INCAPAZ
LEGAL REPRESENTANTE
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
CURADOR ESPECIAL
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Sumário

(art.º 662º nº 7 do CPC)
1- O representante legal do incapaz (v.g. menor), quando não requeira inventário nos termos do art.º 2102º nº 2 do CC, com base num juízo de conveniência acerca do interesse do seu representado, necessita de autorização judicial para: (i)- Sendo a representação exercida pelo pai, aceitar herança (art.º 1889º nº 1, al. l)); (ii)- Convencionar partilha extrajudicial, relativamente à herança aceita (art.º 1889º nº 1, al. l) e, art.º 1892º nº 1, parte final).
2- Por força da regra do art.º 1881º nº 2 do CC, o representante do menor que com ele concorrer à sucessão não pode intervir, simultaneamente em nome e no interesse próprio e em representação do menor no acto de consumação da partilha extrajudicial, cumprindo a representação do menor a curador especial nomeado pelo tribunal.
3- O nº 5 do art.º 1014º do CPC, visa facultar ao representante legal a cumulação, no mesmo processo, dos três pedidos que eventualmente se configurem como necessários, permitindo-lhe, em homenagem ao princípio da concentração e da economia processual: (i)- requerer, mediante aprovação judicial do projecto de partilha, a autorização para aceitar a herança; (ii)- e outorgar no acto de partilha extrajudicial em representação do incapaz; (iii) ou, requerer a nomeação do curador especial que represente o menor naquele acto, nos casos de incompatibilidade de interesses, decorrente de o representante concorrer também à sucessão.

Texto Integral

Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
1- AA, instaurou processo especial, pedindo autorização judicial para em nome e representação do filho menor, BB, poder vender o prédio urbano, que identifica.
Alegou, em síntese, que é viúvo de CC, falecida em 23/07/2023; que o menor BB é filho de ambos; o prédio era a casa de morada de família e estão-lhe ligadas recordações que mantém a dor do falecimento; com o preço da venda pretendem adquirir outra casa. O menor é titular de quota-parte no prédio que lhe adveio por sucessão por óbito da mãe. Com a venda não advém prejuízo para o menor porque verá satisfeita a sua parte na herança e continuará a residir com o pai.
Requer seja nomeada como curadora especial ao menor DD, madrinha de baptismo do menor.
Como parente mais próximo indica EE.
Junta documentos.
2- Com data de 09/07/2024, foi proferido o seguinte despacho:
Veio o requerente peticionar autorização judicial para alienar um prédio, decorrente de uma herança da morte de sua esposa e mãe do menor BB.
No entanto, não peticiona autorização judicial para aceitar em nome do menor, a herança aberta por óbito de CC.
Ora, sendo o requerido menor a aceitação de liberalidades pode acarretar, a obtenção de direitos, mas também pode originar encargos e despesas para o herdeiro, como por exemplo o pagamento de dívidas da herança (passivo), pelo que se nos afigura que também a aceitação da herança em nome do menor carece de autorização judicial.
Neste sentido, veja-se o disposto no artigo 124.º do CC que aplica à representação o regime da tutela, chamando-se ademais à colação o facto de o artigo 1938º, n.º 1, alínea c) do CC prever que a aceitação da herança pelo tutor carece de autorização judicial.
Por isso, ao abrigo dos princípios da gestão processual, economia processual e da adequação formal (artigos 6º e 547º do Código de Processo Civil) deve conceder-se ao requerente a possibilidade de apresentar nova petição inicial em que formule a pretensão que considere mais conveniente, em face das considerações tecidas, mormente requerer autorização para aceitar herança e alienar um dos bens que constituem o acervo hereditário.
Nestes termos, convida-se o requerente a esclarecer se pretende requerer autorização judicial para aceitar a herança aberta por óbito de CC, e em caso afirmativo, nos termos do artigo 590º, n.º 3, do CPC, a aperfeiçoar a petição inicial em conformidade.
