ACORDO COLETIVO DE TRABALHO
POSICIONAMENTO REMUNERATÓRIO
AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
EFEITOS RETROATIVOS DE CLÁUSULAS
Sumário

I - O Acordo Coletivo entre o Sindicato ... e o Centro Hospitalar ..., E.P.E. e outros, publicado no BTE n.º 23, de 22/06/2018, entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2018, a não pode ser reconhecido efeito retroativo a qualquer norma que nele conste sobre avaliação de desempenho, desenvolvimento profissional e reposicionamento remuneratório.
II – Os associados do referido sindicato só adquiriram o direito a avaliação de desempenho efetuada segundo o regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, com a entrada em vigor do ACT, não podendo reclamar quaisquer efeitos de avaliações anteriores.
III – Mesmo ficcionando o posicionamento remuneratório de tais trabalhadores, como se tivessem celebrado um contrato de trabalho em funções públicas, à data em que foram contratados pela entidade pública empresarial, para os efeitos previstos pela cláusula 37.ª, nº 3 do ACT, os mesmos não têm direito à contabilização de 1,5 pontos por cada ano de serviço, sendo aplicável o n.º 7 do art.º 113º da Lei 12-A/2008, o mesmo resultando da aplicação do art.º 18.º, n.º 2 da Lei 114/2017.
IV -Os arts. 4.º- A e 5.º-A do DL 25/2019 de 11/02, aditados pela Lei n.º 34/2021 de 08/06, apenas entraram e vigor a partir de 01/01/2022 e a sua aplicação não conduziria à contabilização de 1,5 pontos por cada ano de serviço já que, tal diploma não permite efeitos de natureza pecuniária anteriores aquela data e que não existe, no caso dos associados do sindicato, avaliação de desempenho relevante anterior à entrada em vigor do ACT.
V – Não existe violação do princípio da igualdade em geral ou na sua vertente específica do princípio de que para trabalho igual ou de valor igual, salário igual, se a diferença de tratamento em termos de integração na posição remuneratória se mostra fundada quer no ACT, quer na demais legislação aplicável e se nada foi invocado ou provado que demonstre que as funções desempenhadas são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade, quantidade às desempenhadas pelos trabalhadores da mesma categoria e carreira vinculados com contratos em funções públicas e que as funções que desempenhavam eram equivalentes, quanto à qualificação ou experiência exigidas, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho era efetuado.

Texto Integral

Processo n.º 5140/23.5T8PRT.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – J2

Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

O Sindicato ... intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra o Centro Hospitalar ..., E.P.E., pretendendo que este seja condenado a aplicar as cláusulas 26.ª, 36.ª, 37.ª e 7.ª do Acordo Coletivo de Trabalho (doravante ACT) outorgado por ambas as partes, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 23 de 22/06/2018, relativamente aos associados do autor, ou seja, que o réu seja condenado a reconstituir para cada um deles a respetiva carreira como se tivessem sido contratados com um contrato de trabalho em funções públicas, contabilizando 1,5 (um ponto e meio) por cada ano de trabalho, avaliado com a menção qualitativa de “Satisfaz” ou não avaliado por o Réu não ter procedido a essa avaliação e posicionando-os na carreira de acordo com a pontuação obtida, pagando-lhes as diferenças salariais a que haja lugar acrescidas dos respetivos juros de mora, desde a data em que cada uma das quantias era devida e não foi paga até efetivo e integral pagamento.

Invoca o A que: o Decreto-Lei n.º 25/2019, de 11/02, aplicável aos trabalhadores com contrato de trabalho, seus associados, estabelece o número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica (doravante TSDT) e identifica os respetivos níveis da tabela remuneratória, bem como as regras de transição dos trabalhadores da anterior carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica para a careira especial de TSDT; que nos termos do artigo 4.º-A do referido diploma, os pontos correspondentes ao tempo de serviço e à avaliação de desempenho da pretérita carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica, devem ser contabilizados, sendo intenção do legislador que a relevância do “tempo de serviço e a avaliação de desempenho da pretérita carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica”, se verificasse, independentemente da natureza, pública ou privada, do vínculo laboral em que esse tempo de serviço foi prestado.

Mais alega que a cláusula 26ª do ACT, prevê a obrigação do Réu proceder ao desenvolvimento profissional dos trabalhadores, seus associados, nos mesmos moldes em que se encontra regulado para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados na carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, prevendo expressamente na cláusula 36.ª, n.º 3, a obrigação, ainda não cumprida pelo Réu, de reconstituir a situação do técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, no sentido de ficcionar qual seria o seu posicionamento remuneratório, caso o mesmo tivesse celebrado um contrato de trabalho em funções públicas, à data em que foi contratado e, nos termos da cláusula 37.ª, n.º 1 do ACT, a obrigação de proceder ao reposicionamento na nova carreira por aplicação das regras previstas no art.º 104.º da Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, resultando inequívoco do ACT que o trabalhador técnico superior de diagnostico e terapêutica com contrato individual de trabalho deverá ser reposicionado na nova carreira, com consideração da sua antiguidade, mais concretamente através da ficção de existência de um contrato de trabalho em funções públicas, desde a data em que foi contratado, por aplicação das regras previstas para a função pública, designadamente a do art.º 104.º da Lei 12-A/2008 de 27 de fevereiro.

Apesar disso, o réu fez transitar os trabalhadores para a carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica, mas apenas lhes está a contar o tempo de serviço, para efeito de progressão, a partir da entrada em vigor do ACT, o mesmo acontecendo com a avaliação de desempenho; para efeitos de concurso de promoção na carreira e ingresso em categoria superior, o réu já contabilizou o tempo de serviço prestado, desde a data da celebração do contrato individual de trabalho respetivo

O réu contestou, arguindo a ilegitimidade do autor e alegando em síntese que antes da publicação do ACT de 2018, não existia norma que estabelecesse o regime da avaliação de desempenho dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, não podendo proceder o sentido de um efeito cominatório pelo facto da não avaliação eventual. Por outro lado, a situação concreta e a opção casuística verificada em cada caso de cada relação laboral, como o evidencia a cláusula 36ª mostram a inviabilidade de o objeto processual, tal como o modelou o autor, poder ser enfrentado pela concretização de uma sentença.

O autor apresentou requerimento alegando que no dia 2 de novembro de 2023, fora publicada a circular conjunta da ACSS e DGTF, nos termos da qual se determinou a forma de aplicação do acordo coletivo publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 23, de 22 de junho de 2018, da carreira de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, a qual foi fruto das negociações existentes entre os outorgantes do ACT, tendo ficado definido, por via da mesma, o reconhecimento do contrato de trabalho com antiguidade reportada à data do primeiro contrato celebrado e a atribuição e comunicação dos pontos acumulados nos termos do art.º 18.º da LOE de 2018, a efetuar nos mesmos termos que o foram para os trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas, definindo-se, igualmente, que o pagamento dos acréscimos remuneratórios decorrentes da atribuição dos aludidos pontos e reconhecimento da antiguidade dos respetivos contratos individuais de trabalho, deveriam retroagir a 1 de janeiro de 2019, sendo processados e pagos até dezembro de 2023.

Nestes pressupostos, alegando que o réu sempre reconheceu a atribuição de 1,5 pontos por cada ano aos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica com contrato de trabalho em funções públicas, conclui que, em cumprimento da referida circular, mais concretamente do seu ponto 2, se impõe o reconhecimento da antiguidade dos associados aqui representados pelo autor, com atribuição dos mesmos 1,5 pontos por cada ano de trabalho, o que a ser feito até ao prazo estabelecido, implicará a inutilidade superveniente da lide.

