RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
OPERAÇÃO BANCÁRIA
AUTORIZAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
BANCO
PRESUNÇÃO LEGAL
ILICITUDE
CONTA BANCÁRIA
TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
CORREIO ELETRÓNICO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DIREITOS DO CONSUMIDOR
PROPRIEDADE PRIVADA
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário


I - À conta de pagamento está associado um serviço de caixa prestado pelo banco ao cliente, que compreende uma ou mais formas de utilização dos fundos aí registados para fins de pagamento, por iniciativa ou com o consentimento do cliente.
II - Do regime jurídico aplicável às operações não autorizadas (arts. 69.º- 72.º do RSP) resulta que na hipótese de o utilizador dos serviços de pagamento negar ter consentido na realização da operação, o banco-prestador apenas se pode exonerar de responsabilidade se provar: 1) que a operação foi devidamente autenticada, registada e contabilizada e não foi afetada por avaria técnica ou qualquer deficiência e 2) que ela se ficou a dever a i) perda, roubo ou apropriação abusiva de instrumento de pagamento, imputável ao ordenante, ou ii) a atuação fraudulenta ou incumprimento do dever de reporte previsto no art. 67.º do RSP, ou, por último, iii) a negligência grave do ordenante.
III - O ónus da prova da autorização da execução da operação de pagamento cabe ao banco-prestador dos serviços de pagamento, que deve demonstrar que o cliente-utilizador consentiu na execução da operação. Não releva a distinção entre as situações em que (i) a ordem de pagamento é emitida pelo cliente no sistema informático do banco (v.g., sistema de homebanking) e aquelas em que (ii) a operação de pagamento é executada pelo banco no seu sistema informático, na sequência de uma ordem transmitida pelo cliente pela forma contratada para o efeito (v.g., por mensagem eletrónica enviada da conta pessoal do cliente).

Texto Integral


Processo n.º 17903/19.1T8LSB.L1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,

I - Relatório

1. AA e BB intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco Comercial Português, S.A., pedindo a condenação da Ré a entregar-lhes o montante de € 118.659,44, acrescido de juros de mora, desde 21 de junho de 2017 até integral pagamento, calculados até 21 de junho de 2019 no valor de € 9.492,00; adicionado igualmente de juros nos termos do art. 114.°, n.° 10, do DL n.° 91/2018, de 12 de novembro, até integral pagamento e que se calculam, até à presente data, em € 23.732,00.

2. Alegam que são clientes da Ré, nela tendo domiciliadas contas bancárias de que são, reciprocamente, titulares e cotitulares. Entre 14 de março de 2017 e 3 de abril do mesmo ano, alguém não identificado, utilizando o endereço eletrónico do Autor BB, transmitiu à Ré instruções de pagamento de elevados montantes, com destino ao estrangeiro, num total de € 118.610,28; instruções essas que a Ré cumpriu de imediato, sem qualquer procedimento prévio de verificação. Os Autores reclamaram junto da Ré, mas esta, até ao momento, não procedeu à devolução àqueles da quantia referida.

3. A Ré Banco Comercial Português, S.A., contestou. Alegou que os Autores assinaram declarações de transmissão de ordens mediante as quais declararam expressamente pretender dispor da possibilidade de transmitir ordens por telefone e correio eletrónico. As ordens de transferência em apreço foram dirigidas à Ré através da utilização do endereço eletrónico do Autor BB expressamente por ele indicado para as comunicações a estabelecer com a Ré. Acresce que as primeiras quatro ordens vinham no seguimento de uma cadeia de mensagens eletrónicas iniciada meses antes, que se reportava a ordens de transferência. Mencionou ainda que é falso que houvesse sido convencionado entre as partes um procedimento de verificação por telefone. Referiu também que os Autores haviam comunicado à Ré que se encontravam prestes a celebrar um contrato promessa de compra e venda de um imóvel cujo vendedor era espanhol e no âmbito do qual iriam entregar, a título de sinal, o montante de € 150.000,00. Finalmente, a Ré referiu que cumpriu todos os procedimentos a que legalmente se encontrava obrigada; que o Autor BB, enquanto utilizador do sistema de pagamentos, não cumpriu os deveres que sobre si impendiam e que decorrem do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica (aprovado pelo DL n.° 317/2009, de 30 de outubro, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 157/2014, de 24 de outubro, que sancionou o regime jurídico relativo ao acesso à atividade das instituições de pagamento e à prestação de serviços de pagamento, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro e que, entretanto, foi revogado pelo DL 91/2018, de 12 de novembro) – doravante RSP.

4. Após a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal de 1.ª Instância julgou parcialmente procedente a ação e, em consequência, condenou a Ré Banco Comercial Português, S.A., a pagar aos Autores AA e BB a quantia total de € 117.860,00, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, adicionada de dez pontos percentuais, desde 5 de abril de 2017 até integral e efetivo pagamento.

5. Não conformada, a Ré Banco Comercial Português, S.A., interpôs recurso de apelação.

6. Os Autores AA e BB apresentaram contra-alegações e ampliaram, a título subsidiário, o objeto do recurso.

7. Por seu turno, a Ré Banco Comercial Português, S.A., respondeu à ampliação do objeto do recurso.

8. Por acórdão de 28 de abril de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte:

Pelo exposto, acordamos em:

i. Indeferir a junção aos autos do documento de fls 457 e ss. e ordenar o seu desentranhamento do processo físico e sua devolução aos apresentantes e bem assim a sua retirada da plataforma CITIUS.

ii. Admitir a ampliação do âmbito do recurso ex artigo 636.° CPC, cujas questões suscitadas não são todavia apreciadas.

iii. Indeferir a arguição de nulidades.

iv. Ordenar a rectificação dos lapsos de escrita existentes no ponto 33 da matéria de facto, que em vez de 11.01.2017 refere 11.01.2016, e no ponto 54 que omitiu o verbo ter.

v. Alterar a decisão de facto nos termos sobreditos.

vi. Julgar improcedente o recurso do BCP;

vii. Confirmar a decisão recorrida.

viii. Condenar o BCP nas custas do recurso.

9. Não resignada, a Ré Banco Comercial Português, S.A., à luz do art. 672.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC, interpôs recurso de revista excecional, formulando as seguintes Conclusões:

A. O acórdão recorrido padece de nulidade, que ora se argui, por omissão de pronúncia relativamente às seguintes questões, oportuna e expressamente suscitada pelo Recorrente nas suas alegações de apelação: (i) impossibilidade de ser tomado em consideração na sentença facto (no caso a possibilidade de prática de hacking na conta de e-mail da testemunha CC) não constante da lista de factos (provados ou não provados) da mesma sentença (arts. 228 a 250); (ii) impossibilidade de ser considerado esse facto para efeitos decisórios, sob pena de violação do princípio do dispositivo (o Tribunal a quo enuncia o art. 5.º, n.º 2 CPC, mas responde apenas à questão da violação do princípio do contraditório (que não do princípio do dispositivo, questão que havia sido invocada entre os arts. 251 a 270); (iii) impossibilidade de tomar em consideração, para efeitos de decisão, de uma mera possibilidade, que não de um facto provado, sendo certo que nem está em causa uma presunção jurídica (ats. 287 a 300 e 304 a 305); (iv) omissão de não consideração de prova produzida (arts. 301 a 303); (v) impossibilidade de sustentar a decisão no conhecimento comum (arts. 306 a 317); (vi) indevido peso atribuído às declarações de parte, depois de se ter afirmado o seu desvalor (arts. 318 a 366).

B. O presente recurso de revista excecional é interposto com base em dois fundamentos: estar em causa questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e existir oposição entre o acórdão ora recorrido e acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito (acórdão do STJ, de 27.11.2019, proferido no âmbito do processo n.º 12693/16.2T8PRT.P1.S1).

C. Os dois pressupostos de facto com base nos quais os Autores/Recorridos propuseram a ação ora em crise, a saber- i) o de que a conta pessoal de e-mail (gmail) de um dos Recorridos (no caso, de BB), teria sido objeto de invasão indevida por terceiros, tendo sido estes a enviar para o Recorrente os e-mails contendo as ordens de transferência em causa na ação e, ii) o de que o Recorrente, tendo recebido esses e-mails, teria realizado essa transferência sem cumprir os deveres de autenticação que lhe cabiam – não se verificam, estando a ação condenada à total improcedência.

D. O acórdão recorrido viola o disposto nos arts. 70.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, que contém o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, 8.º, do Código Civil (adiante “C.C.”), 9.º, n.º 1 do C.C., 342.º, n.º 1 e 2 do C.C., 3.º, n.º 3 do CPC, 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC, 607.º, n.ºs 2 a 5 do CPC, 2.º, 13.º, 20.º, 32.º, 62.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa (adiante “CRP”), devendo ser revogado e substituído por outro que declare a total improcedência dos pedidos dos Autores.

E. Merece censura a decisão do Tribunal a quo de convocar, para resolução da questão da autoria das ordens de transferência (ou seja, a questão de saber se foram ou não terceiros a invadir a conta pessoal de correio eletrónico do segundo Autor e a, a partir dela enviar as ordens de transferência ora em causa para o Recorrente), a regra de repartição do ónus da prova prevista no art.70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónica, que não tem aplicação ao caso dos autos, assim desrespeitando a regra geral de repartição do ónus da prova prevista no art. 342.º do C.C..

F. O problema não reside, assim, no teor da lei, antes, salvo o devido respeito, na indevida interpretação que o Tribunal a quo dela faz.

G. Com efeito, o universo da responsabilidade bancária comporta uma enorme diversidade de tipologias e contextos em que as relações bancárias se estabelecem, sendo que no que respeita, em concreto à questão das ordens de pagamento, devem distinguir-se, desde logo, as situações em que (i) o pagamento é realizado pelo ordenante (cliente bancário) no sistema informático do Banco (contexto em que se integram, em particular, as situações de utilização pelos clientes de sistema de homebanking) daquelas outras em que (ii) o cliente transmite ao Banco instrução de pagamento através da via contratada com o Banco para o efeito (por exemplo, por e-mail enviado da conta de correio eletrónico pessoal do cliente), realizando depois o Banco essa operação no seu sistema informático, sendo que às realidades de facto que integram um ou outro tipo de situações estão associadas diferenças quanto aos concretos sistemas informáticos envolvidos, quanto aos sujeitos que titulam e controlam cada um desses sistemas e aos sujeitos que realizam o ato de execução da operação bancária.

H. Ora, a interpretação feita pelo Tribunal a quo do referido art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónica – ao abrigo da qual parece convocar a sua aplicação a uma situação em que as ordens foram transmitidas por e-mail proveniente da conta pessoal do cliente ao Banco - não respeita os critérios de interpretação de normas jurídicas previstos no art. 9.º, n.º 1 do C.C., desconsiderando ainda o contributo jurisprudencial de Tribunais superiores, em particular do STJ, quanto a esta matéria (apesar de para a mesma ter o Tribunal a quo sido expressamente alertado pelo Recorrente nos autos), redundando na aplicação – errada - desse preceito a uma situação de facto a que o mesmo não visa aplicar-se. Aplicação que, assim, não pode ser admitida.

I. Desde logo, o teor literal do art. 70.º (que faz incidir o ónus da prova sobre o Réu – o Banco) comporta indicadores fortes no sentido de que esse preceito não se aplica a casos como o dos autos (em que está em causa a suposta invasão indevida de terceiros na conta pessoal – gmail- de e-mail de um dos Autores e, assim, domínio em que o Réu - o Banco - não exerce qualquer poder de gestão ou controlo de segurança), mas sim, e quanto muito, a situações que possam surgir no próprio sistema informático de execução de operações de pagamento, sob a alçada do Banco.

J. Com efeito, (i) a epígrafe do referido art. 70.º respeita ao ato de autenticação e de execução das operações de pagamento, ou seja, a atos praticados no seio do sistema informático bancário em que a operação de pagamento é efetivada (em momento já posterior ao envio do e-mail com a ordem de transferência);

(ii) a noção de instrumento de pagamento ínsita ao art. 70.º, n.º 2, por si só e interpretada em conjugação com disposições precedentes do art. 66.º n.ºs 2, 3 e 4 ou 68.º, n.º 1, e), 68.º, n.º 2 do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónico, é clara no sentido de remeter para instrumentos de pagamento que estejam sob a alçada ou controlo da entidade bancária (podendo esta, em particular, proceder ao respetivo bloqueio por razões de segurança) e não sob o exclusivo controlo do cliente.

K. Também o facto de o n.º 1 do mencionado art. 70.º referir que incumbe ao prestador de serviços “fornecer prova” pressupõe que nas situações enquadráveis nesse art. esteja no poder da parte prestar ou fornecer prova aos autos, o que não sucede relativamente a eventos que possam ter ocorridos na conta de e-mail pessoal de clientes/ordenantes, que está sob o domínio e controlo destes últimos.

L. No mesmo sentido que se retira dos referidos elementos literal e sistemático, também a ilação que se retira da teleologia que preside ao referido art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónica é a de que o mesmo é inaplicável ao caso presente.

M. Com efeito, o art. em questão surge em reação a uma realidade de facto em que é manifesta a crescente utilização, pelos clientes bancários, das plataformas informáticas que as instituições de crédito lhes proporcionam, em particular plataformas ditas de homebanking, para realização, mediante intervenção direta dos clientes bancários no sistema de execução de operações bancárias sob a alçada do Banco, de operações de movimentação dos seus fundos.

N. O art. em questão surge, assim, em reação a um contexto de utilização pelos clientes de plataformas de homebanking (distinto do que está em causa nos autos, reitera-se) em que, surgindo divergências ou erros no processamento das ordens dadas através dessas plataformas bancárias, poderia ser particularmente oneroso para o cliente/ordenante que atuou na plataforma informática que está sob a alçada do Banco demonstrar que o erro se devera a falha inerente ao sistema informático de execução das operações bancárias, dificuldade a que o legislador terá sido sensível prevendo, para esse contexto específico, uma regra especial de distribuição do ónus da prova (que, quanto a esse aspeto, faz incidir sobre o Banco).

