvel o vídeo do acidente ocorrido no dia 02/07, atendendo ao princípio da verdade material, requer-se a V.ª Ex.ª ao abrigo do artigo 490º que proceda à inspeção do mencionado equipamento, par aprova dos pontos 8º e 9º do articulado que fundamenta o despedimento. ----“.

- Pelo Ilustre Mandatário do Autor foi dito nada ter a opor ao requerido;

- Pela Mmª Juíza foi proferido o seguinte despacho “--Atenta à eventual pertinência das imagens de vídeo referidas para a apreciação da factualidade vertida nos temas de prova, defere-se a inspeção do solicitado, a efetuar-se de imediato. ------------------------ Notifique-se. -------”

- Imediatamente após esse despacho consta “Do presente despacho foram os presentes notificados, do que disseram estar cientes, tendo sido de imediato levada a cabo a visualização das imagens disponibilizadas pelo representante legal da demandada, através do seu telemóvel. Retomada a tomada de declarações/depoimento de parte do legal representante da Ré previamente identificado. ----“.

Percebeu-se pela audição do depoimento do legal representante da Ré, DD, que o mesmo, apesar de não ter presenciado o evento ocorrido, terá com o seu telemóvel conseguido “filmar”/”gravar” as imagens de videovigilância do sistema existente na empresa que terão captado o evento ocorrido em julho de 2022, reportando que não conseguiu recuperar as gravações desse sistema por ter ocorrido um problema com as gravações e que apenas “conseguiu filmar o ecrã com o telemóvel” (sic). Ou seja, gravou com o telemóvel as imagens que passaram no ecrã do sistema (“eu estava a gravar sobre a imagem” como o próprio depois explicou).

Vamos dispensar-nos de tecer considerações sobre o procedimento seguido e que culminou na visualização das imagens em referência em sede de audiência de julgamento, sem que tivesse sido determinada a junção aos autos de qualquer suporte digital/documento referente às mesmas, sendo certo que nenhuma questão foi suscitada pelas partes Recorrentes a esse propósito no âmbito do presente recurso (nem, aliás, em momento anterior nos autos).

A verdade é também que a Recorrente Ré, como se disse, assenta a impugnação apresentada quanto ao ponto em análise apenas nos pequenos excertos que transcreve dos depoimentos do legal representante e da testemunha EE, os quais, reanalisados, não impõem decisão distinta na matéria em causa, não justificando a pretendida alteração.

O legal representante da Ré, DD, que reconheceu que apenas se deu conta do acidente quando estava no gabinete e ouviu um estrondo provocado pelo embate, quando questionado na primeira parte do seu depoimento, limitou-se espontaneamente a relatar que o Autor decidiu pegar na carrinha e bateu na carrinha, “entrou para a carrinha e fez a manobra e bateu atrás com a traseira na parede” (sic por volta de minutos 5:20). Já a testemunha EE que referiu que terá visualizado as imagens, foi questionada pelo Ilustre Mandatário da Ré se o Autor andou aos “Sss”, o que desde logo teve implicações na espontaneidade da resposta, sendo que essa testemunha respondendo que “sim” depois limitou-se a dizer “inicialmente bateu numa bobine e depois veio para trás assim meio” e nada mais desenvolveu.

A Recorrente Ré faz uma interpretação dos elementos probatórios diversa do Tribunal a quo e entende que deveria ser acolhida a sua apreciação, o que, sendo-lhe legítimo, não resultou em evidenciar a ocorrência de qualquer erro da julgadora na formação da sua convicção. Não vislumbramos razões para não considerarmos que a decisão recorrida motivou e analisou, de forma ponderada, a globalidade da prova produzida na matéria em causa, não se identificando quaisquer incongruências ou desconformidades com os elementos probatórios disponíveis.

Assim, e sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso quanto ao analisado ponto 9).

- Ponto 10) dos factos provados e alínea A) dos factos não provados, visando a eliminação dos factos não provados da matéria constante da referida alínea e a alteração da redação do referido ponto dos factos provados nos termos que explicita de maneira a integrar também a referida matéria

E

Alíneas B) e E) dos factos não provados, pretendendo que a respetiva matéria seja considerada como provada;

Recorde-se a redação do ponto 10) dos factos provados:

“Ao ouvir o barulho provocado pelo embate, o gerente da empresa, DD, foi averiguar o que se tinha passado, tendo visto o A. a sair daquele veículo, tendo ficado convencido de que o mesmo apresentava sinais de ter consumido bebidas alcoólicas e questionado sobre o que se tinha passado, afirmou “bati com a carrinha”. Em seguida, o indicado gerente levou o aqui demandante a casa.”

Já a alínea A) dos factos não provados tem a seguinte redação:

“Aquando do incidente acima descrito, ocorrido em 21/07/2022, o A. apresentava indícios claros de embriaguez, designadamente estando exaltado e com a voz arrastada.”

A Recorrente Ré pretende que seja eliminada dos factos não provados a referida matéria e o indicado ponto 10) passe a ter a ter a seguinte redação (realçando-se a negrito as alterações pretendidas):

“Ao ouvir o barulho provocado pelo embate, o gerente da empresa, DD, foi averiguar o que se tinha passado, tendo visto o A. a sair daquele veículo, tendo ficado convencido de que o mesmo apresentava sinais de ter consumido bebidas alcoólicas, com indícios claros de embriaguez, designadamente com cheiro a álcool, com a voz arrastada e exaltado e questionado sobre o que se tinha passado, afirmou “bati com a carrinha”. Em seguida, o indicado gerente levou o aqui demandante a casa.”

A Alínea B) dos factos não provados que a Recorrente Ré pretende que passe a integrar a matéria provada tem a seguinte redação:

“Quando questionado o A. respondeu que tinha bebido álcool”.

Por sua vez, a alínea E) dos factos não provados tem a seguinte redação:

“O gerente foi obrigado a retirar o colaborador das instalações da empresa, levando-o a casa, por este não ter condições para continuar a trabalhar, sem colocar em risco a sua integridade, a dos restantes funcionários da empresa e o próprio equipamento e instalações da empresa, não sendo a primeira vez que tal acontece.”

A reapreciação dos indicados pontos será feita em conjunto, na medida em que se trata de matéria conexionada que chama à colação a apreciação conjugada dos mesmos meios de prova, como, aliás, resulta da própria impugnação apresentada.

Para sustentar a sua posição quanto à matéria em análise, a Recorrente, como meios probatórios que em seu entender impõem decisão diversa, indica, em primeira linha, excertos dos depoimentos do legal representante da Ré, DD, e da testemunha EE, que transcreve, identificando as passagens da gravação.

Com relevo para esta matéria em análise consta na sentença recorrida em sede de motivação da decisão de facto o seguinte:

“[…]

O Tribunal baseou a sua convicção, em primeiro lugar, na ausência de qualquer comprovativo do estado de alcoolémia que é imputado ao A., relativamente ao incidente ocorrido em Julho de 2022. A este propósito o gerente DD afirmou, em sede de depoimento de parte, que lhe pareceu que o demandante cheirava a álcool e tinha a voz arrastada; ora estas afirmações não sendo demonstradas por força de teste que demonstre que efectivamente o A. tinha álcool no sangue, não poderão ser atendidas. Acresce que, tendo o referido gerente suspeitas sérias de que, aquando do embate com o veículo, o A. tinha consumido bebidas alcoólicas e apesar do acidente ter ocorrido dentro do espaço pertencente à aqui demandada, ou seja, no parque exterior, mas já dentro das suas instalações, deveria ter chamado a entidade policial competente, para que se deslocasse ao local e efectuasse o teste de alcoolémia ao A. ou então, levava-o de imediato a um laboratório de análises com o mesmo intuito, mas não o fez. Levou antes o demandante a casa, sem que se tivesse recolhido qualquer elemento probatório, que demonstrasse, com fiabilidade que o A. tinha ou não consumido álcool.

[…]

Além dos meios de prova acima indicados, o Tribunal considerou ainda o depoimento das seguintes testemunhas:

- II, disse ser técnica comercial, estando em funções na aqui demandada desde Maio de 2014 e afirmou que quanto ao primeiro episódio do embate do veículo na parede do edifício, disse ter ouvido o choque e que viu depois a carrinha de caixa aberta pertença da R. parada no acesso às instalações; afirmou que lhe disseram que era o A. quem ia a conduzir este veículo e que o mesmo cheirava a álcool, o que é habitual suceder com o demandante sobretudo após o almoço; (…)

- EE, disse ser responsável disse ser responsável pelas equipas e logística da aqui demandada desde 2020 (…) afirmou ainda que na data e hora da primeira situação visada nos autos, viu o veículo a chegar às instalações (sendo que o A. não possui carta de condução, nem está autorizado a conduzir) e a seguir apercebeu-se que o mesmo veículo bateu primeiro numa bobina e depois numa parede, tendo visto que era o A. quem conduzia aquele veículo, o qual admitiu ao gerente da empresa que tinha bebido ao almoço (sendo aqui o seu depoimento claramente indirecto e revelando a testemunha a intenção nítida de corroborar o depoimento do gerente da empresa); acrescentou que através do sistema GPS do mesmo veículo verificaram que o A. e o seu colega tinha efectuado, no dia do acidente, uma paragem no percurso de regresso à empresa; (…)

- JJ, disse ser vulcanizador, ao serviço da R. desde há 15 anos e afirmou que no primeiro incidente em causa nos presentes autos, tinha-se deslocado com o demandante, a um cliente, sendo o próprio quem conduzia o veículo da demandada, dado que o A. não possui carta de condução e que quando almoçaram consumiram ambos bebida alcoólica; (…); acrescentou que, após ter ocorrido o embate com o veículo o A. saiu acompanhado do gerente da empresa (…)”.

Reanalisados os meios de prova produzidos, verifica-se que quanto a esta matéria são particularmente relevantes os depoimentos do legal representante da Ré DD e da testemunha EE, conjugadamente com os depoimentos das testemunhas JJ e II, tudo à luz das regras da lógica e da experiência comum.