*
Acresce que o requerente não esclarece qual o quinhão hereditário que o mesmo e o seu filho menor têm no prédio a alienar e qual a vantagem para o menor da venda do aludido imóvel, já que os frutos monetários da requerida venda serão parcialmente pertencentes àquele, devendo como tal ficar acautelados.
*
Assim, o requerente, na sua nova petição inicial, terá de juntar (além de outros documentos que considere pertinentes):
a) Relação familiar do parente mais próximo com o menor, assim como comprovação documental do parentesco;
b) Composição do acervo hereditário (activo e passivo);
c) Informar o valor da venda do imóvel;
d) Comprovativo da intenção de compra de um outro imóvel (por exemplo, um contrato promessa);
e) Valor do quinhão hereditário do menor;
f) Destino do valor monetário pertencente ao menor que advirá da venda do imóvel.
Prazo: 5 (cinco) dias.” * (sublinhados nossos)
3- Por requerimento de 23/07/2024, o requerente veio informar que o acervo hereditário é composto por;
-O imóvel tem um valor patrimonial de 37.352€;
- Um veículo automóvel com o valor de 9.000€;
- O passivo é de 12 608,53€ (dívida a instituição bancária por financiamento para aquisição do automóvel;
Pretende vender o imóvel por 140 ou 150.000€; tem intenção de comprar outro imóvel; o quinhão hereditário do menor é de 8.435,87€; o menor sofre de autismo grau 3; o quinhão do menor do preço da venda do imóvel ficará cativo na conta bancária do requerente.
4- Com data de 20/11/2024, foi proferido o seguinte despacho:
Por despacho datado de 09.07.2024 foi o requerente convidado a aperfeiçoar a sua petição inicial, estabelecendo o despacho na sua primeira parte: «convida-se o requerente a esclarecer se pretende requerer autorização judicial para aceitar a herança aberta por óbito de CC, e em caso afirmativo, nos termos do artigo 590º, n.º 3, do CPC, a aperfeiçoar a petição inicial em conformidade.».
Por requerimento datado de 23.07.2024 ainda que o Requerente tenha dado resposta a outras questões suscitadas naquele despacho, não procedeu a qualquer aperfeiçoamento nos termos referidos e que são legalmente exigidos.
Perante tal suscitou-se a incompetência absoluta deste tribunal, em despacho imediatamente anterior a este, o qual foi respondido pelo Requerente sustentando a sua posição de competência absoluta desta instância.
Cumpre apreciar e decidir.
Sustenta o artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (doravante C.P.C) que cabe às partes alegar os factos essenciais que constituem causa de pedir, sendo que o juiz providencia oficiosamente pela falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização de actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de acto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo (cf. artigo 6.º, n.º 2 do mesmo diploma legal).
Por sua vez, rega o artigo 186.º, n.º 1 do C.P.C que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, nomeadamente, e para o que o caso interessa, quando falte o pedido (n.º 2, alínea a) do referido artigo).
A ineptidão da petição inicial determina, como se referiu, a nulidade de todo o processo, excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (artigos 186º, 278º, n.º 1, alínea b); 576º, n.ºs 1 e 2; 577º, alínea b) e 578º, todos do C.P.C).
In casu, declarando o requerente que está em causa a situação expressa do artigo 2.º, n.º2, alínea b) do Decreto-Lei 272/2001, de 13 de outubro, ou seja, trata-se de uma questão de competência do Tribunal, a verdade é que não tendo sido acatado o convite em causa para proceder ao pedido de autorização de aceitação da herança, nem de partilha extrajudicial, terá a presente petição inicial ser declarada inepta, uma vez que não se pode proceder à alienação de um imóvel pertencente a uma herança, ou seja, a uma partilha extrajudicial, sem a prévia autorização para aceitação da herança, como claramente vertido no despacho supra identificado e para o qual se remete.