No seguimento deste requerimento, em 08/04/2024, o autor veio alegar que o réu comunicou a atribuição de 1 ponto por cada ano apenas até ao ano de 2020, ao invés de 1,5 pontos por cada ano até dezembro de 2023 e, consequentemente, não só reposicionou erradamente os trabalhadores (por ter comunicado menos pontos do que os devidos), como só pagou retroativos a partir de 1 de janeiro de 2022, ao invés de pagar retroativos a 1 de janeiro de 2019, em consequência do que requereu o prosseguimento do processo apenas na parte relativa a:

• reposicionando dos trabalhadores desde o primeiro contrato celebrado como se tivessem celebrado um contrato de trabalho em funções públicas;

• atribuindo os mesmos pontos que deveriam ter sido atribuídos aos trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas (1,5 por cada ano);

• com pagamento de retroativos a 1 de janeiro de 2019 e reconstituição da carreira até e pagamentos a dezembro de 2023.

Na audiência prévia, foi proferido despacho convidando o autor a oferecer um articulado superveniente do qual conste a alegação da circular e da aplicação que dela fez o réu e o que ademais achasse por conveniente, na medida em que tal tivesse repercussão na causa de pedir da ação.

O autor cumpriu o convite reproduzindo o alegado no requerimento de 08/04/2024.

O articulado foi liminarmente admitido e o réu não se pronunciou.

Foi proferido despacho admitindo o articulado superveniente, foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção da ilegitimidade ativa arguida pelo réu, decisão que não foi impugnada, tendo como tal transitado em julgado.

Foi fixado o valor da causa em € 5 000,01 e considerando o tribunal que existiam elementos suficientes que permitiam conhecer do mérito da causa, foram as partes convidadas a emitir pronuncia quanto ao mérito da ação.

As partes apresentaram as suas alegações por escrito, tendo o autor requerido a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido referente à reconstituição da carreira dos associados do A. como se tivessem um contrato em funções públicas, com posicionamento dos trabalhadores na nova tabela e pagamento das respetivas diferenças salariais, alegando que na pendência dos autos, o réu, acolhendo, em parte, as orientações vertidas na circular, reconstituiu a carreira dos trabalhadores tendo por referência o primeiro contrato celebrado ou a 01 de janeiro de 2004, nos contratos celebrados em momento anterior a esta data, como se tratasse de um contrato de trabalho em funções públicas e, em conformidade posicionou os trabalhadores na posição remuneratória de acordo com os pontos atribuídos, pagando diferenças remuneratórios, com efeitos a 01 de janeiro de 2022, ficando apenas por considerar a atribuição de 1,5 pontos por cada ano de serviço e o pagamento de juros civis, o que terá, naturalmente, implicação no reposicionamento destes trabalhadores e no pagamento das diferenças remuneratórias acrescidas de juros.

O “tribunal “a quo” proferiu sentença, na qual, declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide a parte do pedido referente à reconstituição da carreira dos associados do autor como se tivessem um contrato em funções públicas, com posicionamento dos trabalhadores na nova tabela e pagamento das respetivas diferenças salariais.

E pronunciando-se, no mais, quanto ao mérito decidiu julgar a ação procedente e, consequentemente, condenou o réu a aplicar a clausula 26.ª, 36.ª, 37.ª, 7.ª do ACT relativamente aos associados do autor, trabalhadores do réu contratados ao regime do contrato de trabalho, a reconstituir para cada um deles a respetiva carreira como se tivessem sido contratados com um contrato de trabalho em funções públicas, contabilizando 1,5 (um ponto e meio) por cada ano de trabalho, avaliado com a menção qualitativa de “Satisfaz” ou não avaliado, por o Réu não ter procedido a essa avaliação, e posicionando-os na carreira de acordo com a pontuação obtida, pagando-lhes as diferenças salariais a que haja lugar acrescidas dos respetivos juros de mora, desde a data em que cada uma das quantias era devida e não foi paga até efetivo e integral pagamento.


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Inconformado o réu interpôs o presente recurso com vista à revogação da sentença, apresentando alegações que concluiu nos seguintes termos:

“1ª O ACT publicado no BTE nº 23 de 22 de junho de 2018 (páginas 1922 a 1931) e cuja aplicação está “sub judice” não pode comportar efeitos retroativos ao tempo anterior à data da sua aplicação, a 1 de julho de 2018, em harmonia com as regras gerais de aplicação da lei no tempo;

2ª Não estando acolhida nem existindo qualquer distinção entre a interpretação e a aplicação de uma norma constante de um Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho (IRCT), como é o caso daquele ACT, por relação à interpretação e aplicação de uma norma jurídica em geral;

3ª E tal foi e é entendimento jurisprudencial uniforme, como se mostra daquele Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 2024-11-05 (In dgsi) onde se determinou que «Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3). – Ac STJ de 20 de Maio de 2009»

4ª Na verdade e no rigor, como se assinala no aresto do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 2024-11-05, «o direito a avaliação de desempenho … só se adquire a partir de 01 de Julho de 2018 e, portanto, as avaliações anteriores feitas pelo R não poderão ser consideradas para efeito de reposicionamento das carreiras das AA à luz do presente ACT.»;

5ª E não pode, com procedência, condenar-se como o faz a douta sentença «…contabilizando 1,5 (um ponto e meio) por cada ano de trabalho, avaliado com a menção qualitativa de “Satisfaz” ou não avaliado, por o Réu não ter procedido a essa avaliação, e posicionando-os na carreira de acordo com a pontuação obtida» quando e por relação a um tempo cronológico em que não existia a obrigação legal nem contratual da ré de proceder a essa avaliação;

6ª Nem, sempre com a devida vénia, sem uma inequívoca e unívoca definição dos pressupostos de facto que conduzam a uma clara exequibilidade dos seus termos, e nunca por relação a soluções como a enunciada, segundo a qual ««…a previsão do ponto 10.da circular objecto dos autos dever ser interpretada no sentido de o pagamento dos acréscimos remuneratórios a que o trabalhador venha a ter direito por força da alteração do posicionamento remuneratório resultante da implementação dos procedimentos previstos na presente circular, incluindo os eventuais retroativos serem computados à data de 1 de Janeiro de 2019, a não ser que por força das especificas circunstâncias de cada caso o trabalhador apenas tenha direito a acréscimos remuneratórios em data ulterior a 1 de Janeiro de 2019.»

7ª O sentido unitário do ACT em análise visa promover para futuro, com efeitos à data da sua aplicação, a 1 de julho de 2018 a equiparação progressiva dos trabalhadores titulares dos dois títulos de vinculação existentes no mapa de pessoal da ré entidade hospitalar – considerando as idiossincrasias de percursos anteriores de ambos, o dos trabalhadores de emprego público e o dos trabalhadores contratados dos contrato individual de trabalho, equiparação que se alcança, entre outras, das cláusulas do 20ª a 26ª do ACT – e com uma cláusula chave, a constante da cláusula 36ª nº 2 ao aferir – pelo critério do valor hora – a aplicabilidade, ou não, a sujeição, ou não à aplicação unitária do ACT dos trabalhadores do potencial âmbito subjetivo da abrangência pelo IRCT;

8ª A douta sentença recorrida, não obstante o seu mérito intrínseco, com o sentido adotado, afasta-se dessa consideração fulcral de promoção da equiparação e determina, contra a regra de aplicação para futuro das normas jurídicas, consagrada no artigo 12º do Código Civil, em linha com a do artigo 9º, interferindo com a promoção dessas equiparação e harmonia, uma retroatividade ilegal;

9ª A douta sentença recorrida, ainda não obstante o seu mérito intrínseco, prescinde, não podendo fazê-lo, no mínimo da determinabilidade dos virtuais interessados individuais, dos trabalhadores representados pela legitimidade do Sindicato autor, se atuais e desde quando, se meros aderentes futuros;

10ª E adota uma formulação que deixa ambígua, sem fundamento legal, a completude fáctica e jurídica, de exequibilidade intrínseca que caraterizam uma injunção judicial, criando dificuldades a jusante da sua prolação, designadamente quanto à identificação e ou determinação dos representados do Sindicato autor e quanto ao conjunto de factos típicos da sua aplicação;

11ª Com o sentido decisório apontado, violou a sentença recorrida as normas do artigo 12º do Código Civil, as do teor da cláusula 38ª e ainda da 36ª/2 e 8ª do ACT publicado no BTE nº 23 de 22 de junho de 2018 (páginas 1922 a 1931) bem como as normas dos artigos 609º/2 e 704ª6 do CPC criando uma situação de virtual não exequibilidade”.