Importa salientar que não nos revemos nas considerações tecidas na decisão recorrida no sentido de que as afirmações efetuadas pelo legal representante quanto aos sinais apresentados pelo Recorrente e que o mesmo diretamente constatou não podem ser atendidas por não serem demonstradas por força de teste que demonstre que efetivamente o Autor tinha álcool no sangue.

O próprio Tribunal a quo, aliás, adquiriu convicção positiva quanto ao facto de o gerente da empresa DD ter ficado convencido de que o Autor apresentava sinais de ter consumido bebidas alcoólicas, sendo certo que no seu depoimento o mesmo explicou por forma clara e objetiva quais foram os sinais que detetou – máxime cheiro a álcool e a atitude de exaltação. Tais sinais foram confirmados pelo depoimento da testemunha EE, que esteve também na presença do Autor depois da ocorrência do embate. Atente-se que não foi feita referência nesses depoimentos a que na altura, nesse concreto episódio de 21-07-2022, o Autor tivesse uma voz arrastada, antes se reportando à exaltação/agressividade.

Além disso, resultou inequivocamente dos referidos depoimentos (do legal representante DD e EE) que o Autor quando questionado respondeu que tinha bebido álcool, sendo que, sempre ressalvando o devido respeito por distinto entendimento, o depoimento da testemunha EE neste particular não se revelou um depoimento indireto nem evidenciou intenção nítida de corroborar o depoimento do gerente. Esta testemunha quando questionada sobre se o Autor admitiu que bebeu álcool disse que ele admitiu que bebeu ao almoço, logo esclarecendo que ele não disse se bebeu muito ou pouco, sendo que se reportou ainda a uma paragem dos trabalhadores (Autor e JJ) antes de regressarem à empresa vindos do serviço anterior, ao que lhe terá sido referido para lancharem.

Já a testemunha JJ, que no dia em causa fez o serviço externo junto de um cliente juntamente com o Autor, quando questionado sobre se o Autor consumiu bebidas alcoólicas, respondeu que sim, referindo que beberam os dois ao almoço. Questionado ainda sobre se antes de chegarem à empresa se pararam, respondeu afirmativamente dizendo que pararam num café antes de chegar à empresa, sendo que, não negando que o Autor possa aí ter consumido bebidas alcoólicas, referiu que não deu conta, que não viu (sic a partir do minuto 1:30 sensivelmente).

Refira-se ainda que a própria testemunha II, ainda que não tenha estado na presença do Autor depois do embate, confirmou que o identificado legal representante e a testemunha EE depois de terem ouvido o embate se deslocaram ao local onde estava a carrinha e o Autor e estiveram com o mesmo, sendo que aquilo que depois lhe transmitiram foi que ele usou a carrinha e bateu com a mesma e que o mesmo apresentava odor a álcool, esclarecendo ainda que já noutras ocasiões se apercebeu ela própria de o Autor cheirar a álcool após o almoço (a partir do minuto 3:00 sensivelmente).

Reanalisada a prova produzida, não ficamos também com dúvidas que o gerente perante o circunstancialismo com que se deparou no dia 21-07-2022 – o facto de o Autor ter embatido com o carro, apresentar sinais de ter consumido bebidas alcoólicas e quando questionado ter confirmado ter bebido álcool – levou o Autor a casa.

O facto de o gerente ter levado o Autor a casa resulta, aliás, da última parte do ponto 10) dos factos provados, parte essa que não foi objeto de impugnação - (Em seguida, o indicado gerente levou o aqui demandante a casa).

No entanto, fazendo a devida ponderação de toda a prova produzida nesta matéria, à luz das regras da lógica e da experiência comum, considera-se que essa referida materialidade deverá ser autonomizada num ponto da matéria de facto provada, de molde a espelhar aquilo que resultou efetivamente da prova produzida, tendo por referência, como é evidente, a matéria invocada e espelhando-a no elenco dos factos provados.

Atente-se que quanto à alínea E) dos factos não provados, o que consta na nota de culpa, decisão de despedimento e articulado motivador, sequencialmente ao episódio imputado relativamente ao dia 21-07-2022, onde se inclui a resposta afirmativa do Autor à questão sobre se tinha bebido álcool, é: “O gerente foi obrigado a retirar o colaborador das instalações da empresa, levando-o a casa, por este não ter condições para continuar a trabalhar, sem colocar em risco a sua integridade, a dos restantes funcionários da empresa e o próprio equipamento e instalações da empresa, não sendo esta a primeira vez que tal acontece, conforme inframencionado” (ponto 11. e 12. da nota de culpa, sendo certo que lida a nota de culpa, decisão de despedimento e articulado motivador inexiste qualquer concretização ou imputação de outras situações concretas referentes a essa alegação genérica “não sendo esta a primeira vez que tal sucede”.

Assim, e reanalisados os meios de prova produzidos, conjugando os mesmos à luz das regras da lógica e da experiência comum, considera-se que se impõe uma alteração ao nível da decisão de facto proferida sobre a matéria do ponto e alíneas em análise, ainda que não exatamente nos moldes pretendidos pela Recorrente Ré.

No que se refere à expressão “com indícios claros de embriaguez” constante da alínea A), valem aqui as considerações supra tecidas, consubstanciando uma afirmação conclusiva e valorativa que não deve constar do acervo factual, seja os factos provados seja os não provados.

Do mesmo passo, retirando o já indicado facto concreto - de, perante o acima enunciado circunstancialismo, em seguida o gerente ter levado o Autor a casa -, o restante contéudo da alínea E) dos factos não provados é manifestamente conclusivo e valorativo, que por isso terá que ser eliminado da decisão da matéria de facto.

Saliente-se que saber se a referida factualidade apurada representava perigo, se o Autor tinha ou não condições para continuar a trabalhar, é um juízo valorativo que depois terá que ser feito noutra sede, na aplicação do direito, quanto à valoração do comportamento do trabalhador.

A decisão da matéria de facto apenas deve refletir os factos concretos apurados, no caso “com cheiro a álcool e exaltado”, alterando-se a redação do ponto 10) dos factos provados em conformidade, com a já anunciada autonomização da última parte da matéria constante desse ponto nos moldes atrás explicitados, eliminando-se da alínea A) dos factos não provados a referida expressão conclusiva e alterando-se a redação dessa alínea em consonância com a alteração operada no ponto 10) e, bem assim, eliminando-se a alínea E) dos factos não provados.

Por sua vez, a matéria da alínea B) deverá passar para o elenco dos factos provados.

Na decorrência do exposto, procede parcialmente a impugnação apresentada pela Recorrente Ré na matéria em análise, decidindo-se:

- Que a redação do ponto 10) dos factos provados deverá ser alterada, passando a ter a seguinte redação:

10) Ao ouvir o barulho provocado pelo embate, o gerente da empresa, DD, foi averiguar o que se tinha passado, tendo visto o A. a sair daquele veículo, tendo ficado convencido de que o mesmo apresentava sinais de ter consumido bebidas alcoólicas, designadamente com cheiro a álcool e exaltado, e questionado sobre o que se tinha passado, afirmou “bati com a carrinha”.

- Que a alínea A) dos factos não provados deverá ser alterada, passando a ter a seguinte redação:

A) Aquando do incidente acima descrito, ocorrido em 21/07/2022, o A. apresentava a voz arrastada”.

- Que a matéria da alínea B) deixe de integrar o elenco dos factos não provados e passe a integrar o elenco dos factos provados, mais precisamente o ponto 10)-a dos factos provados que se adita com a seguinte redação:

10-a) Quando questionado o A. respondeu que tinha bebido álcool.

- Que seja autonomizada num ponto a matéria da última parte que constava do ponto 10) dos factos provados e que esta passe a ter a seguinte redação:

10-b) Perante o referido em 9), 10) e 10-a), em seguida, o indicado gerente levou o A. a casa.

- Que a alínea E) dos factos não provados deverá ser eliminada da decisão da matéria de facto.

- Ponto 14) dos factos provados, visando a alteração da respetiva redação nos termos que explicita

Relembre-se a redação do ponto 14) dos factos provados:

“Este tipo de linguagem e de modo de reagir já foi utilizado pelo A. noutras ocasiões”.

A redação defendida pela Recorrente Ré é a seguinte (realçando-se a negrito as alterações pretendidas):

“Este tipo de linguagem e de modo de reagir já foi utilizado pelo A. noutras ocasiões, mas relativamente ao gerente da Ré, senhor DD, tal nunca tinha sucedido, quer pelo tom de voz utilizado, pelas palavras proferidas e pela recusa a responder a uma pergunta deste sobre o que estivera a fazer durante esse dia”.

“Este” tipo de linguagem e modo de reagir, como bem aponta a Ré Recorrente, é referente ao ponto imediatamente anterior dos factos provados (ponto 13), que não foi objeto de impugnação, o qual tem a seguinte redação:

“No dia 29/08/2022 pelas 18h00 horas, o gerente supra indicado chamou o aqui demandante ao seu gabinete para o questionar sobre o seu desempenho durante o mês de Agosto, tendo-lhe feito uma pergunta “como correu o trabalho, o que fez hoje?” ao que o A. respondeu aos berros, “não sei vais ter de perguntar à EE” acrescentando em tom exaltado “que é que queres? Queres foder-me a cabeça? São seis e um quatro e que quero é ir-me embora”.

Para alicerçar a sua posição, a Recorrente Ré apela a passagens dos depoimentos do legal representante da Ré DD e das testemunhas EE e BB, que transcreve e localiza na gravação.

