ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS LABORAIS
ATO DISCRIMINATÓRIO / MUDANÇA DO LOCAL DE PRESTAÇÃO DE ATIVIDADE
ASSÉDIO MORAL
Sumário

I – Não cumpre o ónus previsto pelo art.º 640.º, n.º 2, al. b) do CPC. a mera transcrição de passagens de depoimentos constantes motivação da decisão da matéria de facto que integra a sentença.
II - O prazo de prescrição dos créditos laborais só se inicia com o termo da relação de dependência do trabalhador relativamente ao empregador e do poder de direção do empregador relativamente ao trabalhador.
III – Apesar da existência de cláusula contratual de mobilidade geográfica, constitui ato discriminatório a mudança do local de prestação de atividade de trabalhadora que nos últimos 10 anos trabalhou no mesmo local, quando tal mudança é motivada pelo exercício do direito à dispensa para amamentação.
IV – Constitui assédio moral, a prática de atos humilhantes, vexatórios e constrangedores consubstanciados na degradação de funções, no descrédito profissional e no abuso emocional.
V – Constituem danos patrimoniais cuja reparação é da responsabilidade do empregador, os custos com as deslocações que a trabalhadora passou suportar devido ao facto de, por determinação ilícita e culposa daquela, passar a trabalhar num local mais distante da sua residência.
VI – Uma vez que o subsídio de alimentação se destina a fazer face a despesas concretas que o trabalhador presumivelmente tem que efetuar para “ir trabalhar”, e não um ganho acrescido resultante da sua prestação laboral, o não recebimento de tal prestação, durante os períodos de baixa médica ainda que imputáveis à atuação da entidade empregadora, não consubstancia um dano.

Texto Integral

Processo n.º 9469/22.1T8PRT.P1

Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – J3

Acordam os juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório (seguindo de perto o relatório da sentença recorrida)

AA, intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra Centro ..., peticionando a condenação deste:

a) A ver reconhecida como data da admissão da autora, mediante contrato de trabalho, 1 de Janeiro de 2008.

b) A ver reconhecida a progressão da carreira da autora: - Psicóloga de 3ª nos anos de 2008 a 2010; Psicóloga de 2ª nos anos de 2011 a 2013; Psicóloga de 1ª nos anos de 2014 a 2016; Psicóloga Principal desde 2017 até à presente data; - pagando as diferenças salariais respetivas, incluindo as relativas a diuturnidades (uma desde 1 de Janeiro de 2013, duas desde 1 de Janeiro de 2018 até à presente data), cujo apuramento terá lugar após a junção aos autos pela ré de todos os recibos de vencimento da autora e comprovativos de todos os valores que à mesma pagou, incluindo os anos de 2008 a Janeiro de 2011, até ao julgamento da causa ou em execução de sentença;

c) Pela prática discriminatória direta em razão de direitos relacionados com a parentalidade, lesiva da autora, nos termos das disposições constantes da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º, n.º 1 dos artigos 24.º e 25.º, todos do Código do Trabalho;

d) Pela prática de assédio moral na pessoa da autora, nos termos das disposições constantes nos n.ºs 1, 2 e 5 do artigo 29.º e n.º 1 do artigo 24.º, ambos do Código do Trabalho;

e) A cessar as práticas discriminatórias e abusivas de que a autora é vítima, repondo-a no seu local de trabalho – Lar ... e concedendo-lhe o horário de trabalho flexível, de acordo com a denominada Plataforma obrigatória indicada:

De segunda a sexta-feira:

das 11h00 às 13h30

das 13h30 às 14h00 – descanso para almoço

das 14h00 às 15h00

sábado: descanso complementar; domingo: descanso semanal

f) A pagar à autora, a título de danos patrimoniais, €7.875,26, a que acrescerão todas as quantias que esta deixar de auferir até à cessação das práticas discriminatórias e abusivas de que é vítima, e até quando se encontre clinicamente curada regressando ao trabalho;

g) A pagar à autora, a título de danos não patrimoniais a indemnização, a fixar de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal, mas que se julga ser de 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade – atualmente € 16.723,33 - até à cessação das práticas discriminatórias e abusivas de que é vítima, e até quando se encontre clinicamente curada regressando ao trabalho.

Alegou, em síntese, que:

No dia 30/12/2005, celebrou com a ré um contrato de estágio profissional de 9 meses, prorrogado por mais 3, para exercer as funções inerentes à categoria de psicóloga, em vários lares e infantários de que a ré é titular. No início de 2008, a ré propôs à autora, que aceitou, o exercício da sua atividade profissional, mediante contrato de trabalho, exclusivamente no Lar ..., no Porto. Contudo, fê-lo ao abrigo de “falsos recibos verdes”, desde 01/01/2008 até 31/01/2011 e sob a veste de um contrato de prestação de serviços, já que desde a sua admissão, a autora sempre cumpriu horário de trabalho de 35 horas semanais, que lhe foi imposto pela ré e nas instalações desta, sempre auferiu subsídio de Natal e de férias, como os demais trabalhadores; era convocada semanalmente para reuniões técnicas com a diretora da instituição, para dar conta das tarefas realizadas e obter diretrizes e ordens de serviço.

No dia 01/02/2011, as partes celebraram ainda contrato de trabalho a termo certo.

À relação laboral em apreço é aplicável o CCT entre a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) e a Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e Outros (FEPCES), publicado no BTE n.º 41, de 08/11/2019, com base no qual peticiona o reconhecimento da progressão na carreira profissional e diferenças salariais, desde a data da sua contratação, ou seja, 01/01/2008.

Por outro lado, alega que no decurso da sua licença parental inicial, foi a autora convocada pela diretora do Lar ... para uma reunião com a Presidente da Direção da ré e a Dr.ª BB, também diretora, a qual teve lugar no início de Abril de 2019, tendo sido questionada pela Presidente da Direção sobre se pensava gozar a licença de amamentação, ao que a mesma respondeu afirmativamente. Perante tal resposta e a redução do horário que tal implicava, escudando-se na dimensão do Lar, foi transmitido à autora pela Presidente da Direção que a mesma seria transferida para o Centro de Dia, onde havia menos utentes. Tal justificação para a mudança de local de trabalho é discriminatória, abusiva e ilegal.

Durante o tempo em que prestou trabalho no Centro de Dia, a autora foi vítima de inúmeras humilhações e atitudes persecutórias, com o objectivo de a perturbar, constranger e compelir a despedir-se, o que a levou a ficar de baixa psiquiátrica durante seis meses, desde Março até Agosto de 2020.

Em Setembro de 2020, a autora foi transferida temporariamente para o Lar 1..., transferência que a autora refutou, desde logo pela distância a que o mesmo se situava da sua residência, com os incómodos inerentes às viagens, respetivas despesas de deslocação e dificuldades relacionadas com a amamentação do seu filho.

Essa transferência, contrariamente ao referido não foi temporária, já que não lhe foi mais permitido regressar ao Lar ....

A 10/01/2022, a autora requereu à ré a atribuição de horário flexível, mas sem resposta. Apresentou queixa junto da CITE por discriminação e assédio moral, a qual, por deliberação unânime, decidiu remeter o parecer à ACT para averiguação dos indícios daquelas práticas, que entendeu existir.

Reclama da ré o pagamento das diferenças salariais decorrentes da remuneração auferida durante os períodos de incapacidade para o trabalho e o salário, diuturnidades e subsídio de alimentação, na medida em que a sua incapacidade se deveu a culpa exclusiva da ré.

Mais reclama da ré o pagamento das despesas de deslocação que teve de suportar e de uma indemnização pelos danos não patrimoniais que invoca ter sofrido.

Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré apresentou contestação, aceitando apenas o facto alegado no artigo 1.º da petição inicial.

Alegou, em suma, que após o estágio profissional, a autora foi contratada pela ré como prestadora de serviços, gozando de autonomia técnica, utilizando os seus próprios instrumentos e recebendo os respetivos honorários à razão do valor hora estabelecido entre as partes. A autora não esteve sujeita a controlo de assiduidade ou de presenças, muito embora os seus serviços estivessem sujeitos à devida harmonização de tarefas e respeito pelas regras técnicas implementadas na ré.

Estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida no ano de 2008, não é convocável a presunção estabelecida no artigo 12.º, do Código do Trabalho. Ainda que assim não fosse, sempre estaria prescrito o direito da autora relativamente a tal contrato.

O contrato de trabalho celebrado entre as partes a 01/02/2011, foi objeto de aditamento a 27/02/2017, nos termos do qual a autora passou a exercer as funções de psicóloga de 1.ª e a auferir a quantia de €1.098,00.

Nega as alegações da autora a respeito do tratamento discriminatório, referindo que foi a diretora do Lar ... que comunicou à direção da ré a imprescindibilidade da continuação da psicóloga Dr.ª CC naquele lar, dada a sua intervenção na implementação do sistema informático de gestão do próprio lar. Paralelamente, era preciso substituir a psicóloga que até então desempenhava funções no Centro de Dia a tempo parcial. Portanto, à autora foram explicados os motivos da sua transferência para aquele Centro de Dia, os quais foram por si aceites. O mesmo sucedeu aquando da sua transferência para o Lar 1....

Nega que alguma vez tenha tido conhecimento ou sequer dado instruções no que toca ao modo de exercício da atividade profissional por parte da autora naqueles equipamentos, sobretudo no Centro de Dia, jamais lhe tendo a autora reportado os acontecimentos tidos por assediantes.

Nos contratos celebrados com a autora ficou sempre a constar e foi acordado entre as partes que aquela prestaria funções para a ré no Lar ... ou em qualquer outro estabelecimento do Centro ..., o que a autora não podia desconhecer. Aliás, isso mesmo aconteceu e acontece com outros trabalhadores da ré. Por outro lado, a morada da autora situa-se em Paredes, sendo mais próxima do Lar 1... do que do Lar ..., pelo que a sua transferência para aquele não é causadora de qualquer prejuízo sério.

Nunca a autora reclamou o pagamento de despesas de deslocação. Jamais indeferiu o horário flexível requerido pela autora. Não vislumbra a existência de qualquer nexo de causalidade entre a baixa médica e o cumprimento do horário de trabalho.

Imputa à autora a litigância de má fé, pedindo a sua condenação a esse título, em multa e indemnização a seu favor.

Findos os articulados, foi dispensada a realização da audiência prévia, bem como a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Foi realizada audiência de julgamento, no decurso da qual foi a autora convidada a alegar a factualidade subjacente à aplicação do CCT que invoca, tendo-se ambas as partes pronunciado.

Foi proferida sentença que que julgando a ação parcialmente procedente, decidiu o seguinte:

“A) Condena-se a ré a reconhecer como data de admissão da autora, mediante contrato de trabalho, Fevereiro de 2008.

B) Condena-se a ré a cessar as práticas discriminatórias e abusivas de que a autora é vítima, reintegrando-a no seu local de trabalho – Lar ... -, concedendo-lhe o horário flexível, de acordo com a seguinte plataforma obrigatória: de segunda a sexta-feira das 11h00 às 13h30; das 13h30 às 14h00 descanso para almoço; das 14h00 às 15h00; sábado: descanso complementar; domingo: descanso semanal.

C) Condena-se a ré a pagar à autora, a título de danos patrimoniais (despesas de deslocação e subsídio de alimentação), a quantia de €3.069,60 (três mil e sessenta e nove euros e sessenta cêntimos), a que acrescerão todas as despesas que a autora suporte com deslocações até à sua reintegração no Lar ....

D) Condena-se a ré a pagar à autora, a título de danos não patrimoniais, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros).

E) Absolve-se a ré do demais contra si peticionado.

F) Julga-se improcedente a excepção de prescrição dos créditos.

G) Julga-se improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má fé, absolvendo-a do pedido que contra si formulou a ré.”


*

Inconformada a ré interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

………………………………

………………………………

………………………………


*

A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, quer de facto quer de direito, sem apresentar formalmente conclusões.

*

A Mm.ª Juiz “a quo” pronunciou-se no sentido da inexistência de nulidade da sentença e admitiu regularmente o recurso.