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O autor apresentou contra-alegações suscitando, como questão prévia, que o recorrente alega nas conclusões 9.ª e 10.ª matéria relacionada com a exceção de ilegitimidade, já decidida por despacho transitado em julgado, pelo que não pode ser apreciada nesta sede.

No mais, sem formulação expressa de conclusões, conclui pela improcedência do recurso.


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Neste tribunal, os autos foram ao Ministério Público para os efeitos previstos pelo art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), não tendo sido emitido parecer na perspetiva de que a citada disposição legal visa satisfazer o interesse do Estado no sentido de serem tutelados os interesses do trabalhador procurando compensar o desequilíbrio que em grande parte das situações se verifica, pelo que onde não se descortine aquele desequilíbrio deverá o Ministério Público deixar, prudentemente, a lide às partes. Acrescenta que a possibilidade de o Ministério Público emitir parecer, tem fundamento no interesse e ordem pública dos valores em presença, concluindo que, no caso, sendo o autor um Sindicato que interveio nos autos devidamente representado por mandatário, nada havendo a suprir, não compete ao Ministério Público imiscuir-se na estratégia processual delineada pelo mandatário, e que não se descortinam quaisquer interesses de ordem pública ou social inerentes à jurisdição laboral que imponham pronúncia do Ministério Público.

Nenhuma das partes se pronunciou.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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Delimitação objetiva do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 - da existência de vícios da sentença (omissão quanto à determinação dos interesses individuais dos trabalhadores representados pelo autor e quanto à identificação e ou determinação dos representados do autor e quanto ao conjunto de factos típicos da sua aplicação);

2 – alteração oficiosa da matéria de facto;

3 - se o tribunal errou na interpretação das cláusulas 7.ª, 26.ª, 36.ª, 37.ªdo ACT aplicável.


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Fundamentação de facto

Foram os seguintes, os factos considerados provados em 1.ª instância:

“1 - O Autor, Sindicato ..., é uma associação sindical, cujos Estatutos estão publicados no BTE n.º 9 de 8 de março de 2012 e no BTE n.º 9 de 8 de março de 2013.

2 - Compete ao Autor, entre outras atribuições, «representar os sócios, em juízo e fora dele, em todos os actos que digam respeito à sua vida profissional».

3 - o Réu é uma pessoa coletiva de direito publico, integrada no setor empresarial do Estado, regendo-se pelas regras daquelas empresas, nomeadamente em matéria de pessoal.

4 - O A. e o Réu e outros hospitais subscreveram o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 23 de 22.06.2018, aplicável aos trabalhadores com contrato individual de trabalho que entrou em vigor em 23.06.2018. – alterado, passando a ter a seguinte redação:

4. O A. e o Réu e outros hospitais subscreveram o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 23 de 22.06.2018, aplicável aos trabalhadores com contrato individual de trabalho.

5 - Os trabalhadores do R sócios do A. são técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica (TSDT) que exercem as funções nas áreas de saúde.

6 - O Réu fez transitar os trabalhadores para a carreira de técnico superior de diagnóstico e terapêutica, porém apenas lhes está a contar o tempo de serviço, para efeito de progressão, a partir da entrada em vigor do ACT.

7 - O mesmo acontecendo com a avaliação de desempenho.

8 - Para efeitos de concurso de promoção na carreira e ingresso em categoria superior, o Réu contabilizou o tempo de serviço prestado, desde a data da admissão na carreira (celebração do contrato individual de trabalho respetivo).

9 - No passado dia 2 de novembro de 2023, foi publicada a circular conjunta da ACSS e DGTF (disponível para consulta em https://www.acss.min-saude.pt/2016/11/24/circularesconjuntas/), nos termos da qual:

Circular informativa conjunta

A empresarialização da saúde, que tem vindo a ganhar relevo no sistema de saúde português, em especial, a partir do início deste século, primeiro através dos hospitais com a natureza de sociedade anónima, e, posteriormente, através dos estabelecimentos de saúde com a natureza de entidade pública empresarial que integram o setor empresarial do Estado, implicou uma alteração do paradigma em termos de gestão de recursos humanos, desde logo, com a sujeição dos trabalhadores contratados ao regime do contrato de trabalho, previsto no Código do Trabalho.

Porém, os trabalhadores com vínculo jurídico de emprego público, contratados antes da transformação da natureza jurídica desses estabelecimentos de saúde, viram a sua situação jurídica ser salvaguardada, o que teve como consequência a coexistência de dois regimes de vinculação distintos, sujeitos a regras igualmente diferentes.

Considerando que essa dualidade de regimes originava, em alguns casos, constrangimentos ao nível da gestão de recursos humanos, foi sentida a necessidade de proceder, tanto quanto possível, à harmonização das duas situações. Neste sentido, em cumprimento do princípio constitucional da contratação coletiva, foram formalizados acordos coletivos outorgados pelas diversas entidades públicas empresarias integradas no SNS (doravante E.P.E.) e os sindicatos representativos dos respetivos grupos profissionais.

Foi precisamente o que sucedeu relativamente aos técnicos superiores das áreas de diagnóstico e terapêutica, conforme acordo coletivo publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 23, de 22 de junho de 2018, celebrado entre o Centro Hospitalar 1..., E.P.E. e outros e o Sindicato ... e outros.

Como resulta das cláusulas que definem a respetiva área e âmbito, o acordo coletivo atrás identificado obriga as entidades prestadoras de cuidados de saúde que revistam a natureza de E.P.E. integradas no Serviço Nacional de Saúde que o subscrevem, bem como os trabalhadores que desenvolvam funções correspondentes às estabelecidas para a carreira de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica a elas vinculados por contrato de trabalho, representados pelas associações sindicais outorgantes.

Por sua vez, quanto aos trabalhadores filiados nas estruturas sindicais outorgantes dos referidos acordos coletivos, contratados pelos estabelecimentos de saúde igualmente outorgantes, em regime de contrato de trabalho, para o exercício de funções correspondentes ao conteúdo funcional da carreira ali regulada antes da celebração deste acordo, decorre da correspondente cláusula 36.ª que os mesmos ficam abrangidos pelo respetivo âmbito, com as especificidades ali previstas, que no essencial se reconduzem à carga horária semanal praticada.

Com efeito, considerando que o período normal de trabalho semanal praticado por esses trabalhadores correspondia, até então, pelo menos em regra, a 40 horas semanais, foi acordado pelas partes que haveria que garantir a necessária paridade com idênticos trabalhadores detentores de um vínculo jurídico de emprego público.

Para tanto, o n.º 3 da mencionada cláusulas 36.ª refere a necessidade de se proceder à reconstituição da situação da carreira do correspondente trabalhador, considerando a data em que este foi contratado pela entidade pública empresarial para o exercício do conteúdo funcional que o mesmo assegure à data da entrada em vigor do correspondente acordo coletivo de trabalho, e apurar qual seria o seu posicionamento remuneratório, caso o mesmo tivesse, na data da sua contratação para o exercício dessas funções, celebrado um contrato de trabalho em funções públicas com remuneração base igual ao da primeira posição remuneratória da respetiva carreira.