O. Em suma, os instrumentos de pagamento relevantes para efeitos do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e de Moeda Eletrónico são proporcionados pelo Banco e encontram-se no domínio da esfera de controlo deste no que diz respeito à possibilidade de adoção autónoma de medidas para preservação do seu grau de segurança, assim impedindo ou minorando a produção de danos, o que não sucede com a utilização de e-mail do cliente/ordenante, relativamente ao qual nenhum tipo de gestão ou controlo pode ser feito pelo Banco.

P. Já em todas as outras hipóteses (como a presente no caso sub judice) em que essa ordem de razão não se verifique (no caso em análise o problema terá surgido, na versão dos Autores, em virtude da invasão da conta pessoal de email de um deles por terceiros, que terão, a partir dela, enviado ordens de transferência para o Réu) e que, nessa medida, não possam considerar-se abrangidas pelo referido art. 70.º continuar-se-ão a aplicar, nas relações entre os Bancos e os clientes bancários, as regras gerais de distribuição do ónus da prova, cabendo ao Autor alegar e provar os factos constitutivos do seu direito de crédito, e ao Réu alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor, tudo em conformidade com o estabelecido nos n.ºs 1 e 2 do art. 342.º do Código Civil.

Q. Com efeito, o Banco não pode ser responsabilizado por problemas que ocorram por estar supostamente em causa a invasão da conta de e-mail própria do ordenante (conta gmail), relativamente à qual o Banco não pode implementar, nem impor a implementação, de critérios e métodos reforçados de segurança em ordem a evitar a respetiva invasão ou uso indevido por terceiros. Não dispondo o Banco de liberdade para atuar nesse domínio, não lhe pode, naturalmente, ser imposto o ónus da prova sobre factos nesse domínio verificados, nem ser-lhe assacada responsabilidade pelo que aí corra mal.

R. A interpretação das normas contidas nos n.ºs 1 e 2 do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica no sentido de que, estando em causa o envio, para o Banco, de uma ordem de pagamento, a partir de uma conta privada de e-mail (gmail) do ordenante e invocando este não ter sido o autor dessa ordem (antes terceiros que invadiram a sua conta), cabe ao Banco demonstrar que tal invasão não se verificou e que foi o titular da conta a emitir a ordem, representa ofensa do direito constitucional à propriedade privada consagrado, entre o mais, no art. 62.º da Constituição da República Portuguesa, em virtude de, não se desincumbindo o prestador de serviços dessa prova, ficar reunido um dos pressupostos para lhe ser injustamente assacada responsabilidade indemnizatória por eventos ocorridos em espaço informático de intervenção e exclusivo domínio do ordenante (a sua conta privada de e-mail) e onde, assim, a ação do Banco Réu não tem qualquer influência, estando fora da sua esfera de ação.

S. A este respeito, cabe ainda referir que mobilizar o art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica como fundamento para fazer incidir, no presente caso, sobre o Recorrente, o ónus da prova quanto à interferência ou não de terceiros na conta de e-mail do Autor BB e associado envio de e-mail como ordem de pagamento para o Recorrente significa também criar um ónus de prova de desincumbência impossível ou de dificuldade de tal modo intensa que se torna inexigível para o Recorrente (assim se impossibilitando a este, na prática, o efetivo exercício do seu direito à prova).

T. Tal restrição de um direito processual nuclear, beneficiário de tutela legal e constitucional, não se afigura admissível, o que se impõe de modo expresso enunciar.

U. Assim, cumpre sublinhar que a interpretação da norma contida no n.º 1 do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, no sentido de que, alegando os Autores que a sua conta de e-mail privada foi invadida por terceiros e que estes, a partir da mesma, enviaram para o Réu (instituição de crédito com quem os Autores haviam convencionado a possibilidade de emissão de ordens de pagamento a partir de telefone ou e-mail) uma ordem de pagamento, incumbe ao Réu provar que essa conta de e-mail (a que o mesmo Réu não tem acesso, não tendo, igualmente, sobre a mesma qualquer poder de intervenção ou controlo) não foi invadida, tendo antes sido os Autores a emitir essa ordem, viola as garantias constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, bem como a um processo equitativo (designadamente na dimensão do direito à prova) consagradas nos arts. 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa. Inconstitucionalidade que ora expressamente se alega.

V. O mesmo vale quando no mesmo sentido se interprete o n.º 2 do mesmo art., pelo que também quanto a este cumpre enunciar a mesma arguição: a interpretação da norma contida no n.º 2 do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, no sentido de que, alegando os Autores que a sua conta de e-mail privada foi invadida por terceiros e que estes, a partir da mesma, enviaram para o Réu (instituição de crédito com quem os Autores haviam convencionado a possibilidade de emissão de ordens de pagamento a partir de telefone ou e-mail) uma ordem de pagamento, incumbe ao Réu provar que essa conta de e-mail (a que o mesmo Réu não tem acesso, não tendo, igualmente, sobre a mesma qualquer poder de intervenção ou controlo) não foi invadida, tendo antes sido os Autores a emitir essa ordem, viola as garantias constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, bem como a um processo equitativo (designadamente na dimensão do direito à prova) consagradas nos arts. 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa. Inconstitucionalidade que ora expressamente se alega.

W. O que vem de se expor, com base em razões, literais, sistemáticas e teleológicas, no sentido da manifesta aplicabilidade ao presente caso das regras gerais de distribuição do ónus da prova - não se aplicando, consequentemente, o art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica - é corroborado pela jurisprudência (proferida em contexto de revista excecional) do Supremo Tribunal de Justiça, que, assinalando a importância comunitária que esta questão assume, decidiu admitir um recurso revista excecional que teve por objeto a presente questão, em virtude de a apreciação desta, pela sua relevância jurídica, ser claramente necessária para a melhor aplicação do direito (art. 672.º, n.º 1, a) C.P.C.).

X. Apesar de a jurisprudência dos tribunais superiores não influenciar, com caráter vinculativo, as decisões dos demais tribunais, é objetivo da revista excecional assegurar que o Supremo Tribunal de Justiça possa - pela especial autoridade intrínseca e influência das suas decisões - ajudar a introduzir uniformidade decisória na ordem jurídica quando esteja em causa questão com particular impacto na vida dos cidadãos, contribuindo, assim, para promover também a igualdade entre os mesmos (valor constitucionalmente protegido pelo art. 13.º da C.R.P.).

Y. O referido acórdão do STJ de 27.11.2019, foi proferido no âmbito do processo n.º 12693/16.2T8PRT.P1.S1 (em que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro Henrique Araújo) e refere-se a um processo em que, como sucede nos presentes autos, tinha sido ordenada uma série de transferências provenientes da conta de e-mail do aí Autor (conta de e-mail autorizada para o efeito), tendo este negado ter sido o responsável por essas ordens, e requerendo que o Banco lhe procedesse ao pagamento do valor em causa, sendo que o STJ se pronunciou no sentido da absolvição do réu do pedido, em virtude de o Autor não ter conseguido fazer prova de que não tinha sido ele a ordenar as ordens de transferência, sendo que sobre ele impendia o ónus da prova desse facto.

Z. A este respeito, refere o STJ, no referido acórdão de revista excecional, de forma lapidar: “Ora, o facto ilícito invocado traduzir-se-ia, segundo o Autor, na circunstância de as ordens de transferência terem sido executadas pelo BB apesar de não ter sido aquele quem as emitiu, e de estas terem sido “feitas à sua revelia”, desconhecendo quem as tenha emitido – cfr. art.s 35º e seguintes da petição inicial. (…) Como atrás se referiu, o Autor só lograria a procedência da acção se provasse, primeiro que tudo, o facto negativo consubstanciador da ilicitude, ou seja, que não emitiu as ordens de transferência de fundos identificadas nos pontos 14. e 15. a que o Banco Réu deu seguimento. Faltando a prova da falsidade dessas ordens, não há, sequer, que apreciar os restantes requisitos da responsabilidade civil. [O Autor] põe, como se vê, todo o enfoque no incumprimento dos deveres de diligência do Banco Réu subalternizando o elemento fulcral e decisivo: a origem e autoria das ordens de transferência. Só se se tivesse provado que as ordens de transferência foram emitidas por outrem (que não o Autor), e à sua revelia, é que se poderia questionar se o Banco cumpriu os deveres de diligência a que estava contratualmente vinculado quando deu seguimento a essas ordens de transferência, no âmbito da relação negocial bancária firmada com o seu cliente.” (realce nosso).

AA. Com efeito, em situação de dúvida insanável quanto ao facto em apreço, dever-se-á declarar não ter ficado provado que a ordem de pagamento tenha sido enviada por terceiros a partir da conta pessoal de e-mail do Autor (versão sustentada pelos Autores), e não declarar-se (como o Tribunal a quo erradamente fez) não ter ficado provado que foram os Autores a emitir a ordem de pagamento a partir da sua conta de e-mail (versão sustentada pelo Réu).

BB. Ainda quanto à questão das considerações vertidas pelo Tribunal a quo quanto a quem cabia ou não provar a suposta interferência na conta de e-mail pessoal do Autor BB, cabe assinalar que os critérios de distribuição do ónus da prova são estabelecidos pelo legislador com base em razões e equilíbrios dos interesses jurídicos em presença (designadamente de facilidade de prova e hierarquia de posições jurídicas), na sequência da sua superior ponderação quanto a estes últimos, não sendo dado ao Tribunal alterar esse esquema normativo de definição de encargos probatórios (salvas as exceções em que o legislador expressamente o permita, o que não é o caso).

CC. Quando, contrariando a lei, o Tribunal a quo o faz (indevidamente invertendo o ónus da prova), equipara-se e substitui-se ao legislador, em flagrante violação do princípio da separação de poderes, constitucionalmente consagrado e base do Estado de Direito Democrático em que toda a ordem jurídica assenta.

DD. Nestes termos, a interpretação do art. 70.º do Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, no sentido de que, alegando os Autores que a sua conta de e-mail privada (gmail) foi invadida por terceiros e que estes, a partir da mesma, enviaram para o Réu (instituição de crédito com quem os Autores haviam convencionado a possibilidade de emissão de ordens de pagamento a partir de telefone ou e-mail) uma ordem de pagamento, incumbe ao Réu provar que essa conta de e-mail (a que o mesmo Réu não tem acesso, não tendo, igualmente, sobre a mesma qualquer poder de intervenção ou controlo) não foi invadida, tendo antes sido os Autores a emitir essa ordem, assim se aplicando o preceito a situações que não se enquadram no seu espírito nem âmbito aplicativo, atuando o juiz como se legislador fosse, viola a Constituição da República Portuguesa por ofensa do princípio da separação de poderes consagrado nos arts. 2.º e 111.º da Constituição da República Portuguesa.

EE. Ao exposto acresce que independentemente de ter havido ou não interferência indevida na conta de e-mail pessoal (gmail) do Autor BB e de ter sido este ou terceiros a dar a ordem aqui em causa, para que a ação fosse procedente seria também necessário avaliar (no âmbito do segundo pressuposto – de verificação cumulativa com o primeiro – acima assinalado em B.) se o Recorrente cumpriu os seus deveres de validação e autenticação destas ordens, só aí (em caso de verificação simultânea de ambos os pressupostos) podendo ser considerada a responsabilidade do mesmo Recorrente.

FF. Com efeito, sobre o Recorrente impendem deveres de execução da ordem – e com prontidão, sob pena de ser responsabilizado pelos danos que daí decorrerem -, sendo que, em termos consentâneos com esse dever de pronta execução, é-lhe, contudo, exigida a adoção de procedimentos de autenticação para controlo de segurança, devendo adotar procedimentos através dos quais faz o controlo de segurança da informação que lhe chega.

GG. Ora, no caso dos autos, o BCP cumpriu integralmente esse dever de autenticação relativamente às ordens de pagamento aqui em causa, conforme o Tribunal a quo declara quando afirma que cabe ao prestador de serviço provar que “a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada – o que logrou fazer, cf. factos 84 e 85”, o que, só por si, deveria ter levado à improcedência dos pedidos dos Autores, contrariamente ao que ocorreu (também aqui tendo errado a decisão recorrida).

HH. Tendo havido integral cumprimento, pelo BCP, dos seus deveres de autenticação, registo e contabilização das operações aqui em causa, a execução das referidas operações bancárias teve lugar em termos absolutamente regulares, não sendo assacável ao Recorrente qualquer responsabilidade.

II. Acresce ainda que, como decorre dos factos constantes da petição inicial, as operações de transferência foram, sob o ponto de vista técnico, bem executadas pelo Banco, sendo que, a ter existido um problema informático, o mesmo aconteceu, na versão factual dos Autores (sintetizada no art. 63.º da P.I.), no momento da emissão da mensagem a partir da conta pessoal (gmail) de e-mail do Autor BB, pelo que também por aqui não há qualquer conduta ilícita ou culposa do Recorrente a considerar.

JJ. Em qualquer caso, ainda que não tivesse resultado dos autos que o BCP cumpriu os seus deveres na execução destas operações nos termos expostos supra (no que não se concede), sempre deveria o Réu ser absolvido do pedido, em virtude de os Autores não terem feito prova do primeiro pressuposto, cumulativo que é com o segundo (ausência de prova de que, conforme alegam, a conta pessoal de correio eletrónico do segundo Autor foi invadida por terceiros, que, a partir dela, terão enviado, por e-mail, as ordens de transferência para o Recorrente – assim não se desincumbindo, os Autores, do correspondente ónus da prova).”