Com relevância para a matéria em análise, consta na motivação da decisão de facto da sentença recorrida o seguinte:

«[…] Além dos meios de prova acima indicados, o Tribunal considerou ainda o depoimento das seguintes testemunhas:

- II, disse ser técnica comercial, estando em funções na aqui demandada desde Maio de 2014 (…) Quanto ao comportamento do A. disse a testemunha (de forma objectiva e que se crê isenta) que, por vezes se sentia intimidada pela forma como aquele abordava os colegas, com uma postura agressiva; no que se refere ao segundo incidente afirmou que sabe que o A. foi ao gabinete do gerente da empresa, situado no 1º piso das instalações da demandada, para falar com o mesmo e que em seguida ouviu berros por parte do A., que estava muito exaltado e que se dirigia àquele gerente da empresa, utilizando expressões que não conseguiu perceber (considerando que já noutras ocasiões o A. demonstrava desrespeito e era agressivo para com o gerente), mas que teve de se afastar porque estava ao telefone com um cliente e que não queria que este ouvisse o que se passava, considerando que após a saída do A. o ambiente na empresa ficou melhor;

[… ]

- EE, disse ser responsável pelas equipas e logística da aqui demandada desde 2020 e afirmou que o demandante evidenciava um comportamento errado, dormindo no balneário da empresa, sendo mal-educado e agressivo, tendo-o chamado à atenção várias vezes para que mudasse a sua conduta; disse ainda que se apercebeu que o mesmo, quanto tinha serviços no exterior das instalações da R. aparentava ter álcool e que se recusava a continuar a trabalhar, sendo mais agressivo e mudando a sua postura;(…) quanto à segunda situação em apreço, a testemunha afirmou que apesar de se encontrar, no momento, no piso inferior, ouviam-se no piso acima, os berros do A. dirigidos ao gerente da empresa; (…)”.

Apreciando, tendo em consideração a prova que foi indicada pela Recorrente e produzida, conjugando tais depoimentos, verifica-se que nesta matéria assumem relevância primordial os depoimentos do legal representante da Ré e das testemunhas II e EE.

Este tema, como refere a Recorrente, estava mencionado no ponto 16 da nota de culpa [Este tipo de comportamento do aqui A. era recorrente para com os colaboradores na empresa, bem como o desrespeito pelos seus superiores hierárquicos e mesmo para com a gerência], sendo certo que conta dos temas de prova (ponto 1 dos temas de prova).

Se atentarmos no depoimento da testemunha II, verificamos que, a mesma foi questionada sobre se aquele tipo de episódio era comum acontecer entre o Autor e o legal representante, sendo que a mesma não respondeu afirmativamente. O que disse foi que achava que o Autor não sabia medir a distância, que era agressivo e malcriado na forma como falava para todos, e quando falava com o gerente utilizava expressões que não são corretas. No entanto, não resultou do depoimento desta testemunha que alguma vez tivesse ocorrido uma situação como a verificada no dia 29-08-2022, em que ouviu o Autor a falar aos berros para o gerente (apesar de não ter conseguido perceber o que dizia concretamente), ao ponto de a testemunha (que estava ao telefone com um cliente) se ter que se afastar para que o cliente não se apercebesse (cfr. depoimento desta testemunha sensivelmente a partir do minuto 9:29).

No seu depoimento o legal representante da Ré reportou que era habitual ele fazer perguntas ao Autor e este responder de modo agressivo e falar com falta de respeito, como responder-lhe “O que tens a ver com isto? Não tens nada a ver com isto”, dizendo que infelizmente isso aconteceu algumas vezes, sendo que o advertiu que isso não podia acontecer (sic a partir do minuto 12 sensivelmente). No entanto, em relação ao episódio de 29-08-2022 o legal representante explicou que se tratou de uma situação anormal, quanto à maneira de o Autor se lhe dirigir aos berros e muito exaltado, em que viu “uma situação de ódio e aqueles olhos com uma vontade de me bater”, em que sentiu que “se continuasse a falar podia haver violência física” (sic).

Também no seu depoimento a testemunha EE referiu que nunca antes se tinha apercebido de uma situação entre o gerente e o Autor com os contornos da verificada no dia em referência, em que o Autor respondeu aos berros ao gerente, e com aquela “falta de educação” nos moldes explicitados no ponto 13) dos factos provados. Esta testemunha, que era superior hierárquica do Autor, referiu que com ela muitas vezes acontecia o Autor utilizar a expressão que o Autor disse nesse dia ao legal representante “foder-me a cabeça”, mas que ela sempre tentou que ele mudasse a conduta, que mudasse o comportamento.

Por sua vez, também a testemunha BB, trabalhador da Ré e sobrinho do Autor, não mencionou que fosse normal o Autor dirigir-se ao gerente aos berros.

Assim, e reanalisados os meios de prova produzidos, entende-se que se impõe uma alteração ao nível da decisão proferida na matéria em causa, ainda que não nos exatos termos pretendidos pela Recorrente Ré.

Com efeito, da conjugação da prova produzida adquirimos convicção segura no sentido que já noutras ocasiões em relação a um superior hierárquico o Autor tinha utilizado o tipo de expressões referidas em 14) dos factos provadas, mas que relativamente ao gerente da Ré, DD, nunca tinha sucedido o Autor responder-lhe aos berros e com o tom utilizado no dia 29-06-2022.

Em consonância com o exposto, procede parcialmente a impugnação apresentada pela Recorrente na matéria em análise, decidindo-se que o ponto 14) dos factos provados passa a ter a seguinte redação:

“Este tipo de linguagem já foi utilizado pelo A. noutras ocasiões em relação a um superior hierárquico, mas relativamente ao gerente da Ré, senhor DD, nunca tinha sucedido o Autor responder-lhe aos berros e com o tom utilizado no dia 29-06-2022”.

- Ponto 16) dos factos provados, visando a alteração da respetiva redação nos termos que explicita

Recorde-se a redação do ponto 16) dos factos provados:

“A gerência da aqui R. nunca submeteu o A. a qualquer tipo de teste de alcoolémia nem tão pouco sugeriu ou exigiu ao mesmo que o apresentasse antes de começar a trabalhar.”

Pretende a Recorrente Ré que tal ponto passe a ter a seguinte (realçando-se a negrito as alterações pretendidas):

“A gerência da aqui R. nunca submeteu o A. a qualquer tipo de teste de alcoolémia nem tão pouco sugeriu ou exigiu ao mesmo que o apresentasse antes de começar a trabalhar, sendo que este recusava a realização desses testes, inclusive no dia do acidente sub iudice”.

A Recorrente Ré sustenta esta sua posição no depoimento de parte do seu legal representante DD e no depoimento da testemunha EE, cujas passagens convocadas transcreve e localiza na gravação.

Na fundamentação da sentença recorrida a propósito da temática dos testes de alcoolemia apenas se pronuncia nos termos já transcritos aquando análise da impugnação do ponto 10).

O certo é que a matéria que se mostra vertida no ponto 16) foi invocada pelo Autor no ponto 29.º do respetivo articulado, inserindo-o na parte atinente à reconvenção, sendo que na resposta apresentada a Ré não colocou em crise esse facto – como, aliás, não o faz agora -, referindo apenas estar “em fase de implementação de regulamento interno quanto ao consumo de álcool pelos seus funcionários, mas trata-se de matéria muito sensível, com várias limitações de índole constitucional e mesmo em termos da legislação sobre a proteção de dados” (artigo 15.) nomeadamente, quanto à possibilidade de submissão dos trabalhadores a testes de alcoolémia ou a possibilidade de exigir aos trabalhadores que apresentem testes antes de começar a trabalhar (artigo 16.). Em momento algum, invocou a Ré que o Autor recusou em alguma situação a realização de teste que lhe tivesse sido proposto pela entidade empregadora, como seria natural que o tivesse invocado em resposta em face do invocado pelo Autor.

Analisando, não considera este Tribunal que tenha sido produzida prova no sentido da demonstração de que o Autor em algum momento tenha recusado a realização de teste de alcoolémia que lhe tenha sido solicitado/proposto pela Ré entidade empregadora, não impondo os elementos probatórios indicados a alteração sustentada pelo Recorrente.

O depoimento de parte do legal representante neste particular foi extremamente vago, “falou-se”, e não logrou convencer, não tendo sido secundado por qualquer outro meio de prova. Atente-se que a testemunha EE quando questionada sobre se alguma vez foi pedido ao Autor para fazer teste de álcool respondeu apenas “acho numa das vezes, nas vezes que o senhor DD o levou, lhe propôs fazer o teste de álcool e ele disse que não, que não fazia”, sem qualquer concretização sobre quando tal aconteceu ou sequer como tinha conhecimento desse facto.

Pelo exposto, e sem necessidade de considerações mais desenvolvidas, improcede a impugnação quanto ao ponto em análise.

- Ponto 17) dos factos provados, visando a alteração da respetiva redação nos termos que explicita

Este ponto 17) dos factos provados tem a seguinte redação:

“O A. padece de doença de ansiedade desde o ano de 2017.”

Pretende a Recorrente Ré que tal ponto passe a ter a seguinte (realçando-se a negrito as alterações pretendidas):

“O A. padece de doença de ansiedade desde o ano de 2017 e, em virtude dessa doença, estava a ser medicado desde essa data com escitalopram e flurazepam, apesar de não ser aconselhável ingerir bebidas alcoólicas quando se faz este tipo de medicação, podendo afetar as capacidades de condução da pessoa, caso tal aconteça”.

A Recorrente Ré defende que considera que aquele ponto 17) deve ser completado com o facto de o Autor, em virtude dessa doença, estar a ser medicado com escitalopram e flurazepam. Argumenta que essa questão foi por si suscitada nos pontos 40º a 52º da sua resposta à contestação, referindo os riscos de consumir álcool conjuntamente com a mesma. Apela ao depoimento da testemunha HH, médica de família do Autor, transcrevendo e identificando na gravação excertos do mesmo, referindo ainda a declaração junta como documento n.º 3 da contestação do Autor e os documentos n.ºs 1 e 2 do articulado de resposta.

Relembre-se aqui a seguinte passagem da motivação da sentença recorrida:

«Considerou-se também o teor da declaração médica, junta aos autos pelo A. e que consigna a existência de patologia (perturbação de ansiedade) por parte do mesmo desde 2017, a qual veio a ser confirmada pelo depoimento da testemunha HH, médica que tem vindo a acompanhar o aqui demandante desde 2014 e que confirmou a medicação que o mesmo toma actualmente (um indutor do sono e um antidepressivo).».