Assim, sem prejuízo das competências que recaem sobre a comissão paritária do acordo coletivo atrás referido, sendo necessário garantir uma aplicação uniforme dos instrumentos de regulamentação coletiva em causa, em especial no que respeita a estas E.P.E., esclarece-se o seguinte:

1. Tendo em vista a aplicação do acordo coletivo publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 23, de 22 de junho de 2018, celebrado entre o Centro Hospitalar 1..., E.P.E. e outros e o Sindicato ..., o Sindicato ..., o Sindicato 1... e o Sindicato 2..., deve considerar-se, com vista ao reconstituição na carreira, a data em que foi celebrado e produziu efeitos o contrato de trabalho, desde que não anterior a 2004, nos seguintes termos:

a) Reconhecer-se como sucessão de contratos de trabalho:

i) Os contratos de trabalho sem termo celebrados com uma entidade pública empresarial do SNS, seguidos, sem interrupção de funções, de um contrato de trabalho sem termo, celebrado com outra entidade pública empresarial do SNS;

ii) Os contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, independentemente da entidade com a qual tenha sido celebrado o contrato, desde que abrangida pelo âmbito de aplicação objetivo do Decreto-Lei n.º 564/99, de 21 de dezembro, seguidos, sem interrupção de funções, de contrato de trabalho sem termo, celebrado com entidades públicas empresariais do SNS;

iii) Os contratos de trabalho a termo resolutivo celebrados com a mesma entidade empregadora, cujas funções desempenhadas correspondessem a necessidades permanentes dos serviços e ao qual se siga, sem interrupção de funções, a celebração de contrato de trabalho sem termo.

b) Para reconhecer a continuidade de funções referida na alínea anterior, são irrelevantes as interrupções de serviço que a lei equipara a prestação efetiva e ainda todas as que se destinavam a ultrapassar limites da legislação vigente ou a criar a aparência de carácter não permanente da necessidade que a relação de trabalho visava satisfazer.

2. Para os efeitos previstos na presente circular, a aplicação do artigo 18.º da Lei 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, o apuramento do número de pontos acumulados, à data, para os TSDT em regime de contrato de trabalho, efetua-se nos termos aplicáveis aos TSDT com contrato de trabalho em funções públicas.

3. Idêntico princípio deve ser observado, face ao que decorre da cláusula 25.ª do AC acima identificado, no âmbito da aplicação do regime estabelecido no Decreto-lei n.º 25/2019, de 11 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 34/2021, de 8 de junho.

4. De igual modo, nos termos da mencionada cláusula 25.ª, deve ser aplicado aos trabalhadores abrangidos pelas orientações veiculadas pela presente circular conjunta o regime especial de aceleração do desenvolvimento das carreiras dos trabalhadores com vínculo de emprego público, estabelecido no Decreto-Lei n.º 75/2023, de 29 de agosto.

5. De acordo com o que resultar do disposto nos n.ºs 1 a 3, devem os trabalhadores ser posicionado na posição remuneratória da tabela remuneratória da carreira e categoria que lhes corresponde, em cumprimento do artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, mantido em vigor pela alínea c) do n.º 1 do artigo 42.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual e nos termos da cláusula sobre posicionamento remuneratório do acordo coletivo de trabalho em apreço.

6. Até 31 de janeiro de 2024, através de formulário próprio a desenvolver para o efeito, cada uma das entidades abrangidas, deve dar conhecimento à Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), bem como à Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS, I.P.), da execução da presente circular, informando o número de trabalhadores abrangidos e impacto financeiro envolvido;

7. Com a informação recolhida, a DGTF e a ACSS, I.P. produzirão um relatório, a remeter, respetivamente, aos Gabinetes do Senhor Secretário de Estado do Tesouro e do Senhor Secretário de Estado da Saúde, no prazo máximo de quinze dias a contar do termo do prazo fixado no número anterior.

8. A SMPS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E.P.E. deve prestar à DGTF e à ACSS, I.P., todo o apoio que venha a ser requerido para o efeito.

9. As EPE aqui em causa, mesmo que não tenham que desenvolver qualquer ação em execução da presente circular, por já terem sido assegurados os procedimentos aqui enunciados, devem, igualmente, remeter à DGTF e à ACSS, I.P. a informação referida no n.º 4, respeitando o prazo ali estabelecido.

10. O pagamento dos acréscimos remuneratórios a que o trabalhador venha a ter direito por força da alteração do posicionamento remuneratório resultante da implementação dos procedimentos previstos na presente circular, incluindo os eventuais retroativos que não podem ser anteriores a 1 de janeiro de 2019, tem lugar em dezembro de 2023.

11. A presente circular é divulgada conjuntamente pela DGTF e ACSS, I.P., através de mensagem de correio eletrónico, para todas as entidades públicas empresariais do setor da saúde.

10 - Em Janeiro de 2024, o R. deu início à aplicação da Circular Conjunta de 2 de Novembro de 2023.

11 - O R. comunicou a atribuição de 1 ponto por cada ano apenas até ao ano de 2020, ao invés de 1,5 pontos por cada ano até dezembro de 2023 – cfr. ponto 10 da circularalterado, passando a ter a seguinte redação:

11 - O R. comunicou a atribuição de 1 ponto por cada ano apenas até ao ano de 2020.

12 - O R pagou retroativos a partir de 1 de janeiro de 2022.”


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Apreciação

Resulta das conclusões 9.ª e 10.ª do recurso que a recorrente alega que a sentença recorrida padece do vício de omissão e ambiguidade quanto à determinação ou determinabilidade dos interesses individuais dos trabalhadores representados pelo autor, quanto à identificação e ou determinação dos representados do autor e quanto ao conjunto de factos típicos da sua aplicação.

Ainda que a recorrente não qualifique tais vícios como de nulidade, certo é que, o alegado é suscetível de se subsumir ao disposto pelo art.º 615.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC, pelo que importa que este tribunal se pronuncie.

Dispõe o artigo 615.º n.º 1 al. c) do CPC que é nula a sentença quando, “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”

Está em causa a ambiguidade da parte decisória da sentença.

Segundo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1]: “No regime actual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.”.

Por sua vez resulta da al. d) do mesmo preceito legal que a sentença é nula quando “O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (…)”

Como decorre do art.º 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil, na sentença o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão dessas questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras questões.

E como se pode ler no Ac. RG de 15/03/2018[2] “O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam.”

Sendo assim, importa ter em atenção que o dever de decidir se impõe quanto a questões suscitadas e quanto a questões do conhecimento oficioso, logo a omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, consubstancia-se no incumprimento do dever de decidir aquelas questões.

No caso dos autos, adiantamos já que a sentença não padece de qualquer uma daquelas nulidades.

Na verdade, os fundamentos agora invocados pela recorrente para concluir pela existência de vícios da sentença por omissão e ambiguidade, haviam já sido suscitados na contestação sob a roupagem da ilegitimidade ativa e da “determinabilidade omitida”.

Na verdade, nos arts. 2º a 5º do capítulo II da contestação o recorrente havia alegado o seguinte:

“1º Não existem factos onde a Autor pretenda consubstanciar a pretensão;

2º Não estão identificados os associados / representados do Autor;

3º Nem são sequer determináveis,

4º Sendo certo que a adesão a uma associação sindical, passada, atual ou futura é um ato de vontade, completamente indeterminável;

5º Tudo o que,, diferentemente, se exigiria concretizar, individualizar para a conformação de uma instância válida.”

E os arts. 8.º a 11.º integrado no cap. III sob a epígrafe “As exigências de uma instância válida” da mesma peça, foi alegado que:

“8º Uma instância válida exigível para conduzir ao proferimento de uma sentença exequível não dispensa a apresentação de uma relação jurídica subjacente,

9º com a sua concreta causa de pedir, a qual, para a aplicação das invocadas cláusulas do ACT identificado, exigirá detalhar a situação específica de cada trabalhador virtualmente abrangido, vg, como se sublinhou,

(…)

11º Tudo o que não dispensa, antes exige a apreciação casuística da situação, de facto e da manifestação eventual de vontade dos interessados,

12º E, como se depreende do sentido das cláusulas do ACT, da própria aplicabilidade do seu regime,

13º Em função do patamar remuneratório de cada trabalhador e da

12º incompatível com a modelação do objeto da causa tal como o equaciona do A.”

