RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS REFLEXOS
FILHO MENOR
CÔNJUGE SOBREVIVO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
EQUIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
VIDA PESSOAL E FAMILIAR DOS INTERESSADOS
Sumário


I – O Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência no sentido seguinte de os artigos 483°/1 e 496°/1, ambos do CCivil, deverem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.
II – O direito à indemnização pelos danos não patrimoniais reflexos só será admissível em casos excecionais, nomeadamente, quando a dor e o sofrimento das pessoas com uma relação afetiva de grande proximidade com o lesado sejam de qualificar-se como de particularmente graves e constituam consequência (mediata) das lesões, também elas particularmente graves, causadas ao lesado direto, ainda que lhe tenha sobrevivido.
III – O choque emocional sofrido pela autora com a notícia do acidente do pai e a saturação psicológica decorrente de ter acompanhado diariamente o seu sofrimento, sem que as sequelas do lesado direto impliquem sofrimento intenso na vivência relacional de ambos, não merecem compensação a título de dano não patrimonial.

Texto Integral

RECURSO DE REVISTA947/21.0T8STR.E1.S1
RECORRENTEAGEAS PORTUGAL – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

RECORRIDASAA;

BB.



***


SUMÁRIO1


I – O Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência no sentido seguinte de os artigos 483°/1 e 496°/1, ambos do CCivil, deverem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave.

II – O direito à indemnização pelos danos não patrimoniais reflexos só será admissível em casos excecionais, nomeadamente, quando a dor e o sofrimento das pessoas com uma relação afetiva de grande proximidade com o lesado sejam de qualificar-se como de particularmente graves e constituam consequência (mediata) das lesões, também elas particularmente graves, causadas ao lesado direto, ainda que lhe tenha sobrevivido.

III – O choque emocional sofrido pela autora com a notícia do acidente do pai e a saturação psicológica decorrente de ter acompanhado diariamente o seu sofrimento, sem que as sequelas do lesado direto impliquem sofrimento intenso na vivência relacional de ambos, não merecem compensação a título de dano não patrimonial.



***

ACÓRDÃO



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

AA, BB, e CC, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento à 1ª autora da quantia de 100 000,00€ e à 2ª e 3ª autoras da quantia de 50 000,00€ (25 000,00€ para cada uma), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Foi proferida sentença em 1ª instância que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à 1ª autora a quantia de 20 000,00€ (vinte mil euros), acrescida de juros de mora vincendos, a contar da presente data e até efetivo e integral pagamento.

A 1ª e 2ª autoras, interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Évora proferido acórdão que julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que substituiu por outra a julgar parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a ré, a pagar à 1ª autora, a quantia de 40 000,00€ (quarenta mil euros), por danos não patrimoniais reflexos, acrescida de juros mora vincendos, à taxa legal, a contar da data do presente acórdão e até efetivo e integral pagamento e, e à 2.ª autora, a quantia de 10 000,00€ (dez mil euros), por danos não patrimoniais reflexos, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, a contar da data do presente acórdão e até efetivo e integral pagamento.

Inconformada, veio a interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações2,3 que apresentou as seguintes


CONCLUSÕES4:


I. No Acórdão agora em crise, assistimos a um discorrer sobre jurisprudência sem cuidar de verificar se a mesma é de facto e plausivelmente aplicável ao caso dos presentes autos.

II. Fosse a questão dos presentes autos, algo que o Legislador tivesse feito consagrar especificamente e não se verificaria o dissido entre a 1ª e 2ª instância.

III. O único acórdão utilizado como fundamento pelo Tribunal “a quo” e que se debruça sobre uma situação semelhante ao dos presentes autos, arbitra uma indemnização no valor de 30.000,00€, não obstante ser referente a uma situação onde concretamente, a cônjuge se encontra bastante mais lesada com a condição da vítima sobrevivente do que a Recorrida AA

.

IV. Não há qualquer forma de sustentar uma indemnização no valor de 40.000,00€, não havendo motivo algum para ser alterada a decisão de 1ª instância;

V. O critério da gravidade é ele próprio vazio de sentido no âmbito dos presentes autos já que caso não fosse a situação particularmente grave, não haveria direito a qualquer indemnização;

VI. Analisada a vasta jurisprudência na qual a MMª Juíza do Tribunal de 1ª instância se alicerçou, verifica-se que o quantum arbitrado está absolutamente em linha com os que são arbitrados em situações análogas, não havendo nem sendo possível, em equidade, condenar a Recorrente a pagar a Recorrida AA uma indemnização num valor superior a 20.000,00€;

VII. A possibilidade de em situações como a dos presentes autos dano ser possível a filhos peticionar danos não patrimoniais já foi alvo de analise e decisão Jurisprudencial, não havendo nota de qualquer decisão que contrarie o entendimento do Tribunal de 1ª Instância;

VIII. A sentença do Tribunal de 1ª Instância é secundada pelo Acórdão do STJ, de 17/10/2019, Proc. n.º 1082/17.1T8VCT.S1, disponível em www.dgsi.pt., com o que se concorda.

IX. Mesmo nos acórdãos mencionados pelos MMºs Juízes Desembargadores do Tribunal “a quo” em que há a atribuição de uma indemnização a filhos de vítimas sobreviventes, todos os eles são referentes a jovens adultos (16 e 17 anos), com uma absolutamente maior perceção e discernimento dos acontecimentos, do que aquele que ocorreu com a Recorrida BB que à data dos factos tinha apenas 6 anos.

X. Deve o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” ser revogado por outro no qual seja repristinada a decisão do Tribunal de 1ª Instância, por ser aquela que juridicamente melhor se coaduna com as soluções hermenêuticas constantes do AUJ n.º 6/2014.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências, doutamente suprirão, deve a presente Revista ser julgada totalmente procedente, confirmando-se e repristinando-se a sentença do Tribunal 1ª instância5.

As recorridas contra-alegaram, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO6,7,8

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AGEAS PORTUGAL - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., ora recorrente, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:

1.) Saber do quantum indemnizatório por danos não patrimoniais reflexos sofridos pelo cônjuge do diretamente lesado.

2.) Saber se há fundamento para indemnização por danos não patrimoniais reflexos da filha do diretamente lesado e, em caso afirmativo, do seu quantum indemnizatório.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

A) No dia 16 de Novembro de 2012, cerca das 13 horas, na Estrada Nacional nº ..., Alto ..., concelho de ..., ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo automóvel pesado de mercadorias, da marca Scânia, matrícula ..-..-ME, conduzido por DD, e o veículo automóvel pesado de mercadorias da marca DAF – 430, com matrícula ..-..-VU, conduzido por EE, e que trazia agregado a si um reboque com a matrícula AV-......

B) O veículo ME circulava na Estrada Nacional nº ..., na direção P... - T...,

seguindo o veículo VU em sentido contrário (T... - P...).

C) No local onde ocorreu o embate, a estrada forma uma curva para o lado direito, atento o sentido de marcha do veículo ME.

D) Nessas circunstâncias, o condutor do veículo VU, ao entrar na mesma curva, que para si se apresentava para a esquerda, não conseguiu dominar a marcha conjunta do veículo e

respetivo reboque.

E) Tendo o veículo VU mudado de direção à esquerda e o respetivo reboque desviou-se

para a direita, ocupando, transversalmente, toda a faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário por onde circulava o veículo ME, e contra o qual foi embater, abalroando-o.

F) À data do embate o veículo VU tinha a sua responsabilidade civil transferida para a ré através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...03.

G) A ré assumiu a responsabilidade do condutor do veículo VU na produção do acidente.

H) DD, nascido em .../03/1975, e a primeira autora casaram em .../08/1996.

I) A segunda autora nasceu em .../12/2005 e é filha de DD e da primeira autora.

J) A terceira autora nasceu em .../08/1998 e é filha de DD e da primeira autora.

K) Em consequência do embate, DD sofreu fratura do fémur esquerdo, fratura exposta de grau III da metáfise proximal e diáfise da perna esquerda, feridas da face externa e interna do joelho e perna com zonas de necrose, fratura do calcâneo esquerdo, fratura da falange proximal do 5.º dedo.