Reanalisada a prova, considera-se que o ponto em causa deverá ser complementado com a referência a que, em virtude da doença de que padece, o Autor está desde 2017 medicado com escitalapram (antidepressivo) e flurazepam (indutor de sono).

De facto, isso mesmo resultou confirmado pelo depoimento da identificada testemunha, que emitiu a declaração médica datada de 17-10-2022, sendo certo que o Autor com a alegação do facto de padecer de doença de ansiedade desde o ano de 2017 remeteu expressamente para essa declaração que juntou com o seu articulado (cfr. artigo 39º) da contestação).

Já relativamente ao restante que a Recorrente pretende que seja aditado trata-se de considerações conclusivas e valorativas, efetuadas por apelo à bula da medicação em questão, sem que se tenha sido invocado ou demonstrado se efetivamente essa medicação produziu efeitos indesejados e que efeitos foram esses no que se refere à sua combinação com o álcool, no caso do concreto do paciente em causa, o Autor.

Sublinhe-se que a Recorrente Ré apelou apenas a alguns excertos do depoimento da médica de família, tendo desconsiderado outros aspetos desse depoimento, nomeadamente o que se seguiu ao último excerto que transcreveu. Esta testemunha quando perguntada se advertiu o Autor sobre o facto de não ser aconselhável ingerir bebidas alcoólicas e sobre os efeitos secundários mencionados nas bulas dos referidos medicamentos, respondeu não se recordar de o ter feito, explicando que não entendeu que havia ali um problema de abuso de álcool que a preocupasse (nada tem registado sobre isso). Mais explicou que no caso do indutor de sono a indicação era para ser tomado ao deitar, referindo não saber o tempo de semi-vida do flurazepam e, bem assim, que não há indicação formal para não haver um consumo moderado de álcool.

Face ao exposto, procede parcialmente a impugnação apresentada pela Recorrente na matéria em análise, decidindo-se que o ponto 17) dos factos provados passa a ter a seguinte redação:

“O A. padece de doença de ansiedade desde o ano de 2017 e, em virtude dessa doença, estava a ser medicado desde essa data com escitalopram e flurazepam”.

- Alínea C) dos factos não provados, pretendendo que a respetiva matéria seja considerada como provada;

A alínea em causa tem a seguinte redação:

“A conduta do A. causava perigo para os colegas de trabalho, pelo que ficou inibido de conduzir empilhadores.”

A Recorrente Ré defende que esta alínea está em aparente contradição com o ponto 11) dos factos provados, onde consta “O mesmo gerente da demandada impediu o Autor de conduzir empilhadores na empresa, atividade para a qual possui habilitação”.

Para sustentar a sua posição, a Recorrente apela mais uma vez ao depoimento do seu legal representante DD e da testemunha EE, cujas passagens convocadas transcreve e localiza na gravação.

Na fundamentação da sentença recorrida a propósito do impedimento de conduzir empilhadores apenas se identifica, na parte em que se reporta ao depoimento da testemunha JJ, o seguinte:

“[…] acrescentou que, após ter ocorrido o embate com o veículo o A. saiu acompanhado do gerente da empresa, tendo estado durante algum tempo impedido de conduzir os empilhadores, apesar de não conhecer o motivo para tal impedimento”.

No que se refere à matéria em causa – alínea C) e ponto 11) dos factos provados, verifica-se que o que consta na nota de culpa, decisão de despedimento e articulado motivador, sequencialmente ao episódio imputado relativamente ao dia 21-07-2022 e à resposta afirmativa à questão sobre se tinha bebido álcool, é: “devido ao perigo que representava para os colegas de trabalho, ficou inibido pelo gerente de conduzir empilhadores para o qual tem habilitação”.

Reanalisada a prova produzida, onde se inclui o depoimento da testemunha JJ valorado pela 1ª instância, não temos dúvidas que o gerente impediu o Autor de conduzir empilhadores, atividade para a qual possuía habilitação, como resultou provado no ponto 11), o que se seguiu sequencialmente aos factos provados sob os pontos 10) e 10-a) (entretanto aditado) como decorre da sequência que foi invocada e resultou provada sem impugnação. Saber se a factualidade ocorrida no dia 21-07-2022 representava perigo, como já mencionamos supra, é um juízo valorativo que depois terá que ser feito em sede de fundamentação de direito.

A alínea C) dos factos não provados tem um conteúdo conclusivo e valorativo. O facto de o Autor ter ficado impedido de conduzir empilhadores pelo gerente resulta do ponto 11) dos factos provados.

No que respeita à matéria conclusiva e valorativa valem aqui as considerações já acima tecidas, no sentido de que não devem integrar o acervo factual, seja os factos provados seja os não provados.

Assim, na medida em que a matéria ínsita na alínea C) é manifestamente conclusiva, importa, eliminá-la da decisão da matéria de facto.

Pelo exposto, sendo improcedente a impugnação da Recorrente Ré quanto à integração da matéria em análise nos factos provados, decide-se pela eliminação da alínea C) da decisão da matéria de facto.

- Alíneas D) e F) dos factos não provados, pretendendo que a respetiva matéria seja considerada como provada;

As alíneas em causa têm, respetivamente, a seguinte redação:

“O A. é uma pessoa alta e corpulenta e utiliza normalmente facas na sua atividade profissional e outros instrumentos de corte.”

“O comportamento do A. é agressivo e ameaçador criando um mau ambiente na empresa, sendo um péssimo exemplo para todos”.

A Recorrente Ré invoca, em primeira linha, passagens da fundamentação da sentença recorrida, para concluir não se entender como é que o Tribunal considerou aquela matéria não provada, mais precisamente o seguinte que conta da motivação da sentença:

- “Relativamente à estatura do demandante, para além de se tratar de factualidade conclusiva (dado que a matéria de facto descrita na nota de culpa não contém qualquer elemento indicativo daquela mesma estatura) não foi feita qualquer menção a esta característica do A., nem ao tipo de instrumentos com que cumpria as suas tarefas na demandada.”;

- teve ainda em consideração o depoimento da testemunha II, «Quanto ao comportamento do A. disse a testemunha (de forma objectiva e que se crê isenta) que, por vezes se sentia intimidada pela forma como aquele abordava os colegas, com uma postura agressiva;(…) considerando que após a saída do A. o ambiente na empresa ficou melhor;»

- teve ainda em consideração o depoimento da testemunha EE, « disse ser responsável pelas equipas e logística da aqui demandada desde 2020 e afirmou que o demandante evidenciava um comportamento errado, dormindo no balneário da empresa, sendo mal-educado e agressivo, tendo-o chamado à atenção várias vezes para que mudasse a sua conduta; disse ainda que se apercebeu que o mesmo, quanto tinha serviços no exterior das instalações da R. aparentava ter álcool e que se recusava a continuar a trabalhar, sendo mais agressivo e mudando a sua postura;».

Sustenta ainda a Recorrente Ré que quanto à estatura do trabalhador, considerando o Tribunal que é matéria conclusiva, que entende não ser o caso, não deveria sequer ser incluída nem nos factos provados, nem nos não provados.

Apela a excertos do depoimento do legal representante DD e das testemunhas II, EE e BB, cujas passagens convocadas transcreve e localiza na gravação.

No que se refere à matéria em causa, verifica-se que o que consta na nota de culpa, decisão de despedimento e articulado motivador, sequencialmente ao episódio imputado relativamente ao dia 29-08-2022, é: “o seu comportamento é agressivo e ameaçador criando um mau ambiente na empresa, sendo um péssimo exemplo para todos” (ponto 17. da nota de culpa); “o arguido é uma pessoa alta e corpulenta e utiliza normalmente facas na sua atividade profissional e outros instrumentos de corte (como os restantes funcionários da empresa, com idêntica categoria) (ponto 18. da nota de culpa).

A matéria ínsita da alínea F) dos factos não provados tem um conteúdo meramente conclusivo e valorativo, valendo aqui mais uma vez as considerações já acima tecidas, para concluir que não deve integrar o acervo factual, seja os factos provados seja os não provados, pelo que importa eliminá-la da decisão da matéria de facto.

Sublinhe-se que o comportamento do trabalhador que poderá aqui ser valorado será aquele que foi imputado ao mesmo no âmbito do processo disciplinar que conduziu ao seu despedimento, devidamente ponderado, como não poderá deixar de ser, com a circunstância de ter um antecedente disciplinar e a respetiva natureza, sendo que, no momento próprio da subsunção dos factos ao direito é que se terá de apreciar e valorar a natureza do comportamento apurado do trabalhador, sua gravidade no contexto da empresa, etc.

Por outro lado, e no que se refere à estatura do Autor, alto e corpulento, é muito relativo e absolutamente genérico e conclusivo, sendo certo que em nenhum momento foi especificada a altura ou peso/forma física do Autor, seja na nota de culpa, seja na prova produzida em audiência de julgamento. A testemunha II limitou-se a responder “sim” à pergunta sobre se o Autor era uma pessoa alta e corpulenta, sendo certo que a própria pergunta do Ilustre Mandatário foi “É aqui dito, o senhor AA está aí não me deixa mentir, que é uma pessoa alta e corpulenta?”.

No que se refere ao facto de o Autor utilizar facas na sua atividade profissional e outros instrumentos de corte não se trata de matéria conclusiva, sendo certo que foi invocada na nota de culpa e resultou confirmada pelo depoimento da testemunha II que, tal como reconhecido pelo Tribunal a quo se revelou isenta e objetiva, tendo confirmado que o Autor usava facas e x-atos na sua atividade profissional na Ré, referindo que fazia parte do trabalho dele. Assim, de concreto apenas resultou apurada a utilização pelo Autor de facas e x-atos na atividade profissional na Ré.