No despacho saneador, tendo-se pronunciado sobre a exceção da ilegitimidade, tribunal concluiu estarem em causa interesses coletivos dos trabalhadores associados do autor, julgando improcedente a exceção da ilegitimidade.

Esta pronuncia, ainda que tal não tenha sido expressamente afirmado na decisão, contém em si mesma duas consequências relevantes para aquilo que nos ocupa: a irrelevância dos interesses individuais dos trabalhadores e da diferenciação da situação de cada um nos presentes autos e a desnecessidade de pronúncia sobre a questão das “exigências de uma instância válida” já que estava fundada exatamente nos mesmos argumentos invocados a propósito da ilegitimidade, questão cuja apreciação ficou prejudicada.

Nessa medida, não só o tribunal se pronunciou sobre a matéria agora invocada como vício da sentença na decisão que proferiu sobre a ilegitimidade, como não estava obrigado a pronúncia expressa sobre as alegadas exigências de uma instância válida, por a questão ter ficado prejudicada (art.º 608.º, nº 2 do CPC), como ainda a decisão proferida não é já suscetível de impugnação uma vez que não tendo dela sido interposto recurso no prazo legal, transitou em julgado, como bem alegou o autor a título de questão prévia.

Importa ainda referir que, estando em causa a defesa e determinação de interesses coletivos dos associados do autor, inexiste qualquer ambiguidade da decisão, cujo sentido é manifestamente compreensível atentos os fundamentos invocados pelo tribunal e que, de resto, contém pronúncia sobre o pedido tal como formulado pelo autor e relativamente ao qual também não foi suscitado qualquer vício de ininteligibilidade.

A sentença não padece, pois, de qualquer dos vícios que lhe foram apontados.


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Resulta da enunciação das questões que constituem o objeto do recurso que este tribunal se propõe proceder à alteração oficiosa da matéria de facto, questão que agora decidiremos.

Na verdade, o comando normativo do art.º 607.º relativo à discriminação dos factos aplica-se, também, ao Tribunal da Relação, atento o disposto pelo art.º 663.º, n.º 2 do CPC, não podendo o acórdão que aprecie o recurso interposto fundar-se em afirmações meramente conclusivas ou que constituam descrições jurídicas.

Como se escreve no Ac. RP de 08/02/2021[3], “sendo a matéria daqueles itens de natureza conclusiva e também de direito, a mesma é contrária à matéria estritamente factual que deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC [note-se que a inclusão nos fundamentos de facto da sentença de matéria conclusiva (desde que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito enquadra-se na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil, considerando-se uma deficiência na decisão da matéria de facto]”. E como se lê no Ac. RP de 23/11/2017[4], com o qual concordamos, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP”.

Ademais, como se decidiu no Acórdão do STJ de 12/03/2014[5] “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”.

Ora, nestes pressupostos, a matéria contante da parte final do ponto 4 dos factos provados relativa à data da entrada em vigor do ACT, bem como a matéria constante da parte final do ponto 11 dos factos provados, relativa à não atribuição de 1,5 pontos (questão central a resolver nos autos) constituem ostensiva matéria conclusiva e de direito, motivo pelo qual não tem lugar na matéria de facto provada, impondo-se a sua eliminação.

Assim, altera-se a redação daqueles dois pontos que passará a ser a seguinte:

4. O A. e o Réu e outros hospitais subscreveram o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 23 de 22.06.2018, aplicável aos trabalhadores com contrato individual de trabalho.”

11 - O R. comunicou a atribuição de 1 ponto por cada ano apenas até ao ano de 2020.”


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A terceira e última questão a resolver é a relativa ao erro de na interpretação das cláusulas 7.ª, 26.ª, 36.ª, 37.ª do ACT aplicável, que o recorrente imputa ao tribunal “a quo”.

O que se discute no recurso é se o recorrente, face ao teor do ACT, estando obrigado a ficcionar qual seria o posicionamento remuneratório dos trabalhadores vinculados através de contrato individual de trabalho, caso os mesmos tivessem celebrado um contrato de trabalho em funções públicas, à data em que foram contratados pela entidade pública empresarial para o exercício de funções na área de diagnóstico e terapêutica, está obrigado a dar relevância aos pontos que teriam sido atribuídos àqueles trabalhadores por referência às avaliações de desempenho anteriores à entrada em vigor do ACT e se os pontos atribuídos deveriam ser de 1,5 por cada ano.

Antes de mais, importa referir que na sentença recorrida a questão foi apreciada à luz de um ACT que não é o aplicável no caso, o que é manifesto face às cláusulas a que a Mm.ª Juiz se refere na fundamentação (cláusulas 11.ª, 22.ª e 32.ª), que no ACT aplicável não têm a redação que ali foi considerada, e que não são as que servem de fundamento à ação (cláusulas 7.ª, 26.ª, 36.ª e 37.ª).

O ACT aplicável foi publicado no BTE n.º 23 de 22/06/2018 (págs. 1922 a 1931) e foi subscrito pelo autor, o Sindicato ... e por várias instituições hospitalares, incluindo o réu, e nos termos da sua cláusula 1.ª, n.º 2 “obriga as entidades prestadoras de cuidados de saúde que revistam a natureza de entidade pública empresarial, integradas no Serviço Nacional de Saúde, que o subscrevem (doravante, entidades empregadoras) bem como os trabalhadores a elas vinculados por contrato de trabalho de direito privado, representados pelas associações sindicais outorgantes, integrados na carreira de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica.” (sublinhado nosso)

Na mesma data foram publicados outros dois ACT, subscritos pelas mesmas entidades prestadoras de cuidados de saúde, mas com âmbito de aplicação subjetivo diferente daquele.

Um foi o publicado a págs. 1907 a 1914 do BTE n.º 23 de 22/06/2018, e foi celebrado com a Federação ... aplicando-se às relações entre as entidades prestadoras de cuidados de saúde e os trabalhadores que desenvolvam funções correspondentes às estabelecidas para as carreiras de técnico superior, assistente técnico e assistente operacional, a elas vinculados por contrato de trabalho de direito privado, representados pelas associações sindicais outorgantes.

O outro foi publicado a págs. 1915 a 1922 do BTE n.º 23 de 22/06/2018 e foi celebrado com o Sindicato 1... e outros e aplica-se às relações ente as entidades prestadoras e cuidados de saúde e os trabalhadores que desenvolvam funções correspondentes às estabelecidas para as carreiras de técnico superior, assistente técnico e assistente operacional, a elas vinculados por contrato de trabalho, representados pelas associações sindicais outorgantes.

Atento o disposto pelos arts. 492.º e 496.º do Código do Trabalho (doravante CT) não existem assim dúvidas de que, sendo o autor o Sindicato ... e estando em causa questão relativa aos trabalhadores integrados na carreira de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, filiados no autor e vinculados a uma das entidades prestadoras de cuidados de saúde outorgantes, o ACT aplicável é o primeiro que identificámos e não qualquer um dos outros dois, a que se admite que pertençam as cláusulas invocadas na fundamentação da sentença.

Tal ACT, com exceção da cláusula 8.ª, entrou em vigor no dia 01/07/2018, que corresponde ao 1.º dia do mês seguinte ao da sua publicação, conforme estatuído pelas suas cláusulas 2.ª, n.º 1 e 38.ª.

As cláusulas do ACT que relevam para a resolução da questão submetida à nossa apreciação têm o seguinte teor:

Cláusula 7.ª

Avaliação de desempenho

A avaliação do desempenho dos trabalhadores abrangidos pelo presente AC fica sujeita, para todos os efeitos legais, ao regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados na carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica.