*

Recebidos os autos neste tribunal, o Ministério Público que teve vista nos autos nos termos do disposto pelo art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), pronunciou-se no sentido de que as conclusões deveriam ser aperfeiçoadas, o que foi indeferido por despacho da relatora.

Foi então emitido parecer no sentido de o recurso não obter provimento.

Nenhuma das partes se pronunciou sobre o dito parecer.


*

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

*

Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 – nulidade da sentença;

2 – impugnação da decisão da matéria de facto;

3 – se desde fevereiro de 2008 até 31/01/2011 não existiu entre a autora e a ré um contrato de trabalho;

4 – em caso de resposta negativa à questão anterior, se estão prescritos os créditos da autora emergentes de tal contrato;

5 – se a atuação da recorrente não configura assédio laboral sobre a recorrida;

6 – se não é devida à recorrida qualquer “quantum” indemnizatório, ou se, pelo menos, devem ser reduzidas as quantias fixadas na sentença.


*

Fundamentação de facto

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

«1) A Ré é uma associação que tem como objecto a prossecução de actividades de carácter cultural, desportivo, recreativo, económico e de segurança social, visando o apoio geral a todos os seus associados e o aproveitamento dos tempos livres dos mesmos.

2) Em 30.12.2005, a Autora foi admitida ao serviço da Ré mediante a celebração de um contrato de estágio profissional de 9 meses, prorrogado por mais três, ou seja, até 31.12.2006, para exercer funções inerentes à categoria de Psicóloga, em vários lares e infantários de que aquela é titular.

3) No início de 2008, a Ré propôs à Autora, que aceitou, o exercício da sua actividade profissional, mediante contrato de trabalho, na altura exclusivamente no Lar ..., no Porto, por ser um local com um grande volume populacional (na altura 220 utentes) e por ser a única estrutura com lugar no quadro de pessoal para Psicólogo. – alterado passando a ter a seguinte redação:

3) No início de 2008, a Ré propôs à Autora, que aceitou, o exercício da sua atividade profissional, na altura exclusivamente no Lar ..., no Porto, por ser um local com um grande volume populacional (na altura 220 utentes) e por ser a única estrutura com lugar no quadro de pessoal para Psicólogo.

4) Entre data não concretamente apurada do mês de Fevereiro de 2008 e 31.01.2011, a Ré, que carecia da prestação de trabalho da Autora, obrigou-a a sujeitar-se ao esquema dos “falsos recibos verdes”, impondo-lhe a assinatura de um falso contrato de prestação de serviços, datado de 1 de Setembro de 2008, do seguinte teor: - alterado passando a ter a seguite redação:

4) Entre data não concretamente apurada do mês de Fevereiro de 2008 e 31.01.2011, a Ré carecia da prestação de trabalho da Autora, tendo esta prestado a sua atividade profissional àquela emitindo “recibos verdes”, tendo as partes assinado, em 1 de Setembro de 2008, documento escrito, denominado de contrato de prestação de serviços, com o seguinte teor:

5) Desde a admissão, a Autora sempre cumpriu horário de trabalho de 35 horas semanais – segunda a sexta-feira; domingo descanso semanal; sábado descanso complementar - que lhe foi imposto pela Ré e nas instalações desta.

6) Sempre auferiu subsídio de férias e de Natal, como os demais trabalhadores da Ré.

7) Era convocada semanalmente para reuniões técnicas com a directora da instituição para dar conta das tarefas realizadas, obter directrizes e um conjunto de ordens de serviço, tais como, a da submissão para aprovação dos protocolos de intervenção técnica.

8) A 01.02.2011, a ré fez a autora assinar um contrato de trabalho a termo certo, que se regeu, entre outras, pelas seguintes cláusulas:

9) Tal contrato foi objecto de sucessivas renovações em 01.02.2014 e 14.06.2014, pelo período de 6 meses cada.

10) No dia 27.02.2017, foi outorgado entre as partes um denominado «aditamento ao contrato de trabalho», do seguinte teor:

CLÁUSULA 1.ª

1.O Primeiro Contraente admitiu a Segunda ao seu serviço para lhe prestar a actividade correspondente à Categoria de Psicóloga de 3ª.

2. As partes acordam em que a Segunda Contraente passe a exercer as funções inerentes à Categoria de Psicóloga de 1ª. para as quais tem as qualificações e capacidade necessárias.

CLÁUSULA 3.ª

A Segunda Contraente continuará a desempenhar as suas funções no Lar ..., sito na Rua .... ... Porto, ou em qualquer estabelecimento da Primeira Contraente.

CLÁUSULA 4.ª

O período normal de trabalho a prestar pela Segunda Contraente é de 35 horas semanais, distribuídas por 5 dias da semana, de segunda a sexta-feira. sendo o período diário de trabalho interrompido por um intervalo para almoço, com a duração de uma hora.

CLÁUSULAS.5.ª

O Primeiro Contraente altera a retribuição da Segunda Contraente para ... a partir de Março/2017.

CLÁUSULA 6.ª

1. As notificações e comunicações relacionadas com o contrato de trabalho ou com as obrigações nele assumidas, serão feitas por carta registada com aviso de recepção:

2. O Primeiro e Segunda Contraentes elegem seu domicílio contratual para efeitos das notificações e comunicações relacionadas com o presente contrato de trabalho ou com obrigações nele assumidas, ou ainda, para efeitos de citação decorrente de eventual litígio judicial, as respectivas moradas constantes da presente adenda;

3. Qualquer alteração ao domicílio convencionado no número anterior deverá ser comunicada à contraparte, por carta registada com aviso de receção, nos 30 (trinta) dias posteriores à verificação da referida alteração sob pena de não poder ser contra elas invocadas.»

11) A ré reconheceu à Autora a categoria de psicóloga principal em Janeiro de 2020.

12) Foram as seguintes as remunerações da Autora declaradas pela Ré perante a Segurança Social:

13) A autora não é filiada em nenhuma associação sindical.

14) Em data não concretamente apurada do ano de 2018, quando a autora engravidou e antes de entrar de baixa médica por gravidez de risco clínico, a Ré determinou-lhe que ensinasse “todos os procedimentos” à sua “substituta” de nome CC que não tinha qualquer experiência na área da psicogeriatria e nunca tinha trabalhado com idosos.

15) Após o nascimento do seu filho, ocorrido em 25.10.2018 e ainda no decurso da licença parental inicial, a Autora foi convocada pela Dr.ª DD, à data directora do Lar ..., para uma reunião com a Dr.ª EE, Presidente da Direcção da Ré, e a Dr.ª BB, também directora.

16) Nessa reunião, do início de Abril de 2019, a Dr.ª EE limitou-se a questionar a Autora sobre se “estava a pensar gozar a licença de amamentação”.

17) Perante a resposta afirmativa da Autora, a Dr.ª EE transmitiu-lhe que: “O Lar ... é uma estrutura muito grande, e trabalhar apenas 5 horas (horário de amamentação) é muito pouco, por isso nós vamos mandá-la para o Centro de Dia, que lá tem menos utentes e o horário é mais compatível com o seu”.

18) A Autora tentou refutar tal decisão, argumentando, nomeadamente que:

- todas as suas colegas de equipa já tinham sido mães e tiveram sempre o direito de gozar as suas licenças e regressar ao seu posto de trabalho;

- conhecia muito bem a estrutura do lar por ter uma dedicação de 10 anos de trabalho efectivo e exclusivo no Lar ... e, por isso, sabia que conseguiria continuar a tratar de todos os assuntos e a dar o acompanhamento necessário na área da Psicologia como sempre;

- pediu que tivessem em consideração que tinha acabado de ter um bebé e que morava mesmo ao lado da instituição onde trabalhava e que a deslocação para outra instituição no Centro do Porto iria implicar menos tempo com o seu filho e custos enormes, como seja, o de parqueamento da viatura.

19) Nenhum dos argumentos foi tido em consideração, tendo a Ré comunicado à Autora, em 5 de Abril de 2019, que a partir de 11 de Abril se deveria apresentar ao trabalho, embora temporariamente, no Centro de Dia ....

20) Não foi dada sequer à autora a oportunidade de tentar cumprir o seu trabalho no Lar ....

21) A pessoa que a foi substituir, logo que foi contratada, solicitou o estatuto de trabalhador-estudante.

22) Aquando da transferência, foi comunicado à Autora, pela direcção da Ré, que o horário de trabalho que estava obrigada a cumprir era: de segunda a sexta-feira, das 10h00-13h00 e das 14h00-16h00.

23) A Autora solicitou de imediato a realização de jornada contínua de 5 horas, o que lhe que lhe foi sempre negado de forma veemente.

24) A Autora, no Centro de Dia, sem qualquer explicação para tanto, foi obrigada a elaborar diariamente “um mapa/horário” onde tinha de descrever dia-a-dia, hora a hora, tudo o que fazia,

25) O qual entregue à Dr.ª BB e era algo que nunca lhe tinha sido pedido em tantos anos de trabalho e lhe causou grande perturbação e ofensa da sua integridade moral.

26) Mais ninguém do corpo técnico da Ré foi ou é obrigado a isso.

27) Como foi obrigada pela Ré, com o intuito de a humilhar, rebaixar e desclassificar, a realizar, quer no Centro de Dia quer no Lar 1..., “actividades de grupo” com os utentes. – alterado, passando a ter a seguinte redação:

27) Como foi obrigada pela Ré, a realizar, quer no Centro de Dia quer no Lar 1..., “atividades de grupo” com os utentes.

28) Os psicólogos não realizam tais actividades com os utentes, para isso existem terapeutas e animadores sócio-culturais, e tal em nada beneficia os utentes cuja intervenção individual e direccionada é a adequada e pertinente.

29) A Ré interferiu na relação terapêutica da Autora com os seus pacientes, recriminando-a por os diagnosticar, apoiar e seguir, por vezes, durante a pausa para almoço. – alterado, passando a ter a seguinte redação:

29) A Ré recriminava a autora por diagnosticar, apoiar e seguir, os pacientes, por vezes, durante a pausa para almoço.

30) Passados uns meses de estar a prestar serviço no Centro de Dia, a Autora foi proibida por ordem da Direcção, confirmada pela Dr.ª BB, de usar o gabinete médico onde dava consultas, que tinha computador na secretária, por si usado como instrumento de trabalho, designadamente para fazer estimulação cognitiva e relaxamento com os idosos, e condições de higiene adequadas, nomeadamente lavatório.

31) Passou a ser obrigada a usar uma sala rectangular, a qual diziam ser indicada para fazer “atendimentos”, apesar de o gabinete médico não ser usado por mais ninguém.

32) Nessa sala, se a secretária estivesse na posição que daria algum espaço de circulação, o frio que entrava pela janela era intenso.

33) Teve então a autora que tentar um posicionamento alternativo, mas como a sala é comprida, mas estreita, a única forma de não apanhar frio era “virar a secretária”, o que fazia com que, quando a Autora se sentasse, precisasse de puxar a secretária para a barriga, por forma a que os idosos se conseguissem sentar à sua frente.

34) No Lar ..., durante vários anos, a Autora viu-se compelida a usar o seu computador pessoal pois o Lar, alegadamente, não tinha recursos para comprar computadores para todas as técnicas.

35) Durante todo o tempo em que exerceu funções no Centro de Dia, por força dos factos descritos em 22 a 33), sentiu-se humilhada e perseguida pela ré, que assim agiu com o objectivo de a perturbar, constranger, desmoralizar, enxovalhar. – alterado, passando a redação a ser a ser a seguinte:

35) Durante todo o tempo em que exerceu funções no Centro de Dia, por força dos factos descritos em 22 a 33), sentiu-se humilhada e perseguida pela ré.

36) Em virtude dessa pressão a autora teve necessidade de ficar de baixa médica psiquiátrica desde Abril de 2020 até finais de Agosto do mesmo ano. – alterado, passando a ser a redação a seguinte:

36) Em virtude do referido em 35) a autora teve necessidade de ficar de baixa médica psiquiátrica desde abril de 2020 até finais de agosto do mesmo ano.