L) Após o embate, DD foi transportado para o Hospital 1 e, de imediato, transferido para o Hospital 2 em ..., tendo sido submetido, no próprio dia, a cirurgia de redução aberta da fratura do fémur esquerdo com fixação interna e aplicação de dispositivo de fixação externa da tíbia e perónio esquerdos, tendo aí permanecido internado até 26/11/2012.

M) Nas semanas e meses seguintes, DD foi submetido a várias cirurgias, quer para reconstrução óssea e de tecidos, quer no seguimento de infeções, reinfeções e complicações que iam surgindo, designadamente:

- em 18/01/2013 – extração de material de osteossíntese de fixadores, alongamento do tendão de Aquiles e gesso no membro inferior esquerdo;

- em 08/02/2013 – osteossíntese e enxertos ósseo e da pele do membro inferior esquerdo,

com posterior necessidade de internamento urgente para realização de limpeza cirúrgica devido à presença de 3 fistulas ativas;

- em 21/06/2013 – colocação de fixadores externos e enxerto no membro inferior esquerdo;

- em 20/09/2013 – remontagem com fixadores externos no membro inferior esquerdo, que correu sem incidentes, tendo tido alta no próprio dia;

- em 17/1/2014 - foi diagnosticada a DD uma pseudoartrose da tíbia esquerda, tendo sido realizada uma reosteossíntese, que posteriormente infetou; realização de homoenxerto no fémur direito para colocação na lesão da perna esquerda, sendo que durante o pós-operatório em internamento, ao movimentar-se sofreu uma fratura iatrogénica da diálise do fémur direito, submetido a cirurgia urgente de encavilhamento que não terá ficado bem, sendo programado reencavilhamento posterior; desenvolveu fistulas com drenagem ativa, que resolveram;

- em 11/04/2014 – cirurgia de revisão cirúrgica do fémur direito, com extração de material de osteossíntese de cavilha + redução aberta + recavilhamento e estabilização com 4 cravos e desbridamento da perna esquerda; no pós-operatório desenvolveu um infeção da osteossíntese com rebate sistémico que necessitou de internamento urgente no Serviço de Medicina Intensiva;

- em 21/04/2014 – apresentava celulite da coxa direita após cirurgia de fratura do fémur (osteossíntese) realizado 10 dias antes, que decorreu sem complicações; ao 4.º dia apresentava sinais inflamatórios locais, pelo que iniciou antibioterapia empírica, sem melhoria; foi observada supuração purulenta pela ferida operatória, celulite do escroto com atingimento da região lombar; estava taquicárdico e com sinais inflamatórios locais da coxa direita com progressão para o flanco homolateral (até a axila) e oligoanúria; foi internado para ser submetido a intervenção cirúrgica para desbridamento;

- de 22/04/2014 a 05/05/2014 – realização de cirurgia descompressiva e limpeza tendo-se constatado sinais de infeção purulenta dos tecidos moles e músculos, tendo ficado com ferida aberta. Sujeito a ventilação mecânica invasiva (coma), com posterior extubação e adaptação à máscara de Venturi, evoluindo para óculos nasais, sem sinais de infeção respiratória ao longo do internamento; realizou antibioterapia empírica e posteriormente dirigida; limpeza cirúrgica da ferida com colocação de drenos e pensos efetuados diariamente;

- em 04/06/2014 – encerramento da ferida operatória (a 11/04/2014) no bloco operatório na coxa direita;

- em 27/07/2014 – queixas álgicas, tendo tido alta no mesmo dia após administração de

analgesia e melhoria clínica;

- em 20/08/2014 – cirurgia de drenagem de coleção abcedada da coxa direita; suspeita de infeção óssea do fémur direito e alteração duvidosa da metáfise proximal da tíbia esquerda;

- em 09/05/2014 – realizado desbridamento amplo e extração de material de osteossíntese cerclages e parafusos proximais na coxa direita com autoenxerto ilíaco esquerdo;

- em 24/04/2015 – reoperado abcesso com drenagem purulenta da coxa direita;

- em 29/01/2016 – submetido a nova intervenção cirúrgica para tratamento da pseudoartrose da perna esquerda com extração de material de osteossíntese de cavilha, rimagem e lavagem do canal e encavilhamento;

- em 23/06/2016 – abcesso com fistula a nível da região metafisária da perna esquerda;

- em 25/08/2016 – radiografia com placa partida junto a foco de pseudoartrose da perna esquerda;

- em 05/10/2016 – nova cirurgia com extração de material de osteossíntese de placa partida e parafusos, osteotáxis com fixadores híbrido da perna;

- em 26/01/2017 – foi ao bloco operatório para compressão dos fixadores externos e colocação de gesso na perna esquerda;

- em 27/04/2017 – extração dos fixadores externos e colocação de gesso na perna esquerda;

- em 25/10/2017 – consolidação da fratura metafisária da tíbia esquerda e recurvatum em relação com fratura antiga; hipostesia da face interna da perna esquerda, amiotrofia, com descrição de “potencial de marcha limitada” – tala de depuy.

N) Em consequência das lesões, DD teve vários períodos de internamento e alta ao longo dos meses e anos após o acidente, nos termos que constam do documento junto sob o n.º6 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, realizou sessões de fisioterapia e teve consultas de ortopedia, medicina de reabilitação e de dor.

O) Desde a data do acidente até finais de 2018 DD foi submetido a mais de 25 intervenções cirúrgicas.

P) E sofreu dores fortes, das quais dava conta às autoras.

Q) Pelo menos desde o ano de 2018 e em consequência do acidente, DD padeceu de transtornos psíquicos que se foram agravando com o passar do tempo.

R) Em 13/10/2020 DD foi submetido a perícia médico-legal, de vertente

psiquiátrica, efetuada pelo Gabinete médico legal e forense do ..., na qual se considerou que, em consequência das lesões acima mencionadas, o mesmo é portador de um “quadro de depressão major, grave, sem sintomas psicóticos” (…) que afeta “as vivências pessoais, profissionais, conjugais e sociais (…) condicionando-o de forma permanente e intensa”, e com uma desvalorização de 25 Pontos, classificação essa mais elevada da rubrica Nb901, necessitando de “manter um regular e adequado seguimento psiquiátrico (na sua tripla vertente, psicofarmacológica, psicoterapêutica e psicossocial)”, cfr. doc. junto sob o nº 5 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

S) Do relatório de perícia de avaliação de dano corporal realizada em 26/01/2021 consta que, em consequência das lesões, DD apresenta as seguintes sequelas:

- sequelas de fratura do colo da falange proximal do 5.º dedo da mão esquerda, submetida a tratamento conservador (não efetua pinça polidigital com o 5.º dedo);

- sequelas de fratura iatrogénica do fémur direito submetida a tratamento cirúrgico e cursando com complicações infeciosas, para além de fenómenos dolorosos acentuados, apresenta a título sequelar: anca: mobilidades mantidas, mas dolorosas nos últimos graus; joelho: flexo de 5.º (diminuição da extensão) e síndrome femoro-patelar (rigidez patelar e crepitação do joelho);

- sequelas de fratura do fémur e tíbia esquerdos, submetidas a tratamento cirúrgico e cursando com complicações infeciosas, apresenta a título sequelar: cicatrizes friáveis, com acentuada alteração da sensibilidade e áreas cutâneas da perna de aspeto friável e facilmente ulceráveis; anca: limitação das mobilidades, mais acentuada na flexão (limitada a 80º); articulação tibiotársica: para além dos fenómenos dolorosos, apresenta as sequelas (sinérgicas) de diminuição da flexão plantar (5 a 10º) e diminuição da flexão dorsal (5 a 10º); joelho: para além dos fenómenos dolorosos muito acentuados, apresenta genu varum e recurvatum marcados, com necessidade de utilização de ortótese articulada e amiotrofia da anca.