Cláusula 26.ª

Desenvolvimento profissional

Os trabalhadores abrangidos pelo presente AC têm direito a um desenvolvimento profissional, o qual se efetua mediante alteração de posicionamento remuneratório ou, sendo o caso, provimento, por concurso, em categoria superior, nos mesmos termos em que estes institutos se encontram regulados para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados na carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica.

Cláusula 36.ª

Aplicação do presente AC

1- Os trabalhadores filiados nas estruturas sindicais outorgantes do presente AC, já contratados pelos estabelecimentos de saúde igualmente outorgantes, em regime de contrato de trabalho, no âmbito do Código do Trabalho, para o exercício de funções correspondentes ao conteúdo funcional da carreira de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, ficam abrangidos pelo presente AC.

2- Com prejuízo do disposto no número anterior, a aplicação da cláusula 8.ª do presente AC, circunscreve-se aos trabalhadores técnicos superiores das áreas de diagnóstico e terapêutica, cujo valor hora da respetiva remuneração base não exceda, na sequência da alteração do período normal de trabalho aqui previsto, o dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas inseridos na carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica.

3- Para efeitos do disposto no número anterior, deve reconstituir-se a situação do técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, no sentido de ficcionar qual seria o seu posicionamento remuneratório, caso o mesmo tivesse celebrado um contrato de trabalho em funções públicas, à data em que foi contratado pela entidade pública empresarial.

Cláusula 37.ª

Reposicionamento remuneratório

3- No que respeita aos trabalhadores que, nos termos previsto na cláusula anterior, optem por manter o regime de trabalho a que correspondam mais de 35 horas semanais, a integração na correspondente tabela remuneratória pressupõe, só para este efeito, que igualmente se ficcione qual seria o seu posicionamento remuneratório, caso os mesmos tivessem celebrado um contrato de trabalho em funções públicas, à data em que foram contratados pela entidade pública empresarial para o exercício de funções na área de diagnóstico e terapêutica presumindo, cumulativamente, que os mesmos se encontram sujeitos a um horário semanal correspondente a 35 horas de trabalho normal.

Entende o recorrente, ao contrário do decidido em 1.ª instância e defendido pelo recorrido, que à luz do ACT as avaliações anteriores não poderão ser consideradas para efeito de reposicionamento das carreiras dos associados do recorrido, pois, o direito a avaliação de desempenho só se adquire a partir de 01 de Julho de 2018, não podendo aqueles trabalhadores serem posicionados na carreira de acordo com a pontuação referente a um tempo cronológico em que não existia a obrigação legal nem contratual de o réu proceder a essa avaliação.

Efetivamente, considerando a extinção parcial da instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao mais que havia sido peticionado, o que está em causa, é se para o reposicionamento remuneratório daqueles trabalhadores deverá ser relevante a avaliação de desempenho desde a admissão de cada trabalhador, nos termos em que a mesma foi efetuada para os trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas.

Não se questiona o objetivo subjacente às referidas cláusulas do ACT de harmonização da situação jurídica dos trabalhadores com vínculo de emprego público com a situação jurídica dos trabalhadores com contrato de trabalho integrados na carreira de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica.

Tal objetivo, contudo, não determina a aniquilação da diferente natureza jurídica dos vínculos contratuais, nem da diferença de enquadramento legal dos mesmos, designadamente no que respeita à sujeição dos vínculos de natureza laboral privada às regras próprias do Código do Trabalho.

Ora, resulta do disposto pelos arts. 478.º, n.º 1, al. c) e 519.º, n.º 1, ambos do CT, que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não têm efeitos retroativos, dispondo apenas para o futuro. A única exceção são as cláusulas de natureza pecuniária, às quais pode ser atribuída eficácia retroativa.

Maria do Rosário Palma Ramalho[6] identifica, o que sejam cláusulas pecuniárias, como sendo apenas aquelas de conteúdo retributivo, ou seja, cláusulas sobre retribuição em sentido estrito e respetivos complementos de natureza retributiva ou remuneratória e não cláusulas que tenham também conteúdo ou efeitos pecuniários, como aquelas que têm efeitos pecuniários associados.

Neste pressuposto, às cláusulas do ACT referentes a avaliação de desempenho, desenvolvimento profissional e reposicionamento remuneratório não pode ser reconhecido efeito retroativo (o qual, de resto, não lhes foi, nem podia ter sido, atribuído).

E esta conclusão tem diversas implicações na solução a dar ao caso concreto. Desde logo a de que os associados do recorrido só adquiriram o direito a avaliação de desempenho efetuada segundo o regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, com a entrada em vigor do ACT, não podendo reclamar quaisquer efeitos de avaliações anteriores.

Isso mesmo, resulta da cláusula 7.ª do ACT que prevê que os trabalhadores abrangidos pelo ACT ficam sujeitos ao regime de avaliação de desempenho vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados na carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, o que significa que se fica sujeita é porque até então não estava. E, de facto, não havia norma legal (lato sensu) que o impusesse, não sendo aplicável aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho o DL n.º 564/99 de 21/12, nem o DL n. º 111/2017 de 31/01.

E porque assim é, o ACT só pode regular as avaliações que se realizaram/venham a realizar desde a respetiva data de entrada em vigor – 01.07.2018 – para futuro.[7]

Consequentemente tem razão o recorrente quando considera que à luz do ACT as avaliações anteriores não poderão ser consideradas para efeito de reposicionamento das carreiras dos associados do recorrido, pois, o direito a avaliação de desempenho só se adquire a partir de 01 de Julho de 2018, não podendo aqueles trabalhadores serem posicionados na carreira de acordo com a pontuação referente a um período de tempo em que não existia a obrigação legal, nem contratual de o réu proceder a essa avaliação.

É certo que a cláusula 36.ª n.º 3 do ACT prevê que deve reconstituir-se a situação do técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, no sentido de ficcionar qual seria o seu posicionamento remuneratório, caso o mesmo tivesse celebrado um contrato de trabalho em funções públicas, à data em que foi contratado pela entidade pública empresarial.

Mas tal ficção apenas releva para efeitos de determinação do âmbito de aplicação da cláusula 8.ª, a qual, em derrogação da regra prevista pelo n.º 1 da mesma cláusula, nos termos do seu n.º 2, se circunscreve aos trabalhadores técnicos superiores das áreas de diagnóstico e terapêutica, cujo valor hora da respetiva remuneração base não exceda, na sequência da alteração do período normal de trabalho aqui previsto, o dos correspondentes trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas inseridos na carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, sendo irrelevante para a situação dos autos.

O mesmo se diga da generalidade dos esclarecimentos constantes da Circular a que se refere o ponto 9 dos factos provados, pois, como deflui do seu teor, os mesmos visaram esclarecer os procedimentos necessários à determinação do valor /hora da remuneração base dos trabalhadores que era pressuposto da aplicação da cláusula 8.ª relativa ao período normal de trabalho de 35h semanais.

Não se ignora que igual ficção se encontra prevista para efeitos de reposicionamento remuneratório, pela cláusula 37.ª, sendo que a mesma só releva para a integração na tabela remuneratória, não já para progressão na carreira.

Sempre se dirá que, no caso, tal ficção não conduziria ao resultado pretendido pelo recorrido, de reconstituição da carreira dos seus associados como se tivessem sido contratados com um contrato de trabalho em funções públicas, contabilizando 1,5 por cada ano de trabalho, avaliado com a menção qualitativa de “Satisfaz” ou não avaliado, por o réu não ter procedido a essa avaliação, e posicionando-os na carreira de acordo com a pontuação obtida.

Na verdade, tal pretensão vem estribada na aplicação do art.º 113º, n.º 1 e 2, al. d) da Lei 12-A/2008 de 27/02 e no art.º 18º da Lei 114/2017 de 29/12 que aprovou o Orçamento de Estado para 2018.