37) Em 23.09.2020 a Dr.ª BB, Directora de Serviços, convocou a Autora para uma reunião, comunicando-lhe então que iria ser transferida temporariamente para o Lar 1..., pois era do interesse da instituição que o mesmo acontecesse, porque uma outra Técnica do Lar 1... estaria de baixa e era necessário, enquanto a mesma não regressasse ao trabalho, compensar a equipa técnica.

38) O Lar 1... tinha deixado de ter psicóloga por não ser economicamente viável que tal serviço existisse e por isso a colega que tinha lá estado em anos anteriores tinha deixado de exercer actividade no referido Lar.

39) A Autora reagiu, dando a conhecer à Ré as suas razões, principalmente o facto de o Lar 1... ser em Gondomar e a Autora residir no Lar ..., no Porto, o que a obrigaria, como obrigou, a fazer diariamente 32km, que se traduziria em 160km/semana, 640km/mês.

40) Estes 32 km importavam até cerca de uma hora de viagem por dia.

41) Além das despesas de deslocação propriamente ditas, essas viagens tinham um custo e prejuízo emocional difícil de suportar, pois a Autora tinha um bebé pequeno e não conseguia, apesar da licença de amamentação, estar mais tempo com ele.

42) A Autora viu-se obrigada a ir, sob pena de procedimento disciplinar e sempre na expectativa de que quando terminasse a licença de amamentação regressaria ao seu local de trabalho habitual, o Lar .... – alterado, passando a ter a seguinte redação:

42) A Autora acabou por cumprir a ordem referida em 37) na expectativa de que quando terminasse a licença de amamentação regressaria ao seu local de trabalho habitual, o Lar ....

43) Mas nada disso se verificou.

44) Desde a sua transferência para Lar 1..., que ocorreu em Outubro de 2020, a Autora realizava a jornada contínua, de segunda a sexta-feira, das 10h00 às 15h00.

45) A autora teve de usar o seu computador pessoal para trabalhar, pois lá não existia nenhum.

46) A autora continua, desde Outubro de 2020, a suportar todas as despesas, pois nenhuma ajuda de custo lhe foi dada, apesar da Dr.ª BB lhe ter comunicado que as mesmas seriam pagas.

47) Em 12 de Novembro de 2021, a Autora enviou um email à Dr.ª BB (Directora de Serviços e a pessoa representante da direcção) a informar da sua intenção de terminar a licença de amamentação no final do ano e a solicitar esclarecimentos quanto às questões já referidas (ajudas de custo, regresso ao Lar ..., entre outras).

48) Email que reencaminhou em 3 de Dezembro à Presidente da Direcção da Ré, Dr.ª EE, referindo-lhe ainda que: “Informo também que acuso a recepção do email da Dra. AA que segundo a mesma te indicações da Dra. EE para que eu «vá esvaziar o armário ao Lar ...», assunto que não compreendi o teor …”.

49) O email em causa, de 02.12.2021, é do seguinte teor: “Bom dia Dra. AA. Espero que se encontre bem. A Dra. EE incumbiu-me de lhe enviar um mail por causa de um armário na sala das técnicas que tem material seu. Ela pede que venha ao Lar e verifique o seu conteúdo, de forma a desocupar o mesmo”.

50) Expondo também que aguardava que terminada a sua licença de amamentação regressasse às suas funções no Lar ....

51) Apenas em 31 de Dezembro obteve resposta da Dr.ª EE (Presidente), a qual apenas lhe referiu que a Autora deveria permanecer ao serviço no Lar 1..., nada aí vindo referido relativamente à questão de “esvaziar o armário”.

52) Em 05.01.2022, a Autora recebeu um e-mail da Dr.ª FF, na qualidade de Directora do Lar 1..., a informá-la de que o seu horário de trabalho seria das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00.

53) Na sequência do email de 02.12.2021, em dia não concretamente apurado, a autora deslocou-se ao Lar ..., tendo sido barrada a sua entrada e o porteiro informado de que não “precisava de entrar” pois a “Dr.ª BB já tinha mandado colocar tudo à entrada, dentro de caixas, sendo que “era só carregar o carro”.

54) A Autora sentiu-se profundamente humilhada por ter sido impedida de entrar no seu local de trabalho de tantos anos, por terem colocado os seus bens pessoais, que manusearam sem a sua autorização, à porta, como se tivesse sido despedida, despejada.

55) A Autora, em 10 de Janeiro de 2022, dia anterior ao fim da licença de amamentação, enviou uma carta à Ré a solicitar a modalidade de regime de trabalho em horário flexível:

(...) Ex.ma Senhora Diretora do Lar 1..., Dr.ª FF

Assunto: concessão de horário de trabalhador com responsabilidades familiares

AA, trabalhador(a) com o número 3.070, Psicóloga Principal, a exercer funções no Lar 1..., pretendendo beneficiar do regime da parentalidade previsto no Código do Trabalho (Lei7/2009 de 12 de Fevereiro – artigos 33.º a 65.º), com vista a prestar assistência inadiável e imprescindível, a filho menor com 3 anos. vem requerer autorização para beneficiar, pelo período de um ano, de horário flexível:

• Plataforma obrigatória:

Das 11h00 às 13h30

Das 14h00 às 15h00

Declara ainda que o menor vive em comunhão de mesa e habitação com a Autora.

Pede deferimento,

Porto, 10 de Janeiro de 2022

A Requerente (...)”.

56) Na mesma data, a Autora apresentou, junto da CITE, queixa por discriminação e assédio moral.

57) A Ré apenas em 11.04.2022, respondeu através de email, oriundo da Directora Técnica do Lar 1..., FF, do seguinte conteúdo:

Boa tarde Dra. AA.

Espero que se encontre bem.

Na qualidade de Diretora Técnica do Lar 1..., venho por este meio comunicar que o seu horário de trabalho será das 10-13,30/14h-17,30h, completando 35 horas semanais, de 2ª a 6ª Feira, 7 horas diárias, com um período de almoço de 30 minutos.

Sem outro assunto de momento,

Dra. FF

Diretora Técnica

58) Nesta mensagem a Ré nada diz acerca do pedido de horário flexível, com o intuito de causar ansiedade e insegurança à Autora.eliminado.

59) Por deliberação unânime de 12.04.2022, a CITE “(...) entende haver, no caso sub judice, a prática de assédio moral consubstanciada em fatores de discriminação, porquanto se afigura que aquele tratamento por parte da entidade empregadora, decorreu exclusivamente da situação de ser mulher e mãe, o que a comprovar-se poderá fazer atribuir à trabalhadora o direito a uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, de acordo com o estabelecido no n.º3 do artigo 29.º e no artigo 28.º do. Código do Trabalho (...)

Conclusão

Face ao exposto, a CITE delibera:

4.1. Existirem indícios de prática discriminatória direta em razão de direitos relacionados com a parentalidade por parte da entidade empregadora Centro ... lesiva da trabalhadora AA, nos termos das disposições constantes da al a) do n.º1 do artigo 23, n.º1. dos

artigos 24.º e 25.º, todos do Código do Trabalho.

4.2 – Existirem indícios de prática de assédio moral por parte da entidade empregadora Centro ... na pessoa da trabalhadora AA, nos termos das disposições constantes nos n.º 1, 2 e 5 do artigo 29.º e n.º1 do artigo 24.º (prática de assédio moral), ambos do Código do Trabalho

4.3 – Remeter o presente Parecer ao Presidente da Direção do Centro ....

(...)4.6. Remeter o presente Parecer à Autoridade para as Condições de Trabalho – ACT, para efeitos do previsto na alínea h) e i) do artigo 3.º do D.L. 76/2012, de 26-03, com as alterações constantes da Lei 60/2018, de 21-08, e das disposições conjugadas dos n.ºs1 2 e 5 do artigo 29.º e n.º1 do artigo 24.º(prática de assédio moral), e nos artigos 23.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, 24.º, n.ºs 1, 25.º, n.º1 (indícios de prática discriminatória direta em razão da parentalidade), todos do Código do Trabalho.

60) Perante a decisão da CITE, a Autora, em 19 de Abril, enviou à Ré novo email a pedir esclarecimentos: “(…) perante a fixação do horário importa saber se aceitam o cumprimento da plataforma das 11h00m às 13h30m e das 15h00 às 15h00, sendo o demais flexível.

Isto sempre sem prejuízo de continuar a pugnar pela minha colocação no Lar ... (...)

61) Ao que a Ré respondeu, também por email, em 26 de Abril, da seguinte forma:

(...) Bom dia Dra. AA, Espero que se encontre bem.

Mais uma vez na qualidade de Diretora Técnica do Lar 1..., venho por este meio comunicar que o seu horário de trabalho será das 10h-13,30h/14h-17,30h, contemplando 35 horas semanais, de 2ª a 6ª Feira, 7 horas diárias, com um período para almoço de 30 minutos.

Fixado o horário, as questões que levanta sobre plataforma fixa das 11h00 às 13h30 / 14h00 às 15h00 e o restante tempo flexível, não fazem qualquer sentido e não se adequam ao tipo de instituição.

O Lar 1... é uma ERPI com uma equipa técnica reduzida, com uma população de utentes muito dependente e sedenta de intervenção técnica especializada onde cada elemento cumpre um horário de trabalho de acordo com as necessidades da instituição.

Sem outro assunto de momento,

Atenciosamente,

Dra. FF

Diretora Técnica (...)

62) Ao que a Autora respondeu a 29 de Abril:

(...) Boa tarde Drª FF,

A resposta que recebi deixou-me estarrecida e perturbada porque, além de ser injusta, comporta um total desrespeito pela decisão da CITE, donde, aliás, deriva o reconhecimento do meu direito ao horário flexível.

Vejo-me, pois, empurrada para a necessidade de recorrer à baixa médica. Anexo o documento comprovativo da minha incapacidade para o trabalho, até 08/05/2022.

Sem prejuízo, venho por este meio solicitar o gozo das férias relativas ao ano de 2021 – 22 dias úteis de - início a 29 de Maio e terminus a 30 de Junho.

Ficando a aguardar resposta,

Com os meus melhores cumprimentos (...)

63) A invocação pela Ré de que as necessidades da instituição impõem a presença da Autora é falsa e vexatória, visando tão só prosseguir o desiderato da ré de assediar a autora.eliminado.

64) Os utentes do Lar 1... são muito idosos, acamados, quase todos sem reacção a qualquer estimulação cognitiva, terapia comportamental ou outra do foro da psicologia.

65) Razão pela qual durante muitos anos não existiu psicólogo no Lar 1..., o que se mantém na ausência da Autora.

66) Vendo-se incapaz de suportar e encarar o ambiente de trabalho, a Autora entrou num estado de angústia, nervosismo e irritabilidade, que a impediram de dormir várias noites.

67) Em virtude disso, a autora sofreu agravamento do seu quadro depressivo, que importou a sua baixa médica, que teve o seu início no dia 12 de Janeiro e que se mantém até à presente data (data da propositura da acção, 24/05/2022).

68) Durante todo o tempo em que foi lactante, a autora sentiu-se consecutivamente prejudicada na sua vida pessoal com as transferências a que foi sujeita.

69) Após 10 anos de bom, efectivo e exclusivo serviço no Lar ..., não existiu qualquer razão para ser a Autora a única trabalhadora da Ré em idênticas circunstâncias a ser sujeita a transferências. eliminado.

70) A autora continua sem entender porque tem que ser ela, psicóloga com mais antiguidade do Centro ..., a andar de Instituição em Instituição depois de 10 anos de serviço.

71) E de ser ela, que tem um filho pequeno, a ter de realizar todas essas mudanças que a afectam gravemente, vendo o seu lugar ocupado por uma pessoa com menos experiência profissional. – eliminada a expressão a negrito.

72) O que se traduz num prejuízo para a sua saúde mental.

73) E tem um impacto na sua vida enquanto trabalhadora e na sua vida pessoal.

74) São a causa do seu humor depressivo, irritabilidade fácil, ansiedade, dificuldades de concentração e de atenção e alterações do sono com insónia por vezes refractária à medicação prescrita, dos sentimentos de desvalorização pessoal, injustiça e de revolta.