Pelo exposto, sendo apenas parcialmente procedente a impugnação da Recorrente Ré no que respeita às alíneas em análise, decide-se:

- pela eliminação da alínea F) da decisão da matéria de facto.

- quanto à matéria da alínea C) dos factos não provados,

* pela eliminação da expressão “O A. é uma pessoa alta e corpulenta” da decisão da matéria de facto;

*que passe a integrar o elenco dos factos provados a restante matéria, mais precisamente o ponto 14)-a dos factos provados que se adita com a seguinte redação:

14-a) O A. utilizava facas e x-atos na sua atividade profissional na Ré.

Em suma, a impugnação da matéria de facto apresentada pela Recorrente é apenas parcialmente procedente, nos termos acima explicitados, onde se incluem as alterações oficiosamente determinadas na decisão da matéria de facto.


*

2.3. Sem prejuízo do já decidido em 2.2. em termos de intervenção oficiosa deste Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 662.º, n.º 1, 607.º, n.º 4, e 663.º, nº 2, do CPC, verifica-se que se justifica ainda uma outra intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação em sede de decisão da matéria de facto.

Atente-se que na nota de culpa, decisão disciplinar e articulado motivador, a Ré invocou que: o arguido tem antecedentes disciplinares por problemas causados pelo consumo de bebidas alcoólicas e agressões, enquanto está ao serviço da empresa, nomeadamente no dia 22-07-2021, pelas 18:07, nas instalações da empresa; admitindo este expressamente o seu comportamento desaquado no local de trabalho, com a promessa de que não voltaria a acontecer; por tal facto, decidiu então a empresa dar um voto de confiança ao trabalhador, não o despedindo, mas suspendendo-o pelo período de 15 dias, com perda de retribuição e antiguidade. A Ré remeteu para o documento n.º 2 junto com o articulado motivador, que consubstancia o procedimento disciplinar anterior instaurado ao Autor e que culminou com a aplicação da sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, pelo período de quinze dias, conforme decisão final datada de 24-09-2021 – cfr. os artigos 22. a 25. do articulado motivador.

Na contestação apresentada o Autor não colocou em crise a sanção disciplinar conservatória de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade que anteriormente lhe foi aplicada, nem, aliás, o procedimento disciplinar que conduziu à sua aplicação. O Autor referiu apenas que esse procedimento teve como objeto um desentendimento com outro colega seu, que é seu sobrinho, BB, explicitando ainda no artigo 16º) da contestação “Com exceção, de um único episódio de contacto físico, ocorrido no ano de 2021, com outro trabalhador, que é seu sobrinho, sendo que, logo foi alvo de um processo disciplinar, tendo o trabalhador logo manifestado o seu arrependimento e apresentado um pedido de desculpas à entidade patronal e ao seu sobrinho”. O Autor em relação àquela matéria invocada pela Ré apenas impugnou, dizendo ser falso, que tenha antecedentes disciplinares causados pelo consumo de bebidas alcoólicas [cfr. ponto 17º) “No ponto 22. é falso que o Trabalhador tenha antecedentes disciplinar por problemas causados pelo consumo de bebidas alcoólicas” – sendo que o ponto 22. do articulado motivados tem a seguinte redação “O A. tem antecedentes disciplinares, por problemas causados pelo consumo de bebidas alcoólicas e agressões, enquanto estava ao serviço da empresa, aqui R., nomeadamente no dia 22/07/2021, pelas 18:07horas, nas instalações da empresa”]. Não foram impugnados pelo Autor os pontos 23., 24. e 25. do articulado motivador, nem o documento junto como doc. 2 com esse articulado e que consubstancia o procedimento disciplinar anterior [23. Admitindo este expressamente o seu comportamento desadequado no local de trabalho, com a promessa de que tal não voltaria a acontecer.; 24. Por tal facto, decidiu então a empresa dar um voto de confiança ao aqui A., não o despedindo, mas suspendendo-o pelo período de 15 dias, com perda de retribuição e antiguidade; 25. Conforme cópia desse processo disciplinar que se junta como Doc. 2º].

Consta do elenco dos factos provados:

15) O A. teve outro procedimento disciplinar, por factos ocorridos em julho de 2021, em que esteve envolvido o seu sobrinho BB e outros colaboradores da empresa, no âmbito do qual foi sancionado com suspensão por 15 dias, com perda de retribuição e antiguidade.

22) O Autor já tinha tido outro procedimento disciplinar por ocorrência verificada em 22/07/2021, no qual lhe foi aplicada sanção de suspensão do trabalho por 15 dias, com perda de retribuição e antiguidade, que cumpriu de 01/10/2021 a 15/10/2021 – cfr. registo de sanções disciplinares junto com o requerimento refª 45870585.

No entanto, importa que dos factos provados resulte o comportamento pelo qual o Autor foi anteriormente alvo de sanção disciplinar, remetendo para o procedimento disciplinar junto como documento n.º 2 com o articulado motivador, e reproduzindo concretamente o teor da decisão final proferida nesse procedimento, do relatório final para o qual essa decisão final remeteu e do termo de entrega ao trabalhador dessa decisão e relatório, por forma a que depois, no momento próprio da aplicação do direito, se possa valorar a natureza do antecedente disciplinar.

Pelo exposto, e visto o disposto nos artigos 662.º, n.º 1, 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do CPC e considerando a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito, determina-se oficiosamente o aditamento à decisão da matéria de facto provada dos factos 22-a), 22-b) e 22-c), cuja redação consta já do ponto III (fundamentação de facto) e que nos dispensamos aqui de replicar.


*

3 - Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito

3.1. Ao julgar ilícito o despedimento do Autor – juízo sobre o mérito no que se refere ao despedimento – questão da licitude ou ilicitude do despedimento do Autor [recurso da Ré]

Começamos pela apreciação desta questão suscitada no recurso da Ré, atenta a ordem de precedência lógica, face ao disposto nos artigos 608.º e 663.º, n.º 2, do CPC (cfr. ainda artigo 87.º, n.º 1, do CPT).

Analisadas as conclusões da apelação da Recorrente, verifica-se que pretende com o recurso em matéria de direito contraditar a interpretação e aplicação que considera incorreta dos artigos 128.º e 351.º do Código do Trabalho, com a fundamentação sintetizada nessas conclusões já acima transcritas. Defende, em substância, que o Autor incorreu na prática de infrações disciplinares que impossibilitaram a manutenção da relação laboral e justificam a licitude do despedimento do Autor.

Em sentido contrário se pronuncia o Recorrido Autor, acompanhando, em substância, o sentido decisório da sentença recorrida.

Nesta questão, o Exmo. Procurador-Adjunto refere acompanhar a argumentação da sentença, devendo manter-se a mesma.

Com vista a apreciar a questão que nos ocupa em sede de aplicação de direito, importa indicar aquele que foi o entendimento do Tribunal a quo e que é objeto de censura no recurso interposto pela Ré Entidade Empregadora.

Assim, em sede de fundamentação de direito, consta da sentença recorrida, para além do mais, o seguinte [transcrição]:

«[…]

No caso dos autos, temos por um lado a actuação do A., traduzida na factualidade acima descrita na matéria de facto assente, a qual, quanto à reacção ocorrida aquando da interpelação pelo gerente da empresa, demonstra ter evidenciado um comportamento violador das regras de boa-educação, civismo e respeito pelo seu superior hierárquico que merece censura. Já no que se refere ao embate da viatura, a mesma demonstra, como se viu, um comportamento negligente por parte do demandante, mas cujas consequências patrimoniais se desconhecem e que decorre da tolerância evidenciada pela demandada para com este tipo de actuação por parte dos seus trabalhadores, mesmo aqueles que não possuem habilitação legal para conduzir.

Na apreciação do conceito da justa causa, perfilha-se aqui o entendimento expresso por Baptista Machado, In, RLJ, 118º-330 e ss., quando refere “O núcleo mais importante de violações do contrato capazes de fornecer “justa causa” à resolução é constituído por violações do “princípio da leal colaboração” imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais diz-se que se trata de uma quebra de fides ou da “base de confiança do contrato”. De notar, porém, que estes conceitos de fides ou de confiança se não referem apenas a uma confiança pessoal ou subjectiva. Relações há, sem dúvida, em que a subsistência da confiança pessoal é um elemento condicionante do bom funcionamento da relação ou programa negocial, pelo que a quebra dessa relação de confiança pessoal põe em risco a “finalidade” de tal programa e pode justificar um direito de resolução. Mas na generalidade dos casos deve dizer-se que a referida base de confiança é afectada quando se infringe odever de leal colaboração, cujo respeito é necessário ao correcto implemento dos fins prático-económicos a que subordina o contrato.”.

Os critérios a seguir, na fixação da sanção, são o da gravidade da mesma e o da culpa do infractor. Segundo a doutrina dominante, os conceitos aplicáveis na responsabilidade penal devem ser aqui chamados à liça e citando a obra acima referida (Cód. do Trabalho) – pág. 648 – refere-se a este propósito: “Segundo o princípio da proibição do excesso ou da proporcionalidade (…) a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (…) A gravidade da infracção deve ser avaliada tendo por base o grau de perturbação provocada no vínculo laboral, na organização e imagem empresariais; a afectação (real ou potencial) de interesses da empresa; a possibilidade de reincidência; os efeitos produzidos (presentes e futuros); o comportamento habitual dos restantes trabalhadores, etc. (…) Na avaliação da culpabilidade do trabalhador, para efeitos de determinação da proporcionalidade da sanção disciplinar, o empregador deverá ter em consideração se o trabalhador actuou com dolo (e qual o tipo de dolo) ou negligência e, por outro lado, ponderar a existência de circunstâncias exteriores e sua influência para a determinação da conduta do agente.”.