Na parte que releva é o seguinte o teor do referido art.º 113.º

“1 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 47.º e no n.º 1 do artigo 75.º, as avaliações dos desempenhos ocorridos nos anos de 2004 a 2007, ambos inclusive, relevam nos termos dos números seguintes, desde que cumulativamente:

a) Se refiram às funções exercidas durante a colocação no escalão e índice actuais ou na posição a que corresponda a remuneração base que os trabalhadores venham auferindo;

b) Tenham tido lugar nos termos das Leis n.ºs 10/2004, de 22 de Março, e 15/2006, de 26 de Abril.

2 - Para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 47.º, e sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a relevância das avaliações do desempenho referida no número anterior obedece às seguintes regras:

a) Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado preveja cinco menções ou níveis de avaliação, o número de pontos a atribuir é de três, dois, um, zero e um negativo, respectivamente do mais para o menos elevado;

b) Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado preveja quatro menções ou níveis de avaliação, o número de pontos a atribuir é de dois, um, zero e um negativo, respectivamente do mais para o menos elevado;

c) Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado preveja três menções ou níveis de avaliação, o número de pontos a atribuir é de dois, um e um negativo, respectivamente do mais para o menos elevado;

d) Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado preveja duas menções ou níveis de avaliação, o número de pontos a atribuir é de um e meio para a menção ou nível correspondente a desempenho positivo e de um negativo para a menção ou nível correspondente a desempenho negativo.

3 - Quando tenha sido obtida menção ou nível de avaliação negativos, são atribuídos pontos nos seguintes termos:

a) Zero pontos quando tenha sido obtida uma única menção ou nível de avaliação negativos;

b) Um ponto negativo por cada menção ou nível de avaliação negativos que acresça à menção ou nível referidos na alínea anterior.

4 - Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado ao abrigo do n.º 2 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 15/2006, de 26 de Abril, não estabelecesse percentagens máximas, em obediência ao princípio da diferenciação de desempenhos consagrado no artigo 15.º da Lei n.º 10/2004, de 22 de Março, os três e dois pontos previstos nas alíneas a) a c) do n.º 2 são atribuídos tendo ainda em conta as seguintes regras:

a) No caso da alínea a), três pontos para as menções ou níveis de avaliação máximos mais elevados, até ao limite de 5 % do total dos trabalhadores, e dois pontos para as restantes menções ou níveis de avaliação máximos, quando os haja, e para os imediatamente inferiores aos máximos, até ao limite de 20 % do total dos trabalhadores;

b) No caso das alíneas b) e c), dois pontos para as menções ou níveis de avaliação máximos mais elevados, até ao limite de 25 % do total dos trabalhadores.

5 - Quando o sistema de avaliação do desempenho aplicado não permitisse a diferenciação prevista no número anterior, designadamente por não existirem classificações quantitativas, o número de pontos a atribuir obedece ao disposto na alínea d) do n.º 2.

6 - Quando os sistemas específicos de avaliação de desempenho prevêem periodicidade de avaliação não anual, cada classificação ou menção de avaliação atribuída repercute-se em cada um dos anos decorridos no período avaliado.

7 - O número de pontos a atribuir aos trabalhadores cujo desempenho não tenha sido avaliado, designadamente por não aplicabilidade ou não aplicação efectiva da legislação em matéria de avaliação do desempenho, é o de um por cada ano não avaliado. (…).” (sublinhado e negrito nossos)

Por sua vez o art.º 18.º da Lei 114/2017 dispunha que:

“1 - Para os titulares dos cargos e demais pessoal identificado no n.º 9 do artigo 2.º da Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, são permitidas, nos termos dos números seguintes, a partir do dia 1 de janeiro de 2018 e não podendo produzir efeitos em data anterior, as valorizações e acréscimos remuneratórios resultantes dos seguintes atos:

a) Alterações obrigatórias de posicionamento remuneratório, progressões e mudanças de nível ou escalão;

b) Promoções, nomeações ou graduações em categoria ou posto superiores aos detidos, incluindo nos casos em que dependam da abertura de procedimentos concursais para categorias superiores de carreiras pluricategoriais, gerais ou especiais, ou, no caso das carreiras não revistas e subsistentes, incluindo carreiras e corpos especiais, para as respetivas categorias de acesso.

2 - Aos trabalhadores cujo desempenho não tenha sido avaliado, designadamente por não aplicabilidade ou não aplicação efetiva da legislação em matéria de avaliação do desempenho, e sem prejuízo do disposto no artigo 42.º da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, nas situações por este abrangidas, é atribuído um ponto por cada ano não avaliado, ou menção qualitativa equivalente, nos casos em que este seja o tipo de menção aplicável, sem prejuízo de outro regime legal vigente à data.

3 - Aos trabalhadores cujo desempenho tenha sido avaliado com base em sistemas de avaliação de desempenho sem diferenciação do mérito, nomeadamente sistemas caducados, para garantir a equidade entre trabalhadores, é atribuído um ponto por cada ano ou a menção qualitativa equivalente sem prejuízo de outro regime legal vigente à data, desde que garantida a diferenciação de desempenhos.” (sublinhado e negrito nossos)

Ora, como já vimos, até a entrada em vigor do ACT (01/07/2018), não existia qualquer norma legal que impusesse a avaliação de desempenho dos técnicos de diagnóstico e terapêutica vinculados através de contrato de trabalho, não sendo aplicável aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho o DL n.º 564/99 de 21/12, nem o DL n. º 111/2017 de 31/01, ao que acresce que não resulta da matéria de facto provada que o réu tivesse avaliado os trabalhadores associados do recorrido ao abrigo daqueles regimes legais ou de outros.

Nessa medida, na ficção a que alude a citada cláusula 37.ª, n.º 3, no que respeita à atribuição de pontos relativa à avaliação de desempenho, seria aplicável não o n.º 2, mas o n.º 7 do art.º 113º da Lei 12-A/2008, segundo a qual o número de pontos a atribuir seria de 1 por cada ano e não de 1,5 como reclamado pelo recorrido, o mesmo resultando da aplicação do art.º 18.º, n.º 2 da Lei 114/2017.

O recorrido invocava ainda em abono da sua tese o DL 25/2019 de 11/02 que no seu art.º 4.º-A, aplicável por força do art.º 5.º-A, ao trabalhadores integrados na carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, independentemente do vínculo contratual, nos termos do art.º 5.º-A sob a epígrafe “Reposicionamento remuneratório decorrente da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro”, dispõe que:

“1 - As valorizações remuneratórias previstas no artigo 18.º e seguintes da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, e no artigo 16.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, Orçamento do Estado para 2018 e 2019, respetivamente, devem ocorrer na nova carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica, sem efeitos retroativos de natureza pecuniária.

2 - Para efeito das valorizações remuneratórias referidas no número anterior, devem ser contabilizados os pontos correspondentes ao tempo de serviço e à avaliação de desempenho da pretérita carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica.”

Tais disposições, aditadas pela Lei n.º 34/2021 de 08/06 apenas entraram e vigor a partir de 01/01/2022 e a sua aplicação, como resulta do supra exposto, também não conduziria ao resultado pretendido pelo recorrido, já que, por um lado não permite efeitos retroativos de natureza pecuniária, ou seja, anteriores a 01/01/2022 e, por outro, não existe no caso dos associados do recorrido avaliação de desempenho relevante anterior à entrada em vigor do ACT.

Tudo visto, afigura-se não existir qualquer motivo para que se impusesse à recorrente a contabilização de 1,5 ponto por cada ano de trabalho dos trabalhadores associados do recorrido, não merecendo censura o procedimento pela mesma adotado ao contar o tempo de serviço e avaliação de desempenho, para efeito de progressão, a partir da entrada em vigor do ACT, com atribuição de 1 ponto por cada ano.

E a tal conclusão não obsta o princípio da igualdade, designadamente na sua vertente de que para trabalho igual ou de igual valor, salário igual (art.º 270.º do CT).