O pedido foi omitido pelo Autor apesar de expresso convite para sanar tal falta, desde logo não sendo veiculado o efeito jurídico pretendido (cf. artigos 552.º, n.º 1, alínea e) do C.P.C) para obter as consequências da alienação do imóvel desejadas.
Concluiu-se, assim, que a petição inicial, não definiu o pedido que visa a causa de pedir invocada, pelo que padece de falta de pedido, vício que gera a sua ineptidão e que, sendo de conhecimento oficioso, cumpre declarar.
Pelo exposto, e sem mais considerações porque desnecessárias, declara-se a ineptidão da petição inicial por falta de pedido, determinando-se a absolvição do Requerido da instância.
Valor: 37.352,00€ (trinta e sete mil, trezentos e cinquenta e dois euros)
Custas pelo Requerente.”
5- Inconformado, o requerente interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I- O Requerente intentou Ação Especial de Autorização Judicial, para obter o assentimento, para que, conjuntamente com o seu filho menor, alienar o prédio urbano que lhes adveio em sucessão, por óbito da esposa e mãe, CC.
II- Indicou como curador do menor DD, já que com ele concorria na sucessão.
III- O douto Tribunal convidou o Requerente a esclarecer se pretendia autorização judicial para aceitar a herança e, em caso afirmativo, aperfeiçoasse a petição inicial nessa conformidade.
IV- O Requerente, cumprindo o despacho, aperfeiçoou a petição.
V- Seguidamente, o Tribunal decide que se está perante uma eventual exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, considerando a ação da exclusiva competência do Ministério Público, já que a causa de pedir é a menoridade.
VI- O Requerente opôs-se à possível decisão do Tribunal, explicitando a confusão em que incorria, pois o menor concorria como pai na sucessão e nesse caso a competência era exclusiva do Tribunal, de acordo com o disposto na alínea b)-, do nº 2, do artigo 2º do
Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de outubro.)
VII- Após esta explicação, entendeu o Tribunal que o Requerente não acatara o pedido de aperfeiçoamento, para que se pudesse obter as consequências da alienação do imóvel
desejadas e declarou a petição inicial inepta por falta de pedido, absolvendo o requerido da instância.)
VIII- No entanto, resulta claro que, no aperfeiçoamento efetuado, o Requerente pretendia a autorização judicial para aceitar a herança aberta por óbito de CC.
IX- Aliás, isso concluiu-se da própria sentença, que diz “em caso afirmativo, (…) deve aperfeiçoar a petição inicial em conformidade.
X- De outra forma, não haveria aperfeiçoamento.
XI- Não se entende por que razão, após o aperfeiçoamento, passa o Tribunal de decidir em conformidade, para uma incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria.
XII- E termina com uma sentença que declara a ineptidão da Petição Inicial por falta de pedido, absolvendo o requerido da instância, invocando para o efeito que o Requerente não acatou o convite para proceder ao pedido de autorização de aceitação da herança nem de partilha extrajudicial, o que não é verdade.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, SEMPRE COM O SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVERÁ O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDO E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA, QUE DETERMINE:
A – a Autorização Judicial para o Requerente, em nome e representação do filho menor BB, alienar o prédio urbano sito no ...concelho de Angra do Heroísmo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo, com o n.º .... e inscrito na matriz no artigo ..., com o valor patrimonial de € 37.352,00 (trinta e sete mil trezentos e cinquenta e dois euros), que lhes adveio em sucessão, por óbito da esposa e da mãe, CC;
B- deve ser nomeado como curador especial: DD, residente na Quinta..., Angra do Heroísmo.
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II- FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Se há fundamento para revogar a decisão de indeferimento liminar e determinar que o processo prossiga para concessão de autorização de venda do imóvel e nomeação de curador especial ao menor.
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2- Matéria de Facto.