75) Os quais determinaram o seu acompanhamento pela especialidade de psiquiatria.

76) Em 15 anos de trabalho a Autora sempre teve uma postura irrepreensível e exemplar, nunca tendo sido objecto de um processo disciplinar ou qualquer chamada de atenção formal.

77) Não fora a incapacidade para o trabalho da culpa exclusiva da Ré, a Autora estaria a prestar trabalho efectivo, que é o que pretende e sempre pretendeu. – alterado passando a ter a seguinte redação:

77) Não fora a incapacidade para o trabalho decorrente da atuação da ré, a Autora estaria a prestar trabalho efetivo, que é o que pretende e sempre pretendeu.

78) Cálculo das ajudas de custo referentes às deslocações ao Lar 1... (…) - alterado, passando a ter a seguinte redação:

78) A autora suportou custos com as deslocações ao Lar 1... nos seguintes dias, meses e anos:

- 16 dias em outubro de 2020;

- 18 das em novembro de 2020;

- 9 dias em dezembro de 2020;

- 20 dias em janeiro de 2021;

- 10 dias em fevereiro de 2021;

- 23 dias em março de 2021;

- 19 dias em abril de 2021;

- 20 dias em maio de 2021;

- 3 dias em junho de 2021;

- 18 dias em agosto de 2021;

- 13 dias em setembro de 2021;

- 10 dias em outubro de 2021;

- 21 dias em novembro de 2021 e

-15 dias em dezembro de 2021.

79) Cálculo dos subsídios de alimentação que a autora deixou de auferir (…) – alterado passando a ter a seguinte redação:

79) A ré pagava à autora subsídio de alimentação no valor diário de € 3,12.

79A) A autora esteve de baixa médica:

- 21 dias úteis em abril de 2020;

- 20 dias úteis em maio de 2020,

- 19 dias úteis em junho de 2020;

- 23 dias úteis em julho de 2020;

- 20 dias úteis em agosto de 2020;

- 11 dias úteis em janeiro de 2022;

- 20 dias úteis em fevereiro de 2022;

- 23 dias úteis em março de 2022;

- 11 dias úteis em abril de 2022 e

- 22 dias úteis em Maio de 2022. - aditado

80) A ré não é uma IPSS.


****

81) Ao abrigo do contrato referido em 4), a autora emitiu os respectivos recibos de prestação de serviços por cada pagamento efectuado pela ré.

82) No Lar ..., aquando do regresso da autora da licença parental, encontrava-se em curso o desenvolvimento o sistema de software de gestão, no âmbito do qual foi nomeada sua administradora a Dr.ª CC e que até à data da contestação (29/06/2022) ainda o era.

83) Paralelamente, a ré tinha de substituir a psicóloga que até então desempenhava funções no Centro de Dia ..., a tempo parcial, cujo vínculo laboral terminou nessa data.

84) A morada fiscal da autora situa-se na Rua ..., S/N, ... ..., freguesia ..., concelho de Paredes, a qual foi por si comunicada à ré e consta dos contratos celebrados com esta.

85) Morada essa que dista do Lar ... 38,5kms pelo trajecto mais próximo (...).

86) E do Lar 1... 36,5kms, pelo trajecto mais próximo (... e ...).

87) Na ré pratica-se a mobilidade geográfica, como prevista contratualmente, sendo por ela abrangida outras trabalhadoras, tais como, a Dr.ª CC, que se desloca ao Centro Residencial ..., sempre que lhe é solicitado.

88) A ré dispõe de Código de Conduta destinado à prevenção e combate à prática de assédio no trabalho, cujo teor consta do documento n.º 6 da contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

E foi considerado não provado o seguinte:

«89) O referido em 4) tenha tido início a 01/01/2008.

90) O referido em 4) ocorreu porque a ré pretendia furtar-se a declarações contributivas, pagamento da taxa social única e outros impostos.

91) O referido em 14) ocorreu no mês de Março de 2018 e quando a autora entrou em baixa médica por gravidez de risco clínico.

92) A substituta da autora desconhecia por completo matérias e intervenções a ter.

93) Em virtude do mencionado em 21), a pessoa que substituiu a autora poucas horas trabalhava para a ré.

94) Como a Ré bem sabia, o horário referido em 22) não permitia à Autora exercer o seu direito à amamentação de forma conveniente e adequada, já que o intervalo deuma hora não era sequer suficiente para a ir a casa amamentar o filho e voltar, já para não falar em alimentar-se a ela própria.

95) O “mapa/horário” mencionado em 24) era afixado no gabinete, assim visível a todos os funcionários da Ré.

96) O gabinete médico tinha cerca de 40m2

97) A sala referida em 31) fosse minúscula.

98) Por força do mencionado em 32), mesmo tendo colocado mantas nas costas por cima da sua bata, a autora ficou várias vezes doente ao trabalhar na dita sala.

99) Quase diariamente era insinuado que a Autora “teria que justificar o seu local de trabalho, porque o Centro de Dia não tinha dinheiro para pagar a um Psicólogo, sendo que o seu serviço era um luxo e por isso ela teria que “provar” que merecia o seu emprego”.

100) A autora foi impedida de, na inexistência de computador da instituição, na dita sala que lhe foi atribuída, usar o seu computador pessoal no Centro de Dia, para a estimulação cognitiva dos pacientes, tendo-lhe sido ordenado expressamente pela Dr.ª BB para usar o único computador disponível na sala dos técnicos.

101) Que deveria ser partilhado com a Assistente Social e a funcionária responsável pelas auxiliares de acção directa.

102) A ré actuou do modo descrito em 22) a 33), no sentido de compelir a autora a despedir-se.

103) A autora esteve de baixa médica psiquiátrica a partir de 09.03.2020, por via do estado de exaustão a que chegou.

104) A pressão que sofreu teve um impacto devastador na saúde mental da autora. – eliminado.

105) A Autora desconhecia que o contrato de trabalho previa a possibilidade de trabalhar em qualquer instituição do Centro ..., acreditando mesmo que o seu local de trabalho era exclusivamente o Lar ..., pois isso ficou acordado com a Ré no início da prestação laboral.

106) Da residência da autora ao Lar 1... distam 40km, o que se traduziria em 200 km/semana, 800km/mês.

107) A deslocação para o Lar 1... importava mais de uma hora de viagens diárias.

108) A autora comprou um computador pessoal para trabalhar no Lar 1....

109) A autora recebeu um e-mail a ordenar-lhe que “vá esvaziar o armário do Lar ...”.

110) Em 06.01.2022, a Directora do Lar 1... informou verbalmente a Autora que, por ordens da Dr.ª BB, aquela teria até sexta-feira, dia 08.01.2022, para ir ao Lar ... retirar os seus bens pessoais que permaneciam no armário que lhe estava adstrito dentro do gabinete técnico.

111) E que, se não fosse lá até ao dia 8, a Dr.ª BB iria dar ordem para que fosse tudo colocado em caixas e deixado na portaria do Lar.

112) A Autora combinou com a Dr.ª FF que iria ao Lar no dia 8, dentro do prazo que lhe foi dado (apesar de discordar).

113) A autora deslocou-se ao Lar ... no dia 08.01.2022.

114) Com o descrito em 63), a ré visou levar a Autora a despedir-se.

115) Em virtude do referido em 66), a autora ficou numa situação de cansaço extremo, confusão e medo.

116) O referido em 68) ocorreu também desde que a autora engravidou.

117) A partir dos meados de 2021, a Ré começou a registar os pequenos atrasos da Autora como faltas injustificadas e descontá-los no salário, sem qualquer aviso prévio, contrariando uma prática de muitos anos, que decorria do acordo estabelecidos entre as partes, incluindo os demais trabalhadores.

118) A autora vive em constante ansiedade e sensação de insegurança, por não saber se de repente lhe comunicam que vai ser transferida para outra instituição qualquer.

119) A autora foi ameaçada pela Dr.ª BB de que seria transferida para a Colónia de Férias ..., em ....

120) A Dr.ª CC não tem qualquer experiência.

121) O prejuízo para a saúde mental da autora seja irreparável.

122) Que o impacto sofrido na vida autora seja devastador.

123) Que a autora tenha sofrido impacto na sua vida familiar e social. – eliminado.

124) À autora foi prescrita a seguinte medicação: excitalopram, diazepam, buspirona, zoldipen.

125) A autora sofreu ataques de pânico.

126) A autora tem sido acompanhada regularmente na especialidade de psiquiatria desde 2018.

127) A autora tem sido acompanhada regularmente pela médica de família desde 2018.

128) Consta dos quadros infra os montantes recebidos pela autora aquando da baixa médica:

129) Cálculo das ajudas de custo referentes às deslocações ao Lar 1...:


130) Cálculo do valor pago nos parquímetros, quando esteve a exercer a sua actividade profissional no Centro de Dia, com base no valor hora de 1,20€:

131) Cálculo dos subsídios de alimentação que a autora deixou de auferir:

132) São mais de 14 anos de práticas lesivas e discriminatórias, já que as mesmas se prolongam desde o início da prestação laboral.

133) Foram as seguintes as remunerações da Autora declaradas pela Ré perante a Segurança Social:

134) A autora gozava de autonomia técnica e utilizava instrumentos seus.

135) A autora não se encontrava sujeita a controlo de assiduidade ou de presenças.

136) A autora regressou da licença parental e, em reunião, a directora à data do Lar ..., Dr.ª DD, comunicou à direcção do réu que a Dr.ª CC era uma pessoa imprescindível nesse Lar,

137) Onde se encontra em curso a implementação do sistema de software de gestão, que começava a ser utilizado na instituição.

138) Depositando confiança nas qualificações profissionais da autora, a ré propôs-lhe que passasse a desempenhar funções no Centro de Dia ..., no Porto.

139) O que a autora aceitou sem qualquer oposição.

140) Do mesmo modo, propôs a ré à autora que a mesma passasse a desempenhar funções para que tinha sido contratada no Lar 1..., já que a psicóloga que ali se encontrava terminou o seu vínculo contratual a 01/10/2020.

141) O que a autora aceitou sem qualquer oposição ou demonstração de desagrado nessa altura.

142) Durante o seu vínculo contratual com a ré, após o estágio profissional, a autora sempre desempenhou funções em vários equipamentos do Centro ....

143) As únicas directrizes que os funcionários da portaria do Lar ... tinham eram as de respeitar o Plano de Contingência Instituído no Lar, sob orientação da Direcção-Geral da Saúde, em virtude da pandemia por SARS-CoV-2 (Covid-19).

144) Um dos procedimentos de prevenção, controlo e vigilância em lares estabelecia o não acesso de pessoal ao interior do Lar sem qualquer necessidade.

145) O comportamento da ré visou tão só salvaguardar a saúde das pessoas que se encontram no interior da instituição, reduzindo o risco de contaminação e limitando a propagação no interior das instalações.

146) A Dr.ª GG, desempenha funções no Centro Residencial ..., quando anteriormente se encontrava no Lar ..., ao abrigo da mobilidade geográfica praticada na ré. »

147) Em momento algum nesse período a autora reportou à entidade patronal ter sido vítima desses comportamentos por parte de alguém. – aditado.


*

Apreciação

Importa começar por apreciar a nulidade da sentença arguida pela recorrente.

Entende a recorrente que a sentença é nula nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, por falta de fundamentação no que respeita à condenação a pagar à recorrida o subsídio de alimentação, despesas de deslocação e indemnização a título de danos morais, invocando ainda quanto a esta a nulidade ao abrigo do art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

Antes de mais, importa desde já afirmar que, apesar de se referir ao art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC no que respeita à condenação no pagamento de indemnização por danos morais, a recorrente não esclarece se se refere à omissão de pronúncia ou ao excesso de pronúncia, sendo que aquela disposição legal comporta as duas situações. De resto, a recorrente não alinha qualquer argumento que permita a este tribunal perceber a qual das situações se refere, nem qualquer argumento subsumível àquela disposição legal.

Nessa medida, trata-se de questão que este tribunal não apreciará, já que a mesma, em bom rigor não foi suscitada.