10. Os Autores AA e BB apresentaram resposta às alegações, com ampliação subsidiária do objeto do recurso nos termos do art. 636.º do CPC, quanto aos fundamentos de ampliação em que o Tribunal da Relação não conheceu, justamente na medida em que manteve a decisão do Tribunal de 1.ª Instância, e quanto à junção de documento, segundo o art. 425.º do mesmo corpo de normas, com as seguintes Conclusões:

I. Vem o presente Recurso interposto pelo BCP ( ou Recorrente) do Douto Acórdão da Relação de Lisboa que condenou o BCP na restituição aos AA. da quantia € 117.860,00, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, acrescidas de dez pontos percentuais, desde 05.04.2017 e até integral pagamento, tudo nos termos dos artigos 70º e 71º do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro (Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro).

II. Desde logo, da análise do Acórdão recorrido resulta claro que o entendimento por este seguido resulta de vários Acórdãos da Relação e do Supremo no exacto sentido da decisão proferida, todas ainda de acordo com a Doutrina unânime ali citada, de onde resulta ser pacífico o entendimento feito quanto à aplicação do artigo 70º Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, inexistindo assim questão que caiba na alínea a) do nº 1 do artigo 672º, não devendo a presente Revista ser admitida.

III. Por outro lado, bem andou o Acórdão recorrido, em suma, ao confirmar a Sentença recorrida por considerar, contrariamente ao pretendido pelo Recorrente, quanto aos factos, que não se provou nenhum dos factos em que assentou a defesa do BCP e por este alegados, em suma não se provou terem as ordens de Pagamento sido dadas pelos Recorridos, nem fraude, nem negligência grosseira, nem tendo o Banco conseguido demonstrar a inexistência de avaria, nem tendo conseguido provar as suspeições, que entendeu levantar quanto ao A. AA e seu filho e, quanto ao direito, que às ordens de pagamento por e-mail se aplica o ónus da prova especial que resulta do artigo 70º do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro.

IV. E tal é quanto basta para se verificar de forma clara que não existe oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, uma vez que não se pronunciam sobre a mesma questão de Direito, omitindo o Acórdão fundamento qualquer juízo sobre o ónus da prova especial que resulta do artigo 70º do Decreto-Lei n.º 317/2009, de 30 de outubro, nem resultando do Acórdão fundamento qualquer interpretação no sentido de uma ordem de pagamento por e-mail cair fora do âmbito de aplicação desse regime, ao contrário do que o Recorrente pretende fazer crer. Logo, não conhecendo o Acórdão Fundamento de tais matérias, não se vê como possa estar em conflito com o Acórdão recorrido que sobre as mesmas tomou expressa posição, a saber quanto a cair no âmbito de aplicação do regime as ordens de pagamento por e-mail e quanto à aplicação do ónus especial do artigo 70º. E atente-se que, como bem demonstram as Conclusões do Recurso, o que o Recorrido pretende é retirar as ordens de e-mail do âmbito de aplicação do artigo 70º e, nessa medida, nada no Acórdão fundamenta se decidiu ou ponderou quanto a tal questão jurídica. Logo inexiste oposição que sustente a admissibilidade da presente Revista.

V. Mais, o Acórdão recorrido, quanto à questão de direito essencial, a aplicação do ónus da prova especial que resulta do artigo 70º, mostra-se conforme com a Jurisprudência desse Supremo Tribunal como resulta claro, entre outros do Ac. STJ de 18.12.2013, disponível em www.dgsi.pt. Motivos pelos quais não se verifica também o fundamento de revista previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 672º do CPC, devendo ser recusada a Revista.

VI. Pretende a Recorrente a reapreciação da decisão de facto em conformidade com a sua Conclusão A. Ora não resulta de tal impugnação nenhum dos motivos que justificam a admissibilidade da revista, não se referindo ali nenhuma das alíneas do artigo 672º nem do nº 1 als. a) e b) do artigo 674º Improcede também a nulidade por omissão uma vez que o Tribunal Recorrido conheceu da impugnação de facto nos termos em que a mesma foi feita pela Recorrente, por referência a factos provados ou não provados, como resulta claro das pags. 79, 80 e 86 a 89 da Decisão Recorrida.

VII. Por fim, quanto à questão essencial de Direito, com efeito, o Tribunal recorrido conheceu das duas questões essenciais que lhe foram submetidas pela Recorrente, quanto a cair no âmbito de aplicação do regime as ordens de pagamento por e-mail e quanto à aplicação do ónus especial do artigo 70º. E a omissão não resulta, não pode resultar, de o Acórdão recorrido se ter referido ou não a um determinado Acórdão, na medida em que fez o que se lhe impunha, conheceu desses fundamentos de direito, e muito bem, nas pags. 93 a 104.

VIII. Pretende ainda o Recorrente sustentar que o Tribunal a quo aplicou o regime decorrente do artigo 70º dos Serviços de Pagamento de forma errada uma vez que uma ordem dada por e-mail cai fora do âmbito de aplicação de tal regime. Em suma, sustentando que o Banco não consegue controlar e ou impedir falhas relativas a um sistema que não controla, o mail do Cliente.

IX. Ora o Banco não tem de controlar o mail do Cliente, o Banco tem de assegurar que a ordem que lhe chega, antes de a introduzir no seu sistema, é uma ordem válida, cumprindo os seus procedimentos de validação, autenticação e registo e verificando ter esse e-mail sido vítima de fraude, pode cumprir as suas obrigações recusando ordens dadas por esse meio e disso avisando o cliente de imediato. Tal como uma ordem dada através de telefone. Ambas, antes de darem início ao pagamento a lançar no sistema do Banco, terão de ser autenticadas, validadas e registadas.

X. E quando o Banco recebe uma ordem dada ao seu sistema, tem a obrigação de autenticar, validar e registar. Ora tal autenticação prévia não se pode bastar com verificar se o e-mail ou telefone são do cliente e estão registados como tal e se o cliente autorizou ordens dadas dessa forma (únicos procedimentos que o BCP efectuou como resulta claro dos depoimentos de DD, EE, FF e CC transcritos em sede de ampliação de recurso) antes, quer se considere ser tal uma autenticação simples ou uma autenticação forte, terá sempre o Banco de assegurar que tal ordem é autêntica. Este objectivo apenas se cumpre se o Banco telefonar de volta ao Ordenante e pedir um código ou ouvir a voz do cliente ou enviar um e-mail a pedir uma conformação ou pedir o envio de uma ordem escrita assinada ( dispositivos de segurança personalizados).

XI. E, ao contrário do que pretende o Recorrente, uma ordem de pagamento dada à distância, de acordo com instrumentos e procedimentos previamente acordados entre as partes, sejam eles e-mail, homebanking ou ordens via telefone, todas estão cobertas pelo Regime dos Serviços de Pagamento sendo isso que resulta da análise conjugada das alíneas z) e aa) das Definições e ainda dos artigos 3º, 4º, 5º do Regime dos Serviços de Pagamento ( no Respeito das Directivas pelo mesmo transpostas, veja-se o artigo 3º e 4º nºs 23 e 24 da DIRECTIVA 2007/64/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 13 de Novembro de 2007).

XII. Motivo pelo qual bem andou o Acórdão Recorrido ao concluir pela aplicação do artigo 70º às ordens dadas por e-mail.

XIII. A densidade da douta argumentação a propósito do ónus da prova sustentada pelo Recorrente não tem aderência à sentença e ao Acórdão em impugnação.Com efeito o Tribunal a quo não ficou na dúvida, antes concluindo: “ Tal reforça a convicção de que não foi nenhum dos autores a transmitir as ordens de transferência ”Ou seja, o Tribunal não teve dúvidas a que se seguiu o recurso às regras do ónus da prova para evitar um non liquet, antes o Tribunal formou convicção de que as ordens não foram dadas pelos Autores, motivo pelo qual julgou esse facto, como alegado pelo BCP, não provado, tendo ainda feito uso do conhecimento comum quanto à possibilidade de haking como lhe permite o artigo 5º nº 2 al. c) do CPC. Tudo fez bem, tal como confirmou o Douto Acórdão recorrido.

XIV. O Recorrente ao apresentar a sua contestação fez uma opção e a opção consubstanciou-se, no essencial, em afirmar na Contestação que a acção não seria mais que uma fraude levada a cabo pelos AA., sendo aliás a acção a forma de a concretizar. Veja-se que não alegou o Recorrente nenhum incumprimento por parte dos AA. de qualquer dever de guarda do seu e-mail ou qualquer facto que pudesse consubstanciar negligência grosseira dos AA.

XV. Por sua vez, os AA. na matéria de facto ( 6º a 46º) trazida aos autos, limitaram-se a negar terem as ordens de pagamento sido dadas por si (ainda que utilizando-se o mail do A. BB) e ter o R. falhado nos seus procedimentos (alegou, não resultando daí como pretende o R., que tais requisitos de procedência da acção sejam cumulativos, que não são à luz do regime aplicável, aqui regressaremos) o que complementaram, em matéria de direito, com a responsabilidade objectiva pelo risco.

XVI. Assim, o Recorrente não conseguiu provar nenhum dos factos em que fundou a sua defesa (as suas alegadas excepções) e, como tal sempre tal resultado teria de ser levado à matéria de facto, como foi, ou seja a não prova de que as ordens tinham sido dadas pelos AA. como alegou e não conseguiu provar.

XVII. Considerando ainda que a Douta Sentença declarou nula as Declarações (Doc. 2 e 3) dos AA., ao abrigo do regime dos contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, no sentido de assumirem, os clientes consumidores, o risco das operações ordenadas por e-mail.

XVIII. Em suma, o que resulta do regime ( aplicado pela Sentença recorrida e confirmado pelo Acórdão recorrido), que por sua vez resulta de imposição de direito comunitário, Supra Nacional, que a Constituição da República Portuguesa acolhe, em traços gerais é: Responsabilidade do Banco resultante de facto ilícito ( violação da suas obrigações de verificação da ordem ou falha do seu sistema e avaria ou defeito deste); Responsabilidade do Cliente em caso de Dolo, negligência grave ou fraude; Responsabilidade pelo Risco (da actividade) do Banco ( estando a Responsabilidade do Ordenante, neste caso, limitada a 150,00 €), ainda que tenha cumprido as suas obrigações, caso não consiga demonstrar a culpa do Cliente e este negue ter dado a ordem.

XIX. E esta responsabilidade pelo Risco da Actividade resulta, exctamente, do ónus especial da prova a cargo do Banco e da limitação de responsabilidade do Ordenante a 150,00 €. Ou seja, não conseguindo o Banco demonstrar o Dolo, a negligência grave do cliente é obrigado a entregar ou devolver as quantias ao Cliente em cumprimento do contrato de depósito.

XX. Acresce que, em concreto, no caso dos autos, o Banco não conseguiu demonstrar a fraude que alegou ( ao afirmar terem sido os AA. a ordenar os pagamentos e agora pretenderem a devolução das quantias), nem a negligência grosseira dos AA. ( que, de qualquer forma, não tinha alegado!).

XXI. Estando assim o Acórdão recorrido de acordo com as normas já referidas do RSPME e de acordo com a Jurisprudência, veja-se neste sentido o AC STJ de 14-12-2016 processo n.º 1063/12.1TVLSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt e o Ac. da RL de 18.04.2013 (rel. Anabela Calafate), Proc. N.º 1397/10.0TVLSB.L1-6, www.dgsi.pt/jtrl.---

XXII. Aqui chegados, nenhuma violação do artigo 62º, 20º e 32º, 2º e 111º, todos da CRP, existe no regime especial de ónus da prova que decorre dos artigos 70º e 71º do Regime dos Serviços de Pagamento.

XXIII. Ou seja, o que o Legislador Comunitário pretendeu foi configurar, nestes casos, em especial quando envolvido um consumidor, uma responsabilidade pelo risco da actividade (veja-se os considerandos 32 a 36, 46, 47 e artigo 60º da Directiva), suportando o risco quem da mesma beneficia, como no caso de muitas outras actividades), não se conseguindo fazer prova, em abono da segurança do sistema de pagamentos, o Banco é chamado a responder, podendo ( e devendo) transferir essa responsabilidade para uma Seguradora.

XXIV. Responsabilidade pelo Risco esta que, não só não viola os preceitos constitucionais referidos pelo Recorrente, como os pondera e os utiliza na proporção necessária para encontrar uma solução justa e equilibrada (nos termos da fórmula do peso de Alexy) que respeite outros princípios constitucionais, como sejam os que resultam dos artigos 60º, 81º, 99º, 62º, 20º, tudo no respeito pelo Primado do Direito Internacional, nos termos do artigo 8º da CRP, que resulta do presente regime ser Transposição de Directiva Comunitária. Entendimento este que resulta claro, entre outros do Ac. STJ de 18.12.2013, disponível em www.dgsi.pt.

XXV. Mais, o entendimento que a Recorrente faz do artigo 70º sempre representaria ofensa do direito constitucional à propriedade privada e viola as garantias constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, bem como a um processo equitativo (designadamente na dimensão do direito à prova) consagradas nos arts. 2.º, 13.º, 20.º ( direito à prova), 62.º da Constituição da República Portuguesa da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se alega.

XXVI. Caso a Decisão da Relação não seja mantida por V. Exas., sempre, a título subsidiário, procedendo o recurso da Recorrente, se repete ( em sede de Alegações) a ampliação do objecto do Recurso nos termos do artigo 636º do CPC, admitido pela Relação e até na página 88 confirmada a sua bondade, devendo ser reapreciada a decisão, ou ordenada a sua descida para essa reapreciação, de facto e de direito, quanto ao cumprimento dos deveres de autenticação, verificação e registo e do regime de prevenção de Branqueamento de Capitais (Lei n.º25/2008, de 05 de Junho, revogada pela Lei nº 83/2017 de 18.8), neste segmento errada e omissa e que a Relação não conheceu uma vez que manteve a decisão proferida e que assim aqui se reproduz:

XXVII. Mais, entender cumpridas as obrigações da Recorrente, sempre representaria ofensa do direito constitucional à propriedade privada e viola as garantias constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, bem como a um processo equitativo (designadamente na dimensão do direito à prova) consagradas nos arts. 2.º, 13.º, 20.º ( direito à prova), 62.º da Constituição da República Portuguesa da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se alega.