Com relevância para a apreciação e decisão da questão enunciada, importa ter presente a factualidade que é mencionada no RELATÓRIO que antecede, bem como os seguintes factos que se extraem das certidões juntas aos autos_
a)- BB, nascido a .../.../2007, mostra-se registado como filho de AA e de CC (certidão do assento de nascimento);
b)- CC, faleceu a .../.../2023, no estado de casada com AA (certidão do assento de óbito);
c)- Pela Ap. de ..../../.., mostra-se registada a aquisição, por compra, a favor de AA e de CC, casados um com o outro, a propriedade do prédio urbano, sito na ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Angra do Heroísmo sob o nº ..../........ (certidão da Conservatória do Registo Predial).
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3- A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar a decisão de indeferimento liminar e determinar que o processo prossiga para concessão de autorização de venda do imóvel e nomeação de curador especial ao menor.
O apelante defende que deve ser revogada a decisão de indeferimento liminar da petição porque, entende, na sequência do despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial – que o convidou a formular pedido de autorização de aceitação da herança - formulou esse pedido.
Vejamos se há fundamento para revogar o despacho em causa.
Primeiramente, cumpre fazer a seguinte nota, decorrente da questão aludida nos pontos V e VI das CONCLUSÕES.
A referência, à advertência, pela 1ª instância, da eventual verificação de excepção dilatória de incompetência absoluta em face dos artºs 1º e 2º do DL 272/2001, tratou-se de um mero “acidente” processual, sem qualquer efeito nos autos, visto que não foi retirada qualquer consequência daquela “advertência”.
A esta luz, nada há a analisar sobre essa (não) questão.
Entrando na apreciação da questão enunciada.
Deveria, a 1ª instância, ter deferido autorização ao requerente para proceder à venda do imóvel?
A 1ª instância entendeu que não, argumentando, que a possibilidade de ser autorizada a venda do imóvel carecia de (prévia) aceitação da herança de sua mãe em que se incluíam direito da sobre o imóvel.
Compreende-se o raciocínio da 1ª instância.
Na verdade, se o imóvel se mostra registado a favor do requerente e da falecida CC, casados no regime de comunhão de adquiridos, trata-se de imóvel (bem) comum. E, sem se proceder à alteração da titularidade registal substantiva, consequente do falecimento, não é possível a venda do imóvel, como decorre do art.º 1682º-A nº 1 al. a) do CC, que exige o consentimento de ambos os cônjuges para alienação de imóveis, próprios ou comuns. Encontrando-se falecida a mãe do menor, cotitular do imóvel, não pode este ser vendido enquanto não for alterar a titularidade registal e, por isso, não fará sentido pedir autorização de venda de imóvel que, na situação actual, não pode ser vendido.
Ou seja, é necessário proceder à alteração da titularidade do prédio.
Pois bem, em matéria de autorização judicial para a prática de certos actos, rege, desde logo, o art.º 1014º do CPC, justamente com epígrafe “Autorização judicial” e que determina:
1 - Quando for necessário praticar atos cuja eficácia ou validade dependa de autorização judicial, esta é pedida pelo representante legal do menor, pelo acompanhante do beneficiário ou, na falta deles, pelo Ministério Público.
2 - São citados para contestar, além do Ministério Público, o parente sucessível mais próximo do visado ou, havendo vários parentes do mesmo grau, o que for considerado mais idóneo.
3 - Haja ou não contestação, o juiz só decide depois de produzidas as provas que admitir e de concluídas outras diligências necessárias, ouvindo o conselho de família, quando o seu parecer for obrigatório.
4 - O pedido é dependência do processo de inventário, quando o haja, ou do processo de acompanhamento de maior.
5 - É sempre admissível a cumulação dos pedidos de autorização para aceitar a herança deferida a incapaz, quando necessária, e de autorização para outorgar na respetiva partilha extrajudicial, em representação daquele; neste caso, o pedido de nomeação de curador especial, quando o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, é dependência do processo de autorização.”