T) …E teve um período de défice funcional temporário total fixável em 1882 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 1882 dias; a data da consolidação é fixável em 10/01/2018; quantum doloris no grau 6/7; um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 52,41 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro; sequelas, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo contudo compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-científica; dano estético permanente de grau 5/7; repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 5/7; repercussão permanente na atividade sexual de grau 3/7; necessidade de ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas (designadamente de medicação analgésica e psiquiátrica); tratamentos médicos regulares com necessidade de acompanhamento médico por ortopedia, medicina física e reabilitação, psiquiatria e psicologia, com competente orientação terapêutica; ajudas técnicas, incluindo cadeira de rodas, ortótese articulada do joelho e joelheira elástica; adaptação de domicílio, local de trabalho ou veículo para permitir a deslocação de cadeira de rodas, e ajuda de terceira pessoa para a grande maioria das atividades de vida diária, cfr. doc. junto sob o n.º6 com a petição inicial e doc. junto sob o n.º3 com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

U) Em consequência das sequelas resultantes do acidente, DD necessita de ser acompanhado (e é) em consultas de psiquiatria e psicologia, com medicação, assim como medicação analgésica.

V) …Apresenta ainda alteração do padrão do sono (dificuldades em dormir e pesadelos), mudanças bruscas de humor, por vezes com irritabilidade e agressividade, isolamento social, alteração de memória e da capacidade de concentração.

W) A partir do início de 2018, após a constatação de que iria ficar afetado, para sempre, na sua locomoção e autonomia, DD passou a ser acometido de ideias suicidas, tendo-lhe sido diagnosticado em 25/09/2020, “um quadro de perturbação de stress pós-traumático em relação com grave acidente de viação ocorrido em novembro de 2012 (…) mantém sintomatologia depressiva grave, com grande instabilidade emocional e de ideação suicida recorrente (tendo já feito três tentativas de suicídio) necessitando de estar permanentemente acompanhado e supervisionado por terceira pessoa…”, cfr. doc. Junto sob o n.º6 com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

X) DD apenas não logrou concretizar o suicídio pelo facto das autoras o vigiarem permanentemente.

Y) Em consequência do acidente, além da revolta pelo sucedido, DD era acometido por crises de pânico, angústia e prostração, das quais dava conhecimento e queixava-se às autoras.

Z) Com a notícia do acidente, a primeira autora sofreu e visualizou a possível morte do marido, a sua viuvez e a orfandade das sua filhas.

AA) A primeira autora acompanhou DD nos internamentos, intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e chorou, sentindo-se com raiva e ansiedade pelo desfecho das operações, do coma, dos internamentos e dos tratamentos.

BB) Em consequência do referido em W), as autoras vêem-se obrigadas a revezarem-se permanentemente para não deixar o marido e pai sozinho (a segunda e terceira autoras quando a primeira autora tem que se ausentar), o que lhes provoca esforço, cansaço e inquietude, temendo a todo o momento pela vida daquele, sentindo-se responsáveis e culpadas por algo a que não deram causa e impotentes para controlar todos os atos e pensamentos daquele.

CC) DD não consegue andar sem o recurso a cadeira de rodas ou ajuda de canadianas e, neste caso, por curtos espaços de tempo e só com a ajuda de terceiros.

DD) Necessita de auxílio para fazer as suas necessidades, vestir-se, lavar-se, deitar-se e levantar-se.

EE) É a primeira autora que auxilia DD nas tarefas referidas em DD) e, na sua ausência, a segunda ou terceira autoras.

FF) …O que lhes provoca desgosto e angústia.

GG) Desde o acidente DD e a primeira autora não mais mantiveram relações sexuais.

HH) Por via do acidente a primeira autora ficou ainda impossibilitada de usufruir de vida social nos termos em que o fazia anteriormente, designadamente saindo, passeando, fazendo compras, jantando fora ou ir ao cinema ou ao teatro, encontrando-se limitada na realização de tais atividades em virtude da situação clínica do marido.

II) …Sofrendo com o referido em GG), HH), com as dores, limitações e angústias infligidas ao marido, com a incapacidade de lhe aliviar tais tormentos e com o receio que o mesmo possa pôr termo à vida.

JJ) A segunda e terceira autora sofreram e sofrem com a situação de incapacidade, dependência e perturbação psíquica do próprio pai.

KK) As lesões provocadas em DD pelo acidente impediram o convívio, acompanhamento e educação deste para com as filhas nos períodos de internamento e de tratamentos e, nos demais períodos dificultaram tal convívio, acompanhamento e educação, tendo as filhas passado a ser suas cuidadoras, vendo-se obrigadas a vesti-lo, calçá-lo, lavá-lo, protegê-lo e vigiá-lo como se de uma criança se tratasse, sempre que a primeira autora tem de se ausentar.

LL) Em consequência do referido em JJ) e KK), a segunda e terceira autoras ficaram limitadas para sair e conviver com amigos e de ter atividades lúdicas e de lazer como os jovens da sua idade.

MM) Em consequência da vivência constante, ao longo dos últimos anos, da situação física e psicológica que afeta o seu pai, e da necessidade de vigilância do mesmo, a segunda e terceira autoras ficaram afetadas psicológica e psiquicamente, tendo sido sujeitas a acompanhamento psicológico e medicação em determinados períodos.

NN) Em 09/11/2015 a primeira autora requereu a notificação judicial avulsa da ré para efeitos de interrupção da prescrição do direito de indemnização na sequência do acidente mencionado em A), notificação que foi concretizada em 16/11/2015.

OO) Por sentença proferida em 13/07/2021, transitada em 30/09/2021, no âmbito do Proc. n.º 2967/18.3..., do Juízo Central Cível de ... – Juiz ..., foi homologada transação entre a aqui ré e DD, obrigando-se a primeira a entregar ao segundo, a título de indemnização pelos danos provocados pelo acidente de viação referido em A), o montante global de 550.000,00€, correspondendo a quantia de 60.000,00€ a título de danos não patrimoniais, a quantia de 100.000,00€ a título de dano biológico, a quantia de 190.000,00€ a título de danos patrimoniais futuros, a quantia de 190.000,00€ a título de ajuda / auxílio / assistência de terceira pessoa, e a quantia de 10.000,00€ a título de despesas com adaptação da habitação.

PP) A presente ação foi instaurada em 15/04/2021.

QQ) A ré foi citada em 03/05/2021.

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA

1) DD necessita de ajuda para se alimentar.

2) O quadro referido em W) resultou ainda do facto de DD ter ficado irreversivelmente afetado na sua sexualidade.

3) Em consequência das lesões provocadas pelo acidente e desde então, DD mostra-se impossibilitado de manter relações sexuais.

4) Em consequência do referido em 3), a primeira autora ficou desprovida do contacto íntimo e do relacionamento sexual que sempre manteve com o seu marido ao longo dos anos de casamento e que permitia que mantivessem uma cumplicidade e entendimento, dos quais a autora ficou impedida para sempre.

5) À exceção dos períodos em que esteve internado ou sujeito a tratamentos médicos, as lesões provocadas em DD pelo acidente impediram o convívio, acompanhamento e educação deste para com as filhas.

6) Em consequência do referido em JJ) e KK), a segunda e terceira autoras perderam anos escolares.

7) Para além do referido em MM), a segunda e terceira autoras passaram a ter necessidade de acompanhamento psiquiátrico e/ou psicológico regular.

8) A fratura iatrogénica da diáfise do fémur direito não foi consequência das lesões provocadas pelo acidente e respetivos tratamentos.

2.3. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso9 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS REFLEXOS SOFRIDOS PELO CÔNJUGE DO DIRETAMENTE LESADO.

A recorrente alegou que “Não há qualquer forma de sustentar uma indemnização no valor de 40 000,00€, não havendo motivo algum para ser alterada a decisão de 1ª instância”.

Assim, concluiu que “Analisada a vasta jurisprudência na qual a MMª Juíza do Tribunal de 1ª instância se alicerçou, verifica-se que o quantum arbitrado está absolutamente em linha com os que são arbitrados em situações análogas, não havendo nem sendo possível, em equidade, condenar a Recorrente a pagar a Recorrida AA uma indemnização num valor superior a 20 000,00€”.

O tribunal a quo atribuiu à 1ª autora, cônjuge da vítima, uma indemnização de 40 000,00€, a título de danos não patrimoniais reflexos.

Vejamos a questão.

Danos não patrimoniais reflexos

Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação – art. 483.º/1, do CCivil.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496.º/1, do CCivil.

O beneficiário da indemnização será por norma o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado, o que exclui o terceiro que só mediata, reflexa ou indiretamente, foi prejudicado.

Porém, o Supremo Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência no sentido seguinte: “Os artigos 483°/1 e 496°/1, ambos do CCivil, devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave”10,11.