XXVIII. Por outro lado, amplia-se o objecto do recurso quanto à decisão da Relação que não admitiu a junção de documento nos termos do artigo 425º do CPC, o que fez com deficiente fundamentação, remetendo para a decisão de primeira instância, quando a junção que se fez e se repete ( Documento 2 junto) foi em sede de recurso e, como tal, distinta da junção em primeira instância. E, nessa medida, a decisão proferida contraria decisão proferida pela Relação nos termos do artigo 672º nº 1 al. c), sendo questão a conhecer que, pela sua relevância, é necessária a uma melhor aplicação de direito, Veja-se a decisão que foi proferida nos seguintes termos ( e que se junta em cópia simples como Documento 1 que é o Ac. RC de 18.11.2014 (in www.dgsi.pt).

XXIX. Mais, o entendimento feito pelo Tribunal a quo, sempre representaria ofensa do direito constitucional à propriedade privada e viola as garantias constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, bem como a um processo equitativo (designadamente na dimensão do direito à prova) consagradas nos arts. 2.º, 13.º, 20.º ( direito à prova), 62.º da Constituição da República Portuguesa da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se alega.

Termos em que deve a presente Revista ser recusada ou, assim não se entendendo, ser o Acórdão confirmado ou, admitindo-se a sua alteração, serem apreciados os fundamentos dos Recorridos ou ordenada a descida para conhecimento, sempre se mantendo a Decisão proferida em primeira Instância.

11. A Ré Banco Comercial Português, S.A., respondeu.

12. Por acórdão de 15 de dezembro de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa, em conferência, decidiu o seguinte:

Pelo exposto acordamos em julgar improcedente a arguição.

13. Por acórdão de 13 de outubro de 2022, a Formação do Supremo Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:

Pelo exposto, admite-se a revista excecional.

Diligências necessárias.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, importa apreciar as seguintes questões:

- nulidade ou não do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa por omissão de pronúncia;

- a quem compete o ónus da prova da autorização da execução da transferência de fundos: ao banco-prestador ou ao cliente-utilizador.

III – Fundamentação

A. De Facto

Depois das alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foram dados como provados os seguintes factos:

1. O Autor AA é cliente do BCP desde novembro 1994.

2. Em 24.07.2013, o Autor AA assinou uma Declaração de Transmissão de Ordens através da qual o Autor declarou: "Relativamente a todas as Contas de Depósito à ordem e de depósito de títulos de que é(são) titular(es) no Banco Comercial Português (Banco) e que podem ser movimentadas por quem tenha poderes para o efeito (...) pretender usar da possibilidade de transmitir" "telefonicamente" e por "e-mail" "ao Private Banker indicado pelo Banco ordens ou instruções de operações sobre a carteira de títulos, bem como ordens ou instruções sobre todas as contas e aplicações, incluindo todo o tipo de transações e operações bancárias, assumindo toda a responsabilidade e todas as consequências que resultem de eventual má receção ou interpretação das ordens ou instruções transmitidas, desde que tais factos não decorram de dolo ou culpa grave do Banco; aceitando de igual modo, que o banco possa, em qualquer momento exigir, prévia ou consequentemente à respetiva execução, a entrega de uma ordem ou instrução escrita, ou revogar com um aviso prévio de 30 dias o presente acordo de receção de ordens ou instruções telefónicas"

3. Em 07.10.2016 o Autor BB assinou uma "Declaração de Transmissão de Ordens", através da qual declarou: "Relativamente a todas as Contas de Depósito à ordem e de depósito de títulos de que é(são) titular(es) no Banco Comercial Português (Banco) e que podem ser movimentadas por quem tenha poderes para o efeito (...) pretender usar da possibilidade de transmitir" "telefonicamente" e por "e-mail" "ao Private Banker indicado pelo Banco ordens ou instruções de operações sobre a carteira de títulos, bem como ordens ou instruções sobre todas as contas e aplicações, incluindo todo o tipo de transações e operações bancárias, assumindo toda a responsabilidade e todas as consequências que resultem de eventual má receção ou interpretação das ordens ou instruções transmitidas, desde que tais factos não decorram de dolo ou culpa grave do Banco; aceitando de igual modo, que o banco possa, em qualquer momento exigir, prévia ou consequentemente à respetiva execução, a entrega de uma ordem ou instrução escrita, ou revogar com um aviso prévio de 30 dias o presente acordo de receção de ordens ou instruções telefónicas"

4. Nessa Declaração, o Autor BB indicou o endereço de correio eletrónico ....

5. Tendo sido também esse o email (...) que indicou "Pedido de Alteração de Dados Pessoais" relativo à conta ...08, datado de 24.01.2017, no qual indicou ainda um segundo endereço de email, a saber ....

6. O Autor AA assinou os mapas de regularização das transferências realizadas em 2016, tendo assinado os referidos mapas datados de 06.04.2016 (referente à transferência de 06.4.2016) 30.09.2016 (referente às transferências de 16.06.2016 e 12.07.2016) onde declarou ter transmitido as ordens em causa.

7. O Autor BB assinou os mapas de regularização das transferências realizadas em 2016, tendo assinado os referidos mapas datados de 15.11.2016 (referente à transferência de 11.11.2016) e 10.01.2017 (referente às transferências de 09.12.2016, 15.12.2016 e 26.12.2016), onde declarou ter transmitido as ordens em causa.

8. No dia 12.10.2016, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Bom dia Sr. Dr. BB, Julgo que já estará por cá, porque tenho tentado ligar várias vezes e sem sucesso. Posso avançar com a conta como individual e depois se quiser incluir o seu pai, fazemo-lo mais tarde? Muito obrigada"

9. No dia 12.10.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Dr.a CC, Já regressei à .... Foi pouco tempo com tanto para fazer. Falei com o meu pai e ele ficou de lhe telefonar. Existe alguma diferença entre abrir a conta individual e posteriormente adicionar outro titular, ou abrir logo numa conta conjunta? Após a abertura da conta vou-lhe solicitar um cartão de débito e um cartão de crédito. Obrigado"

10. No dia 13.10.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde, Dr.a CC, Qual é o ponto de situação da conta? Obrigado, Cumprimentos, BB"

11. No dia 13.10.2016, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Sr. Dr. BB, Ontem esteve cá o seu pai e assinou a documentação da conta. Estou a aguardar que abram a conta. Assim que tiver essa informação, envio-lhe os dados por mail, bem como a proposta do cartão. Com elevada estima,"

12. No dia 01.11.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Bom dia, Dra. CC, A conta já está aberta? Obrigado. Cumprimentos, BB"

13. No dia 06.11.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Bom dia, Dra CC, Gostaria de fazer algumas operações, a conta já está disponível? Obrigado. Cumprimentos, BB"

14. No dia 07.11.2016, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde, Sr. Dr. BB, Espero que se encontre bem. A conta ainda não está aberta, mas penso que esta semana estará operacional. Aviso assim que estiver aberta. Melhores cumprimentos".

15. No dia 08.11.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB. através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Bom dia Dra CC, Fico à aguardar que me confirme a operacionalidade da conta. Entretanto, solicito uma transferência da conta conjunta com os meus pais com os seguintes dados: Beneficiário: GG. Banco: Montepio Geral - Caixa Económica. País/Cidade: Portugal, .... IBAN: PT50 ...53. SWIFT: MPIOPTPLXXX Montante: 45€ (quarenta e cinco euros) Obrigado, Cumprimentos, BB".

16. No dia 11.11.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Bom dia Dra CC, Queira por favor enviar o comprovativo da transferência, obrigado. Cumprimentos, BB".

17. No dia 14.11.2016, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Bom dia Sr. Dr. BB, Segue em anexo os NIBs das suas contas, em EUR e USD, bem como o comprovativo da transferência. Obrigada. Com elevada estima,"

18. No dia 17.11.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Bom dia Dra CC, Por favor trate-me por BB apenas. Agradeço o envio do comprovativo de transferência e dos dados da minha conta, fico à aguardar o envio da proposta de adesão aos cartões de débito e crédito. Confirma a receção de uma transferência de EUR 300,00 na conta conjunta com os meus pais? Obrigado. Cumprimentos, BB".

19. No dia 23.11.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail erik.ferreirafgjgmail.com, com o seguinte teor: "Boa tarde, Qual o ponto de situação em relação aos temas infra? Obrigado. Cumprimentos. BB"

20. No dia 23.11.2016, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Sr. Dr. BB, Lamento a ausência de resposta, mas os seus maifs ficaram retidos. Segue em anexo os dados da sua conta, o extrato e os impressos para o cartão de débito. Relativamente ao cartão de crédito, só vai ser possível emitir pessoalmente. Confirmo o crédito de 300€ na conta dos seus pais. Com elevada estima,"

21. No dia 30.11.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Dra CC, Queira por favor acusar a receção de três transferências de 2.000,00€, 1.790€ e 1.790€ respetivamente, na conta conjunta com os meus pais. Disse-me só ser possível emitir pessoalmente o cartão de crédito mas ainda assim enviou-me o pedido de adesão do cartão de crédito (em anexo o pedido de adesão preenchido). Porque é que não é possível? E quanto ao cartão de débito? Obrigado. Cumprimentos, BB"

22. No dia 02.12.2016, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Sr Dr BB Espero que esteja tudo bem. Confirmo as entradas. Relativamente ao cartão de crédito, já não temos impressos para enviar, pelo que terá de ser presencialmente. Obrigada e bom fim de semana CC."

23. No dia 08.12.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com uma ordem de transferência no valor de 1.436,00€, da conta n°...08 para uma conta bancária domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, sendo o beneficiário HH: "Boa tarde Dr.a CC, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: ...08 Beneficiário: HH Conta Beneficiário: ...00 IBAN Beneficiário: PT50 ...9 5 BIC SWIFT: CGDIPTPL Montante: 1.436 € (mil quatrocentos e trinta e seis euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado. Cumprimentos, BB."

24. Em 08.12.2016, a Dra. CC recebeu novo e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., ordenando uma transferência no valor de 3.580,00€ da conta n.°...09, identificada pelo Autor BB como conta n.°...90, para uma conta domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, sendo a beneficiária II: "Bom dia Dr.a CC, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: ...90 Beneficiário: II IBAN Beneficiário: PT50 0035 0278 0002 3112 6306 8 BIC SWIFT: CGDIPTPL Montante: 3.580€ (três mil quinhentos e oitenta euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado. Atenciosamente, BB"

25. No dia 09.12.2016, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Bom dia Sr. Dr. BB, Conforme nossa conversa telefónica de ontem e as suas solicitações abaixo, informo que foram realizadas as transferências hoje. Os comprovativos só são possíveis de enviar segunda feira. Relativamente aos 2 créditos de 1.790€, deram entrada dia 28.11.2016. Bom fim de semana. Com elevada estima."

26. Em 15.12.2016, a Dra. CC recebeu novo e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail erik.len'eira@gmai 1 .com, ordenando uma transferência no valor de 2.000,00€ da conta n.°...08, para uma conta domiciliada na Caixa Geral de Depósitos, sendo a beneficiária II: "Bom dia Dr.a CC, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: ...08 Beneficiário: II IBAN Beneficiário: PT50 ...6 8 BIC SWIFT: CGDIPTPL Montante: 2.000 € (dois mil euros) Por favor enviar o bordereaux da operação e acusar o crédito de três transferências duas de 1.790€ e mais uma de 2.000€. Pretendo utilizar o serviço de Internet Banking, pode enviar-me a proposta? Obrigado."

27. No dia 15.12.2016, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Sr. Dr. BB, Espero que se encontra bem. Seguem em anexo os comprovativos das transferências anteriores. Informo que foram creditadas 2 transferências na conta dos seus pais: Data valor 12/12 BB 1,790.00 C Data valor 12/12 BB 1,790.00 C Lamento mas o acesso homebanking, só é possível entregar pessoalmente. O contrato é emitido de imediato, pelo que na próxima vez que estivermos reunidos, entrego. Com elevada estima"

28. Em 15.12.2016, a Dra. CC recebeu novo e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Dr.a CC, Grato pela informação enviada. Entre amanhã e segunda-feira será creditada mais uma transferência de 2.000€ por favor depois confirme, obrigado. Cumprimentos"

29. Em 22.12.2016, a Dra. CC recebeu novo e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., ordenando duas transferências no valor de 300 € e de 120 € da conta n.° ...08, para uma conta domiciliada no BPI e para uma conta no Millenium BCP, sendo os beneficiários JJ/KK e LL: "Boa tarde Dr.a CC, Como tem passado? Queira por favor confirmar na conta dos meus pais em que eu sou titular um total de créditos de 2 transferências de 2.000€ cada e 4 transferências de 1.790 cada? Por favor proceder às seguintes transferências únicas com as seguintes características: Conta ordenante: ...08 Beneficiário: JJ/KK IBAN Beneficiário: PT50 ...1 4 BIC SWIFT: BBPIPTPL Banco: BPI Montante: 300 € (trezentos euros) Conta ordenante: ...08 Beneficiário: LL IBAN Beneficiário: PT50 ...0 5 BIC SWIFT: BCOMPTPL Banco: Millennium BCP Montante: 120 € (cento e vinte euros) Aguardo o envio dos comprovativos. Obrigado. Votos de festas felizes, BB"

30. No dia 26.12.2016, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., e no qual escrevia o seguinte: "Boa tarde Sr. Dr. BB, Espero que tenha tido um Santo Natal, na companhia de toda a família. Estive ausente na 6a feira, pelo que as transferências foram realizadas hoje. Relativamente aos créditos, informo que deram entradas os seguintes: Data Valor MONTANTE D/C 12/12 BB 1,790.00 C 12/12 BB 1,790.00 C 12/16 BB 2,000.00 C Votos de uma felizes Festas. Cumprimentos,"

31. Em 27.12.2016, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., a requerer o envio dos comprovativos das transferências anteriores, com o seguinte teor: "Boa tarde Dra CC, Foi de facto um Santo Natal, espero que o seu tenha sido igualmente Santo, junto dos seus. Grato pela informação, fico à aguardar o envio dos bordereaus. Obrigado. Cumprimentos, BB"

32. No dia 11.01.2017, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., a requerer o envio dos comprovativos das transferências anteriores, com o seguinte teor: "Boa tarde Dr.'n CC, Espero que esteja tudo bem consigo. Continuo à aguardar o envio dos comprovativos das duas últimas transferências de 300€ e 120€ respetivamente. Solicito que me envie um extrato com os movimentos de conta da conta ...08. Obrigado."