Em face dos critérios que acima se deixaram expostos entende-se que a conduta do A., quanto ao primeiro incidente não reveste o grau de gravidade e de culpa que a demandada lhe imputa e o segundo ainda que revista maior gravidade e culpabilidade, surge no seguimento dum comportamento do demandante que, sendo característico do mesmo, decorria já há bastante tempo, sem que a demandada tivesse tido qualquer postura sancionatória do mesmo, o que poderia inculcar no demandante a noção de que o mesmo seria sempre tolerado. E, ainda que se pondere a existência de anterior procedimento disciplinar, há também que considerar a antiguidade do A., superior a 20 anos, e a omissão de imputação de qualquer falha no seu cumprimento das suas funções, ao longo da sua carreira profissional. Pelo que, se impõe responder a esta questão, será a sanção aplicada pela R. a que se mostra mais adequada, como proporcional à sua conduta?

Aqui, ter-se-á que recorrer novamente aos factos que acima se deram como assentes, no sentido de analisar a proporcionalidade da sanção, por contraposição ao comportamento do trabalhador, aqui demandante.

Na apreciação desta questão, pesaram as circunstâncias acima indicadas na matéria factual dada como assente e que se prendem com a falta de demonstração pela aqui demandada, a quem incumbia demonstrar a inviabilidade de se manter a relação laboral com o A., ou seja, perante o comportamento do demandante e a caracterização do comportamento anterior do mesmo, quais foram as circunstâncias que determinaram a conclusão de que a actividade laboral do A. já não era mais possível? Não tendo, como se viu, evidenciado que o demandante estivesse, efectivamente, sob a influência de álcool, nem que o mesmo tivesse causados prejuízos económicos relevantes, teria de apelar à gravidade da sua conduta na segunda situação para que se pudesse concluir que, com a verificação da mesma, este trabalhador ao serviço da demandada desde 2014, mas no seu posto de trabalho desde 1998, deixou de ter condições para permanecer ao seu serviço. Os critérios objectivos, aqui a ponderar, para determinar da adequação da sanção disciplinar aplicada, devem estar de acordo com o entendimento exigível a um “bom pai de família” ou de “um empregador normal”.

(…)

Ponderadas todas as circunstâncias acima enumeradas na factualidade assente, e procedendo ao juízo previsto no nº 3 do art. 351º do Cód. do Trabalho, entende-se que a sanção de despedimento não é a adequada ao comportamento do aqui A., dado que, ainda que se possa concordar que a sua conduta foi errónea, ilícita e grave, toda a ponderação do seu percurso profissional e a não demonstração de qualquer factor de perigosidade para o gerente ali visado ou para outros colaboradores da empresa, bem como a aceitação demonstrada até aí dos seus modos ou maneira de agir, inculcam a noção de que ao demandante não havia sido dada indicação de que esta forma de reacção não era de todo aceite pela empresa, já tendo tido esta forma de actuação em ocasiões anteriores, a mesma até aí havia sido aceite pela demandada, que lhe moveu um procedimento disciplinar anterior por factos distintos que não envolviam a gerência; a proximidade existente entre o gerente da empresa e o A. que decorre até da circunstância de, perante a ocorrência do embate do veículo nas instalações da empresa, o indicado gerente levou o A. a casa, não tendo sequer invocado ter-lhe aplicado qualquer advertência ou admoestação no local, não tendo chamado a intervir as autoridades policiais competentes para o efeito, nem procedido de qualquer foram que lhe indicasse que este tipo de comportamentos não seria aceite naquela organização, pelo que, concluímos que a sua conduta havia sido aceite, pelo menos de forma tácita pela empresa e pelo seu gerente, não tendo a mesma demonstrado o motivo pelo qual esta aceitação cessou ou quais as diferenças entre o comportamento do A. acima descrito na factualidade dada como assente e outros ocorridos anteriormente sem qualquer consequência disciplinar.

Pelo exposto, conclui-se que estamos perante um despedimento ilícito, pelo que termos que proceder de forma a determinar das suas consequências legais. (…)».

Ponderando a transcrita fundamentação, tendo por base a factualidade provada e o quadro normativo aplicável, diremos, desde já, que não acompanhamos a ponderação e conclusão a que se chegou na sentença recorrida no sentido da consideração do despedimento do trabalhador Autor como ilícito.

Vejamos porquê.

Em traços gerais, podemos dizer que o apelidado “despedimento por facto imputável ao trabalhador”, encontra-se previsto no artigo 351º do Código do Trabalho de 2009[20].

O legislador no nº 1 deste último normativo enuncia o conteúdo de justa causa de despedimento, cuja concretização se deverá operar caso a caso, de acordo com as circunstâncias da situação. Depois no nº 2 estabelece uma enumeração exemplificativa dos comportamentos que merecerão esse grau de censura, concretizado sempre casuisticamente ao previsto no estatuído no nº 1, tornando inexigível a manutenção do vínculo laboral, sancionando situações laborais que, por razões imputáveis ao trabalhador, tenham entrado de tal modo em crise, que não mais se possam manter.

A simples verificação de algum dos comportamentos do trabalhador elencado no nº 2 do artigo 351º do CT/2009 não é suficiente, só por si, para se afirmar a existência de justa causa. Os comportamentos aí referidos, a título de exemplo, não dispensam a sua apreciação à luz do conceito de justa causa contido no nº 1 desse mesmo preceito. O nº 3 do mesmo preceito obriga a níveis variáveis de ponderação para encorpar a concretização da justa causa, prevendo que na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

A posição jurídica do empregador confere-lhe, enquanto titular da empresa (como uma organização de meios materiais e humanos), um conjunto de poderes, incluído o disciplinar, que se traduz na possibilidade de aplicação de sanções internas aos trabalhadores, seus subordinados, cuja conduta se revele desconforme com as ordens, instruções e regras de funcionamento da estrutura produtiva.

Assim, nos termos do nº 1 do artigo 351º do CT/2009 “constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.

Como se afirma no Acórdão desta Secção Social de 30-10-2023[21], que aqui se acompanha, «é entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência que são requisitos da existência de justa causa de despedimento: a) um elemento subjetivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objetivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística.

Quanto ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por ação ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral.

O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa (Abílio Neto, in Despedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45).

Porém, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, mostrando-se necessário que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa.» [fim de transcrição].

Relativamente à componente objetiva da justa causa, têm a doutrina e a jurisprudência vindo a coligir as seguintes vertentes:

- a impossibilidade de subsistência de vínculo laboral deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade” da manutenção vinculística;

- exige-se uma “impossibilidade prática”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto;

- e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.

Quanto ao desvalor do comportamento, sua gravidade e a valoração da mesma, bem como ao juízo de prognose sobre a impossibilidade, imediata e prática, de subsistência do vínculo laboral, vem sendo entendido que os mesmos devem ser apreciados segundo o critério do “bom pai de família” ou de um “empregador normal”, em face de cada caso concreto, segundo critérios de objetividade e razoabilidade, e não com base naquilo que a entidade empregadora considere subjetivamente como tal – vide neste sentido, entre outros, Jorge Leite[22].

Como bem explica Jorge Leite, “a gravidade do comportamento é um conceito objectivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a valoração do comportamento não deve ser feita segundo os critérios subjetivos do empregador ou do juiz, mas segundo o critério do empregador razoável, tendo em conta a natureza deste tipo de relações, caracterizadas por uma certa conflitualidade, as circunstâncias do caso concreto e os interesses em presença.”

Deste modo, e como aponta Monteiro Fernandes[23], a inexigibilidade determina-se “mediante um balanço, em concreto, dos interesses em presença – fundamentalmente, o da urgência na desvinculação e o da conservação do vínculo”. Mais aponta, citando Bernardo Lobo Xavier que «haverá justa causa quando a premência do despedimento seja de decidir mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato. Deverá pois proceder a uma análise diferencial dos interesses em presença, análise essa que será feita em concreto, de acordo com a parificação real das conveniências contrastantes das duas partes».

Haverá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que a continuidade do contrato represente (objetivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador.

De facto, como a doutrina e jurisprudência têm vindo a salientar, a inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral só se verifica quando, efetuada a análise diferencial dos interesses em jogo, seja de concluir que não é razoável exigir do empregador a manutenção da relação laboral, nomeadamente por ter sido quebrada a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato celebrado intuito personae.

Releva aqui particularmente a exigência geral da boa fé na execução dos contratos (artigo 762.º do Código Civil), atenta a específica natureza deste tipo de vínculo obrigacional, caracterizado pela sua vocação duradoura e pessoal das relações dele emergentes.

Na indagação da “justa causa” de despedimento intervêm juízos de prognose e juízos valorativos necessários ao preenchimento daquele conceito, sendo que tal valoração não deve traduzir-se numa valoração pessoal-subjetiva do aplicador do direito, antes tendo que pautar-se por critérios objetivos e apelando aos padrões comunitários contemporâneos.

Como se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2010[24], “no âmbito dos assinalados juízos de prognose, tem vindo a ser enfatizado o papel da confiança nas relações de trabalho, salientando-se a sua forte componente fiduciária para se concluir que a confiança contratual é particularmente afetada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina”.

Tal como evidencia Júlio Gomes[25] no que se refere às consequências da conduta do trabalhador, “estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador”.

Acresce que, sendo o despedimento a mais grave das medidas disciplinares, importa que o empregador não olvide o princípio enunciado no artigo 330º, nº 1, do CT, segundo o qual a “sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (…)”. Também aqui estamos perante o referido elemento objetivo, pois só é possível concluir que a relação laboral ficou irremediavelmente comprometida e considerar-se justificada a sanção de rescisão do contrato de trabalho, se o despedimento não violar aquele princípio de proporcionalidade e adequação.

Importa referir também que, nos termos do n.º 1 do artigo 126.º do CT/2009, o empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.

O n.º 1 deste normativo transpôs, com as devidas alterações, o n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil. E o seu n.º 2 consagra o princípio da mútua colaboração na execução do contrato, no sentido de cada uma das partes deve, durante o cumprimento do contrato, atuar de modo cooperante.

Ao celebrar o contrato de trabalho, o trabalhador assume a obrigação principal de prestar trabalho, de acordo com as determinações do empregador.