Muito embora aqui não se trate de vítima mortal e da compensação por danos não patrimoniais ao cônjuge sobrevivo, a decisão reflete a proteção que é devida quando uma circunstância física de um dos cônjuges afeta, o projeto de vida que o casamento contempla, mormente a procriação, a atividade sexual, pelo que a impotência e impossibilidade de procriar por causa das sequelas do acidente constitui um importantíssimo dano moral, não só para o cônjuge afetado diretamente pelas lesões físicas, como para o seu cônjuge12.

Provados os factos relativos à primeira autora é, pois, inquestionável, que estamos perante uma situação particularmente grave merecedora de tutela nos termos dos art.483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1 do CC13.

Com efeito, estamos perante vivências emocionais de grande intensidade, em que o acompanhamento do marido, com consequências permanentes, é particularmente doloroso, pelo que estamos perante sofrimentos qualificáveis como particularmente graves, isto é, merecedores de serem indemnizáveis.

O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CCivil14,15.

Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no artigo 8.º/3, do CCivil16.

Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o controlo, designadamente em sede de recurso de revista, da fixação equitativa da indemnização deve concentrar-se em quatro planos, de acordo com o que tem constituído a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça17.

Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável.

Tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade18,19,20.

No caso sub judice, vejamos qual o percurso argumentativo feito pelo tribunal a quo para fixar a indemnização atribuída à 1ª autora por danos não patrimoniais reflexos: “Concorda-se que os danos diretos sofridos pelo lesado são particularmente graves e que a dor e sofrimento do cônjuge mulher também é particularmente intenso e merece tutela do direito (sublinhando-se que não ficou provado o débito sexual invocado – cfr. facto provado GG) e facto não provado 2). Lida a jurisprudência que vimos citando, e independentemente do terceiro lesado ser o cônjuge ou os pais dos lesados diretos, em termos de indemnização por danos não patrimoniais reflexos, porventura dado o mencionado casuísmo, encontrámos valores que vão desde €8000,00 a €120 000,00, o que corresponde a um intervalo demasiado amplo, suscitando a necessidade de encontrar um padrão mais dentro da média. Todavia, fora desses valores mínimos e máximos acima referidos, ainda assim, encontramos indemnizações na ordem dos €1500,00, €17 000,00, €30 000,00 e €40 000,00. No acórdão uniformizador de jurisprudência datado de 2014 e referente a um acidente corrido em 2004, num situação com bastantes semelhanças com a dos presentes autos (a vítima também ficou sem poder trabalhar e sair de casa, precisa de ajuda de terceira pessoa, passando a mulher a dele cuidar em permanência com prejuízo da sua vida pessoal), foi fixado o valor de €15 000,00, não atualizados à data da prolação da decisão uniformizadora. Entende-se que este valor se encontra atualmente desatualizado, sendo que, no entretanto, também se verifica uma tendência para as indemnizações se fixarem em valores superiores do que há uns anos atrás, pelo que se considera, considerando a natureza especialmente gravosa dos danos em causa e da ausência de elementos que permitam aferir de forma mais concretizada das demais circunstância previstas no artigo 494.º do CC, para além da inexistência de culpa do sinistrado, em face de um juízo de equidade, que a indemnização por danos não patrimoniais reflexos devidos à Recorrente, cônjuge do sinistrado, se deve fixar em €40 000,00, valor este atualizado à data deste acórdão”.

Percorrendo o iter decisório, parece-nos não se ter afastado o tribunal a quo dos critérios em que deve assentar o juízo de equidade quanto ao cálculo da indemnização por danos não patrimoniais reflexos do cônjuge do lesado direto, ao fundar o seu juízo na comprovada gravidade das lesões causadas ao sinistrado, na gravidade dos danos sofridos, por via disso, pela 1.ª autora, ao convocar como referente outras decisões, incidentes sobre casos análogos e onde se contabilizaram danos de idêntica gravidade, sem esquecer a necessidade de atender ao caráter evolutivo do direito que neste domínio é, sem dúvida, relevante, ou seja, cremos não ter sido ultrapassada a margem de discricionariedade que lhe é consentida.

Assim, o acórdão proferido pelo tribunal a quo efetuou uma análise da casuística analisada pelo Supremo Tribunal de Justiça, segundo um juízo de comparabilidade relativa, em que foram atribuídas compensações por danos não patrimoniais reflexos que oscilaram entre os 8000,00€ e os 120 000,00€.

Porém, a equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade, o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso21.

Da análise dos citados arestos, em confronto com os factos aqui apurados, onde se provou a extrema gravidade dos danos causados ao lesado direto, marido da 1ª autora (submetido, depois do acidente, a cerca de 25 intervenções cirúrgicas, com sequelas que lhe retiram autonomia, necessitando para tarefas básicas de acompanhamento de terceiros, pois necessita de auxílio para fazer as suas necessidades, vestir-se, lavar-se, deitar-se e levantar-se, e lhe imprimiram graves perturbações psicológicas, passando a ser acometido de ideias suicidas, tendo-lhe sido diagnosticado em 25/09/2020, “um quadro de perturbação de stress pós-traumático em relação com grave acidente de viação ocorrido(…), mantém sintomatologia depressiva grave, com grande instabilidade emocional e de ideação suicida recorrente (tendo já feito três tentativas de suicídio) necessitando de estar permanentemente acompanhado e supervisionado por terceira pessoa), bem como e, por consequência, a particular gravidade dos danos sofridos pela 1.ª autora (sendo esta que o auxilia nas tarefas referidas, o que lhe provoca desgosto e angústia, e a impossibilita de usufruir de vida social nos termos em que o fazia anteriormente, sofrendo com as dores, limitações e angústias infligidas ao marido, com a incapacidade de lhe aliviar tais tormentos e com o receio que o mesmo possa pôr termo à vida, além de não mais tendo havido entre ambos relações sexuais) que viu as suas espectativas de desenvolvimento da sua vida pessoal e em família (o seu projeto de vida) completamente frustradas, temos que a compensação fixada pelo tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais reflexos não se mostra excessiva face a situações que podemos considerar equiparáveis à presente22,23,24,25,26,27,28,29.

Tendo em vista uma aplicação uniforme do direito, ponderando a jurisprudência análoga dos últimos anos (art. 8º/3, do CCivil), entendemos ser ajustada uma compensação no valor de 40 000,00€ (quarenta mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais reflexos sofridos pela 1ª autora..

Concluindo, afigura-se-nos equitativamente adequada, equilibrada e justa uma compensação no valor de 40 000,00€ (quarenta mil euros), para a reparação dos danos não patrimoniais reflexos sofridos pela 1ª autora.

Destarte, improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso de revista, há que confirmar o acórdão recorrido.

2.) SABER SE HÁ FUNDAMENTO PARA INDEMNIZAÇÃO DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS REFLEXOS DA FILHA DO DIRETAMENTE LESADO E, EM CASO AFIRMATIVO, DO SEU QUANTUM INDEMNIZATÓRIO.

A recorrente alegou que “A possibilidade de em situações como a dos presentes autos dano ser possível a filhos peticionar danos não patrimoniais já foi alvo de analise e decisão Jurisprudencial, não havendo nota de qualquer decisão que contrarie o entendimento do Tribunal de 1ª Instância”.

Assim, concluiu que “Deve o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” ser revogado por outro no qual seja repristinada a decisão do Tribunal de 1ª Instância, por ser aquela que juridicamente melhor se coaduna com as soluções hermenêuticas constantes do AUJ n.º 6/2014”.

O tribunal a quo atribuiu à 2ª autora, filha da vítima, uma indemnização de 10 000,00€, a título de danos não patrimoniais reflexos.

Vejamos a questão.

Estamos, uma vez mais, perante a questão da admissibilidade (e não apenas do cálculo do respetivo montante) de compensação dos danos não patrimoniais reflexos ou indiretos, consubstanciados no sofrimento imposto às pessoas ligadas ao lesado direto por laços profundos de afetividade, decorrente das lesões a este causadas e de que não sobreveio a sua morte, mas uma situação grave de incapacidade e afetação psicossomática, perturbadora da própria vida dos que lhe são próximos.

Quer isto dizer que, diretamente, a jurisprudência uniformizada não tem aplicação ao caso dos autos: não estamos perante o direito do “cônjuge de vítima sobrevivente”, mas perante os ascendentes da vítima sobrevivente.