Resulta 615.º, n.º 1, al. b), ambos do CPC que a sentença será nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.

A necessidade de especificação dos fundamentos da decisão judicial emerge do art.º 154º do CPC, em concretização dos comando constitucional consagrado no art.º 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), do qual resulta que só o despacho de mero expediente não carece, por natureza, de ser fundamentado.

Ora, é pacífico o entendimento segundo o qual apenas a ausência total de fundamentação conduz à nulidade da decisão[1].

Assim, para que se considere que a decisão carece de fundamentação, não basta que a justificação seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade da sentença, sujeitando-a apenas ao risco de ser revogada ou alterada quando e se apreciada em recurso.

A respeito das matérias relativamente às quais vem invocada a nulidade da sentença, pode ler-se na mesma:

“No que toca às despesas de deslocação, dispõe o artigo 194.º, n.º 4, do Código do Trabalho que “o empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento”.

Este preceito visa “minorar os transtornos ou incómodos resultantes da alteração de local de trabalho para o trabalhador. O acréscimo dos custos de deslocação deve ser pago pelo empregador, quer se trate de transferência definitiva ou temporária” – Diogo Vaz Marecos, “Código do Trabalho Comentado”, 4.ª ed., Almedina, p. 511.

Despesas essas, ademais, que constituem danos patrimoniais sofridos pela autora na decorrência dos actos de assédio discriminatório de que foi vítima. Não fora a transferência para o Lar 1... e a autora não suportaria despesas com deslocações.

Por conseguinte, fazendo apelo ao valor de 0,36€/quilómetro indicado pela autora, por via da aplicação conjugada dos artigos 38.º, do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24-04 e 4.º, da Portaria n.º 1553-D/2008, de 31-12, que se tem como critério objectivo convocável, concluímos ser-lhe devida pela ré a quantia de €2.476,80.

No que toca ao subsídio de alimentação, sabendo-se que a autora não esteve a trabalhar por força da incapacidade temporária para o trabalho até 24/05/2022, nos dias que ficaram demonstrados, é-lhe devida a quantia que auferiria a esse título e que apenas não auferiu por força da conduta da ré, quantia essa que ascende a €592,80.

O pedido é, nesta parte, também julgado parcialmente procedente, condenando-se a ré a pagar-lhe ainda as despesas de deslocação que eventualmente a autora continue a suportar enquanto não for reintegrada no Lar ....

Em relação ao subsídio de alimentação, não há lugar a qualquer condenação para o futuro, já que nenhum facto foi alegado (e provado) que sustente a conclusão de que a autora se manteve de baixa médica para além de 24/05/2022 e/ou que não se encontre a apta a regressar ao trabalho.

(…)

Pede a autora a condenação da ré no pagamento de uma indemnização a fixar em função de 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade até à cessação dos comportamentos assediantes e que liquida, à data da propositura da acção, em €16.723,33.

Para que exista obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais é necessário que se verifiquem os requisitos da responsabilidade civil previstos no artigo 483.º, do Código Civil e que tais danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, daquele diploma legal.

Dispõe o mencionado artigo 483.º que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”

Assim, são pressupostos gerais da responsabilidade civil: a) o facto voluntário; b) a ilicitude, c) o nexo de imputação subjectiva do facto ao agente, por dolo ou a mera culpa, d) a produção de um dano, e e) o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a acção e o dano.

Tais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são constitutivos do direito da autora e é a esta a quem incumbe o ónus da sua prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, do Código Civil.

No que respeita ao primeiro pressuposto, importa ter em consideração que o facto em questão tem de ser um acto voluntário, isto é, tem de ser dominável pela vontade do agente e pode traduzir-se numa acção ou numa omissão. Tratando-se de uma acção (facto positivo), corresponderá à violação do dever geral de não ingerência na esfera jurídica de outrem; caso seja uma omissão (facto negativo), a mesma ocorrerá sempre que aquele que tem o dever especial de praticar um determinado acto, não o praticar, sendo que a prática do acto, muito provavelmente, teria impedido a consumação do dano (cfr. artigo 486.º do Código Civil).

Como segundo pressuposto da responsabilidade civil extra-contratual, exige-se que o facto seja ilícito. O artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil define as duas modalidades de ilicitude, por um lado, a violação de um direito de outrem, e, por outro, a violação da lei que protege interesses alheios. Na primeira modalidade de ilicitude incluem-se os como são os casos, por exemplo, dos direitos reais. Na segunda modalidade de ilicitude, por sua vez, incluem-se as situações de violação de leis que, apesar de terem por finalidade protegerem os interesses particulares das pessoas jurídicas, não conferem às mesmas um direito subjectivo.

Este segundo pressuposto da responsabilidade civil pode, contudo, não se verificar, se a ilicitude for afastada por alguma das causas de exclusão da mesma (acção directa, a legítima defesa, o estado de necessidade, o consentimento do lesado). A prova de alguma causa de exclusão da ilicitude incumbe à ré, enquanto facto impeditivo ou extintivo do direito do autor – artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.

No que respeita ao terceiro pressuposto, a lei exige a verificação de um nexo de imputação do facto ao lesante. A regra no nosso sistema jurídico é a da responsabilidade subjectiva, ou seja, só em casos especiais, expressamente previstos na lei, se exige a obrigação de indemnizar independentemente de culpa (cfr. artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil). Assim, para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o agente tenha agido com culpa, isto é, com dolo ou negligência.

O quarto pressuposto da obrigação de indemnizar exigido pelo artigo 483.º, n.º 1 do C. Civil é o dano, que se traduz na perda ou no prejuízo que o lesado sofreu no direito violado ou no interesse que a norma infringida visa tutelar. Este prejuízo pode afectar bens jurídicos susceptíveis de avaliação pecuniária, caso em que se consideram danos patrimoniais, ou, pelo contrário, afectar bens que não são susceptíveis dessa avaliação, caso em que se consideram danos não patrimoniais.

Por fim, o último pressuposto é o nexo de causalidade entre o facto e o dano, na medida em que só os danos resultantes do facto ilícito praticado pelo agente são geradores da responsabilidade deste, pelo que só em relação a esses danos tem o agente obrigação de indemnizar.

Como princípio geral, o nosso ordenamento jurídico adoptou a teoria da causalidade adequada, que consagra que o facto tem de ser, em geral e abstracto, uma causa adequada a provocar o dano ocorrido (artigo 563.º do Código Civil); e, por sua vez, este tem de se ser uma consequência normal, típica ou provável do facto.

Ora, do confronto entre o acervo factual provado com os considerandos tecidos, afigura-se-nos que a autora logrou fazer prova dos pressupostos legais exigidos.

Os danos físicos e emocionais sofridos pela autora, em virtude dos descritos comportamentos culposos da ré, integram uma lesão grave, considerando as circunstâncias em que ocorreram, que por essa razão merecem a tutela do direito.

Os danos provocados, e resultantes da actuação ilícita da ré, consubstanciam-se numa sintomatologia depressiva, que demandam acompanhamento médico psiquiátrico e farmacológico. A autora sofreu desgosto anímico e psicológico, instabilidade na sua vida pessoal e um sentimento humilhação pela forma como foi tratada pela ré, após tantos anos de dedicação competente.

Tais danos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito e devem ser indemnizados, com base na equidade, nos termos do disposto nos conjugados artigos 483.º e 496.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil.

No que respeita a estes danos, diz o artigo 496.º, n.º 1, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, a fixar equitativamente pelo tribunal, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

Quanto ao montante da indemnização a fixar, diz a lei que o montante da indemnização deverá ter em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Quanto ao grau de culpabilidade da ré teremos que o afirmar como situando-se num patamar elevado; quanto à situação da autora, teremos em conta que, atento o seu salário, se trata de alguém com um nível de vida mediano.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24.10.2019, in www.dgsi.pt “O valor indemnizatório não deve ser insignificante, devendo propiciar adequada compensação quanto ao dano sofrido, devendo ponderar-se a situação de forma equilibrada de acordo com critérios de equidade e tendo em consideração os padrões jurisprudenciais.”, aí se fazendo menção a diversas decisões judiciais (das quais se destacam as três do STJ de 2016 e 2017 aí referidas) que fixaram valores de indemnização por danos morais em situações de assédio moral, valores esses que também servem de critério orientador.

Perante o quadro factual a atender, a que supra se fez referência, afigura-se-nos equilibrada e ajustada uma indemnização a título de danos morais, no montante de €15.000,00.

Procede parcialmente o pedido da autora a este título.”

Ora, é evidente que a sentença se mostra, fundamentada, já que permite perceber quais foram os seus pressupostos quer de facto, quer de direito, relativamente aos pedidos em questão e que a ré, de resto, bem compreendeu como evidenciam as alegações e conclusões do recurso.

Se tais pressupostos estão certo ou errados é questão relativa ao acerto do julgamento e que, enquanto tal, não se confunde com a nulidade arguida.

O recurso improcede nesta parte.

*

A segunda questão a decidir é atinente à impugnação da decisão da matéria de facto provada e não provada.

Nos termos do art.º 662.º, n.º 1 CPC «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

………………………………

………………………………

………………………………

Em resumo:

- rejeita-se a impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente relativa ao ponto 3), parcialmente quanto aos pontos 4), 5) e 6), quanto aos pontos 7) e 8), parcialmente quanto aos pontos 16) e 17), quanto ao ponto 18), parcialmente quanto aos pontos 24), 25), 26), 27), quanto aos pontos 29) e 30), parcialmente quanto aos pontos 31), 32) e 33), quanto ao ponto 46), parcialmente quanto ao ponto 53), quanto aos pontos 54), 144) e 145), bem como quanto ao aditamento aos factos provados do alegado no art.º 59.º da contestação;

- julga-se a improcedente, na parte não rejeitada, a impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente quanto aos pontos 5), 6), 16), 17), 24), 25), 26), 31), 32), 33), 53) e 59).

- julga-se improcedente a impugnação da matéria de facto deduzida pela recorrente, quanto aos pontos 20), 28), 34), 36) 39), 40), 45), 57), 64), 66) a 68), 72) a 75) e 77);

- julga-se parcialmente procedente, na parte não rejeitada, a impugnação deduzida pela recorrente quanto aos pontos 4), 27);

- julga-se a impugnação parcialmente procedente quanto aos pontos 35), 78) e 79);

- julga a impugnação deduzida pela recorrente procedente quanto ao ponto 42);

- considera-se prejudicada a impugnação deduzida pela recorrente relativa aos pontos 41), 58),63), 69) e 71);

- altera-se oficiosamente a redação dos ponto 3), 29), 35), 36), 71) e 77);

- eliminam-se oficiosamente os pontos 58), 63), 69), 104) e 123);

- adita-se oficiosamente aos factos não provados a matéria alegada no art.º 59.º da contestação.


*

Fixada a matéria de facto, avancemos para as questões atinentes ao fundo da ação, começando pela relativa à inexistência do contrato de trabalho no período de fevereiro de 2008 a 31/01/2011.

A recorrida peticionou o reconhecimento de que foi admitida ao serviço da ré, mediante contrato de trabalho, com data de 1 de janeiro de 2008, o que foi julgado procedente, ainda que apenas a partir de fevereiro de 2008.

A recorrente, alega que só a partir de 1 de setembro de 2008 se estabeleceu o vínculo entre as partes e que o mesmo até 31 de janeiro de 2011, era de prestação e serviços.

Ficou provado que no início de 2008, a ré propôs à autora, que aceitou, o exercício da sua atividade profissional, na altura exclusivamente no Lar ..., no Porto, por ser um local com um grande volume populacional (na altura 220 utentes) e por ser a única estrutura com lugar no quadro de pessoal para Psicólogo e que entre data não concretamente apurada do mês de Fevereiro de 2008 e 31/01/2011, a ré carecia da prestação de trabalho da autora, tendo esta prestado a sua atividade profissional àquela emitindo “recibos verdes”, tendo as partes assinado, em 1 de Setembro de 2008, documento escrito, denominado de contrato de prestação de serviços, com o teor que consta do ponto 4) dos factos provados.