33. No dia 11.01.2017, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB, para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Sr. Dr. BB, Em primeiro lugar, faço votos de um Excelente ano 2017 e que tenha tido umas boas entradas. Lamento desde já não ter recebido as notas de lançamento relativamente ás transferências. Estive ausente e por algum motivo não foram enviadas. Segue em anexo: 1. as notas de lançamento; 2. O mapa de resumo de ordens já efetuadas, que muito agradeço que imprima, assine e devolva por mail. 3. Extrato. Informo ainda que desde o inicio do ano, foram creditados os seguintes valores: Conta n° ...30 Ord.Pgt.do Estrg.//DESPESAS DE VIAGEM 2,500.00 C 01/03 12/30 Ord.Pgt.do EstrgV/DESPESAS DE VIAGEM 2,500.00 C Conta n° ...06 BB 2,500.00 C Estou ao dispor para o que entenda por necessário. Com elevada estima,"

34. Em 12.01.2017, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., relativo ao mapa de transferências, com o seguinte teor: "Bom dia Dr.a CC, As minhas entradas foram boas, obrigado, estava de férias. Espero que as suas também tenham sido boas e faço votos que 2017 seja um ano fantástico. Agradeço o envio da informação solicitada, contudo, no mapa de ordens não aparece a transferência para GG, queira por favor incluir a referida operação e reenvia-lo que eu depois assino e retorno. Está em falta o comprovativo da transferência de 2.000,00€ para II, aguardo o envio do mesmo. Obrigado. Cumprimentos, BB"

35. No dia 12.01.2017, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Dr.a CC, Queira por favor confirmar se entraram duas transferências de €2.500,00 cada, da conta ...05. Obrigado. Cumprimentos, BB"

36. No dia 17.01.2017, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB, através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Dr.a CC, Temos pendentes os seguintes temas: - Mapa de ordens não aparece a transferência para GG, queira por favor incluir a referida operação e reenviá-lo para que eu possa assinar e devolver; - O comprovativo da transferência de 2.000,00€ para II; - A entrada de 2.500,00€ relativos a uma segunda transferência para a conta ...09. Obrigado. Cumprimentos, BB"

37. No dia 19.01.2017, a Dra. CC enviou um e-mail ao Autor BB. para o endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Boa tarde Sr. Dr. BB, Infelizmente, mais uma vez o seu mail ficou retido nos filtros do Banco, o que atrasa a resposta. ■ No mapa de ordens não aparece a transferência da GG, porque foi feita na conta dos seus pais e a mesma foi regularizada pela Sra. sua mãe; ■ Comprovativo em anexo da II; Entradas desde Jan: § Conta dos pais: 2 crédito de 2.500€ § Conta BB: 2 crédito de 2.500€. Espero que agora, não esteja nada por tratar/responder. Estou inteiramente ao dispor, para o que entenda por necessário. Com elevada estima,"

38. No dia 14.02.2017, a Dra. CC recebeu um e-mail do Autor BB. através do endereço de e-mail ..., com o seguinte teor: "Bom dia Dr.a CC, Por favor proceder com a máxima urgência e enviar-me o comprovativo da transferência única com os seguintes dados: Beneficiário: MM IBAN Beneficiário: PT50 ...3 2 Banco: BPI Montante: 80,00€"

39. Em 15.02.2017, o Autor AA ordenou, por e-mail enviado para o Dr. DD, uma transferência para o Dubai: "Bom dia Dr. DD, Queira por favor proceder à uma transferência única (com a máxima urgência) com os seguintes dados: CONTA ORDENANTE: ...09 BENEFICIÁRIO: Consultants for Adovacy and Legal Affairs IBAN BENEFICIÁRIO: AE37 ...58 BIC SWIFT: ABDIAEAD BANCO: Abu Dhabi Islamic Bank MONTANTE: AED 3.000,00 (três mil dirhams). Por favor enviar o comprovativo. Obrigado Cumprimentos, AA"

40. Em 15.02.2017, o Dr. DD enviou ao Autor AA, por e-mail, as duas simulações solicitadas.

41. Em 24.03.2017, a Dra. CC e o Dr. DD, enviaram ao Autor AA a lista dos documentos referentes aos compradores e dos documentos referentes ao imóvel e aos vendedores de que necessitariam para efeitos da análise do financiamento.

42. Por e-mail enviado em 27.03.2017 para a Dra. CC, com conhecimento para o Dr. DD, o Autor mostrou desagrado com a morosidade do processo, que já lhe estava a criar "problemas com o proprietário", tendo-se ainda pronunciado sobre as dificuldades suscitadas e os documentos solicitados.

43. No dia 14.03.2017, a Dra. CC recebeu um e-mail, proveniente do endereço eletrónico ..., a solicitar uma transferência bancária da conta n.° ...08, no valor de 7.255,00€ para uma conta domiciliada no banco Sparkasse Karlsruhe, com sede na Alemanha, sendo o beneficiário da transferência NN, com o seguinte teor: "Boa tarde Dr.a CC, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: ...08 Beneficiário: NN IBAN Beneficiário : DE19 ...00 BIC SWIFT: KARSDE66XX Banco : SPARKASSE KARLSRUHE Endereço do Beneficiário: ... Montante: 7.255 € (Sete mil duzentos e cinquenta e cinco euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado. Cumprimentos, BB"

44. A transferência foi executada no dia 14.03.2017, tendo a Dra. FF, na ausência da Dra. CC, confirmado a execução da transferência através de e-mail, dirigido ao mesmo endereço eletrónico do Autor BB ... — e enviado também a nota de lançamento da transferência.

45. No dia 14.03.2017, a Dra. FF recebeu em resposta ao seu e-mail, um e-mail proveniente da mesma conta de correio eletrónico do Autor BB ...) a agradecer a realização da transferência.

46. No dia 21.03.2017, a Dra. FF recebeu novo e-mail, proveniente do mesmo endereço eletrónico ...), a solicitar nova transferência da conta n.° ...08, no valor de 6.500,00€, para conta domiciliada no banco ING, para a sucursal de ..., sendo o beneficiário da transferência OO com o seguinte conteúdo: "Boa dia estimada FF, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: ...08 Beneficiário: OO IBAN Beneficiário : ES70 ...62 BIC SWIFT: INGDESMMXXX Banco : ING DIRECT Montante: 6.500 € (Seis mil e quinhentos euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado. Solicito os extratos bancários para os períodos descritos abaixo: n° de conta ...90, de janeiro de 2017 até a presente data. Cumprimentos, BB"

47. A transferência foi executada no dia 22.03.2017, tendo a Dra. CC confirmado a execução da transferência através de e-mail enviado para o endereço de e-mail ..., para o qual enviou também a respetiva nota de lançamento.

48. No dia 27.03.2017, a Dra. CC recebeu um e-mail proveniente do mesmo endereço eletrónico ...), desta feita a solicitar duas transferências: uma, da conta n.° ...08, no valor de 4.855,00€, para uma conta domiciliada no BBVA, com sede em Espanha, sendo o beneficiário PP, e outra, da conta n.°...09, no valor de 45.424,00€ para uma conta sediada no mesmo banco, sendo o beneficiário Intermédia Consulting Projects, com o seguinte conteúdo: "Bom dia Dr.a CC, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: ...08 Beneficiário: PP IBAN Beneficiário : ES66 ...28 BIC SWIFT: BBVAESMMXXX Banco : BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA Montante: 4.855 € (Quatro mil, oitocentos e cinquenta e cinco euros Conta ordenante: ...90 Beneficiário: INTERMÉDIA CONSULTING PROJECT S.L IBAN Beneficiário: ES40 ...25 BIC SWIFT: BBVAESMMXXX BANCO : BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA S.A. Montante: 45.424€ (Quarenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e quatro euros Por favor enviar o bordereaux. Obrigado."

49. As transferências foram executadas no dia 27.03.2017, tendo a Dra. FF confirmado a execução das transferências através de e-mail enviado para o endereço eletrónico ..., tendo enviado também as respetivas notas de lançamento.

50. No dia 03.04.2017, as Dras. CC e FF receberam novo e-mail proveniente do endereço ..., a ordenar uma transferência da conta n.° ...09, no valor de 54.576,006, para uma conta bancária domiciliada no banco BBVA, com sede em Espanha, sendo o beneficiário a Intermédia Consulting Projects, com o seguinte conteúdo: "Bom dia Dr.a FF, Queira por favor proceder à uma transferência única com os seguintes dados: Conta ordenante: ...90 Beneficiário: INTERMÉDIA CONSULTING PROJECT S.L IBAN Beneficiário: ES40 ...25 BIC SWIFT: BBVAESMMXXX BANCO : BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA S.A. Montante: 54.576€ (Cinquenta e quatro mil, quinhentos e setenta e seis euros) Por favor enviar o bordereaux. Obrigado."

51. A operação foi realizada no dia 03.04.2017 e nesse mesmo dia a Dra. CC confirmou a execução da transferência por e-mail enviado para o endereço ..., tendo enviado a nota de lançamento e solicitado ainda informações sobre o pagamento ordenado, para confrontar com a informação anteriormente prestada pelos Autores.

52. Em 05.04.2017, a Dra. CC reencaminhou para o Autor BB os e-mails de 14.03.2017, 22.03.2017, 27.03.2017 e 03.04.2017 para o endereço de e-mail ... .

53. Em 02.03.2017 a Dra. CC enviou ao Autor AA os formulários de pedido de desvinculação de conta de depósitos à ordem e respetivas contas associadas que os Autores teriam de assinar e entregar para retirar um titular da conta

54. O Autor BB negou ter emitido as ordens dirigidas ao BCP por emails de 14.03.2017, 21.03.2017, 27.03.2017 e 03.04.2017.

55. Em 05.04.2017 a Dra. CC enviou ao Autor BB, para a outra conta autorizada, ... descritivo dos movimentos.

56. Em resposta a esse email, o Autor BB informou então, por e-mail a partir do endereço ..., que: "todos os movimentos descritos infra são fraudulentos" pedindo que o BCP não aceitasse mais instruções provenientes do endereço de e-mail em causa ....

57. Os Autores apresentaram participação criminal junto da Polícia de Segurança Pública em 12.04.2017, o que deu origem ao processo com o NUIPC 000713/17.8...

58. No dia 13.04.2017, o Autor AA, munido de uma procuração que para o efeito lhe tinha sido atribuída pelo filho, apresentou uma reclamação formal junto do Réu BCP, requerendo a devolução dos valores transferidos.

59. 0 Dr. DD e o Dr. QQ enviaram uma carta ao Autor BB, no dia 21.06.2017, na qual informavam não poder dar provimento à reclamação sobre o tema referido, "uma vez que cumprimos com o que se encontrava acordado através da Declaração de Transmissão de Ordens, subscrita por V. Exa, em 7 de outubro de 2016".

60. No dia 12.07.2017, o Autor AA apresentou uma reclamação junto do Banco de Portugal solicitando que este interviesse junto do Réu de modo a garantir a devolução dos valores transferidos.

61. O Réu respondeu à reclamação apresentada pelo Autor AA junto do Banco de Portugal, por carta datada de 19.10.2017.

62. O autor AA é cliente do réu desde 1994. 63. Em 15.07.2013, o Autor AA e a mulher RR abriram a conta n.° ...03, em dólares americanos.

64. Em 20.05.2014, o Autor AA e a mulher RR abriram a conta n.° ...09, em euros.

65. Em abril de 2016, o Autor BB passou a ser também titular das contas n.°s ...03 e ...09, de que eram titulares os seus pais desde novembro de 2014.

66. Em 11.11.2016, os Autores AA e BB abriram a conta n.c ...08, em euros, e a conta n° ...81, em dólares.

67. Os Autores são ambos cidadãos angolanos e residem em ....

68. O Autor AA é empresário, e detém uma empresa de segurança, a W..., que presta serviços de segurança de pessoas e bens, prestando ainda serviços a instalações patrimoniais, industriais e aeroportuárias, operando no mercado angolano desde 1994.

69. O Autor AA é proprietário de um imóvel no Dubai.

70. O Autor BB, para além de ajudar o pai, o Autor AA, nos seus negócios, tem também experiência profissional na banca e noutras áreas de negócio.

71. Entre março de 2010 a abril de 2012, trabalhou no Banco Privado Atlântico, na área de Produtos Financeiros Estruturados Corporate.

72. Entre abril de 2012 e abril de 2013, exerceu funções como Diretor Comercial da E..., Lda., trabalhando na área das vendas, imobiliário e gestão de shopping.

73. Entre maio de 2013 e maio de 2014, foi Diretor Geral da I..., exercendo funções relacionadas com a reestruturação da empresa e no planeamento estratégico.

74. Foi ainda Diretor Geral na empresa G..., empresa que fundou em dezembro de 2013, que presta serviços de engenharia civil e de consultoria e formação, e, entretanto, encerrou atividade.

75. Apesar de residirem em Angola, os Autores deslocavam-se a Portugal algumas vezes por ano para, segundo informação dos próprios, tratarem de negócios (apenas no caso de AA) e para visitarem SS, filha e irmã dos Autores AA e BB, residente no ..., sendo que o Autor AA era igualmente proprietário de um imóvel em ....