Na falta de uma norma explícita sobre a matéria, não é pacífica, na doutrina e na jurisprudência portuguesas, a questão de saber se, em que medida e com que fundamento esses danos merecem ressarcimento, nomeadamente quando o lesado indireto seja, como no caso dos autos, filha do sinistrado.

O problema tem sido tratado a partir de duas abordagens distintas.

A primeira delas, hoje sufragada pela maioria da doutrina mais recente30, admite de forma mais abrangente quer a indemnizabilidade de tais danos, quer o âmbito dos potenciais lesados, que não se encontraria sequer limitado pelo art. 496º/2/3, e nos termos da qual , identificando, relativamente aos lesados indiretos um direito subjetivo absoluto violado, os danos resultantes dessa violação, desde que objetivamente graves, de modo a merecer a tutela do direito, encontrariam enquadramento direto na hipótese normativa do art. 496º/1, conjugado com o art. 483º/1, ambos do CCivil.

A perspetiva é diversa da tradicional, concebendo-se as situações em análise como uma violação indireta de um direito subjetivo próprio e, desse modo, para admitir a respetiva indemnizabilidade, não teria o intérprete de lançar mão de qualquer recurso interpretativo excecional, para lá das exigências decorrentes normas citadas, mormente o que resulta da aplicação analógica da regra do art. 496º/4, que expressamente prevê a indemnização por danos próprios das pessoas referidas no art. 496º/2/3, em caso de lesão a que sobrevém a morte do lesado direto e por força dela31.

Quanto à identificação do direito subjetivo violado, de modo a verificar-se o pressuposto da ilicitude, tal como ele se entende configurado na previsão normativa do art. 483º/1, tem a questão sido tratada no âmbito da proteção da personalidade do lesado indireto, convocando para o efeito a tutela conferida pelo art. 70º do CCivil, tanto para quem entende dele extrair um direito geral de personalidade, quanto para os que apenas concebem poder extrair-se da norma em causa particulares ou especiais direitos de personalidade32.

Recorre-se, a propósito, ao conceito de dano existencial (ou dano-evento) da dogmática italiana, cujo núcleo de proteção seria constituído também pela vida social e sobretudo pelo relacionamento familiar são, tranquilo e pleno, e cuja perturbação constituiria um facto ilícito gerador de responsabilidade extracontratual, uma vez verificados os seus restantes pressupostos. Nesta perspetiva, o dano sofrido poderia ser reconduzido à lesão de “(…) um relacionamento que permita ao sujeito desfrutar, em concreto, de todas as vantagens que a relação familiar em causa tem a virtualidade de lhe proporcionar — a afetividade, o apoio emocional, a cooperação, o apoio educacional, a partilha de momentos de lazer e de alegria (...)”33.

Numa outra formulação, estará em causa, em último termo, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade34, faceta dinâmica do próprio Direito Geral de Personalidade, constituindo os vínculos familiares a base e a estrutura da identidade do ser humano, ao ponto de deverem ser considerados como integrando a tutela que a esta confere o art. 70º, do CCivil, tendo em conta a sua dimensão relacional, sobretudo os mais relevantes, como a maternidade, a paternidade ou a filiação35.

No caso dos autos, na eventualidade de se enveredar por tal orientação, não se dúvida que seja possível atender e dar guarida ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais próprios, formulado pela 2ª autora36.

Ora, atendendo à matéria fáctica provada (JJ) A segunda e terceira autora sofreram e sofrem com a situação de incapacidade, dependência e perturbação psíquica do próprio pai; KK) As lesões provocadas em DD pelo acidente impediram o convívio, acompanhamento e educação deste para com as filhas nos períodos de internamento e de tratamentos e, nos demais períodos dificultaram tal convívio, acompanhamento e educação, tendo as filhas passado a ser suas cuidadoras, vendo-se obrigadas a vesti-lo, calçá-lo, lavá-lo, protegê-lo e vigiá-lo como se de uma criança se tratasse, sempre que a primeira autora tem de se ausentar. LL) Em consequência do referido em JJ) e KK), a segunda e terceira autoras ficaram limitadas para sair e conviver com amigos e de ter atividades lúdicas e de lazer como os jovens da sua idade. MM) Em consequência da vivência constante, ao longo dos últimos anos, da situação física e psicológica que afeta o seu pai, e da necessidade de vigilância do mesmo, a segunda e terceira autoras ficaram afetadas psicológica e psiquicamente, tendo sido sujeitas a acompanhamento psicológico e medicação em determinados períodos.), não pode negar-se a existência de sofrimento e de repercussões negativas, alguma delas de gravidade objetivamente concebível, sobretudo no plano dos efeitos da ausência da figura paterna como um verdadeiro cuidador e protetor.

Essa privação de afeto, carinho, proteção e de partilha é suscetível de operar ao nível da formação e desenvolvimento da sua personalidade, pois ficando incapaz o pai, a filha viveu e viverá impedida de usufruir do caráter insubstituível da ação de um dos seus progenitores.

Perderá os seus ensinamentos, a educação, o acompanhamento diário e o auxílio reputados como essenciais para o desenvolvimento da sua personalidade. E, para o efeito, e seguida tal perspetiva, não será revelante sequer se, quando ocorreu o sinistro, tinha apenas 6 anos de idade, pois, com consciência ou sem ela, viu-se privada de um dos pilares do seu crescimento e sã formação e isso seria suficiente para sustentar a ocorrência de um dano com suficiente gravidade para poder despoletar a tutela do direito ao nível da sua compensação37.

Parece ter sido este o enquadramento em que se situou o acórdão recorrido, mas não é esta, no entanto, a perspetiva em que laborou o AUJ n.º 6/20014, apesar de proclamar a sua neutralidade relativamente à opção por qualquer das vias alternativas de fundamentação.

De facto, tanto o segmento uniformizador, quanto a exposição das razões onde aquele se legitima e recolhe justificação, parece-nos vislumbrar-se uma certa adesão à orientação, que partindo do carácter excecional da solução que permite a indemnizabilidade dos danos não patrimoniais sofridos reflexamente por terceiros em caso de morte da vítima direta, por identidade de razão, estende a solução preconizada no art. 496º/2/3/4, aos danos próprios desses mesmos terceiros em caso de lesão não fatal do lesado imediato.

De todo o modo, ou por aplicação direta dos artigos 496º/1, e 483.º (interpretados atualisticamente), ou com recurso à interpretação extensiva da solução consagrada no art. 496º/2/4, na jurisprudência uniformizada por este Supremo Tribunal, o direito à indemnização por tais danos só será, nesta linha, admissível (até pelo receio de uma certa pulverização indemnizatória) em casos excecionais, nomeadamente, quando a dor e o sofrimento das pessoas com uma relação afetiva de grande proximidade com o lesado sejam de qualificar-se como de particularmente graves e constituam consequência (mediata) das lesões, também elas particularmente graves, causadas ao lesado direto, ainda que lhe tenha sobrevivido.

Ou seja, à partida, a definição das circunstâncias em que devem considerar-se preenchidos os requisitos da particular gravidade do dano sofrido pela vítima imediata e da particular gravidade do dano do lesado mediato, estabelecidos pelo acórdão uniformizador de jurisprudência para legitimar a indemnização do sujeito apenas mediata ou reflexamente atingido pelo facto lesivo, revela-se mais exigentes do que o requisito geral relativo à gravidade do dano que já resultaria do art. 496º/1 (norma que se basta com uma gravidade, objetivamente valorada, que justifique a «tutela do direito», sem que exija uma «particular» gravidade)38.

Ainda assim, pensamos dever ser este, até por força da salvaguarda da função uniformizadora da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que se pretende nesta matéria seja acautelada, o critério a seguir no caso dos autos.

Pelo que se impõe averiguar se os danos sofridos pela 2ª autora, filha do lesado direto, podem qualificar-se como particularmente graves (uma vez que nessa qualificação já se assentou relativamente aos danos sofridos pelo sinistrado), à luz da concretização que deste critério vem sendo feita.