Em conexão com essa obrigação principal, outros deveres decorrem da relação contratual – são os chamados deveres acessórios, quer integrantes da obrigação principal, quer os complementares desta e, neste sentido, autónomos a ela.

Estes deveres dos trabalhadores estão consignados no artigo 128.º do CT/2009, conexionam-se com a prestação laboral e são limitados pelo objeto do contrato de trabalho. Constituem deveres do trabalhador, designadamente: os de urbanidade e probidade - respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade (alínea a); realizar o trabalho com zelo e diligência (alínea c); cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias (alínea e); guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios (alínea f); velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador (alínea g); promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa (alínea h).

Sublinhe-se que o dever laboral de zelo e diligência, integrante do dever principal da prestação, permite avaliar o modo de cumprimento dessa prestação, devendo a medida do zelo ou da diligência do trabalhador no desenvolvimento da atividade laboral ser aferida segundo o critério do bom pai de família, tendo em conta o contexto laboral em concreto. Tal dever impõe ao trabalhador que realize as tarefas que lhe cabem com a atenção, cuidado e esforço razoavelmente exigíveis.

No que concerne ao dever de obediência, está em causa a obediência não apenas às diretrizes do empregador sobre o modo de desenvolvimento da sua atividade laboral (ou seja, ao poder diretivo), mas também às diretrizes emanadas do poder disciplinar prescritivo, em matéria de organização da empresa, de comportamento no seu seio.

O dever laboral previsto no artigo 128º, nº 1, alínea g), vem sendo denominado pela doutrina como sendo o «dever de custódia», dever que se estende aos bens confiados ao trabalhador para utilização pessoal e profissional.

Por sua vez, o artigo 128º confere à lealdade um alcance normativo que supera os limites do sigilo e da não concorrência, alcance este que se infere desde logo da utilização da expressão “nomeadamente”. O dever de lealdade previsto em tal normativo traduz-se em dois deveres específicos (o dever de não concorrência e o dever de sigilo), mas também num dever geral de lealdade que deve estar presente em toda e qualquer relação de trabalho.

Os deveres de lealdade e cuidado presentes no contrato de trabalho não se deixam reconduzir inteiramente à boa fé que devem presidir à execução de qualquer contrato e explicam-se pela especificidade de haver uma “administração ou gestão” de interesses alheios, sendo certo que no contrato de trabalho cada uma das partes confia à outra a proteção de interesses próprios extremamente relevantes.

O dever de lealdade do trabalhador exige também um comportamento correto do ponto de vista dos interesses da organização, ou seja, para além da lealdade ao empregador, enquanto contraparte num negócio jurídico, releva também a lealdade à empresa ou à organização do empregador.

É pacífico que o dever de “execução leal” veda ao trabalhador comportamentos que determinem situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa, e, por outro, impõe-lhe que tome as atitudes necessárias quando constate uma ameaça de prejuízo.

Com a boa-fé estão relacionados os valores da fidelidade, lealdade, honestidade e confiança na realização e cumprimento dos negócios jurídicos.

O dever de lealdade, numa vertente objetiva, traduz-se na necessidade de o trabalhador ajustar o seu comportamento aos princípios da boa-fé no cumprimento do contrato e, numa vertente subjetiva, reconduz-se à relação de confiança entre as partes que impõe que a conduta do trabalhador não seja suscetível de abalar tal confiança e, assim, criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do trabalhador.

No cumprimento do dever de lealdade sobressai a necessidade de o trabalhador atuar de boa fé no âmbito da relação de trabalho, de modo a que não ponha em causa a relação de confiança com o empregador.

Revertendo ao caso dos autos, analisada a matéria apurada, forçoso é concluir que o comportamento apurado é violador dos deveres do trabalhador e assume inegável gravidade.

De facto, resulta sem margem para dúvidas dos factos provados que o comportamento assumido pelo Autor (cfr. pontos 8) a 14) dos factos provados) é violador das obrigações/deveres que sobre si pendiam enquanto trabalhador, consubstanciando uma violação dos deveres previstos nas alíneas a), c), e), f), g) e h) do artigo 128.º, n.º 1 e nº 2 do mesmo normativo (violação dos deveres a que o autor estava adstrito, designadamente, os deveres de zelo e diligência, obediência às ordens e instruções do empregador, lealdade, velar pela conservação de boa utilização de bem relacionado com o trabalho, promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa).

O comportamento do autor é inequivocamente culposo.

Na primeira situação, referente ao dia 21-07-2022, é desde logo censurável o facto de o trabalhador, após ter regressado de um serviço externo, no qual tinha sido acompanhado por um colega de trabalho, colega esse que conduziu o veículo em que se deslocaram e o estacionou no parque exterior das instalações da empresa (ainda que fora da via pública), ter resolvido conduzir o mesmo veículo, apesar de não possuir carta de condução. Tanto mais, o trabalhador acabou por embater com esse veículo numa parede exterior, provocando-lhe danos. Mas, a censurabilidade da sua conduta não se fica por aqui na medida em que o Autor, logo após o embate, e tendo o gerente da Ré, DD, ido ao seu encontro para averiguar o que se tinha passado, constatou que o mesmo apresentava cheiro a álcool e, questionado, o Autor respondeu que tinha bebido álcool. Perante esse circunstancialismo, o gerente da Ré levou o Autor a casa.

Ao contrário do afirmado na sentença recorrida, não vemos este ato do gerente da empresa como evidenciando uma relação de proximidade entre o Autor e o gerente da empresa!

O que se retira é que o gerente da empresa tinha na sua presença um trabalhador que acabava de conduzir um carro da empresa sem ter carta de condução, ter embatido com o mesmo e cheirar a álcool, pelo que se percebe perfeitamente que tivesse retirado o trabalhador da empresa, do local de trabalho, na consideração de que não se encontrava em condições de aí permanecer, desde logo por uma questão de prevenção e segurança no trabalho e para não criar mais perturbação na empresa, para que não fosse percetível para os demais trabalhadores. Não deve ter pensado em chamar as autoridades policiais, pensou que tinha que levar o trabalhador a casa. E o certo é que dentro do prazo legal que dispunha para o efeito (cfr. artigo 329.º do CT/2009) reagiu com a instauração de procedimento disciplinar ao trabalhador, visando o referido comportamento e um outro subsequente ocorrido dentro desse prazo.

Não se mostra comprovada qualquer razão que justifique o comportamento do Autor ou que de qualquer modo atenue a relevância de tal comportamento e a sua responsabilidade.

A afirmação constante da sentença recorrida de que o Autor agiu “de acordo com o que, até então, tinha sido admitido mesmo que de forma tácita pela sua entidade empregadora, que permitia que trabalhadores que não possuem carta de condução conduzam os seus veículos, dentro das suas instalações, de forma a que fiquem estacionados em local conveniente para o efeito”, não encontra respaldo na matéria de facto provada. Consigna-se que este Tribunal teve oportunidade de reanalisar a prova produzida (toda a convocada pelas partes em sede de impugnação da matéria de facto e não apenas quanto aos excertos a que apelaram) não tendo logrado formar convicção em sentido positivo quanto a essa materialidade afirmada tão-só em sede de fundamentação de direito, mas, como se disse, sem respaldo na decisão da matéria de facto.

Por outro lado, na segunda situação, referente ao dia 29-07-2022, ficou apurado que o já identificado gerente da Ré chamou o trabalhador Autor ao seu gabinete para o questionar sobre o seu desempenho, tendo perguntado ao trabalhador “como correu o trabalho, o que fez hoje?”. Tal legítima questão da entidade empregadora (na pessoa do gerente da empresa), teve como resposta do trabalhador Autor, aos berros “não sei vais ter de perguntar à EE” acrescentando em tom exaltado “que é que queres? Queres foder-me a cabeça? São seis e um quarto e quero é ir-me embora”.

A questão colocada pelo gerente da empresa é profissional, sendo que, como é evidente, o empregador (ou o superior hierárquico) tem o poder de dar ordens e de solicitar que o trabalhador dê conta do trabalho que executou e como o mesmo correu, no exercício legítimo do poder de autoridade, de dar ordens, orientações, pedir esclarecimentos sobre a execução do trabalho.

A resposta do trabalhador, não só o teor mas o modo – aos berros - não deixa dúvidas de que houve uma violação grave dos deveres de respeito e urbanidade e de obedecer às ordens do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, consagrados no artigo 128.º, n.º 1, alíneas a) e e).

Não se ratificam as considerações tecidas na sentença recorrida, no sentido da desvalorização deste comportamento do trabalhador, com apelo a uma proximidade existente entre o gerente da empresa e o Autor e a uma aceitação demonstrada até aí dos modos ou maneira de agir do trabalhador, que, aliás, nem sequer se pode dizer que tenha acolhimento na matéria apurada.

O facto de ter ficado apurado que aquele tipo de linguagem já tinha sido utilizado pelo Autor noutras ocasiões em relação a um superior hierárquico não permite, sem mais, concluir que esse tipo de comportamento era aceite pela empregadora, que este não tivesse sido repreendido, ainda que não por via da instauração de um processo disciplinar. Ademais, resultou apurado que relativamente ao gerente da empresa nunca tinha sucedido o Autor responder-lhe aos berros e com o tom utilizado no dia 29-06-2022.

Por outro lado, sempre se dirá que, do ponto de vista jurídico-laboral, mesmo que existisse uma relação de proximidade entre o Autor e o gerente – que, reitere-se, nem ficou demonstrada -, a mesma, no contexto factual apurado, em nada justificaria ou desculpabizaria a conduta do Autor, a forma como reagiu e respondeu a uma interpelação legítima do empregador, do gerente da empresa, e, além disso, em nada afastaria que de tal conduta, conjugada com a anteriormente ocorrida, pudesse decorrer uma impossibilidade ou inexigibilidade de continuação da relação laboral[26].