76. Foi precisamente por residirem em Angola - e embora aproveitassem pelo menos algumas dessas deslocações a Portugal para reunir com os colaboradores do BCP - que os Réus declaram pretender usar da possibilidade de transmitir ordens por telefone e por email e de facto usaram frequentemente dessa possibilidade, sendo os contactos presenciais com colaboradores do BCP pouco frequentes.

77. Nem o BCP, nem os Autores revogaram os acordos de transmissão de ordens referidos em 2 e 3.

78. Até abril de 2016, quando o Autor BB passou a ser titular das contas n°s ...03 e ...09, o relacionamento do BCP, através dos respetivos colaboradores, era apenas com o Autor AA.

79. A partir de 2016, quando o Autor BB passou a ser titular das contas n°s ...03 e ...09 e abriu as contas n°s ...08 e ...81, a Dra. CC passou a contactar com ambos os Autores e a receber instruções de ambos os Autores, através dos respetivos endereços de email, indicados nas declarações de transmissão de ordens que cada um assinou.

80. Os Autores tiveram contactos com outros colaboradores do BCP, da mesma sucursal, entre os quais, os Drs. DD, diretor da sucursal, e FF, Private Banker, embora esta de forma não pessoal.

81. No período de 2016/2017, a Dra. CC teve de se ausentar algumas vezes por estar a acompanhar o seu marido, que padecia de uma doença terminal e que viria a falecer em 28.03.2017.

82. O Autor BB contactava o BCP tendencialmente por email.

83. O Autor BB pedia que o BCP confirmasse por email a execução das transferências e que lhe fossem enviados, também por email, os respetivos comprovativos, o que o BCP efetivamente fazia.

84. Todas as transferências ordenadas pelos Autores AA e BB foram duplamente validadas pelos private bankers, por um lado, e pelo back office do BCP, por outro, do ponto de vista normativo e técnico.

85. O back office verificou a conformidade entre a ordem lançada no sistema e o que o cliente efetivamente ordenou e a conformidade das ordens recebidas com as normas e registos internos do BCP, incluindo a verificação dos poderes do ordenante, se o cliente podia ou não transmitir a ordem por telefone a verificação dos endereços de email utilizados.

86. Em finais de 2016, em data que não se consegue precisar, o Autor AA transmitiu à Dra. CC que pretendia adquirir um imóvel em Portugal, na zona de C.../E..., onde a sua filha residia, e que estava a fazer prospeção do mercado nesse sentido, sendo que para o efeito iria precisar de financiamento.

87. Mais tarde, em data que já não se consegue precisar, o Autor AA transmitiu à Dra. CC que já tinha um imóvel em vista, cujos proprietários eram espanhóis, mas que estava a tentar negociar o valor do imóvel.

88. Em fevereiro de 2017, o Autor AA solicitou, por telefone, ao diretor da sucursal, Dr. DD, duas simulações de crédito, a 5 e a 10 anos, para um imóvel com valor de aquisição de 560.000 € e considerando um financiamento no valor de 408.000 €.

89. No dia 15.02.2017, o Dr. DD enviou ao Autor AA, por email, as duas simulações solicitadas, tendo sido de seguida contactado pelo Autor AA para informar que em princípio a ideia seria avançar com o financiamento no valor de 400.000 € pelo prazo de 5 anos.

90. Em 02.03.2017, o Autor AA contactou a Dra. CC e deu instruções para que fosse feita uma transferência da conta em dólares n° ...03 no valor de 10.000 USD (equivalente a 94.786,73 €) para a conta em euros n° ...09; operação esta que foi realizada.

91. Em data não apurada, mas anterior às ordens de transferências em causa nestes autos, a Dra. CC e o Dr. DD falaram com o Autor AA por telefone e transmitiram-lhe alguma preocupação no que respeita à viabilidade do financiamento, por razões relacionadas com compromissos assumidos pelo Autor AA relacionados com o financiamento de um familiar.

92. O referido email de 14.03.2017 vinha integrado numa sequência de emails trocados entre o Autor BB e o BCP, com início em 14.11.2016 e que incluía os emails datados de 17.11.2016, 23.11.2016, 30.11.2016, 02.12.2016, 08.12.2016, 09.12.2016, 15.12.2016, 22.12.2016, 26.12.2016, 27.12.2016, 11.01.2017,12.01.2017, 17.01.2017 e 19.01.2017.

93. O referido email de 21.03.2017 vinha integrado numa sequência de emails trocados entre o Autor BB e o BCP, com início em 14.11.2016 e que incluía os emails datados de 17.11.2016, 23.11.2016, 30.11.2016, 02.12.2016, 08.12.2016, 09.12.2016, 15.12.2016, 22.12.2016, 26.12.2016, 27.12.2016, 11.01.2017,12.01.2017, 17.01.2017 e 19.01.2017.

94. As duas transferências de valor superior a 10.000 € foram objeto de aprovação superior: a transferência no montante de 45.424 € foi aprovada pelo Diretor de Sucursal DD e a transferência no montante de 54.576 € foi aprovada por TT, por delegação de competências do Diretor de Sucursal DD.

95. Após o relatado em 52, o Autor ligou novamente à Dra. CC e informou que, tendo acedido ao seu email com o endereço ..., verificou não ter recebido qualquer email nem na caixa de entrada, nem na caixa de spam.

96. No dia 07.04.2017 o Autor AA deslocou-se à sucursal do Réu, onde reuniu com o Dr. DD para discutir o tema das transferências alegadamente não autorizadas.

97. Os Autores não deram conhecimento ao BCP de quaisquer desenvolvimentos processuais, desconhecendo o BCP se foi proferido despacho de acusação ou de arquivamento.

98. No dia 13.04.2017, o Autor AA, munido de uma procuração que para o efeito lhe tinha sido atribuída pelo filho, apresentou uma reclamação formal junto do Réu BCP, requerendo a devolução dos valores transferidos.

99. O BCP procedeu à liquidação parcial do depósito a prazo do autor AA, tendo creditado na conta n° ...09, o montante de 40.000 €.

100. Na sequência da referida liquidação o saldo da conta n° ...09 passou de € 111.611,41 € para 151.611,41 €.

101. Em 12.07.2016, o autor AA ordenou por email uma transferência de € 20.000 da conta ...09 com destino a Portugal.

B) Factos Não Provados

Nada mais se provou, para além dos factos supra elencados.

B. De Direito

Prolegómenos

1. Está em causa um recurso de revista excecional interposto pela Ré Banco Comercial Português, S.A., do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso de apelação por si interposto e, consequentemente, manteve a sentença do Tribunal de 1.ª Instância, que havia decidido o seguinte:

Tudo visto, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, condena-se o réu Banco Comercial Português, S.A., a pagar aos autores AA e BB a quantia total de €117.860,00; acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, acrescidas de dez pontos percentuais, desde 05.04.2017 e até integral pagamento.. (…)”

2. Não conformada, a Ré interpôs recurso de revista excecional, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e pela sua substituição por acórdão que conclua pela absolvição dos pedidos contra si formulados.

(In)admissibilidade do recurso

Remetidos os autos à Formação do Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de revista excecional interposto pela Ré foi admitido, com fundamento no disposto no art. 672.º, n.º 1, al. a), do CPC, no que respeita à questão da distribuição do ónus da prova nos casos em que se discute a responsabilidade do banco-prestador pelo dano decorrente do cumprimento de ordens de transferência emitidas com recurso à conta pessoal de correio eletrónico do cliente-utilizador, negando este a autoria de tais ordens.

Nulidade ou não do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa por omissão de pronúncia

1. A Recorrente Banco Comercial Português, S.A., invoca a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa por considerar, em suma, que este Tribunal omitiu a pronúncia devida sobre “as seguintes questões: (i) impossibilidade de ser tomado em consideração na sentença um facto – no caso a possibilidade de prática de hacking na conta de e-mail da testemunha CC - não constante da lista de factos (provados ou não provados) da mesma sentença (arts. 228 a 250); (ii) impossibilidade de ser considerado esse facto, sob pena de violação do princípio do dispositivo (o Tribunal a quo enuncia o art. 5.º, n.º 2 CPC, mas responde apenas à questão da violação do princípio do contraditório (que não do princípio do dispositivo, questão que havia sido invocada entre os arts. 251 a 270); (iii) impossibilidade de tomar em consideração, para efeitos de decisão, de uma mera possibilidade, que não de um facto provado, sendo certo que nem está em causa uma presunção jurídica (arts. 287 a 300 e 304 a 305); (iv) omissão de não consideração de prova produzida (arts. 301 a 303); (v) impossibilidade de sustentar a decisão no conhecimento comum (arts. 306 a 317); (vi) indevido peso atribuído às declarações de parte, depois de se ter afirmado o seu desvalor (arts. 318 a 366).”.

2. A referida nulidade está intimamente ligada ao comando normativo contido no art. 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.” Verifica-se a omissão de pronúncia quando o Juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar – cf. art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.

3. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, reiteradamente, que:

a nulidade da decisão por omissão de pronúncia apenas se verificará nos casos em que ocorra omissão absoluta de conhecimentos relativamente a cada questão e já não quando seja meramente deficiente ou quando se tenham descurado as razões e argumentos invocados pelas partes1.

4. Da análise das alegações e conclusões do recurso de apelação decorre com toda a clareza que as questões indicadas supra foram colocadas pela Recorrente de forma instrumental ao seu verdadeiro desiderato, i.e., funcionalmente dirigidas à demonstração de que a autorização para a execução da transferência de fundos proveio do cliente-utilizador.

5. Deste modo, a Recorrente Banco Comercial Português, S.A., considerou que: i) a mera possibilidade de hackear a conta de endereço eletrónico de CC não poderia ser ponderada para ilustrar que a transferência de fundos não foi autorizada pelo cliente-utilizador; ii) foi descurada prova relativamente a tal hipótese; iii) a inverosimilhança de sustentar a decisão no senso e conhecimento comuns; iv) foi indevidamente atribuído valor às declarações de parte do Autor.

6. Todas estas questões se afiguram instrumentais daquela intencionada alteração da matéria de facto, pretensão esta que foi conhecida pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Efetivamente, a circunstância de o Tribunal de 2.ª Instância não ter utilizado as mesmas expressões que a Recorrente não significa que não tenha levado em conta os seus argumentos. É apenas disso que ora se trata.

7. Com efeito, estão em causa argumentos ou fundamentos em que a Recorrente apoia a posição que defende que o ónus da prova da não autorização da execução da ordem de transferência compete aos Autores e que estes não lograram demonstrar que não consentiram na realização das transferências de fundos em apreço.

8. O acórdão recorrido não padece, pois, de qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

Ónus da prova da autorização da execução da transferência de fundos pelo cliente-utilizador

1. A relação jurídica que se estabelece entre o banco e o cliente tem origem no contrato de abertura de conta que, via de regra, funciona como o contrato quadro que rege a execução de futuras operações bancárias. A denominada conta bancária é atualmente reconhecida como o núcleo da relação estabelecida prototipicamente entre cliente e banco2.

2. Diz-se contrato de abertura de conta bancária “a convenção bancária nuclear ou básica, no sentido em que estabelece o quadro geral de regulação da maioria dos futuros negócios que venham eventualmente a ser celebrados entre as partes: será na órbita da conta bancária instituída por tal contrato – enquanto eixo fundamental do comércio bancário – que gravitarão usualmente os contratos de depósito, a convenção de cheque, a emissão de cartões bancários, os empréstimos, os créditos ao consumo, e todos e cada um dos demais contratos bancários individuais que venham porventura a existir subsequentemente.3.

3. Trata-se, pois, do “negócio ban­cário nuclear. Ela marca o início de uma relação bancária complexa entre o banqueiro e o seu cliente e traça o quadro básico do relacionamento entre essas duas entidades4.

4. No domínio das contas criadas pelo banco no âmbito de relações duradouras, distingue-se entre contas de pagamento, de um lado e, de outro, outras contas. De acordo com o art. 2.º, al. o), do RSP, “«Conta de pagamento» uma conta detida em nome de um ou mais utilizadores de serviços de pagamento, que seja utilizada para a execução de operações de pagamento”. A esta conta está associado um serviço de caixa prestado pelo banco ao cliente-utilizador, que envolve uma ou mais formas de utilização dos fundos aí registados para fins de pagamento, por iniciativa ou com o consentimento do cliente5.

5. A autonomização das contas de pagamento, para além de se encontrar legalmente consagrada, corresponde à praxis bancária. É que pelo menos nas relações de retalho é atribuída ao cliente uma conta de pagamento principal, em que os fundos se encontram disponíveis a todo o tempo. A esta conta são ulteriormente associadas as restantes contas destinadas a representar os movimentos patrimoniais respeitantes à realização de outras operações bancárias6.

6. O art. 2.º, al. m), do RSP, define o contrato-quadro como o “«Contrato quadro» um contrato de prestação de serviços de pagamento que rege a execução futura de operações de pagamento individuais e sucessivas e que pode enunciar as obrigações e condições para a abertura de uma conta de pagamento”.

7. No seu conteúdo mínimo, o contrato de abertura de conta visa a abertura, manutenção e gestão de uma conta de pagamento como prestação principal do banco. A este incumbe a obrigação de inscrever a crédito ou a débito as operações de pagamento que realize por ordem do respetivo titular da conta. Assim se destacam a convenção de conta-corrente, que regula os termos da emissão contínua de saldos por parte do banco, assim como as regras relativas à disponibilidade dos referidos saldos para fins de pagamento (tendencialmente, a todo o tempo)7.

8. O contrato-quadro de abertura de conta deve ser qualificado como um contrato normativo, na medida em que prevê as condições aplicáveis à realização de operações de pagamento individuais e sucessivas, no futuro (e que correspondem a atos de execução do contrato, devidos por parte do banco)8.

9. Por seu turno, os serviços de pagamento encontram-se enunciados no art. 2.º, al. g), do RSP, e traduzem-se nos processos típicos mediante os quais são praticados os atos de depositar, transferir ou levantar fundos.