Sublinhe-se que, cremos não estar em causa a ampliação do âmbito subjetivo de aplicação do critério que admite, embora a título excecional, a indemnizabilidade de tais danos, de forma a abranger nele a filha do sinistrado, uma vez que, embora no segmento uniformizador de referido AUJ integre apenas o cônjuge enquanto lesado mediato, admite que tal não significa a exclusão de outros eventuais beneficiários, como, acrescentamos nós, os pais em relação aos danos causados aos filhos, ou os filhos enquanto vítimas mediatas por força de lesões causadas aos pais39.

Além do mais, nesta matéria, são várias a decisões qua admitem essa ampliação, sobretudo quando estão em causa os citados danos indiretos sofridos pelos pais da vítima.

Importa sim, tendo em conta a definição dos limites do critério de indemnizabilidade destes danos não patrimoniais, determinar o que deva entender-se por lesão particularmente grave e se essa qualificação é admissível no caso dos autos relativamente aos danos sofridos pela 2ªautora, o que implica valorar, por um lado, as caraterísticas das lesões sofridas e das suas sequelas (em cuja particular gravidade já se assentiu) e por outro lado, o grau de sofrimento da filha do lesado ao assistir ao padecimento do pai, “além da privação da qualidade do relacionamento com este e ainda o custo existencial do acréscimo das necessidades de acompanhamento”40.

Confrontadas as decisões do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, quando em causa estejam danos não patrimoniais reflexos sofridos pelos filhos do lesado direto (sobretudo os menores) verifica-se alguma convergência no sentido de que e atendendo a que subjacente a esta solução excecional preconizada pelo Supremo Tribunal de Justiça no AUJ em referência está a ideia de que a situação em que o cônjuge ficou, após o acidente, afetou gravemente aquilo que seria o curso normal da vida da sua mulher, nomeadamente pelo facto de esta lhe passar a prestar assistência permanente, quase se demitindo de viver a própria vida, ou passando a vivê-la em função das limitações do marido, pressupõe um tipo de afetação da vida do terceiro (que passa a ter o sinistrado a seu cargo) que não tem correspondência no caso dos filhos, pois, pela diversidade de situações, os filhos menores da vítima não sofrem um tipo de afetação equiparável àquele que esteve subjacente ao AUJ nº. 6/2014.

Ou seja, sendo inquestionável que serão sempre afetados, de algum modo, no normal desenvolvimento da sua personalidade, pela privação do afeto e do amparo do pai no seu processo de crescimento, “este nível de afetação da vida dos terceiros não é aquele que está subjacente à doutrina emanada do AUJ n.6/2014, o qual exige uma alteração tipologicamente grave do modo de vida do terceiro afetado como acontece com o cônjuge do sinistrado que passa a dedicar grande parte da sua vida a cuidar do sinistrado sobrevivente”41.

No caso sub judice, e como se decorre do próprio acórdão recorrido, a idade da 2.ª autora à data do acidente, “não pode deixar de ser devidamente ponderada, pois a ajuda e auxílio que presta ao pai é sempre feito em termos de ajudar a mãe ou a irmã a cuidarem do pai, ou seja, “ao longo dos anos, dada a sua menoridade, a participação da menor nalgumas das tarefas/ajudas ali referidas foram meramente simbólicas”, não implicando, a esse nível, uma afetação substancial da sua vida.

Tem-se, igualmente por certo que a segunda autora sentiu tristeza e ficou afetada psicologicamente pela situação em que se encontra, após o acidente, o progenitor (o chamado “préjudice d’affection”), além de ter ficado privada do apoio paterno ao nível do acompanhamento do seu crescimento nos moldes aos que desfrutam a generalidade das crianças da sua idade.

No entanto, visto ser ainda uma criança à data do acidente do pai, não se tem por suficientemente certa a sua compreensão acerca da gravidade da situação em que o pai ficou, ou que, havendo essa compreensão, esta tenha originado sofrimento capaz de marcar de forma indelével a sua infância e adolescência, pelo menos com o grau de gravidade que se entende resultar do AUJ n.º 6/2014.

De facto, a exigência de que a lesão sofrida pelas pessoas afetivamente ligadas à vítima direta seja “particularmente grave”, tem-se entendido dever corresponder à necessidade de, em concreto, se comprovar uma afetação grave e significativa da sua vida, a implicar uma alteração substancial desta, em termos de se ver obrigado a viver em função do lesado direto.

O que significa que estará em causa sobretudo o dano ou o sofrimento resultante, além do desgaste emocional associado ao dever de assistir o lesado, da circunstância de se ver impedida de viver a própria vida e atingir os seus desígnios, bem como da frustração de não ver cumpridas as suas expectativas e o seu próprio projeto de vida, pessoal e relacional (“préjudice d’accompagnement).

A doutrina exposta no AUJ considera, assim, compensável o dano não patrimonial lateral, enquanto fenómeno psíquico do indivíduo afetado mediatamente, desde que assuma particular gravidade naquela dupla perspetiva.

Para isso é fundamental que à especial gravidade dos ferimentos do sobrevivente se junte um intenso sofrimento do chegado ao lesado devido à profunda alteração ou perturbação do convívio relacional com este.

No caso da 2ª autora, não parece resultar dos factos provados este nível de afetação, tanto mais que dada a sua tenra idade e o facto de não serem prováveis as memórias do pai antes do acidente, não é de supor a existência de expectativas ao nível do relacionamento com este (um projeto de vida familiar ou relacional), cuja frustração pudesse dar lugar a um sofrimento “particularmente grave” ou intenso42.

Os filhos menores seguirão o seu desenvolvimento e formação, acompanhados por familiares. É, todavia, inquestionável que será sempre afetada, de algum modo, no normal desenvolvimento da sua personalidade, pela privação do afeto e do amparo do pai no seu processo de crescimento, mas este nível de afetação da vida dos terceiros não é aquele que está subjacente à doutrina emanada do AUJ nº 6/2014, o qual exige uma alteração tipologicamente grave do modo de vida do terceiro afetado.

Não se vê assim, que as sequelas do lesado direto impliquem um sofrimento intenso na vivência relacional da 2ª autora com ele, degenerando o quotidiano da sua vida43.

Deste modo, conclui-se, nesta perspetiva em que se tem situado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que não será de admitir à 2ª autora qualquer compensação por danos não patrimoniais reflexos, revogando-se, nesta medida e quanto a este segmento decisório, o acórdão recorrido.

Destarte, procede parcialmente o recurso de revista interposto pela recorrente.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente a revista e, consequentemente, em:

a) Confirmar-se o acórdão recorrido no segmento em que condenou a recorrente/ré a pagar à 1.ª autora, a quantia de 40 000,00 € (quarenta mil euros), por danos não patrimoniais reflexos.

b) Revogar-se o acórdão recorrido no segmento em que condenou a recorrente/ré a pagar à 2.ª autora, a quantia de 10 000,00 € (dez mil euros), por danos não patrimoniais reflexos.

3.2. REGIME DE CUSTAS44

Custas pela recorrente e pelas recorridas (na vertente de custas de parte, por outras não haver45), na proporção de ½ (metade) para cada uma delas46.

Lisboa, 2025-04-0847,48

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(António Domingos Pires Robalo) – 1º adjunto

(António Magalhães) – 2º adjunto

_____________________________________________




1. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎

2. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎

3. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎

4. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

5. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎

6. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎

7. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎

8. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, p. 139.↩︎

9. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎

10. Acórdão de 16-01-2014, AUJ nº 6/2014, Processo 6430/07.0TBBRG.S1, in Diário da República n.º 98/2014, Série I de 2014-05-22.↩︎

11. Neste aresto estava em causa um sinistrado em acidente de viação que, devido às lesões sofridas, ficou a precisar de ajuda permanente de uma terceira pessoa que o ajudasse a vestir, a tomar banho, a barbear, a acompanhá-lo para ir tomar um café, tendo-se considerado adequada a atribuição à mulher que passou a cuidar dele.↩︎

12. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-03-08, Relator: FONSECA RAMOS, Processo: 3310/11.6TBALM.L1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