E ficou igualmente provado que desde a admissão, a autora sempre cumpriu horário de trabalho de 35 horas semanais – segunda a sexta-feira; domingo descanso semanal; sábado descanso complementar - que lhe foi imposto pela ré e nas instalações desta, sempre auferiu subsídio de férias e de Natal, como os demais trabalhadores da ré e era convocada semanalmente para reuniões técnicas com a diretora da instituição para dar conta das tarefas realizadas, obter diretrizes e um conjunto de ordens de serviço, tais como, a da submissão para aprovação dos protocolos de intervenção técnica.

A propósito desta questão, depois de enquadramento jurídico pertinente, ao qual nada importa acrescentar, incluindo no que respeita ao afastamento da aplicação da presunção de laboralidade prevista pelo Código do Trabalho de 2009 (doravante CT), sendo, por isso totalmente inócuo o alegado pela recorrente nesse sentido, escreveu-se na sentença recorrida:

“Por esse motivo, a menos que se demonstre que posteriormente à data da celebração do contrato as partes alteraram os termos dessa relação contratual (o que neste caso não se verifica), a qualificação da relação terá de ser feita à luz do regime jurídico vigente naquela altura. Em conclusão, a presunção actualmente consagrada no artigo 12.º, do Código do Trabalho não será aplicável, antes devendo a relação sub judice ser analisada à luz do disposto no artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2003, na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março.

Provou-se que o trabalho era prestado em instalações da ré, que a autora sempre cumpriu um horário de trabalho de 35 horas semanais, que lhe foi imposto pela ré (o que aponta para a exclusividade na prestação do trabalho e poder de direcção da ré), sempre auferiu subsídio de férias e de Natal, como os demais trabalhadores da ré (o que não sucederia se a autora fosse uma mera prestadora de serviços), que a autora era convocada semanalmente para reuniões técnicas com a directora da instituição para dar conta das tarefas realizadas, obter directrizes e um conjunto de ordens de serviço, tais como, a da submissão para aprovação dos protocolos de intervenção técnica, isto é, não exercia a sua actividade com autonomia. Esta factualidade aponta para que a autora prestaria a sua actividade “sob as ordens, direcção e fiscalização” da ré.

Contudo, a presunção aqui em apreço é ilidível nos termos do disposto no artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil.

Sucede que, a ré não logrou ilidir tal presunção, desde logo não ficou demonstrado que a autora gozava de autonomia técnica e utilizava instrumentos seus e que não se encontrava sujeita a controlo de assiduidade ou de presenças. A circunstância de autora emitir recibos das quantias que a ré lhe processava, não é por si só suficiente para se concluir que a ré logrou ilidir a presunção, pois que aquela emissão seria a consequência natural do nomem iuris dado ao contrato.

Deste modo, julgamos que, analisando globalmente a factualidade apurada a este propósito e não obstante a designação dada ao contrato formalizado entre as partes já em 01/09/2008, que desde Fevereiro de 2008 a autora esteve vinculada à ré por via de um verdadeiro contrato de trabalho.”

Concordamos, na íntegra, com os fundamentos invocados e com a conclusão alcançada pela Mm.ª Juiz “a quo”, nada se justificando acrescentar ao decidido na sentença, que responde, por si só, à alegação da recorrente.

Nessa medida, o recurso improcede esta parte.


*

A recorrente alega que caso fosse reconhecido o contrato de trabalho, sempre o direito da autora se encontraria prescrito decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que o contrato cessou nos termos do disposto no art.º 337 do C.T., pelo que, face à decisão que antecede importa apreciar a questão.

Também nesta parte, a sentença recorrida, julgando improcedente a exceção da prescrição, deu adequada resposta à alegação da recorrente.

Ali se escreveu: “A alegação da ré só teria qualquer viabilidade se não se tivesse apurado, como apurou, que existiu uma continuidade na relação contratual estabelecida entre as partes desde Fevereiro de 2008.

Com efeito, com a formalização do contrato de trabalho apenas no dia 01/02/2011 não estabeleceram ou iniciaram as partes uma nova relação de trabalho, antes deram continuidade àquela que entre ambas já existia, mas que anteriormente revestia, em termos formais, outra designação, não obstante em substância constituir um verdadeiro contrato de trabalho.

Portanto, não tendo o contrato de trabalho celebrado entre ambas, com início em Fevereiro de 2008, ainda cessado ainda, não é convocável o preceituado no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, nos termos do qual “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

Importa, ainda assim acrescentar que, mesmo que se considerasse que as partes tinham estabelecido uma nova relação laboral com a celebração do contrato de trabalho em 01/02/2011, nunca se poderia considerar que teria ocorrido a prescrição do direito da autora fundado no contrato relativo ao período e fevereiro de 2008 a 31 de janeiro de 2011, como veremos.

A prescrição pode definir-se como a extinção dos direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo, pelo que, uma vez completado o prazo de prescrição, o sujeito passivo, por ela beneficiado, goza da faculdade de recusar o cumprimento da obrigação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (arts. 298.º, n.º 1 e 304.º, n.º 1, do Código Civil).

De acordo com o disposto pelo art.º 306º, nº 1 do Código Civil, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, importando no caso dos créditos laborais, ter em atenção quanto ao início do prazo de prescrição, o regime especial que tem vindo a ser sucessivamente consagrado pelos arts. 37º, nº 1 da LCT, 381º, nº 1 do CT de 2003 e 337.º, nº 1 do CT de 2009, segundo o qual que os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação se extinguem por prescrição no prazo de um ano a contar do dia seguinte aquele em que cessou o contrato.

Por isso, da aplicação daqueles preceitos, como tem vindo a ser afirmado pela larga maioria da doutrina e pela jurisprudência[2] resulta que o prazo de prescrição dos créditos laborais não se inicia, nem corre no decurso da relação de trabalho, mesmo quanto às prestações vencidas.

O legislador laboral estabeleceu, pois, para os créditos laborais, um regime próprio, justificado pelas especificidades da relação laboral quando comparadas com as demais relações meramente civis e comerciais, o qual comporta o diferimento do início do prazo de prescrição para o termo da relação laboral, o que equivale a dizer, que o prazo só se inicia com o termo da relação de dependência do trabalhador relativamente ao empregador e do poder de direção do empregador relativamente ao trabalhador, por se reconhecer que enquanto tal dependência se mantiver o trabalhador está impedido de exercer os seus direitos.

Significa isto que sucedendo-se diversos contratos de trabalho, o prazo de prescrição relativamente aos créditos emergentes dos contratos que cessaram deve ter-se como suspenso enquanto perdurar a relação laboral subsequentemente iniciada.

Por isso, no caso dos autos, mesmo que se admitisse a existência de dois contratos de trabalho, inexistindo entre eles qualquer hiato temporal, nunca teria ocorrido a prescrição relativa aos direitos emergentes do primeiro contrato, já que se mantém a relação de dependência da recorrida relativa à recorrente.

O recurso improcede também nesta parte.


*

Tendo o tribunal considerado verificada uma situação de assédio moral, a recorrente, discordando, veio impugnar a decisão, essencialmente por entender que nenhum dos factos praticados é ilícito, inserindo-se nos poderes hierárquicos de supervisão e gestão, estando, designadamente as mudanças de local de trabalho, sustentadas pela cláusula de mobilidade geográfica constante do contrato de trabalho.

O que está verdadeiramente em causa é a subsunção dos factos provados ao regime legal aplicável.

O acerto, rigor e pertinência do enquadramento legal, doutrinal e jurisprudencial constante da decisão recorrida, dispensariam a necessidade do seu reforço nesta sede. Faremos apenas algumas referências, no essencial para salientar o acerto daquela decisão.

Apesar das alterações introduzidas na matéria de facto, não se vislumbra que seja de alterar aquela decisão, pois os comportamentos adotados pela recorrente relativos à autora não deixam qualquer dúvida quanto à prática de assédio moral nas suas modalidades de assédio discriminatório e de assédio não discriminatório.

Assédio discriminatório traduzido na atuação da recorrente claramente motivada pelo facto de a recorrida após “baixa” por gravidez de risco e subsequente licença parental, no regresso ao trabalho, ter manifestado a sua intenção de gozar o direito de dispensa para amamentação previsto pelo art.º 47.º do CT em virtude do qual nunca poderia ser discriminada nos termos do art.º 35.º-A do CT, e que conduziu à alteração do local em que até aí e por mais de 10 anos sempre exerceu a sua atividade profissional, para outro local, com a invocação de uma justificação insubsistente.

Na verdade, ficou demonstrado que após o nascimento do seu filho, ocorrido em 25/10/2018 e ainda no decurso da licença parental inicial, a recorrida foi convocada pela diretora do Lar ..., onde até aí sempre exercera as suas funções como psicóloga, para uma reunião com presidente da direção da ré e uma outra diretora. Tal reunião teve lugar no início de Abril, e nela a presidente da direção questionou a autora sobre se “estava a pensar gozar a licença de amamentação”. Perante a resposta afirmativa da autora, aquela transmitiu-lhe que: “O Lar ... é uma estrutura muito grande, e trabalhar apenas 5 horas (horário de resultante da dispensa de 2h diárias para amamentação) é muito pouco, por isso nós vamos mandá-la para o Centro de Dia, que lá tem menos utentes e o horário é mais compatível com o seu”.

Tendo a autora tentado refutar tal decisão, argumentando, nomeadamente que tal nunca tinha acontecido com todas as suas colegas de equipa que já tinham sido mães; que conhecia muito bem a estrutura do lar por ter uma dedicação de 10 anos de trabalho efetivo e exclusivo no Lar ... o que lhe permitia conseguir continuar a tratar de todos os assuntos e a dar o acompanhamento necessário na área da Psicologia como sempre, pedindo que tivessem em consideração que tinha acabado de ter um bebé e que morava mesmo ao lado da instituição onde trabalhava e que a deslocação para outra instituição no Centro do Porto iria implicar menos tempo com o seu filho e custos, nenhum dos argumentos foi tido em consideração, tendo a ré comunicado à autora, em 5 de abril de 2019, que a partir de 11 de abril se deveria apresentar ao trabalho, embora temporariamente, no Centro de Dia ..., no Porto, sem que fosse sequer dada à autora a oportunidade de tentar cumprir o seu trabalho no Lar ....

Desta matéria resulta clara a relação entre o exercício do direito à dispensa para a amamentação e a mudança do local de trabalho, no sentido de que o que resulta da posição assumida pela presidente da direção da recorrente perante a recorrida é que, esta não poderia continuar a exercer as suas funções no Lar ... porque, resultando do exercício do direito da dispensa para a amamentação a redução do horário para 5 horas diárias, tal era considerado insuficiente. Ou seja, caso a recorrida tivesse prescindido do gozo daquele seu direito, já não havia justificação, pelo menos a invocada nesse momento, para a mudança do local de trabalho.

Acresce que, mantendo-se a recorrida no gozo da dispensa para a amamentação, em Outubro de 2020, voltou a ser confrontada com outra mudança de local de trabalho, desta vez para o Lar 1..., em Gondomar, quando a recorrente, apesar do que constava dos contratos e da morada fiscal da recorrida, bem sabia que a mesma morava efetivamente em Lar ..., não só porque tal morada, ao contrário do alegado pela recorrente, era a que constava da ficha individual da autora (como bem salientou a Mm.ª Juiz “a quo” na motivação da decisão de facto), como a recorrida já a tinha invocado aquando da sua mudança para o Centro de Dia.

E mais uma vez, apesar de ter sido comunicado à recorrida que era necessário substituir uma outra técnica que tinha entrado de baixa médica, carecendo a equipa técnica de ser compensada, a verdade é que tal justificação não se demonstrou, tendo ficado provado que aquele lar tinha deixado de ter psicóloga por a existência de tal serviço não ser ali economicamente viável, motivo pelo qual a colega que tinha lá estado em anos anteriores tinha deixado de exercer atividade no referido Lar e não se demonstrou que tivesse ocorrido qualquer alteração da situação que justificasse uma decisão diversa quanto à permanência de uma psicóloga no local.