10. Afigura-se igualmente relevante o conceito de instrumento de pagamento, estabelecido no art. 2.º, al. z), do RSP, como “qualquer dispositivo personalizado ou conjunto de procedimentos acordados entre o utilizador e o prestador do serviço de pagamento e a que o utilizador de serviços de pagamento recorra para emitir uma ordem de pagamento”. Assim, pode dizer-se que, in casu, as regras acordadas entre os Autores e a Ré para emitir ordens de pagamento configuram verdadeiros e próprios “instrumentos de pagamento”.

11. Entre os atos bancários suscetíveis de ser praticados encontra-se, pois, a disposição de fundos mediante a realização de transferências bancárias que, em geral e sem prejuízo de atribuição a terceiros de autorização de movimentação, se encontram na exclusiva disponibilidade do titular da conta bancária. Trata-se, assim, de uma “operação efetuada por iniciativa de um ordenante, operada através de uma instituição e destinada a colocar quantias em dinheiro à disposição de um beneficiário, podendo a mesma pessoa reunir as qualidades de ordenante e beneficiário” – art. 3.º, al. a), do DL n.º 18/2007, de 22 de janeiro.

12. Importa referir, desde já, que surge como indisputada nos autos a aplicação do DL n.º 317/2009 (na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 157/2014) – doravante RSP - ao caso sub judice. Este diploma legal transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva dos Serviços de Pagamento (Diretiva n.º 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro, ou, abreviadamente, DSP).

13. Entre a Ré e os Autores havia sido estabelecida uma relação negocial duradoura, mediante a celebração de contratos de abertura de conta, tendo a Ré executado operações de pagamento – ordens de transferência de fundos -, por conta e em nome dos Autores seus clientes, em benefício de um terceiro, em resposta a ordens de pagamento aparentemente emitidas pelo titular da conta bancária. Todavia, de acordo com a alegação dos Autores, essas operações não foram por si autorizadas ou solicitadas.

14. Os Autores pretendem ser reembolsados dos valores transferidos para contas bancárias de terceiros, ou seja, visam a reposição do status quo ante.

15. O RSP regula, inter alia, a execução de transferências bancárias mediante o recurso a meios de comunicação à distância.

16. Como é sabido, as instituições de crédito têm vindo a disponibilizar aos seus clientes serviços que permitem a realização de operações bancárias à distância, por via informática. Com efeito,

O progresso tecnológico dos últimos anos, veio revolucionar todo o comércio jurídico, nomeadamente a nível das relações bancárias, pois começamos com a emissão de cartões, de crédito e de débito, sendo que com estes se podem realizar uma infinidade de operações utilizando-se para o efeito os terminais de caixa automática, vulgo ATM e podemos agora, através dos sistemas de homebanking, aceder a uma variedade de operações bancárias, on line, utilizando para o efeito um computador pessoal.” 9.

17. Os bancos fornecem, assim, senhas de acesso, credenciais, aplicações e outros programas informáticos, cujo funcionamento adequado apenas pode ser por si assegurado. É por este motivo que “apenas o prestador do serviço de pagamento (banco) pode assegurar a operacionalidade do complexo sistema informático utilizado e a regularidade do seu funcionamento, garantindo, também, a confidencialidade dos dispositivos de segurança que permitem aceder ao instrumento de pagamento10.

18. Compreende-se, deste modo, que a opção do legislador tenha sido a de consagrar uma regra especial de distribuição do ónus da prova, atribuindo ao banco-prestador o ónus de demonstrar que a “operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência”, sempre que o cliente-utilizador negue haver autorizado a execução da operação bancária.

19. Efetivamente, segundo o art. 70.º do RSP:

1 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi correctamente efectuada, incumbe ao respectivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afectada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência.

2 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, por si só, não é necessariamente suficiente para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações decorrentes do artigo 67.º”.

20. No fundo, está em causa a formulação ou não de um juízo de censura objetiva (ilicitude) ou de um juízo de conduta desconforme com a ordem jurídica por parte do banco-prestador (desvalor objetivo) enquanto pressuposto da respetiva responsabilidade civil, porquanto:

a ordem de transferência resulta de um mandato especial (implícito no contrato de giro bancário) dado ao seu banco pelo cliente, mais exatamente, de um mandato comercial (cfr. 362.º do C. Comercial), sujeito ao regime do art. 231.º e ss. do C. Comercial, relativos ao mandato comercial, o que significa que se o banco/mandatário “não cumprir o mandato em conformidade com as instruções recebidas e, na falta ou insuficiência delas, com os usos do comércio, responde por perdas e danos” (cfr. 238.º do C. Comercial). Além de tal dever principal – que, no caso, se reconduz à obrigação de efetuar a transferência – assume o banco, no âmbito de tal mandato, deveres secundários ou acessórios, cujo cumprimento contribui para a correta execução da transferência. Assim, tem o banco o dever (acessório) de verificar cuidadosamente a ordem de transferência: tem que controlar a genuinidade da ordem de transferência, tem que controlar a assinatura do ordenante/cliente, confrontando-a com a que recolheu do cliente quando este abriu a conta (e que consta da ficha de cliente); e este controlo/apreciação deve ser feito tanto mais cuidadosamente quanto maior for o valor da transferência (em linha com o referido princípio da segurança bancária, que deve levar os bancos a praticar elevados padrões de segurança nas operações, no interesse dos clientes, no do próprio banco e no interesse geral de confiança no sistema bancário).11.

21. Poderia dizer-se que na ausência daquela previsão legal expressa, competiria ao cliente-utilizador dos serviços de pagamento, por força do regime plasmado no art. 342.º, n.º 1, do CC, o ónus de alegação e prova dos factos relativos ao pressuposto da ilicitude, como a violação de deveres acessórios de cuidado essenciais ao cumprimento integral da obrigação assumida pelo banco-prestador (ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat).

22. Tal prova seria de difícil concretização, na medida em que apenas o banco-prestador tem ao seu dispor os meios necessários para demonstrar que tudo fez para executar a operação de pagamento em condições de segurança, respeitando os sistemas internos de controlo e sujeitando a ordem de transferência a um conjunto de procedimentos tendentes a minimizar o risco de intromissão de terceiros nas comunicações havidas entre o prestador e o utilizador dos serviços de pagamento.

23. É, por isso, que é ao banco – e não ao cliente-utilizador dos serviços de pagamento - que cabe o ónus da prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência – art. 70.º, n.º 1, do RSP. Esta norma estabelece uma presunção de ilicitude limitada como que a três instâncias de incumprimento: autenticação, registo e contabilização e avaria técnica ou outra deficiência do serviço12.

24. Naturalmente que “ao utilizador do serviço de pagamento – que deve dispor de um conjunto de dispositivos de segurança, como o código de acesso, cartão matriz, entre outros, que lhe vão permitir aceder a esse serviço, dada a sua função de autenticação e identificação – exige-se que tome as medidas razoáveis em ordem a preservar a eficácia desses dispositivos.13.

25. Da conjugação dos arts. 69.º- 72.º do RSP, que estabelecem o regime jurídico aplicável às operações não autorizadas, resulta que na hipótese de o cliente-utilizador dos serviços de pagamento negar ter consentido na realização da operação, o banco-prestador desses serviços apenas se pode exonerar de responsabilidade se provar: 1) que a operação foi devidamente autenticada, registada e contabilizada e não foi afetada por avaria técnica ou qualquer deficiência e 2) que ela se ficou a dever a i) perda, roubo ou apropriação abusiva de instrumento de pagamento, imputável ao ordenante, ou ii) a atuação fraudulenta ou incumprimento do dever de reporte previsto no art. 67.º do RSP, ou, por último, iii) a negligência grave do ordenante. Id est, o banco-prestador tem de demonstrar a fraude ou o incumprimento dos deveres de segurança que impendem sobre o cliente-utilizador, enquanto factos impeditivos do direito invocado pelo último (art. 342.º, n.º 2, do CC).

26. A esta responsabilidade está, assim, subjacente a ideia de que, na medida em que presta o serviço, o banco deve zelar pelas respetivas condições de regularidade e segurança.

27. Para afastar a sua responsabilidade pelo reembolso das quantias indevidamente transferidas, compete ao banco demonstrar que o cliente adotou um qualquer comportamento suscetível de colocar em perigo a segurança do sistema.

28. O ónus da prova da autorização da execução da operação de pagamento cabe ao banco-prestador dos serviços de pagamento, que deve demonstrar que o cliente-utilizador consentiu na execução da operação.

29. Do exame dos factos considerados como provados resulta que o banco demonstrou que executou todos os procedimentos de autenticação à data em vigor e que, por isso, reputou a ordem de transferência como legítima e corretamente emitida (cf. factos provados sob os n.os 84, 85 e 94).

30. O banco-prestador observou o ónus da prova da autenticação, registo e contabilização e ausência de avaria ou de outra deficiência, não tendo, todavia, logrado demonstrar a existência de qualquer comportamento imputável ao cliente-utilizador passível de afastar a sua responsabilidade.

31. Há, pois, que apurar se tal ordem de transferência foi ou não autorizada pelo cliente, sendo certo que, como resulta do art. 70.º, n.º 2, do RSP, a utilização do endereço eletrónico do utilizador não significa, por si só, que tal operação foi por si consentida.

32. Note-se, nesta sede, que não releva a distinção entre as situações em que (i) a ordem de pagamento é emitida pelo cliente no sistema informático do banco (v.g., sistema de homebanking) e aquelas em que (ii) a operação de pagamento é executada pelo banco no seu sistema informático, na sequência de uma ordem transmitida pelo cliente pela forma contratada para o efeito (v.g., por mensagem eletrónica enviada da conta pessoal do cliente). O enquadramento do caso sub judice na segunda tipologia não implica, pois , o afastamento do art. 70.° do RSP e, por conseguinte, a aplicação da regra geral do art. 342.°, n.º 1, CC. A lei não estabelece essa distinção e ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus. De resto, tal como refere o acórdão recorrido, seria até estranho que o legislador consagrasse essa diferenciação quando se sabe que o sentido da evolução da legislação da União Europeia relativa à tutela dos instrumentos de pagamento contra as transações fraudulentas tem sido o de acentuar ou reforçar a segurança preventiva do sistema na sua globalidade e, particularmente a jusante, como o demonstra o facto de, com a Diretiva n.º 2015/2366, de 25 de novembro de 2015, se ter iniciado a transição de um sistema de autenticação monofatorial para um sistema multifatorial. Por outro lado, o art. 70.° do RSP refere-se a operação de pagamento executada, e não apenas a ordem de pagamento, sendo certo que a responsabilidade do banco-prestador abrange a execução correta das operações de pagamento e não apenas a execução das operações ordenadas através de instrumentos sujeitos ao seu controlo direto.

33. A ausência de autorização para a execução da transferência pelo cliente-utilizador constitui um pressuposto da imputação de responsabilidade ao banco-prestador dos serviços de pagamento.

34. Na verdade,

Quanto à responsabilidade decorrente de operações de pagamento não autorizadas - nos termos que se encontravam disciplinados nos arts. 71 e 72 do anterior diploma e agora encontram consagração nos arts. 114 e 115 do DL 91/218 – ela é de imputar ao prestador do serviço se vier a comprovar-se que a mesma não foi autorizada e não se verificar o incumprimento de nenhuma das obrigações que são impostas ao utilizador em caso de perda, roubo, apropriação abusiva de instrumento de pagamento ou quebra da confidencialidade dos dispositivos de segurança personalizados, respetivamente.” 14.

35. Reitere-se: está em causa, a questão de saber a quem compete o ónus da prova da autorização da execução da operação de transferência de fundos.

36. A circunstância de se tratar de facto negativo não implica, só por si, que a sua demonstração não caiba ao cliente-utilizador dos serviços de pagamento15. Entende-se, contudo, que o ónus da prova da autorização para a execução da transferência de fundos cabe ao banco-prestador16, não tendo o cliente-utilizador de provar o cumprimento defeituoso daquele – como, em princípio, teria de demonstrar, à luz do art. 342.º, n.º 1, do CC.

37. Recorde-se a regra fundamental de que as operações de pagamento apenas devem ser executadas com o consentimento do cliente-utilizador titular da conta.

38. Importa igualmente notar que o legislador estabeleceu um modelo de repartição do risco (de interferência de terceiro ou de falha técnica no sistema do banco) baseado nas condutas das partes da relação bancária. Por seu turno, o critério de repartição do risco funda-se num modelo de imputação que apela ao âmbito dos deveres violados. Recorde-se, a este propósito, que “É certo que os bancos beneficiam com a automatização do processo de realização de operações de pagamento, podendo alcançar poupanças: mas os clientes também beneficiam com estas formas mais práticas c acessíveis de emissão de ordens de pagamento. O recurso a meios eletrónicos e a procedimentos de comunicação de ordens à distância não pode ser configurado como uma imposição do contraente com maior poder negocial, devendo antes ser visto como uma solução do mútuo interesse das partes.”17. É por isso que o modelo de imputação da responsabilidade não pode desconsiderar os deveres assumidos por cada uma das partes no âmbito das relações entre si estabelecidas. Por conseguinte, a imputação objetiva das perdas ao banco apenas opera depois de se tentar, debalde, a sua imputação, a título subjetivo, a uma das partes. A imputação de perdas por operações não autorizadas é, pois, determinada, desde logo, de modo subjetivo, atendendo à eventual violação dos deveres a que o banco e o cliente estavam adstritos18.

39. Quando existe uma situação de incerteza e a demonstração da utilização do instrumento de pagamento não é suficiente para provar que a operação foi autorizada pelo cliente, que este agiu de forma fraudulenta ou não cumpriu, deliberadamente ou com negligência grave, alguma das suas obrigações, o sistema da imputação prescinde de um juízo de ilicitude e a imputação das perdas tem lugar a título objetivo.