Ora, no que toca a autorizações e/ou confirmações de actos praticados pelos representantes do menor, há que ter em conta o art.º 1889º do CC, com epígrafe “Actos cuja validade depende de autorização do tribunal”. Estabelece o preceito:
1. Como representantes do filho não podem os pais, sem autorização do tribunal:
a) Alienar ou onerar bens, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas susceptíveis de perda ou deterioração;
b) Votar, nas assembleias gerais das sociedades, deliberações que importem a sua dissolução;
c) Adquirir estabelecimento comercial ou industrial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou doação;
d) Entrar em sociedade em nome colectivo ou em comandita simples ou por acções;
e) Contrair obrigações cambiárias ou resultantes de qualquer título transmissível por endosso;
f) Garantir ou assumir dívidas alheias;
g) Contrair empréstimos;
h) Contrair obrigações cujo cumprimento se deva verificar depois da maioridade;
i) Ceder direitos de crédito;
j) Repudiar herança ou legado;
l) Aceitar herança, doação ou legado com encargos, ou convencionar partilha extrajudicial;
m) Locar bens, por prazo superior a seis anos;
n) Convencionar ou requerer em juízo a divisão de coisa comum ou a liquidação e partilha de patrimónios sociais;
o) Negociar transacção ou comprometer-se em árbitros relativamente a actos referidos nas alíneas anteriores, ou negociar concordata com os credores.
2. Não se considera abrangida na restrição da alínea a) do número anterior a aplicação de dinheiro ou capitais do menor na aquisição de bens.” * (negrito nosso).
Sem sombra de dúvida que, em face do art.º 1889º do CC, o pai, enquanto representante do filho, carece de autorização judicial para alienar imóvel. Mas, a autorização judicial para alienação do imóvel, pressupõe que o imóvel pertença no todo ou em parte ao menor.
No caso, já vimos que o imóvel não pertence ao menor: pertence ao seu pai e á herança indivisa da falecida CC.
Aqui chegados, importa ter em atenção o nº 5 do art.º 1014º, acima transcrito: “5 - É sempre admissível a cumulação dos pedidos de autorização para aceitar a herança deferida a incapaz, quando necessária, e de autorização para outorgar na respetiva partilha extrajudicial, em representação daquele; neste caso, o pedido de nomeação de curador especial, quando o representante legal concorra à sucessão com o seu representado, é dependência do processo de autorização.”
Seguindo de perto a lição de Lopes do Rego (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2004, pág. 311), diremos que, do disposto na lei civil, resulta que o representante legal do incapaz (v.g. menor) – quando não requeira inventário nos termos do art.º 2102º nº 2 do CC, com base num juízo de conveniência acerca do interesse do seu representado – necessita de autorização judicial para:
- Sendo a representação exercida pelo pai, aceitar herança (art.º 1889º nº 1, al. l));
- Convencionar partilha extrajudicial, relativamente à herança aceita (art.º 1889º nº 1, al. l) e, art.º 1892º nº 1, parte final);
Por outro lado, e por força da regra do art.º 1881º nº 2 do CC, o representante do menor que com ele concorrer à sucessão não pode intervir, simultaneamente em nome e no interesse próprio e em representação do menor no acto de consumação da partilha extrajudicial, cumprindo a representação do menor a curador especial nomeado pelo tribunal.
Por sua vez, o disposto no nº 5 do art.º 1014º do CPC, é mera decorrência do preceituado no nº 4 do art.º 1890º do CC, visando facultar ao representante legal a cumulação, no mesmo processo, dos três pedidos que eventualmente se configurem como necessários, permitindo-lhe, em homenagem ao princípio da concentração e da economia processual:
- Requerer, mediante aprovação judicial do projecto de partilha, a autorização para aceitar a herança e outorgar no acto de partilha extrajudicial em representação do incapaz;
- Requerer a nomeação do curador especial que represente o menor naquele acto, nos casos de incompatibilidade de interesses, decorrente de o representante concorrer também à sucessão.