E a autora bem voltou a invocar que morava em Lar ... e que teria de suportar despesas com as deslocações, mas em Outubro e 2020, acabou por ir trabalhar para o referido Lar 1..., ainda que sempre na expectativa de que quando terminasse a licença de amamentação, regressaria ao Lar ..., o que nunca aconteceu.

Salienta-se que, tendo a recorrida passado a despender cerca de 1 hora de viagem por dia, esta decisão da recorrente, o que a mesma não podia ignorar e não ignorava, equivaleu a limitar o período de gozo da dispensa para a amamentação em, pelo menos, 1 hora.

Por outro lado, embora nos termos do disposto pelo art.º 25.º, nº 5 e 6 do CT, impendesse sobre a recorrente o ónus de demonstrar que a alteração do local de trabalho da recorrida não assentou naquele fator de discriminação, a recorrente não logrou demonstrar que tal alteração tivesse tido qualquer outra motivação, designadamente relacionada com a organização ou conveniência de serviço, pois, nada do que alegou (diga-se em contradição com o que foi efetivamente comunicado à recorrida) a propósito da necessidade de manter no Lar ... a psicóloga que foi contratada para substituir a recorrida durante a baixa e licença parental, por a mesma estar a desenvolver/implementar o sistema informático de gestão de utentes, ficou demonstrado, nem o motivo que invocou para que a recorrida fosse para Lar 1... se revelou verdadeiro.

Por isso, em jeito de conclusão, parafraseamos a decisão da 1.ª instância ao referir que:

«Os comportamentos da ré nessas transferências constituíram manifestos actos discriminatórios relativos ao direito à igualdade nas condições de trabalho em função da maternidade, em virtude de a autora ter exercido o direito que a lei lhe reconhece na sua condição de mãe lactante.»

E concorda-se também com a decisão recorrida no que respeita à irrelevância da cláusula 3.ª constante do contrato de trabalho inicialmente celebrado em 01/02/2011 e reiterada no aditamento de 27/02/2017, segundo a qual a recorrida prestaria trabalho no Lar ... ou em qualquer outro estabelecimento da recorrente, pois, ainda que face àquela estipulação contratual fosse legítimo à recorrente alterar o local de trabalho da recorrida do Lar ... para qualquer outro estabelecimento, a mesma não legitima o uso abusivo desse direito, como é evidente que aconteceu no caso dos autos, em que não se descortina qualquer motivo relevante atinente à gestão e organização da empregadora que não a redução do horário de trabalho da recorrida resultante da dispensa de amamentação, numa atuação claramente contrária à boa fé como se concluiu na sentença recorrida ao afirmar, que “(…) não podemos olvidar que a autora ao longo de uma década sempre havia prestado a sua actividade profissional para a ré no mesmo local de trabalho, ou seja, no Lar ..., pelo que tendo a autora um filho menor (bebé), residindo perto do local de trabalho e naturalmente toda a sua vida organizada em função dessa proximidade, a conduta da ré é altamente censurável à luz das regras da boa fé (artigo 126.º, do Código do Trabalho).

Donde, ao invocar tal cláusula contratual nos termos e no contexto em que o fez, ignorando a situação da autora (rectius, precisamente levando em conta a situação da autora como lactante), sem qualquer justificação objectiva para tanto, excedeu manifestamente o princípio da boa fé.”

Como se a descrita atuação da recorrente não fosse já suficientemente grave, ficou ainda demonstrada a prática de outros atos concomitantes, claramente humilhantes, vexatórios e constrangedores, porque conducentes à degradação das funções laborais da recorrida, ao seu descrédito profissional e abuso emocional, merecedores de elevada reprovação.

A autora foi preterida no seu local de trabalho de sempre a favor de uma psicóloga com menos antiguidade, menos experiência profissional na área da psicogeriatria e que fora contratada, para a substituir apenas durante o seu período de ausência por baixa de gravidez de risco clínico e licença de parentalidade. Foi-lhe negada a prestação de trabalho em jornada continua, quando foi para o Centro de Dia, só sendo tal pretensão aceite pela recorrente quando a recorrida foi para o Lar 1....

No Centro de Dia, sem qualquer explicação para tanto, foi determinada à recorrida a obrigação a elaborar diariamente “um mapa/horário” onde tinha de descrever dia-a-dia, hora a hora, tudo o que fazia, o que antes nunca lhe havia sido solicitado e ao que mais ninguém do corpo técnico da recorrente foi ou é obrigado, e lhe causou perturbação e ofensa da sua integridade moral.

E teve que passar a realizar atividades de grupo com os utentes, quando os psicólogos não realizam tais atividades que são levadas a cabo por terapeutas e animadores sócio-culturais, sem que a intervenção do psicólogo tenha qualquer benefício para os utentes

A recorrente passou a recriminar a recorrida por diagnosticar, apoiar e seguir, os utentes, por vezes, durante a pausa para almoço, numa interferência, que não foi justificada, na atividade daquela.

No Centro de Dia, a recorrida foi a dada altura proibida por ordem da direção, de usar o gabinete médico onde dava consultas, que tinha computador na secretária, por si usado como instrumento de trabalho, designadamente para fazer estimulação cognitiva e relaxamento com os idosos, e condições de higiene adequadas, nomeadamente lavatório, passando a ter que usar uma sala retangular, a qual diziam ser indicada para fazer “atendimentos”, apesar de o gabinete médico não ser usado por mais ninguém. Tal sala não salvaguardava condições de trabalho, pois se a secretária estivesse na posição que daria algum espaço de circulação, o frio que entrava pela janela era intenso, o que levou a recorrida a ter que mudar a posição da secretária, o que devido à configuração e dimensão do espaço fazia com que, quando a recorrida se sentasse, precisasse de puxar a secretária para a barriga, por forma a que os idosos se conseguissem sentar à sua frente.

Durante todo o tempo em que exerceu funções no Centro de Dia, por força dos factos descritos supra, a autora sentiu-se humilhada e perseguida pela ré.

Em virtude dessa pressão a autora teve necessidade de ficar de baixa médica psiquiátrica desde Abril de 2020 até finais de Agosto do mesmo ano.

Tendo passado a trabalhar no Lar 1... a partir de Outubro de 2020, por determinação da recorrente que lhe foi comunicada em 23/09/2020, a recorrida manteve a expectativa de que quando terminasse a licença de amamentação regressaria ao seu local de trabalho habitual, o Lar ..., mas nada disso aconteceu, tendo a recorrida suportado despesas com as deslocações que passou a ter que fazer, pois nada lhe foi pago, apesar da diretora de serviço da ré, lhe ter comunicado que as mesmas seriam pagas. Quando a autora, em 12/11/2021, comunicou a intenção de terminar a licença de amamentação no final do ano, solicitando esclarecimentos quanto às ajudas de custo e regresso ao Lar ..., apenas obteve resposta em 31/12/2021 e no sentido de que devia permanecer no Lar 1..., tendo-lhe sido posteriormente comunicado que o seu horário de trabalho seria das 10h00 às 13h00 e das 14h00 às 18h00.

A recorrida solicitou então, em 10/01/2022, dia anterior ao fim da licença de amamentação, a atribuição de horário flexível, com vista a prestar assistência inadiável e imprescindível, a filho menor com 3 anos, apenas em 11/04/2022, e mesmo após o parecer da CITE, não que a recorrente tivesse como devia ter solicitado parecer a esta entidade com vista à recusa do horário flexível, mas porque a recorrida apresentou uma queixa, foi fixado um horário, incompatível com o solicitado, afirmando-se que as questões levantadas sobre plataforma fixa das 11h00 às 13h30 / 14h00 às 15h00 e o restante tempo flexível, não faziam qualquer sentido e não se adequam ao tipo de instituição, pois o Lar 1... tinha uma equipa técnica reduzida, com uma população de utentes muito dependente e sedenta de intervenção técnica especializada onde cada elemento cumpre um horário de trabalho de acordo com as necessidades da instituição.

Ora, os utentes do Lar 1... são muito idosos, acamados, quase todos sem reação a qualquer estimulação cognitiva, terapia comportamental ou outra do foro da psicologia, razão pela qual durante muitos anos não existiu psicólogo no Lar 1..., o que se mantém na ausência da recorrida, bem evidenciando a falta de fundamento da ida da recorrida para o Lar 1... e demonstrando o intuito da recorrente de condicionar ilegitimamente as condições de trabalho da recorrida, não podendo ignorar que ao fazê-lo a humilhava e vexava.

A recorrida, vendo-se incapaz de suportar e encarar o ambiente de trabalho, entrou num estado de angústia, nervosismo e irritabilidade, que a impediram de dormir várias noites, sofrendo agravamento do seu quadro depressivo, que importou a sua baixa médica, desde 12 de janeiro e que se mantinha até à propositura da ação em 24/05/2022.

Assume ainda relevo que, em 02/12/2021, a recorrida havia recebido um email dando-lhe conta de que a presidente da direção havia pedido que a recorrida fosse ao Lar ..., verificar o conteúdo de um armário onde estavam pertences da recorrida, de forma a desocupá-lo. A recorrida no dia seguinte, reencaminhou o email para a presidente da direção solicitando esclarecimentos e expondo também que aguardava que terminada a sua licença de amamentação regressasse às suas funções no Lar ....

Na resposta que apenas recebeu em 31/12/2021, nada lhe foi dito a propósito do armário e a recorrida, em dia não concretamente apurado, deslocou-se ao Lar ..., onde foi impedida de entrar, tendo sido recebida pelo porteiro que a informou de que não “precisava de entrar” pois a “Dr.ª BB já tinha mandado colocar tudo à entrada, dentro de caixas”, sendo que “era só carregar o carro”, sentindo-se a recorrida profundamente humilhada por ter sido impedida de entrar no seu local de trabalho de tantos anos, por terem colocado os seus bens pessoais, que manusearam sem a sua autorização, à porta, como se tivesse sido despedida, despejada.

Durante todo o tempo em que foi lactante, a recorrida sentiu-se consecutivamente prejudicada na sua vida pessoal com as transferências a que foi sujeita, sem que existisse objetivamente qualquer causa justificativa, sendo a única trabalhadora da ré em idênticas circunstâncias a ser sujeita a transferências, continuando sem entender porque tem que ser ela, psicóloga com mais antiguidade da ré, a andar de instituição em instituição depois de 10 anos de serviço e de ser ela, que tem um filho pequeno, a ter de realizar todas essas mudanças, vendo o seu lugar ocupado por uma pessoa com menos experiência profissional.

Os atos da recorrente, são a causa do seu humor depressivo, irritabilidade fácil, ansiedade, dificuldades de concentração e de atenção e alterações do sono com insónia por vezes refratária à medicação prescrita, dos sentimentos de desvalorização pessoal, injustiça e de revolta, determinando o seu acompanhamento pela especialidade de psiquiatria, sendo inegável o impacto na sua saúde mental, na sua vida integridade e dignidade como profissional e como pessoa.

Concluímos, pois, voltando a socorrer-nos da decisão recorrida que “Do acervo factual apurado resulta que a autora foi exposta a situações humilhantes, vexatórias e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante meses e, em consequências dessas condutas levadas a cabo pela ré, a autora sentiu-se humilhada, revoltada e injustiçada. Sofre ainda danos ao nível da sua saúde mental.

No caso dos autos, verifica-se uma objectiva gravidade dos factos dados como provados quando globalmente perspectivados, em conjugação ademais com as transferências de locais de trabalho já aludidas.

A ré adoptou um comportamento eticamente negativo ao longo de meses, claramente com o intuito de romper a resistência psicológica da trabalhadora/autora, isto porque não é compreensível à luz das regras da boa gestão empresarial, por que igualmente a ré se norteia, no quadro factual apurado, a transferência sucessiva da autora para equipamentos onde, no primeiro, foi sendo sucessivamente limitada na sua actuação e obrigada a realizar actividades que não são próprias da sua categoria profissional (realização de actividades de grupo em detrimento de consultas individuais), interferindo na actividade terapêutica (proibindo-a de falar com utentes durante a pausa de almoço), obstando ao acesso a boas condições de trabalho (vedando o acesso ao gabinete médico), obrigando-a à prática de actos atentatórios da sua dignidade (maxime, a elaboração do mapa diário), e, no segundo, colocando-a num Lar onde a intervenção ao nível da psicologia seria sempre bastante limitada, mais distante da sua residência, sem nunca lhe pagar as despesas tidas com as respectivas deslocações, “despejando-a” do Lar onde durante uma década trabalhou (colocando os seus objectos pessoais em caixas para mera recolha), limitando e continuando a obstaculizar o exercício dos direitos decorrentes da sua qualidade de mãe, não lhe atribuindo/recusando até à intervenção da ACT, a atribuição de horário flexível.”