O nº 2 do art.º 23.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (com valor constitucional por força do nº 2 do art.º 16.º da CRP) estabelece que «2 - Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.»

O art.º 7.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (ratificado pela Lei 45/78) estabelece que “Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem em especial:

a) Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores;

i) Um salário equitativo e uma remuneração igual para um trabalho de valor igual, sem nenhuma distinção (…).”

Com relevo específico no caso dos autos, importa considerar o que resulta do art.º 270.º do CT de 2009 segundo o qual, na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que para trabalho de valor igual, salário igual.

Segundo o disposto pelo art.º 23.º CT de 2009 é “Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador, são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade” e é “Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.”

As prescrições contidas nos referidos preceitos do CT de 2009 apresentam-se como corolário do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa, o qual se mostra concretizado, no que concerne à retribuição, no seu art.º 59.°, n.º 1, alínea a), onde se estatui que «[t]odos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna».

Tal preceito visa, no fundo, assegurar uma justa retribuição do trabalho.

As exigências deste princípio constitucional reconduzem-se, no fundo, à proibição do arbítrio.

Não significam, pois, a proibição em absoluto de toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objetiva e racional[8]

A diferenciação de tratamento é legítima sempre que não se fundamente em razão de «… ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social», como se refere exemplificativamente no n.º 2 do art.º 13º da Constituição da República, ou seja, sempre que se mostre razoável, racional e objetivamente fundada.

Como se escreveu no Acórdão n.º 313/89 do Tribunal Constitucional, disponível in www.dgsi.pt., «o princípio a trabalho igual salário igual” não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço. O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas. Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias».

Por seu lado, o mesmo Tribunal, no Acórdão n.º 282/2005, de 6 de julho refere que o princípio da igualdade convoca três dimensões: “[(a)] a proibição do arbítrio, consubstanciada na inadmissibilidade de diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, apreciada esta de acordo com critérios objetivos de relevância constitucional, e afastando também o tratamento idêntico de situações manifestamente desiguais; (b) a proibição de discriminação, impedindo diferenciações de tratamento entre os cidadãos que se baseiem em categorias meramente subjetiva ou em razão dessas categorias; (c) e a obrigação de diferenciação, como mecanismo para compensar as desigualdades de oportunidades, que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural”.

De acordo com o ensinamento de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pp. 127-128, a proibição de discriminação ínsita no âmbito de proteção do princípio da igualdade «não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento», o que se exige «é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio. As diferenciações de tratamento podem ser legítimas quando: (a) se baseiem numa distinção objectiva de situações; (b) não se fundamentem em qualquer dos motivos indicados no n.º 2; (c) tenham um fim legítimo segundo o ordenamento constitucional positivo; (d) se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas à satisfação do seu objectivo».

Isto é, deve tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

Como decidiu o Ac. do STJ de 14/05/2008, já identificado em nota de rodapé, especificamente o princípio constitucional “a trabalho igual salário igual” visa que nenhum trabalhador seja discriminado, em termos de retribuição, relativamente a outros trabalhadores que executam igual trabalho em termos de quantidade, natureza, qualidade ou valor.

Haverá violação da igualdade em termos salariais, na perspetiva deste princípio, se a diferenciação da retribuição não resultar de critérios objetivos, ou seja, se o trabalho prestado pelo trabalhador discriminado for igual ao dos restantes trabalhadores, não só quanto à natureza (tendo em conta a sua dificuldade, penosidade e perigosidade), mas também em termos de quantidade (duração e intensidade) e qualidade (de acordo com as exigências, conhecimentos, prática e capacidade), ou se for de igual valor.

Daí que a violação do referido princípio constitucional não decorra, necessariamente, da circunstância de trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria profissional auferirem diferentes remunerações: é necessário que se demonstre que, para além da paridade formal das funções exercidas com uma certa categoria, existe também identidade ou equivalência no plano da quantidade e qualidade do trabalho produzido ou do respetivo valor, impendendo sobre o trabalhador que invoca a discriminação o ónus da alegação e da prova dos factos constitutivos do seu direito nos termos do art.º 342.º, nº 1 do Código Civil, caso não invoque como fundamento da discriminação qualquer dos fatores a que se refere o art.º 24, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009.

Neste sentido se pronunciou, entre outros, o Ac. STJ de 01/06/2017[9], em cujo sumário se pode ler:

“ (…) 2. O art.º 24.º, do mesmo diploma legal, consagra o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, elencando, de forma exemplificativa, fatores suscetíveis de causar discriminação, tais como a ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.

3. Quando as situações referidas são invocadas como fatores de discriminação, nomeadamente, no plano retributivo, o legislador, no n.º 5, do art.º 25, do diploma legal referido, estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastando-se da regra geral, prevista no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.

4. Já quando for alegada violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que tenha sido invocado quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do mencionado art.º 342.º, n.º 1, dos factos constitutivos do direito alegado, não beneficiando da referida presunção.”

No caso, não só a diferença de tratamento em termos de posição remuneratória na qual os associados do recorrido foram integrados após a entrada em vigor do ACT, se mostra fundada quer neste, quer na demais legislação aplicável como vimos, como, impendendo sobre o autor o ónus de alegar e demonstrar que as funções que aqueles desempenham são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade, quantidade às desempenhadas pelos trabalhadores da mesma categoria e carreira vinculados com contratos em funções públicas (trabalho igual) e que as funções que desempenhava eram equivalentes, quanto à qualificação ou experiência exigidas, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho era efetuado (trabalho de valor igual), nada foi invocado ou provado nesse sentido.

Não se pode, pois, concluir pela verificação de qualquer violação do princípio da igualdade em geral, nem na sua vertente específica do princípio de que para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.

O recurso procede, assim, integralmente.


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Nos termos do disposto pelo art.º 527.º do CPC, tendo ficado integralmente vencido, são da responsabilidade do autor/recorrido, as custas nas duas instâncias.

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Decisão

Por todo o exposto acorda-se alterar oficiosamente a matéria de facto provada nos termos acima consignados e julgar o recurso procedente e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se o réu do pedido.

Custas pelo recorrido nas duas instâncias.


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Notifique.

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Porto, 07/04/2025
Maria Luzia Carvalho
António Luís Carvalhão
Rita Romeira
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[1] Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. II, 3.ª edição, pág. 736-7.
[2] Processo n.º 1453/17.3T8BRG.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Processo n.º 7011/19.0T8PFR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 811/13.3TBPRD.P1 e no mesmo sentido, entre outros, o Ac. RP de 08/02/2021, Processo n.º 7011/19.0T8PFR.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Tratado de Direito do Trabalho, Parte III, Situações Laborais Coletivas, Almedina, 3.ª edição, págs. 288 e 289.
[7] Neste mesmo sentido veja-se a seguinte jurisprudência unânime, ainda por referência aos demais ACT supra identificados e que não têm aplicação no caso dos atos, mas cujas disposições são, na parte que aqui interessa de conteúdo semelhante ao das cláusulas relevantes nos autos: Ac. RE de 12/01/2023, processo n.º 3594/21.3T8FAR.E1, Ac. RG de 16/03/2023, processo n.º 247/22.9T8BCL.G1, Ac. RE de 28/06/2023, processo n.º 4442/22.0T8TMR.E1, Ac. RE de 14/09/2023, processo n.º 2988/21.7T8STR.E1, Ac. RE de 28/09/2023, processo n.º 3258/21.8T8STR.E1 e Ac. RP de 05/11/2024, processo n.º 3835/22.0T8PRT.P1, em que foram relatora e 2.º adjunto, os aqui 1.º e 2.ª adjuntos, respetivamente.
[8] Entre outros, vd. o Acórdãos do STJ de 14/05/2008, processo 07S519 em www.dgsi.pt..
[9] Processo n.º 816/14.0T8LSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.