Acrescente-se que “a concessão de autorização judicial para outorga em partilha extrajudicial pressupõe que o requerente especifique os bens a partilhar e justifique que o projecto de partilha que pretende ver aprovado é razoável, na perspectiva do interesse do representado, tendo em conta a natureza e o valor dos bens que se pretende adjudicar ao incapaz.” (Lopes do Rego, Comentários, cit., pág. 312).
Pois bem, destas considerações decorre que, no caso dos autos, não bastava o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial em termos de o requerente esclarecer se pretendia (também) requerer autorização judicial para aceitar a herança. Era necessário, igualmente, ter convidado o requerente a aperfeiçoar a petição inicial em termos de também requerer autorização para outorgar em partilha extrajudicial por intermédio de curador especial dado que o requerente é co-concorrente à herança.
É certo que o requerente fez referência, na petição aperfeiçoada, aos bens da herança e mencionou o quinhão do menor e o respectivo valor; e, igualmente, indicou pessoa que pode ser nomeado curador especial. Mas, em rigor, o requerente não requereu, expressamente, autorização para aceitar a herança.
Aqui chegados coloca-se a questão de saber se a petição inicial é inepta por falta de pedido, como decidiu a 1ª instância.
Pois bem, em rigor, não se verifica o vício de falta de pedido: o pedido foi formulado, mas não permite alcançar o efeito prático almejado: autorização da venda do imóvel porque, para tanto, carecia o requerente de solicitar outras autorizações.
Voltando um pouco atrás. Dissemos que a 1ª instância não formulou convite ao aperfeiçoamento em termos de sugerir que fosse peticionado, além de autorização para aceitação da herança, também pedido de autorização de outorga em partilha extrajudicial com especificação de projecto de partilha que pretendesse ver aprovado.
Há, pois, um deficiente convite ao aperfeiçoamento.
Pois bem, entendemos que nada impede que esse convite, completo, seja novamente formulado.
Note-se que, por não ter existido citação, o objecto da acção pode ser totalmente alterado, em termos objectivos e subjectivos, como decorre, a contrario, do art.º 260º CPC.
Tenha-se em conta que o processo especial de autorização judicial é um processo de jurisdição voluntária que, em rigor, se destina a proteger os interesses dos incapazes. E, o indeferimento da acção não será a decisão mais conforme ao fim do processo.
Assim, entendemos que a 1ª instância deverá proferir novo convite ao aperfeiçoamento da acção, com apresentação de nova petição inicial em que o requerente:
- Apresente projecto de partilha extrajudicial, especificando os bens a partilhar e as adjudicações tidas em vista e/ou forma de composição dos quinhões, visado a aprovação judicial desse projecto, justificando que o projecto de partilha que pretende ver aprovado é razoável, na perspectiva do interesse do representado e, solicite autorização judicial para aceitar a herança;
- Solicite autorização para realização da partilha extrajudicial, outorgando na mesma, em representação do menor, o curador especial que indicará;
- Especifique o destino a dar ao quinhão que couber ao menor.
- Caso, no projecto de partilha, o imóvel seja atribuído/adjudicado ao menor, na totalidade ou em compropriedade, requerer autorização para a venda do imóvel, justificando a vantagem, com essa venda, para o menor – se o imóvel não for adjudicado ao menor, de acordo com o projecto de partilha, não carece de pedir autorização judicial para a venda.
A esta vista, importa revogar o despacho de indeferimento liminar e determinar que os autos prossigam, com convite a apresentação de nova petição inicial nos termos preconizados.
***
III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam o despacho de indeferimento liminar e determinam seja proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando o requerente a apresentar nova petição inicial, nos termos acima mencionados.
Sem custas na instância de recurso.

Lisboa, 10/04/2025
Adeodato Brotas
Anabela Calafate
Eduardo Petersen Silva