Conclui-se, pois, que a ré adotou um comportamento ilícito, gravemente culposo, gerador de responsabilidade civil, na medida em que provocou danos à recorrida, relevantes e merecedores de tutela, e consequentemente, pela verificação do invocado assédio moral.

Faz-se uma última nota para dizer que mesmo que a recorrida nunca tivesse comunicado à ré, nomeadamente à direção, a ocorrência dos factos acima descritos, o que não foi o caso, tal não obstaria à responsabilização deste, pois, não está em causa a prática de assédio imputável a qualquer colega de trabalho da recorrida sem o conhecimento da ré, mas a prática de assédio pela própria direção da ré ou com o seu conhecimento.

Improcedendo o recurso também nesta parte.


*

A conclusão a que chegámos, leva-nos à apreciação das questões suscitadas pela recorrente atinentes às consequências do assédio moral, que o tribunal “a quo” extraiu, balizado pelos pedidos formulados pela recorrida, condenando aquele no pagamento à recorrida de indemnização por danos morais no valor de € 15 000,00 e de indemnização por danos patrimoniais no valor de e €3.069,60, referentes a despesas de deslocação para o Lar 1... e ao subsídio de alimentação que a recorrida deixou de auferir, acrescendo todas as despesas que a autora suporte com deslocações até à sua reintegração no Lar ....

Alega a recorrente que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser eliminada porque não se verifica a ilicitude da sua atuação, ou que, pelo menos, deve ser reduzida por a quantia fixada ser manifestamente elevada e desajustada à realidade e por não ter sido levada em conta a sua situação económica.

Ora, quer a prática de ato discriminatório que concluímos ter ocorrido, quer a prática de assédio que igualmente se verificou, conferem à recorrida o direito a ser indemnizada dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos nos termos do disposto pelos arts. 28.º, 29º, nº 4 e 323º, nº 1 do CT, a fixar nos termos gerais de direito.

Consequentemente, sem necessidade de mais considerações, é improcedente a pretensão da recorrente de eliminação da indemnização por danos não patrimoniais.

E, adiantamos já que improcede também a sua pretensão de ver reduzido o quantitativo indemnizatório fixado pelo tribunal, após pertinente enquadramento jurídico e jurisprudencial dos pressupostos jurídicos do direito a indemnização por danos não patrimoniais e criteriosa subsunção dos factos apurados nos autos ao direito aplicável, com a qual concordamos totalmente.

Nos termos do art.º 496.º, n.º 4 do Código Civil, a indemnização por danos morais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494.º do mesmo Código, designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Ora, para nós é inquestionável a elevado grau de culpa da recorrente, atenta a natureza dos atos praticados, a sua reiteração ao longo de um período alargado de tempo e a natureza da relação contratual no âmbito da qual tais atos foram praticados, na qual a recorrente assume uma posição hierarquicamente dominante.

Por outro lado, como já referimos supra, a atuação da ré provocou à recorrida humor depressivo, irritabilidade fácil, ansiedade, dificuldades de concentração e de atenção e alterações do sono com insónia por vezes refratária à medicação prescrita, sentimentos de desvalorização pessoal, injustiça e de revolta, determinando o seu acompanhamento pela especialidade de psiquiatria, sendo inegável o impacto na sua saúde mental, na sua vida, integridade e dignidade como profissional e como pessoa, assumindo, por isso, acentuada gravidade, a demandar a fixação de uma indemnização que não seja meramente simbólica.

Alega a recorrente que o tribunal não teve em conta a sua situação económica e efetivamente nada consta da sentença a esse respeito.

Diga-se, contudo, que competia à recorrente alegar os factos respeitantes a tal situação (art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil), o que não fez e que, do nosso ponto de vista, no caso concreto, se a situação económica da recorrente fosse conhecida, ela apenas seria apta a modificar o valor da indemnização fixado se permitisse aumentá-lo, já que o valor fixado pelo tribunal “a quo” se peca é por defeito atenta a gravidade da situação retratada nos autos.

Consequentemente, improcede a pretensão da recorrente.

Vem também questionada a fixação da indemnização pelos danos patrimoniais no que respeita ao reembolso das despesas de deslocação que a recorrida suportou com a alteração do seu local de trabalho para o Lar 1..., em Gondomar, alegando a recorrente que se trata de direito inexistente por não estar em causa uma transferência unilateral do local de trabalho, não sendo aplicável o disposto pelo art.º 194.º, n.º 4 do CT.

A este título, o tribunal “a quo” condenou a recorrente a pagar a quantia de € 2 476,80 acrescida das despesas que a autora suporte com deslocações até à sua reintegração no Lar ....

O que está em causa é a reparação dos danos patrimoniais sofridos pela recorrida em virtude da prática de ato discriminatório e do assédio consubstanciados na mudança do local de trabalho da recorrida para o Lar 1..., como acima concluímos. Por isso, tal mudança de local de trabalho, mesmo que não fosse subsumível ao disposto pelo art.º 194.º do CT em virtude da cláusula de mobilidade geográfica constante do contrato de trabalho, não deixaria de ser geradora da responsabilidade da recorrente pelos danos infligidos à recorrida face ao disposto pelos arts. 28.º e 29.º, n.º 4 do CT.

E nem sequer está em causa uma situação de assédio traduzido pela prática de atos em si mesmo lícitos, pois como também já resulta do supra exposto, a da dita cláusula contratual não legitima o uso abusivo do direito de colocar a recorrida em qualquer estabelecimento da recorrente, como é evidente que aconteceu no caso dos autos, em que não se descortina qualquer motivo relevante atinente à gestão e organização da empregadora que não a redução do horário de trabalho resultante da dispensa de amamentação, numa atuação claramente contrária à boa fé.

Assim, estando demonstrado que a recorrida, devido ao facto e ter passado, por determinação ilícita da recorrente, a trabalhar no Lar 1..., suportou custos que de outro modo não suportaria, inerentes à deslocação na qual despendia 32 kms diários, bem como o período de tempo em que tal aconteceu, não se encontra fundamento para modificar a decisão recorrida.

Resta analisar a discordância da recorrente relativa ao valor, também fixado na sentença a título de danos patrimoniais, referente ao subsídio de alimentação que a recorrida deixou de receber durante o período de baixa médica decorrente da atuação daquela.

Alega a recorrente que o subsídio de alimentação apenas é devido por referência aos dias de trabalho efetivo ou de disponibilidade para o trabalho e já não por referência aos dias de férias, baixa médica ou faltas.

O tribunal “a quo” a este respeito apenas disse o seguinte.

“No que toca ao subsídio de alimentação, sabendo-se que a autora não esteve a trabalhar por força da incapacidade temporária para o trabalho até 24/05/2022, nos dias que ficaram demonstrados, é-lhe devida a quantia que auferiria a esse título e que apenas não auferiu por força da conduta da ré, quantia essa que ascende a €592,80.”

A decisão não se pode, contudo manter.

Com efeito, são pressupostos da responsabilidade da recorrente pelo danos patrimoniais sofridos pela recorrida, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e nexo causal entre este e aqueles (art.º 483.º do Código Civil).

No caso, não subsistem dúvidas de que o facto de a recorrida ter estado de baixa médica de abril a agosto de 2020 e de 12 de janeiro de 2022 até à propositura da ação, é imputável à atuação da recorrente, como ficou demonstrado em 36) e 67) dos factos provados.

Verificam-se, também, os requisitos da ilicitude e culpa da atuação da recorrente.

Mas não se pode considerar verificado o dano.

O subsídio de alimentação só se considera retribuição, gozando da garantia de irredutibilidade, na parte em que exceder o valor normal, se tiver previsão contratual ou se tal decorrer dos usos (art.º 260.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do CT).

No caso, importa considerar que nada resulta quanto aos usos, que o subsídio de alimentação, apesar de pago pela recorrente, não tem previsão contratual e que o seu valor diário de € 3,12 não excede manifestamente o valor normal, pelo que se trata de prestação que não pode ser considerada retribuição.

Na verdade, o subsídio de refeição destina-se a compensar os trabalhadores pelas despesas acrescidas com a refeição que a prestação de trabalho obriga, as mais das vezes, que seja tomada fora de casa, motivo pelo qual apenas é devido nos dias de trabalho efetivo.

Como se pode ler no Ac. STJ de 14/07/2022[3] o subsídio de refeição destina-se “a fazer face a despesas concretas que o trabalhador presumivelmente tem que efetuar para executar o contrato, para “ir trabalhar”, não constituindo um ganho acrescido para o trabalhador, uma mais valia resultante da sua prestação laboral”.

Durante os períodos de baixa médica, aquele condicionalismo não se verifica, já que não há prestação de trabalho, pelo que o facto de a recorrida não ter recebido subsídio de alimentação, durante os períodos de baixa médica, não consubstancia um dano.

Consequentemente, o recurso é procedente nesta parte, impondo-se a revogação da sentença na parte em que condenou a recorrente a pagar a quantia de € 592,80 a título de danos patrimoniais referentes ao subsídio de alimentação que a recorrida deixou de receber durante os períodos de baixa médica.


*

Em resumo, o recurso é apenas parcialmente procedente.

*

Atento o disposto pelo art.º 527.º do CPC e a improcedência parcial do recurso, as custas são da responsabilidade de ambas as partes, na medida dos respetivos decaimentos.

*

Decisão

Por todo o exposto acorda-se:

- rejeitar parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto, e no mais julgar parcialmente improcedente o recurso da decisão da matéria de facto, alterando-se a mesma apenas nos termos definidos supra;

- julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência revogar a sentença na parte em que condenou a recorrente a pagar à recorrida, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 592,80 (quinhentos e noventa e dois euros e oitenta cêntimos), reduzindo o valor indemnizatório para € 2 476,80 (dois mil quatrocentos e setenta e seis euros e oitenta cêntimos), acrescido de todas as despesas que a autora suporte com deslocações até à sua reintegração no Lar ...;

- no mais, julgar o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.


*

Custas por ambas as partes na proporção dos respetivos decaimentos.

*
Porto, 07/04/2025
Maria Luzia Carvalho
Germana Ferreira Lopes
Sílvia Saraiva
_______________
[1] Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, 6.a edição, Coimbra Editora, pág. 69, refere: «A hipótese da alínea b) do n.° 1 do art.° 615.° conjuga-se com o dever de fundamentar as decisões que impende sobre o Juiz. Omissão dos fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão (cfr. Art. 154.°), não é o mesmo que fundamentação insuficiente, inadequada ou, até errada; note-se que o art.° 154.° tem de ser entendido e aplicado sem prejuízo do alcance do art.° 205.°, n.º l, da CRP; As decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Na jurisprudência, vejam-se, entre outros, vd. os Acs. STJ de 1/02/2021, processo n.º 1695/17.1T8PDL-A.L2.L1, de 16/11/2021, processo n.º 5097/05.4TVLSB.L2.S3 e de 14/01/2025, processo n.º 12261/17.1T8LSB.L1, toos acessíveis em www.dgsi.pt.
[2] Entre outos, Ac. STJ de 15/05/2019, processo n.º 759/17.7T8BRR.L1.S1, Ac. RP de 16/11/2015, processo n.º 1508/12.0TTVNG.P1, Ac. RL de 26/05/2021, processo n.º 12378/20.5T8LSB.L1-4 e Ac. RG de 25/05/2023, processo n.º 1730/22.1T8BRG.G1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[3] Processo nº 15770/20.1T8LSB.L1, acessível em www.dgsi.pt.