40. Trata-se de um conjunto de normas passível de ser reconduzido ao modelo da responsabilidade objetiva ou pelo risco, traduzindo uma opção de política legislativa que faz recair os riscos do funcionamento de um sistema técnica e operacionalmente complexo nos participantes melhor posicionados e preparados para gerir o risco, com o intuito de gerar e tutelar a confiança no funcionamento do sistema de pagamentos.

41. Os bancos, por se dedicarem a título profissional à atividade de prestação de serviço, estão em melhor posição para evitar o risco de operação não autorizadas pelo cliente, podendo a imputação do risco conduzir a um esforço continuado de eficiência e segurança do sistema19.

42. Naturalmente que o regime probatório deve ser adequado às circunstâncias especiais da perturbação de serviços de pagamento. De um lado, a realidade factual subjacente às operações não autorizadas reveste-se, em geral, de grande complexidade em virtude da utilização de tecnologia e da interferência de terceiros com propósitos fraudulentos. Acresce que se revelam manifestamente inacessíveis ao cliente-utilizador os factos que integram a execução da ordem de pagamento pelo banco-prestador, para além da respetiva complexidade técnica. De outro lado, uma parte relevante da factualidade refere-se à esfera de risco do banco, e aos seus sistemas informáticos, de comunicações e à sua organização em geral, estando o banco melhor situado para a respetiva atividade probatória. Segundo o Tribunal a quo, está igualmente em causa a consciência da necessidade de gerir conflitos entre partes desiguais, num quadro de segurança dos sistemas informáticos e de confiança dos utentes nesse sistema. Assim, conforme mencionado supra, perante a invocação do caráter não autorizado de uma operação, recai sobre o banco um primeiro ónus probatório: o de demonstrar a integridade técnica da operação (i.e., que foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado)20.

43. Depois, é ao banco que compete a prova da autorização por parte do cliente, como facto constitutivo do seu direito ao débito na conta de pagamento do último em ordem a recuperar as despesas em que incorreu (art. 84.º, n.º 3, do RSP), assim cobrando as quantias que lhe são devidas. O art. 70.º, n.º 2, do RSP, reforça este ónus, estabelecendo que a utilização do instrumento de pagamento “não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta ou que não cumpriu, deliberadamente ou por negligência grave, uma ou mais das suas obrigações”. Deste modo, ainda que o banco-prestador consiga provar os factos contrários às hipóteses previstas no n.º 1 e, além disso, prove também que foi utilizado o instrumento de pagamento registado pelo cliente-utilizador, essa demonstração não é suficiente para afastar a incerteza sobre a factualidade subjacente à operação não autorizada. Nestas situações, o banco-prestador já demonstrou que a ordem foi emitida após autenticação regular e que a operação foi devidamente registada e contabilizada, no contexto de integridade técnica dos sistemas. Os modelos em confronto são, por conseguinte, apenas, o da imputação ao próprio cliente-utilizador e o da imputação objetiva ao banco-prestador. Por fim, é também ao banco que cabe provar os factos que alicerçam um juízo de ilicitude e censura, relativo ao comportamento do cliente, não sendo necessariamente suficiente, por si só, a prova da utilização do instrumento de pagamento ou das credenciais de autenticação personalizadas 21.

44. Insista-se em que no art. 70.º, n.º 1, do RSP, se encontra consagrada a regra geral, que, aliás, já resultaria do regime civilístico (art. 562.º do CC): se for executada pelo banco uma operação de pagamento não autorizada pelo cliente, aquele deve repor a conta de pagamento do último na situação em que estaria se a operação não houvesse sido realizada. É que o fundamento para o débito da conta do cliente reside na convenção celebrada com o banco, de acordo com a qual se procede dessa forma ao reembolso das despesas a que o último tem direito. Por conseguinte, quando uma operação tenha sido realizada sem autorização prévia do titular da conta, o débito em conta consubstancia uma violação do contrato celebrado com o banco-prestador22.

45. O banco-prestador não tem o direito ao reembolso das despesas se a operação de pagamento não tiver sido autorizada pelo titular da conta de pagamento.

46. Não se ignora que o art. 70.º do RSP apenas estabelece uma regra especial de distribuição de ónus da prova quanto à autenticação, contabilização e registo, matéria que não se confunde com a autorização da ordem de transferência de fundos. Trata-se de uma regra de ónus da prova objetivo, que permite uma decisão nos casos de operações não autorizadas23. De acordo com as definições constantes do RSP, a autenticação é “um procedimento que permite ao prestador de serviços de pagamento verificar a utilização de um instrumento de pagamento específico, designadamente os dispositivos de segurança personalizados”, o que é distinto da autorização da execução da operação. Efetivamente, uma operação não autorizada pode ser devidamente autenticada, assim como uma operação autorizada pode não ser sujeita ao sistema de autenticação. Apenas na primeira situação se coloca a questão da responsabilidade civil do banco-prestador de serviços de pagamento, já que a mera falha na autenticação não é, por si só, suscetível de causar danos na esfera jurídica do utilizador.

47. Contudo, a prova da autorização não pode deixar de competir ao banco-prestador. Assim, no caso em apreço, perante a alegação dos Autores/Recorridos, que negaram ter transmitido as ordens de transferência enviadas do seu endereço eletrónico, cabia à Ré/Recorrente provar que haviam sido aqueles os emissores das ordens de transferência de fundos em causa.

48. Em jeito de conclusão: negando o cliente-utilizador ter autorizado a operação de pagamento que foi executada pelo banco, é sobre este que impende o ónus de prova de que essa operação não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência e/ou que esse pagamento só foi possível devido à atuação fraudulenta daquele ou ao incumprimento deliberado ou com negligência grave dos deveres decorrentes do RSP.

49. Como o recurso de revista interposto pela Ré, parte vencida na causa, será julgado improcedente, soçobra a apreciação das questões suscitadas pelos Autores ex art. 636.° do CPC.

(Des)conformidades com a CRP

1. O princípio da igualdade, plasmado no art. 13.° da CRP, impõe tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente, na medida da diferença (segundo as valorações do ordenamento jurídico). Conforme mencionado supra, a repartição do ónus da prova estabelecida na norma especial do art. 70.° do RSP encontra-se plenamente justificada na medida em que trata desigualmente situações que são material e processualmente desiguais. Pode dizer-se que o propósito de tutelar o cliente-utilizador com maior intensidade e extensão do que o banco-prestador tem assento constitucional.

2. Na verdade, o art. 60.° da CRP estabelece que os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, assim como à reparação dos danos causados.

3. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, assim como a um processo equitativo. No entanto, a existência de “um direito processual do consumidor”, com as especificidades que decorrem da qualidade em que os cidadãos concretamente atuam – in casu, como cidadãos-consumidores –, não contende com a proteção geral conferida aos demais cidadãos e empresas.

4. Até porque, segundo o acórdão recorrido, os princípios constitucionais não são regras. Aliás, a distinção entre regras [“as regras são proposições normativas de elevada especificidade (de fattispecie fechada), aplicáveis na forma de «tudo ou nada» e, portanto, destinadas a ser ou não respeitadas, sem possibilidade intermédia»] e princípios [“os princípios são proposições normativas com elevado grau de generalidade (de fattispecie aberta) aplicáveis na forma de «mais ou menos» e, portanto, com a máxima expansão ou restrição] tem-se revestido de uma indiscutível validade operativa. Diz-se que a exceção representa para a regra o que o balanceamento e a ponderação representam para o princípio. A interpretação feita da norma contida o art. 70.° do RSP respeita rigorosamente o equilíbrio intencionado pelo legislador ordinário e adotado no exercício da sua discrionariedade legislativa. Por conseguinte, não foram violados os preceitos dos arts. 20.° e 32.° da CRP.

5. Também não se mostram infringidos os arts. 2.° e 11.° da CRP, porquanto, segundo o Tribunal da Relação de Lisboa, não se pode atribuir ao Tribunal qualquer “ativismo judiciário”, substituindo-se ao legislador na criação de uma norma inexistente. Compete-lhe, antes, a observância dos arts. 203.°, in fine, da CRP, e 8.°, n.º 2, do CC, que não só não veda, como até impõe uma atividade interpretativa ou de aplicação da lei em obediência ao direito vigente.

6. Finalmente, também não se afigura violado o direito constitucional à propriedade privada, consagrado no art. 62.° da CRP. Não se tendo provado a autoria da interferência numa conta pessoal de correio eletrónico existente num sistema informático de conexão entre o cliente-utilizador e o banco-prestador, originando um desfalque nessa conta dos Autores, deve ser o último a suportar as consequências desfavoráveis desse non liquet.

IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em considerar improcedente o recurso de revista interposto pela Ré Banco Comercial Português, S.A., confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela Ré.

Notifique-se.

08-04-2025

Maria João Vaz Tomé (Relatora)

António Magalhães

Jorge Leal

_____________________________________________

1. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de março de 2022 (Pedro de Lima Gonçalves), proc. n.º 1600/17.5T8PTM.E1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 23 de março de 2021 (Graça Amaral), (proc. n.º 618/17.2T8ETR.P1.S1 – disponível para consulta in
https://www.direitoemdia.pt/search/show/8c647d8a6c2f81b69ad2702038c4af519e8499ec25542bd512e28af3c52b11f8; de 16 de novembro de 2021 (Pedro de Lima Gonçalves), proc. n.º 5097/05.4TVLSB.L2.S3 – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ed6f5d1fda4338608025879000582ff2?OpenDocument.↩︎
2. Cf. Francisco Mendes Correia, Lições de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2024, p. 265.↩︎
3. Cf. José Augusto Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Coimbra, Almedina, 2024, p. 484.↩︎
4. Cf. António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2018, p. 540.↩︎
5. Cf. Francisco Mendes Correia, Lições de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2024, p. 267.↩︎
6. Cf. Francisco Mendes Correia, Lições de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2024, p. 268.↩︎
7. Cf. Francisco Mendes Correia, Lições de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2024, p. 270.↩︎
8. Cf. Francisco Mendes Correia, Lições de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2024, p. 273.↩︎
9. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de janeiro de 2024 (Nelson Borges Carneiro), proc. n.º 379/21.0T8FAR.E1.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a381af0b94c14efe80258ab4005f71b0?OpenDocument.↩︎
10. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de janeiro de 2024 (Nelson Borges Carneiro), proc. n.º 379/21.0T8FAR.E1.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a381af0b94c14efe80258ab4005f71b0?OpenDocument.↩︎
11. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do STJ de 2 de maio de 2024 (António Barateiro Martins), proc. n.º 897/19.0T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/28deeedbd509fc9780258b15002fdb50?OpenDocument.↩︎
12. Cf. Francisco Mendes Correia, “Operações não autorizadas e o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica”, in Revista de Direito Civil II (2017), 3, p. 722 – disponível para consulta in https://www.revistadedireitocivil.pt/Archive/Docs/f171491434659.pdf.↩︎
13. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de janeiro de 2024 (Nelson Borges Carneiro), proc. n.º 379/21.0T8FAR.E1.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a381af0b94c14efe80258ab4005f71b0?OpenDocument.↩︎
14. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de dezembro de 2023 (Manuel Capelo), proc. n.º 92407/20.5T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1c83ae9cd8b28d8980258a84003565d5?OpenDocument.↩︎
15. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de março de 2022 (Nuno Ataíde das Neves), proc. n.º 222/19.0T8PSR.E1.S1; de 9 de março de 2021 (Pedro de Lima Gonçalves), proc. n.º 3424/16.8TCSC.L1.S1; de 20 de fevereiro de 2020 (Tomé Gomes), proc. n.º 4955/18.0T8GMR.G1.S1; e de 27 de novembro de 2019 (Henrique Araújo), proc. n.º 12693/16.2T8PRT.P1.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/27962f73862f5520802584c00040134b?OpenDocument.↩︎
16. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de janeiro de 2024 (Nelson Borges Carneiro), proc. n.º 379/21.0T8FAR.E1.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a381af0b94c14efe80258ab4005f71b0?OpenDocument; de 18 de dezembro de 2023 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 6479/09.8TBBRG.G1.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0feb7fef778a3b6780257c46003d2073?OpenDocument; de 6 de setembro de 2014 (Paulo Sá), proc. n.º 333/09.0TVLSB.L2.S1 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2033efb820a8936280257d55005538be?OpenDocument; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de julho de 2022 (Isabel Salgado), proc. n.º 9796/20.2T8LSB.L1-7 – disponível para consulta in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/75e1d4be4fe02672802588be00464ce9?OpenDocument.↩︎
17. Cf. Francisco Mendes Correia, “Responsabilidade e risco nas operações de pagamento não autorizadas”, in RFDUL, 2024, p. 437.↩︎
18. Cf. Francisco Mendes Correia, Lições de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2024, pp. 351, 369; Mafalda Miranda Barbosa, “Serviços de pagamento, repartição do risco e responsabilidade civil”, in RDCom, 2017, pp.648-649.↩︎
19. Cf. Francisco Mendes Correia, Lições de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2024, pp. 370-371.↩︎
20. Cf. Francisco Mendes Correia, Lições de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2024, pp. 379-380; “Operações não autorizadas e o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica”, in Revista de Direito Civil II (2017), 3, pp. 721-722 – disponível para consulta in https://www.revistadedireitocivil.pt/Archive/Docs/f171491434659.pdf.↩︎
21. Cf. Francisco Mendes Correia, Lições de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 2024, pp. 380-381; Operações não autorizadas e o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica”, in Revista de Direito Civil II (2017), 3, p. 722 – disponível para consulta in https://www.revistadedireitocivil.pt/Archive/Docs/f171491434659.pdf.↩︎
22. Cf. Francisco Mendes Correia, Moeda bancária e cumprimento – o cumprimento das obrigações pecuniárias através de serviços de pagamento, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 760-761.↩︎
23. Cf. Francisco Mendes Correia, “Operações não autorizadas e o Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica”, in Revista de Direito Civil II (2017), 3, p. 722 – disponível para consulta in https://www.revistadedireitocivil.pt/Archive/Docs/f171491434659.pdf.↩︎