13. In sentença da 1ª instância.↩︎

14. MARIA MANUEL VELOSO, Danos Não Patrimoniais, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542.↩︎

15. O critério que a lei enuncia para a fixação da indemnização (compensação) por danos não patrimoniais é o da equidade, a qual operará dentro dos limites que tiverem sido dados por provados pelo tribunal (art. 566º, nº 3), sendo atendíveis o grau de culpabilidade do responsável, a sua situação económica e a do lesado e do titular do direito à indemnização (artigo 496º, nº 4), bem como quaisquer outras circunstâncias especiais que no caso concorram (como se extrai da remissão para o artigo 494º), critério geral aplicável a quaisquer danos desta natureza, independentemente da fonte da obrigação de indemnizar - BRUNO BOM FERREIRA, Dano da morte: Compensação dos danos não patrimoniais à luz da evolução da conceção de família, pp. 101/02.↩︎

16. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, volume I, p. 577 e, ANA PINHEIRO LEITE, A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais, FDUNL, Lisboa, 2015.↩︎

17. Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal de Justiça deve averiguar se estavam preenchidos os pressupostos do recurso à equidade. Em segundo lugar, se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados — se, p. ex., no caso da indemnização por danos não patrimoniais, foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado. Em quarto lugar, o Supremo deve averiguar se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade — e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2019-11-20, Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

18. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2009-05-11, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

19. Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio» – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2010-10-28, Relator: LOPES DO REGO, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

20. A equidade traduz-se no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exato não possa ser averiguado. Trata-se da equidade como padrão de justiça do caso concreto, da decisão ex aequo et bono (segundo a equidade). Porém, a decisão segundo a equidade não exclui o pensamento analógico. Uma solução individualizadora que assuma todas as circunstâncias do caso concreto não pode encontrar-se sem a comparação de hipóteses. Está em causa o princípio da igualdade, que manda “tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-05-25, Relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

21. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-01-21, Relatora: MARIA DOS PRAZERES BELEZA, http://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

22. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2014, Relatora: ANA PAULA BOULAROT, https://www.dgsi.pt/jstj, atribuiu à mulher do sinistrado de acidente de trabalho que, em consequências das lesões sofridas, ficou totalmente dependente daquela, uma indemnização de € 50 000,00.↩︎

23. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2017, Relator: JOÃO CAMILO, https://www.dgsi.pt/jstj, atribuiu à mãe de uma menor sinistrada em acidente de viação, que na sequência das lesões sofridas foi submetida a três intervenções cirúrgicas; esteve internada, algaliada e foi fortemente medicada; foi sujeita a diversos tratamentos, internamentos, consultas, tendo a autora a acompanhado em todos eles e concedido à sinistrada toda a atenção, companhia e afeto para a estabilizar psíquica e emocionalmente, uma indemnização de 50 000,00 €.↩︎

24. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 09-10-2014, Relator: GRANJA DA FONSECA, Processo 498/12, inédito, atribuiu à mulher do sinistrado em acidente de viação que, em consequência das lesões sofridas, não cuida de si autonomamente, carece de ajuda para se movimentar em casa em cadeira de rodas, ficou impotente e não pode dar qualquer apoio na aquisição de alimentos, na realização de limpezas ou na orientação do filho menor de ambos, uma indemnização de 40 000,00 €.↩︎

25. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2017, Relator: JOÃO CAMILO, https://www.dgsi.pt/jstj, atribuiu à mãe de uma menor sinistrada em acidente de viação, que na sequência das lesões sofridas foi submetida a três intervenções cirúrgicas; esteve internada, algaliada e foi fortemente medicada; foi sujeita a diversos tratamentos, internamentos, consultas, tendo a autora a acompanhado em todos eles e concedido à sinistrada toda a atenção, companhia e afeto para a estabilizar psíquica e emocionalmente, uma indemnização de 50 000,00 €.↩︎

26. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2018, Relator: JOSÉ RAÍNHO, Processo inédito, atribuiu à mãe do menor sinistrado em acidente de viação, que, na sequência das lesões sofridas, ficou definitivamente incapaz para o exercício de qualquer profissão e dependente de ajudas de terceiros na execução das atividades da vida diária, uma indemnização de 90 000,00 €.↩︎

27. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 09-072015, Relator: TÁVORA VICTOR, Processo: 1519/11.3TBVRL.S1, https://www.dgsi.pt/ jstj, atribui à mãe de sinistrado em acidente de viação, que em consequência das lesões sofridas não pode participar autonomamente na vida em sociedade ou desempenhar autonomamente qualquer atividade profissional, dependendo de terceiros, nomeadamente da sua mãe, do ponto de vista cognitivo para resolver as exigências pessoais e sociais, na sua interação pessoal como exterior, uma indemnização de 40 000,00 € (ao invés dos € 60 000, peticionados pela autora).↩︎

28. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-2017, Relator: CURA MARIANO, Processo: 550/14.1T8PVZ.P1.S1, https://www.dgsi.pt/ jstj, atribuiu à mãe de uma menor sinistrada em acidente de viação, que na sequência das lesões sofridas foi submetida a três intervenções cirúrgicas; esteve internada, algaliada e foi fortemente medicada; foi sujeita a diversos tratamentos, internamentos, consultas, tendo a autora a acompanhado em todos eles e concedido à sinistrada toda a atenção, companhia e afeto para a estabilizar psíquica e emocionalmente, uma indemnização de 50 000,00€.↩︎

29. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2024, Relatora: CATARINA SERRA, Processo: 1008/19.8T8PTM.E1.S1, https://www. dgsi.pt/ jstj, entendeu indemnizável, a título de danos não patrimoniais reflexos, o sofrimento profundo dos Pais de um jovem que foi vítima, ainda que sobrevivente, de acidente muito grave, que lhe deixou sérias sequelas e dor intensa para o resto da vida concedendo uma indemnização de 120 000 € a cada um dos pais.↩︎

30. Cfr., entre outros, ARMANDO BRAGA, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, 2005, p. 188/89; MAFALDA MIRANDA BARBOSA, (Im)pertinência da autonomização dos danos puramente morais? Considerações a propósito dos danos morais reflexos, Cadernos de Direito Privado, n.º 45, 2014, pp. 3-18, e Lições de Responsabilidade Civil, Principia, 2017, pág. 312-319; CARNEIRO DA FRADA, Nos 40 anos do Código Civil Português. Tutela da Personalidade e Dano Existencial, Themis – Código Civil Português. Evolução e Perspetivas Atuais, 2008, pág. 56-57; RUTE TEIXEIRA PEDRO, Os Danos Não Patrimoniais (Ditos) Indiretos: Uma Reflexão Ratione Personae Sobre a Sua Ressarcibilidade, Responsabilidade Civil, Cinquenta Anos em Portugal, Quinze Anos no Brasil, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2017, pág. 239 e seg.; GUILHERME CASCAREJO, Danos Não Patrimoniais dos Familiares da Vítima de Lesão Corporal Grave, Almedina, 2016; CLAUDIA ALEXANDRA DOS SANTOS SILVA, Os danos não patrimoniais dos lesados mediatos em caso de lesão corporal não fatal da vítima direta – uma análise da jurisprudência portuguesa, Revista Julgar, n.º 42, pág. 33 e seg.↩︎

31. Numa perspetiva eminentemente jurisprudencial, foi ABRANTES GERALDES quem, primeiramente, aprofundou este tema, defendendo a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais dos familiares mais próximos da vítima de lesão corporal, em caso de lesão do relacionamento familiar ou de lesão do relacionamento conjugal. Acrescenta que, para fundamentar a indemnização, pode recorrer-se às normas gerais que tutelam a personalidade (art. 70.º) ou que regem as relações familiares (arts. 1672.º e 1878.º) e às normas constitucionais que protegem a família, designadamente as relações de casamento ou de filiação (arts. 36.º, n.º 5, e 67.º da CRP). Segundo o Autor, a delimitação dos sujeitos que têm legitimidade para peticionar uma indemnização faz-se, em primeiro lugar, através da verificação do âmbito de proteção das normas sobre responsabilidade civil; ou seja, verifica-se se as normas violadas tutelam não só o lesado direto, mas também outros sujeitos. Posteriormente, apura-se o critério da causalidade adequada; isto é, apura-se se os danos sofridos por outros sujeitos, que não o lesado direto, ainda mantêm um nexo de causalidade adequada com o facto lesivo. Afirma o Autor que, além de não existir nenhuma previsão legal expressa que recuse a indemnização dos danos não patrimoniais dos familiares em caso de lesão corporal grave da vítima, a própria formulação do art. 483.º, n.º 1, não impede a ressarcibilidade deste tipo de danos, pois a referência literal à violação do direito de outrem e aos interesses alheios permite incluir os danos sofridos pelos familiares no instituto da responsabilidade civil.” Destaca ainda o autor que o art. 496.º, n.º 2, não deve servir para limitar o n.º 1, no sentido dos danos não patrimoniais dos lesados mediatos só serem ressarcidos em caso de morte da vítima: “A atenção que deve ser dada ao modo como tal preceito se encontra estruturado não consente que se faça uso do disposto no n.º 2 para limitar, por essa via, o âmbito de aplicação mais vasto do seu n.º 1 – CLAUDIA ALEXANDRA DOS SANTOS SILVA, Os danos não patrimoniais dos lesados mediatos em caso de lesão corporal não fatal da vítima direta – uma análise da jurisprudência portuguesa, Revista Julgar, n.º 42, p. 46.↩︎

32. Outra das opções seguida consiste em identificar como direito violado capaz de justificar o nascimento, no âmbito delitual, de uma obrigação de indemnizar, os próprios direitos familiares e conjugais.

Sustenta tal orientação, DUARTE PINHEIRO, O núcleo intangível da comunhão conjugal, Os deveres conjugais sexuais, Almedina, Coimbra, 2004, p.737 e, em, O Direito da Família Contemporâneo, 3.a ed., AAFDL, Lisboa, 2011, p.104, para quem tais direitos e as próprias situações jurídicas familiares seriam, em determinado sentido oponíveis a terceiro, podendo gerar, em caso de intromissão de terceiro em tais relações, obrigação de reparar os danos causados. Tal tese esbarra, no entanto, com a conceção tradicional dos direitos familiares como direitos relativos, constituindo na maioria dos casos poderes deveres ou poderes funcionais, apenas oponíveis no âmbito da relação familiar e entre os seus membros.↩︎

33. GUILHERME CASCAREJO, Danos Não Patrimoniais dos Familiares da Vítima de Lesão Corporal Grave, Danos Reflexos ou Danos Diretos?, Almedina, Coimbra, 2016, pp.43 e 44.

No mesmo sentido, RUTE TEIXEIRA PEDRO, Os Danos Não patrimoniais (Ditos) Indiretos. Uma Reflexão Ratione Personae sobre a Sua Ressarcibilidade, in Responsabilidade Civil: cinquenta anos em Portugal, quinze anos no Brasil, IJFDUC, Coimbra, 2017, pp. 253 ss..

Ambos os autores parecem, assim, aderir à conceção proposta por CARNEIRO DA FRADA, Nos 40 anos do Código Civil Português, cit., p. 66.↩︎

34. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da Républica Portuguesa Anotada, I , 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 463, trata-se de um direito subjetivo que integra as dimensões da formação livre da personalidade sem quaisquer imposições de terceiros, a proteção da liberdade de ação de acordo com vocações pessoais e /ou o projeto de vida, além da proteção da integridade da pessoa.↩︎

35. Neste enquadramento parecem situar-se as declarações de voto ao AUJ de 16/01/2014 dos Juízes Conselheiros Maria dos Prazeres Beleza e Lopes do Rego, ao defenderem que o fundamento da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais dos lesados mediatos pode residir na violação do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, tutelado pelo art. 26.º CRP e 70.º do CC. A ideia subjacente é a de que a contínua assistência do lesado mediato, que abandona a sua atividade profissional, as suas atividades desportivas e de lazer, constitui um obstáculo ao desenvolvimento da respetiva personalidade.↩︎

36. Embora a situação concreta dos autos não seja diretamente abrangida pelo AUJ – na medida em que o que aqui se discute é a indemnização da filha do lesado num contexto factual absolutamente diverso – aceitam-se como bons os princípios vertidos na sua fundamentação, de que se respigam as seguintes passagens: “Importa saber se a autora tem direito a compensação e fixar jurisprudência no que concerne à existência ou inexistência do direito que está na base desta. Não interessa já determinar se os danos que ela invoca devem ser classificados como ‘diretos’ ou ‘reflexos’. (…) Relativamente ao entendimento de que este tipo de danos tem natureza indireta, reflexa ou por ricochete, a interpretação atualista encerra interpretação extensiva, que, todavia, não é vedada, atento o disposto no artigo 11º – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-10-23, Relator: HENRIQUE ARAÚJO, Processo: 902/14.7TBVCT.G1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

37. Referindo-se a um caso em que o Tribunal concedeu a uma criança, nascida dias depois do falecimento do pai, uma indemnização por ter ficado privado da proteção e orientação do pai, afirma CARNEIRO DA FRADA: (...) parece que não se pode excluir também o direito a uma indemnização, por idênticos ou similares motivos, caso de um acidente não sobreveio a morte do pai, mas a sua invalidez física ou um trauma ou perturbação psicológica graves e duradoiros”, ob. cit. pág. 57.↩︎

38. Neste sentido, MARIA GABRIELA PÁRIS FERNANDES, A responsabilidade civil por danos não patrimoniais: um breve excurso sobre o tema à luz do Código Civil de 1966, p. 238.

Como diretamente decorre do AUJ n.º 6/1014, “(…) Temos de ter sempre presente que estamos a abrir uma brecha na dogmática geral de que é a vítima, se sobreviver, a pessoa a indemnizar. (…) Por isso, entendemos dever reservar a extensão compensatória apenas para os casos de particular gravidade. Decerto que, com esta posição, fica uma linha delimitadora algo incerta. Nalguns casos a subsunção é evidente, mas noutros será sempre exigido esforço jurisprudencial. Contudo, cremos não poder nem dever ir mais além na tentativa, que seria vã, de procurar nitidez. O que cremos dever ser precisada é a exigência de particular gravidade em duas vertentes: uma, quanto aos ferimentos da vítima sobrevivente e outra quanto ao sofrimento do cônjuge. Geralmente uma determina a outra mas pode assim não ser e a argumentação no sentido da interpretação atualista só se concebe, verificadas as duas.”↩︎

39. Em sentido não inteiramente coincidente, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2019-10-17, Relatora: MARIA OLINDA GARCIA, Processo: 1082/17.1T8VCT.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

40. Na aplicação da doutrina deste acórdão uniformizador, a realizar num campo em que o traçado das margens é ténue e irregular, na determinação do que é “particularmente grave” há que valorar, por um lado, as caraterísticas das lesões sofridas e das suas sequelas, e por outro lado, o grau de sofrimento das pessoas mais próximas do lesado assistirem ao padecimento de um ente querido, além da privação da qualidade do relacionamento com este e ainda o custo existencial do acréscimo das necessidades de acompanhamento – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2022-12-15, Relator: JOÃO CURA MARIANO, Processo: 550/14.1T8PVZ.P1.S1, https://www.dgsi. pt/jstj.↩︎

41. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.6/2014 (publicado no Diário da República de 22.05.2014), não tem aplicação expressa ao pedido de indemnização por danos morais dos filhos menores do sinistrado sobrevivente de um acidente de viação – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2019-10-17, Relatora: MARIA OLINDA GARCIA, Processo: 1082/17.1T8VCT.S1, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎

42. O choque emocional sofrido pela autora com a notícia do acidente do pai e a saturação psicológica decorrente de ter acompanhado diariamente o seu sofrimento, sem que as sequelas do lesado direto impliquem sofrimento intenso na vivência relacional de ambos, não merecem compensação a título de dano não patrimonial – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2018-10-23, Relator: HENRIQUE ARAÚJO, Processo: 902/14.7TBVCT.G1.S1, https://www. dgsi.pt/jstj.↩︎

43. A gravidade dos danos não patrimoniais dos lesados mediatos deve aferir-se não só com base na dor e angustia sofridos, mas também atendendo às perturbações da vida quotidiana daqueles, em resultado da lesão corporal do incapacitado – CLAUDIA ALEXANDRA DOS SANTOS SILVA, Os danos não patrimoniais dos lesados mediatos em caso de lesão corporal não fatal da vítima direta – uma análise da jurisprudência portuguesa, Revista Julgar, n.º 42, p. 75.↩︎

44. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/2010, de 2010-07-14 e, nº 708, de 2013-10-15, https://www.tribunalconstitucional.↩︎

45. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎

46. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎

47. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

48. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