Do conjunto da factualidade apurada retira-se que o Autor não teve uma execução leal no cumprimento do contrato já que assumiu comportamentos que determinaram situações de perigo para o empregador ou para a organização da empresa, desobedeceu ilegitimamente ao gerente da empresa e, simultaneamente, faltou-lhe gravemente ao respeito.

A gravidade da perturbação introduzida no funcionamento da organização da empregadora por comportamentos do tipo dos que ficaram apurados, é real e efetiva, sendo apta a fazer o empregador perder no trabalhador em causa a confiança necessária para a manutenção do vínculo. Há mesmo o perigo da repercussão das condutas em causa na disciplina geral da organização, em termos de exemplo para a generalidade dos trabalhadores.

Depois da prática dos factos em questão pelo trabalhador e do seu conhecimento pela entidade empregadora estava afastada a possibilidade de uma relação de confiança entre ambos.

Tanto mais, quando o Autor já tinha um grave antecedente disciplinar, conforme decorre dos pontos 15 e 22) a 22-c) dos factos provados, por comportamentos ocorridos em julho de 2021 nas instalações da empresa, traduzidos em agressões físicas levadas a cabo pelo trabalhador a colegas de trabalho, que motivaram a instauração de procedimento disciplinar com intenção de despedimento e acabaram sancionados com a aplicação de sanção disciplinar de suspensão do trabalho por 15 dias com perda de retribuição e antiguidade, cumprida entre 1-10-2021 a 15-10-2021.

Já nessa decisão disciplinar anterior, a empregadora ponderou o facto de o trabalhador não ter registo de infrações disciplinares e o arrependimento e compromisso manifestado pelo trabalhador, referindo então que, como um voto de confiança, optava pela sobredita sanção conservatória. Ou seja, a Ré optou nessa altura por uma sanção conservatória – ainda que sanção grave, situada no elenco gradativo legalmente previsto em termos de gravidade logo antes da sanção de despedimento (cfr. artigo 328.º do CT/2009) -, o que significa que terá formulado então um juízo de prognose favorável no que se refere ao comportamento do trabalhador em termos de cumprimento dos seus deveres laborais, que permitiu conservar relativamente ao mesmo um nível mínimo de confiança que garantisse a continuação do contrato de trabalho.

O referido sancionamento situado no ano anterior aos factos agora em valoração, não se mostrou suficiente como advertência concreta e solene ao Autor.

Ora, tendo o Autor incorrido em novos comportamentos ilícitos, culposos e de elevada gravidade, não se pode censurar a Ré pelo facto de ter deixado de formular novo juízo de prognose favorável, perdendo, de vez, o nível mínimo de confiança que ainda mantinha no autor.

Criou-se no espírito da empregadora a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador, deixando de existir o tal suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento duma relação laboral estável e sem reservas. O trabalhador colocou em perigo, de forma intensa, a confiança que a empregadora nele depositava, minando a mesma de forma irremediável.

O “empregador médio”, colocado na posição da entidade empregadora perante uma atuação do seu funcionário como a adotada pelo trabalhador, ficaria sempre na dúvida quanto ao futuro comportamento a adotar por esse mesmo trabalhador, pelo que, e certamente, reagiria da mesma forma no plano da ação disciplinar.

No caso dos autos, exigir a manutenção do vínculo, numa situação em que se perderam as condições mínimas de confiança e convivência ética pressupostas na relação laboral, traduziria uma injusta solução, violentando a sensibilidade de um qualquer empregador médio, colocado na posição da entidade empregadora.

Não é exigível a um empregador manter ao seu serviço um trabalhador que se comporta deste modo. E não é exigível à empregadora que mantenha o trabalhador ao seu serviço, pois, não obstante a ponderação da relevância que assume para este a manutenção do respetivo posto de trabalho, a imposição à empregadora da manutenção do trabalhador ao seu serviço no quadro de circunstâncias apurado, fazendo recear pela perturbação da disciplina geral da organização, indispensável ao seu normal funcionamento, traduziria uma injusta imposição ao empregador.

A sanção de despedimento imposta ao Autor pela Ré compadece-se, numa ótica de adequação e proporcionalidade com a factualidade provada com relevância disciplinar e o seu passado disciplinar, na medida em que a confiança da Ré no sentido de responsabilidade da conduta profissional do autor mostra-se compreensivelmente abalada e ficou prejudicada, traduzindo uma crise contratual extrema e irreversível.

Conclui-se, pois, pela existência de justa causa de despedimento, à luz do disposto no artigo 351.º, n.º 1, do CT/2009 e, consequentemente, pela licitude do mesmo com as legais consequências.

Nesta conformidade, inexiste fundamento para a indemnização e compensação fixadas por despedimento ilícito (artigos 389.º, 390.º e 391.º do CT/2009), impondo-se a absolvição da Ré dos mesmos.

Procede, pois, o recurso da Ré.


*

3.2. No que respeita à fixação em 20 dias do critério de fixação da indemnização em substituição da reintegração e no que concerne aos danos não patrimoniais – pedido de indemnização por danos não patrimoniais formulado pelo Autor [questões suscitadas no recurso do Autor]

Em face do supra decidido em 3.1. fica prejudicado o conhecimento da questão do valor da indemnização em substituição da reintegração fixada.

Quanto à peticionada indemnização por danos não patrimoniais, pedido que improcedeu na primeira instância, a questão suscitada pelo Autor no recurso estava dependente, desde logo da procedência da por si visada alteração da matéria de facto em função da impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pelo mesmo, que improcedeu. Não ficaram demonstrados quaisquer danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, muito menos qualquer comportamento ilícito da Ré que justificasse a sua responsabilidade por danos, sendo certo que o despedimento foi considerado lícito.

É, pois, de manter a absolvição da Ré do pedido de indemnização por danos não patrimoniais formulado pelo Autor.

O recurso do Autor é improcedente.


*

Em suma, no âmbito da aplicação do direito procede o recurso da Ré e improcede o recurso do Autor.

*

No que se refere a custas, face ao disposto no artigo 527.º do CPC, perante a improcedência do recurso do Autor as respetivas custas ficam a cargo do Recorrente, e na procedência do recurso da Ré as custas do mesmo ficam a cargo do Recorrido.

*

V – Decisão

Em face do exposto, acordam os Juizes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em

- julgar totalmente improcedente o recurso do Autor;

- julgar procedente o recurso da Ré, sendo que quanto à impugnação da decisão sobre matéria de facto este procede parcialmente nos termos explicitados na fundamentação/apreciação (pontos III e IV 2), e, em consequência, afirmando-se no presente acórdão a licitude do despedimento do Autor enquanto sanção disciplinar aplicada, revoga-se a sentença recorrida na parte em que declarou a ilicitude do despedimento e condenou a Ré a pagar indemnização e compensação pelo despedimento (retribuições intercalares) e juros correspondentes a tais segmentos condenatórios, sendo, em substituição, a Ré absolvida do pedido quanto a tal indemnização e compensação.

- no mais, mantém-se a sentença recorrida.

Custas do recurso do Autor pelo Recorrente.

Custas do recurso da Ré pelo Recorrido.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Notifique e registe.

(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)


Porto, 7 de abril de 2025
Germana Ferreira Lopes
António Luís Carvalhão
Rui Penha
_______________
[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Adiante CPC.
[3] Adiante CPT.
[4] Consigna-se que se procedeu à sequencial numeração dos factos provados e à identificação dos factos não provados por alíneas (já que a 1ª instância não o fez), para melhor perceção, identificação e organização em sede de conhecimento do recurso.
Mais se consigna que será desde já feita menção em cada ponto, caso tenha ocorrido alteração ou eliminação, atenta a apreciação feita infra no ponto IV, 2 em sede da apreciação da impugnação da matéria de facto/intervenção oficiosa deste Tribunal.
[5] Corrigiu-se um mero lapso material, já que constava “se” quando o que se queria escrever era inequivocamente “de”.
[6] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, página 686.
[7] Processo n.º 1436/15.8T8PVZ.P1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves.
[8] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra citada páginas 687/688.
[9] Processo n.º 5223/19.6T6STB.E1.S1, Relatora Conselheira Maria da Graça Trigo.
[10] Processo n.º 3340/16.3T8VIS-A.C1.S2, Relator Conselheiro Ilídio Savcarrão.
[11] Cfr., entre outros, Acórdãos de 9-02-2017 (processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Tomé Gomes), de 8-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira), acessíveis in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[12] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão, aqui 1º Adjunto.
[13] Inserindo-se no texto a nota de rodapé 21 do Acórdão em causa.
[14] In “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pág. 195.
[15] Obra citada, página 350.
[16] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[17] Processo n.º 14580/21.3T8PRT.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Fernandes, no qual interveio como Adjunta a ora Relatora – ao que se julga não publicado, mas disponível no registo de acórdãos.
[18] In obra citada, págs. 200 e 201.
[19] Veja-se, a título meramente exemplificativo: o Acórdão desta Secção Social também relatado pela aqui Relatora de 18-04-2024, processo n.º 4509/22.7T8PRT.P1; os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-2009 (processo nº 272/09.5YFLSB, Relator Conselheiro Vasques Dinis), 12-03-2014 (processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado), 28-01-2016, (processo nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Relator Conselheiro António Leones Dantas), de 28-10-2021 (processo nº 4150/14.8T8VNG-A.P1.S1, Relator Conselheiro João Cura Mariano).
[20] Adiante designado por CT/2009.
[21] Processo n.º 5913/20.0T8VNG.P1, relatado pela hoje Juíza Conselheira Paula Leal de Carvalho e no qual tiveram intervenção como Adjuntos a aqui Relatora e o aqui 2º Adjunto Desembargador Rui Penha.
[22] Direito de Trabalho, Lições policopiadas, FDUC, pág. 417.
[23] In Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, página 559.
[24] Processo n.º 217/2002.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Sousa Grandão.
[25] In Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, p. 951.
[26] Sobre este conspecto, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-02-2025, processo n.º 5915/18.7T8FNC.L2.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes.