ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
Sumário

I - Para o funcionamento da estatuição do art.º 18.º da LAT, no que concerne à violação de regras de segurança, é necessário concluir que sobre o empregador recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento que não foram cumpridas e que essa conduta inadimplente, nas circunstâncias do caso concreto, se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se.
II - A conduta omissiva da empregadora ao não prever e identificar os riscos da tarefa que estava a ser executada, cuja execução não foi planificada ou vigiada, ao não proporcionar ao trabalhador formação sobre a execução de tal tarefa, ao não dar quaisquer instruções quanto à sua concreta forma de execução, deixando ao arbítrio do trabalhador a opção (má ou boa) quanto à forma de (re)acondicionar a carga de paletes, sem disponibilizar quaisquer equipamentos de proteção coletiva, amplificou o risco de queda associado à concreta tarefa em causa e nessa medida, a violação das regras de segurança constituiu causa do acidente.

Texto Integral

Processo n.º 3477/21.7T8VFR.P1

Origem: Comarca de Aveiro, Juízo de Trabalho de Santa Maria da Feira – J1

Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

Os presentes autos emergentes de acidente de trabalho iniciaram-se mediante participação relativa a ocorrência de um acidente na qual foi identificado como sinistrado AA, sendo seguradora, a “A... Companhia de Seguros, S.A.” e entidade empregadora, “B..., Lda”.

A fase conciliatória terminou sem acordo das partes pelos motivos constante do auto de tentativa de conciliação.

O referido AA deu início à fase contenciosa através de apresentação de petição inicial na qual demandou quer a seguradora, quer a entidade empregadora acima identificadas, alegando, em síntese, que, no dia 27 de julho de 2021, cerca das 09h30m, quando, no exercício das suas funções, estava no cimo de uma palete de cortiça, a arranjar as peças de cortiça, para transporte, desequilibrou-se e caiu para o solo de uma altura de cerca de 2 metros, resultando em traumatismo do membro inferior direito (fratura de acetábulo) e membro superior direito (fratura do rádio distal e lesão ligamentosa) e que de tais lesões resultaram sequelas no membro superior direito e no membro inferior direito.

Mais alega que, em consequência, sofreu incapacidade temporária absoluta para o trabalho, e que ficou a padecer de sequelas que lhe acarretam uma incapacidade permanente parcial.

Alega ainda que auferia uma retribuição anual de € 15.264,70 (€ 813,00 x 14 + € 125,70x11 + 2500,00 x1 de gratificações), da qual apenas € 12.764,70 (€.813,00x14+125,70x11) se encontrava transferida para a seguradora.

Alega, ademais, ter suportado despesas com deslocações obrigatórias ao Tribunal, no montante de € 30, e que, na sequência do acidente, despendeu a quantia global de € 339,27, sendo € 40,17 em medicamentos, € 27,10 em transportes para deslocações a consultas e juntas médica, € 200,00 em 20 sessões de fisioterapia, € 72,00 em consultas médicas.

Peticionou que, as rés sejam condenadas a reconhecer que o acidente que vitimou o autor é um acidente de trabalho, bem como o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões apresentadas, e que sejam condenadas, na respetiva proporção, a pagar ao sinistrado:

- a indemnização a calcular base na retribuição anual de € 15.264,70 pelos períodos de Incapacidade Temporária Absoluta e Parcial que viessem a ser fixado em sede junta médica;

- o capital de remição da pensão anual a calcular com base na retribuição anual de €15.264,70 pela Incapacidade Permanente Parcial (IPP), que lhe viesse a ser fixada em sede de junta médica,

- os juros de mora sobre essa pensão ou sobre o capital de remição da mesma e sobre os valores dos períodos de incapacidade que lhe forem atribuídos, desde o dia em que lhe for atribuída alta;

- a quantia de € 30,00, a título de despesas de transporte ao tribunal;

- as quantias de € 40,17 que despendeu em medicamentos; € 200,00 que despendeu em sessões de fisioterapia; € 72,00 que despendeu em consultas médicas e € 27,10 em transportes para realização de exames e consultas médicas, acrescidas de juros de mora desde a data dos vencimentos respetivos.

A ré seguradora apresentou contestação, impugnando a factualidade alegada pelo Autor a respeito da dinâmica do acidente, mais alegando que a sua eventual responsabilidade se encontra limitada ao salário anual transferido de € 12.764,70 (doze mil setecentos e sessenta e quatro euros e setenta cêntimos), face ao contrato de seguro celebrado com a entidade empregadora.

Alega ainda que a tarefa que o autor se encontrava a executar consistia em transportar no empilhador uma palete de cortiça de cada vez e descarregá-la em cima de outras paletes, com cerca de 2 metros de largura, 4 de comprimento e 1 metro de altura cada; que a determinada altura, a palete que carregava tocou numa outra que se encontrava já empilhada e, em consequência, desmanchou parte dessa palete já pronta, fazendo cair pedaços de cortiça; e que o sinistrado decidiu subir até ao cimo da palete que se encontrava parcialmente desmanchada, colocando-se para auxiliar a subida a tal palete, nos “garfos” do empilhador, para reorganizar os pedaços que haviam caído; que, após se ter colocado nos “garfos” do empilhador, a determinado momento, desequilibrou-se e veio a cair em direção ao solo, a uma altura aproximada de 2 metros; que o sinistrado só sofreu o acidente em apreço, pois, “motu próprio”, decidiu recorrer a um equipamento de movimentação e elevação de cargas (e não de pessoas) para subir ao cimo da palete que se encontrava na zona de carga, bem sabendo que tal não era permitido; e que sabia perfeitamente que deveria abster-se de subir pelos “garfos” do empilhador, sob pena de sofrer os ferimentos que veio a sofrer, sem causa justificativa, pelo que o acidente embora tenha ocorrido no tempo e local de trabalho não é indemnizável, por se encontrar descaracterizado, nos termos do art.º 14.º, n.º 1 al. a) e n.º 2 da Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro.

A ré empregadora apresentou contestação, aceitando a dinâmica do acidente descrita na petição inicial, mais alegando que, havendo um seguro de acidente de trabalho válido celebrado com a seguradora, são da responsabilidade desta todos os eventuais danos emergentes e resultantes do acidente de trabalho dos autos, nomeadamente os peticionados pelo autor.


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Citado, o Instituto da Segurança Social, I.P. deduziu, contra as rés, pedido de reembolso da quantia de € 7.562,72 (sete mil, quinhentos e sessenta e dois euros e setenta e dois cêntimos), paga ao sinistrado a título de subsídio de doença.

A ré empregadora contestou o pedido de reembolso, alegando não ser o mesmo da sua responsabilidade.


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Foi dispensada a realização da audiência prévia e foi proferido despacho saneador, procedendo-se à seleção dos factos assentes e à enunciação dos temas da prova.

Foi determinado o desdobramento do processo.

No apenso de fixação de incapacidade foi realizada junta médica, tendo sido proferida decisão que considerou que o autor esteve afetado de incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 28/07/2021 a 30/07/2022, e que se considera clinicamente curado, mas portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 9,43%, desde o dia imediato ao da alta, ocorrida a 30/07/2022.


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Realizou-se a audiência de julgamento no decurso da qual foi proferido despacho ampliando os temas de prova ao abrigo do art.º 72.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, vindo a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

“A) Declaro que o Autor AA foi vítima de um acidente de trabalho a 27/07/2021, em virtude do qual sofreu as lesões e sequelas descritas nos pontos 15º e 18º da factualidade provada;

B) Declaro que, por força do acidente, o Autor AA esteve afetado de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, de 28/07/2021 a 30/07/2022;

C) Declaro que, por força do acidente, a data da alta clínica do Autor AA ocorreu a 30/07/2022;

D) Declaro que o Autor AA se encontra clinicamente curado, mas portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 9,43%;

E) Condeno a Ré “A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor AA as seguintes quantias:

1) - a quantia a quantia de € 4.940,93 (quatro mil novecentos e quarenta euros e noventa e três cêntimos), correspondente à indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta, descontado do valor a reembolsar ao ISS, I.P., acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 28/07/2021 até efetivo e integral pagamento;

2) - a quantia de € 47,75 (quarenta e sete euros e setenta e cinco cêntimos), a título de despesas de transporte a consultas, tratamentos médicos, ao GML de Santa Maria da Feira e ao Tribunal, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;

3) – a quantia de € 261,04 (duzentos e sessenta e um euros e quatro cêntimos), a título de compensação pelas despesas médicas e medicamentosas suportadas pelo sinistrado, acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;

4) - a pensão anual e vitalícia, no montante de € 842,60 (oitocentos e quarenta e dois euros e sessenta cêntimos), obrigatoriamente remível, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 31/07/2022, até efetivo e integral pagamento;

G) Condeno a Ré “A... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao “Instituto da Segurança Social, I.P.” a quantia de € 4.073,05 (quatro mil e setenta e três euros e cinco cêntimos), acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;

H) Condeno a Ré “B..., LDA” a pagar ao Autor AA as seguintes quantias:

1) - a quantia de € 976,56 (novecentos e setenta e seis euros e cinquenta e seis cêntimos), correspondente à indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta, descontado do valor a reembolsar ao ISS, I.P., acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 28/07/2021 até efetivo e integral pagamento;

2) - a quantia € 9,35 (nove euros e cinco cêntimos), a título de despesas de transporte a consultas, tratamentos médicos, ao GML de Santa Maria da Feira e ao Tribunal, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;

3) – a quantia de € 51,13 (cinquenta e um euros e treze cêntimos), a título de compensação pelas despesas médicas e medicamentosas suportadas pelo sinistrado, acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento

4) - a pensão anual e vitalícia, no montante de € 165,03 (cento e sessenta e cinco euros e três cêntimos), obrigatoriamente remível, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 31/07/2022, até efetivo e integral pagamento;

I) Condeno a Ré “B..., LDA” a pagar ao “Instituto da Segurança Social, I.P.” a quantia de € 797,85 (setecentos e noventa e sete euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescido dos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”


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Inconformada, a ré seguradora interpôs o presente recurso, quer de facto, quer de direito, apresentando alegações que culminaram na formulação das seguintes conclusões:

“1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença de fls. ..., nem com a fundamentação nela invocada, e consequentemente com a respectiva condenação.

2. O Tribunal a quo, com o devido respeito, fez uma errada apreciação dos meios disponíveis e uma incorrecta interpretação e aplicação da lei.

3. Deverá ser alterada a resposta a al. g) da matéria não provada, o que se impõe em face da prova produzida, nomeadamente das declarações de parte do Autor, onde o mesmo descreve o modo e as circunstâncias do acidente, bem como a total ausência de planeamento da tarefa de que fora incumbido de realizar.

4. Isto posto, a sentença, salvo melhor opinião, está naturalmente inquinada, porquanto, é permitido afirmar dos factos provados, em face da omissão da obrigação da Entidade Empregadora de assegurar que a tarefa desempenhada pelo Sinistrado era executada de acordo com as regras de segurança, foi causa adequada à ocorrência do acidente,

5. A douta sentença recorrida contempla um entendimento que não tomou em consideração as reais causas que levaram ao infeliz evento dos autos, contendo uma incorrecta apreciação da prova produzida.

6. O que significa dizer que o Tribunal a quo extrapolou, para além do mais, as regras do princípio da livre apreciação da prova.

7. Deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a Entidade Empregadora pela violação de regras de segurança.”


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A ré empregadora apresentou contra-alegações formulando, no termo das mesmas, as seguintes conclusões:

“1ª -- Não resultando da análise do depoimento de tal sinistrado AA que a eventual falta de formação tenha contribuído de certa maneira para o acidente dos Autos – pois foi uma situação anómala – até porque o mesmo fazia aquele tipo de trabalho na empresa há mais de 30 anos, e era até o encarregado naquele sector na referida empresa, sendo experiente naquele tipo de trabalho.

2ª -- Não se verifica os condicionalismos que permitem que o TRIBUNAL DA RELAÇÃO possa alterar a matéria de facto dada como provada – já que os elementos fornecidos no processo não impõem decisão diversa – tanto em termos de facto como de direito, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, e, a Apelante não juntou qualquer novo documento (superveniente) capaz de abalar e pôr em causa tal matéria de facto e a respectiva decisão, ora recorrida.

3ª -- Tendo tudo isto em consideração -- de modo algum se pode aceitar a alegação adiantada pela Apelante de que a decisão de facto é incoerente e não fundamentada, ou não apreciou ou continua a não apreciar correctamente a matéria de facto – face aos elementos de prova produzidos, e que por via disso devia ser alterada – bem como a matéria de facto dada como provada.

4ª – Pois que, face à decisão proferida – ter-se-á de considerar que se encontra devidamente apreciada e fundamentada a decisão proferida sobre a matéria de facto controvertida -- face aos elementos de prova constante dos Autos, não se tornado sequer necessário a repetição da produção da prova dos Autos.

5ª -- Deve ser mantida a sentença recorrida por não violar qualquer disposição legal – mormente as enumeradas pela Apelante, por se encontrar devidamente apreciada e fundamentada -- tanto em termos de matéria de facto como de direito, e a mesma se apresentar assim conforme à lei, pois o Mº Juiz a quo interpretou e aplicou correctamente as normas jurídicas correspondentes ao caso sub júdice.”


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O autor, patrocinado pelo Ministério Público, não apresentou contra-alegações.

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O recurso foi regularmente admitido, tendo-lhe sido fixado efeito suspensivo mediante prestação de caução pela recorrente.

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Recebidos os autos neste tribunal, o Ministério Público não emitiu parecer por não estarem verificados os pressupostos do art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT).

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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Delimitação objetiva do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 – impugnação da matéria de facto

2 – se o acidente ocorreu por violação de regras de segurança imputável à empregadora.


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Fundamentação de facto

A decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto provada e não provada tem o seguinte teor:

“1º- O Autor AA nasceu a ../../1965.

2º- No dia 27 de julho de 2021, cerca das 09h30m, o Autor sofreu um acidente quando exercia, sob a autoridade e direção da sua entidade empregadora “B..., Lda”, com sede na Zona Industrial ..., Rua ..., ... em ..., as suas funções de motorista de pesados sendo que, quando tem menos serviço de transporte, ajuda no serviço do armazém de acondicionamento de paletes de cortiça.

3º- À data de 27/07/2021, o Autor auferia uma retribuição anual de €15.264,70, assim discriminada: €813,00x14 de vencimento base + €125,70x11 de subsídio de alimentação + €2.500x1 de outros subsídios (gratificação)

4º- A responsabilidade infortunística por danos emergentes de acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a seguradora “A..., S.A.”, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ..., mas apenas pela retribuição anual de €12.764,70, assim discriminada: €813,00x14 + €125,70x11 de subsídio de alimentação).

5º- A responsabilidade infortunística por danos emergentes de acidentes de trabalho não se encontrava transferida para a seguradora “A..., S.A.” quanto à gratificação anual de €2.500,00.

6º- A tentativa de conciliação entre as partes teve lugar no dia 11/04/2023.

7º- O Autor é beneficiário do ISS, I.P. de Aveiro, com o n.º .......

8º- Em consequência do acidente referido em b), o Autor esteve de baixa médica subsidiada entre 27/10/2021 e 20/07/2022, e entre 21/07/2022 e 25/11/2022.

9º- O “Instituto de Segurança Social, I.P.” pagou ao Autor a título de subsídio de doença, a quantia de € 4.683,30, no período de 27/10/2021 a 20/07/2022, e 2.441,48€, no período de 21/07/2022 a 25/11/2022, perfazendo o total de 7.562,72€ (sete mil, quinhentos e sessenta e dois euros e setenta e dois cêntimos).

Mais se provou que:

10º- Aquando do acidente referido em 2º, o Autor procedia ao acondicionamento de paletes de cortiça, com recurso a um equipamento de movimentação de cargas, denominado empilhador elétrico, da marca ....

11º- A tarefa do Autor consistia em transportar no empilhador uma palete de cortiça de cada vez e descarregá-la em cima de outras paletes, com cerca de 2 metros de largura, 4 de comprimento e 1 metro de altura cada.

12º- A determinada altura, a palete que carregava tocou numa outra que se encontrava já empilhada e, em consequência, desmanchou parte dessa palete já pronta, fazendo cair pedaços de cortiça.

13º- O Autor decidiu então aceder à palete que se encontrava parcialmente desmanchada, a fim de a compor, o que fez subindo através das paletes que se encontravam empilhadas do seu lado esquerdo, a um nível inferior.

14º- Quando se encontrava no cimo da palete de cortiça, a arranjar as peças de cortiça desmanchadas, por razões não apuradas, desequilibrou-se e caiu para o solo, de uma altura de cerca de 2 metros.

15º- Em consequência do referido em 14º, o Autor sofreu traumatismo do membro inferior direito (fratura-luxação do acetábulo à direita) e do membro superior direito (fratura do rádio distal e lesão ligamentosa).

16º- Como consequência direta e necessária do referido evento, o Autor esteve afetado de incapacidade temporária absoluta para o trabalho entre 28/07/2021 e 30/07/2022.

17º- O Autor teve alta clínica a 30/07/2022.

18º- Por força do acidente referido em 2º e 14º, sobrevieram para o Autor as seguintes sequelas: rigidez do punho direito (em dextro) na flexão com arco de 0-40 graus, com restantes movimentos preservados; dor à palpação da sínfise púbica e ilíaco direito. Rigidez da anca direita com flexão de 0-100 graus, ausência de rotação interna, limitação na rotação externa, rigidez na abdução (arco de 0-20 graus) e na extensão (arco de 0-10 graus), sem atrofia dos músculos nadegueiros.

19º- Em consequência das sequelas referidas em 18º, o Autor é portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 9,43%, desde o dia imediato ao da alta.

20º- No coeficiente global de incapacidade referido em 19º foram consideradas IPPs anteriores de 36,5% e de 1,50%.

21º- Nas deslocações ao Tribunal e ao GMLF de Entre Douro e Vouga, para efetuar o exame de perícia médica, o autor despendeu a quantia de €30,00.

22º- Na sequência do acidente, o sinistrado despendeu a quantia global de € 339,27, sendo € 40,17 em medicamentos, € 27,10 em transporte de Taxi para deslocações a consultas, € 200,00 em 20 sessões de fisioterapia, e € 72,00 em consultas médicas.

Mais se provou que:

23º- Aquando do acidente, não se encontrava instituída pela Ré “B..., Lda” qualquer instrução relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça.

24º- Aquando do acidente, a Ré “B..., Lda” não havia proporcionado ao Autor qualquer formação relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça.

25º- Aquando do acidente, a Ré “B..., Lda” não havia proporcionado ao Autor qualquer formação relativa ao manuseamento de empilhadores.

26º- Ao atuar conforme o referido em 13º e 14º, o Autor não contrariou qualquer instrução da Ré “B..., Lda” relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça. – eliminado

27º- As paletes de cortiça são constituídas por pedaços de cortiça soltos e que não são estáveis.


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Factos não provados, com relevo para a decisão a proferir:

Com interesse para a decisão, não se provaram os seguintes factos:

a) – Que, para auxiliar a subida à palete que se encontrava parcialmente desmanchada, o Autor se tenha colocado nos “garfos” do empilhador;

b) – E que, após se ter colocado nos “garfos” do empilhador, a determinado momento, se tenha desequilibrado, vindo a cair dos garfos do empilhador em direção ao solo, a uma altura aproximada de 2 metros;

c) – Que o sinistrado só tenha sofrido o acidente em apreço, pois, de motu proprio, decidiu recorrer a um equipamento de movimentação e elevação de cargas (e não de pessoas) para subir ao cimo da palete que se encontravam na zona de carga, bem sabendo que tal não era permitido;

d) – Que o sinistrado soubesse perfeitamente que um dos efeitos de utilizar o empilhador para se elevar era o risco de acidente, nomeadamente de queda, como veio a acontecer, uma vez que o mesmo não estava preparado para movimentar ou elevar pessoas;

e) – Que o sinistrado soubesse perfeitamente que deveria abster-se de subir pelos “garfos” do empilhador, sob pena de sofrer os ferimentos que veio a sofrer;

f) – Que, caso tivesse optado por subir ao nível do topo das paletes empilhadas com auxílio de equipamento de transporte e elevação de trabalhadores apto a evitar o risco de queda do utilizador para fora do habitáculo, como por exemplo uma plataforma elevatória, jamais se encontraria a subir através dos “garfos” do empilhador e jamais cairia a uma altura de cerca de 2 metros; - eliminado

g) – Que o referido em 13º, 14º e 15º tenha ocorrido em consequência da inexistência de qualquer instrução relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça estabelecida pela entidade patronal e da inexistência de formação ministrada pela entidade patronal ao sinistrado, relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça, e ao manuseamento de empilhadores.” - eliminado


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Apreciação

Importa começar a apreciação do recurso pelas questões atinentes à matéria de facto.

A recorrente impugnou a decisão da 1.ª instância relativa à alínea g) dos factos não provados pretendendo que as declarações de parte do sinistrado, que transcreve identificando as exatas passagens da gravação, impunham que a matéria ali contida fosse considerada provada, o que requer.

Mostram-se, pois, cumpridos os ónus previstos pelo art.º 640.º do CPC, como condução da apreciação da impugnação.

Antes, porém, de apreciar a impugnação deduzida pela recorrente e prejudicando até tal apreciação, importa introduzir oficiosamente alterações à decisão da matéria de facto, expurgando-a das asserções conclusivas e jurídico-valorativas.

Na verdade, o comando normativo do art.º 607.º relativo à discriminação dos factos aplica-se, também, ao Tribunal da Relação, atento o disposto pelo art.º 663.º, n.º 2 do CPC, não podendo o acórdão que aprecie o recurso interposto fundar-se em afirmações meramente conclusivas ou que constituam descrições jurídicas.

Como se escreve no Ac. RP de 08/02/2021[1], “sendo a matéria daqueles itens de natureza conclusiva e também de direito, a mesma é contrária à matéria estritamente factual que deve ser seleccionada para a fundamentação de facto da sentença, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC [note-se que a inclusão nos fundamentos de facto da sentença de matéria conclusiva (desde que não se reconduza a juízos periciais de facto) e/ou de direito enquadra-se na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil, considerando-se uma deficiência na decisão da matéria de facto]”. E como se lê no Ac. RP de 23/11/2017, com o qual concordamos, “a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante- artº 607º, nº 4, NPCP”.

Quanto ao que se deve entender por factos conclusivos, ensina Helena Cabrita[2] que “os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.

Ora, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova. E como se refere no Ac. do STJ de 12/03/2014[3] «Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa ou latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes».

A propósito do que se considera matéria de direto importa ter em atenção o que se escreveu no Ac. do STJ de 28/01/2016[4]: “Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado”.

E como se pode ler no sumário do mesmo acórdão “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”

No caso, afigura-se estarem nas circunstâncias supra referidas, por serem conclusivos e por se traduzirem em afirmações de realidades jurídico-valorativas que se traduzem em parte da resposta às questões jurídicas a decidir, os pontos 26 dos factos provados e as alíneas f) e g) dos factos não provados.

É o seguinte o teor do ponto 26:

26º- Ao atuar conforme o referido em 13º e 14º, o Autor não contrariou qualquer instrução da Ré “B..., Lda” relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça.

Ora, se o autor contrariou ou não instruções da empregadora é conclusão a retirar da existência ou não de instruções e da concreta atuação do autor, pelo que a afirmação ali contida é manifestamente conclusiva.

As alíneas f) e g) dos factos não provados, por sua vez têm o seguinte teor:

f) – Que, caso tivesse optado por subir ao nível do topo das paletes empilhadas com auxílio de equipamento de transporte e elevação de trabalhadores apto a evitar o risco de queda do utilizador para fora do habitáculo, como por exemplo uma plataforma elevatória, jamais se encontraria a subir através dos “garfos” do empilhador e jamais cairia a uma altura de cerca de 2 metros;

g) – Que o referido em 13º, 14º e 15º tenha ocorrido em consequência da inexistência de qualquer instrução relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça estabelecida pela entidade patronal e da inexistência de formação ministrada pela entidade patronal ao sinistrado, relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça, e ao manuseamento de empilhadores.

Trata-se de matéria que respeita à questão do estabelecimento do nexo causal entre a violação de regras de segurança imputável à empregadora e o acidente e suas consequências.

Ora, como escrevemos no Ac. desta Relação de 18/11/2024[5] “a afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes: a vertente naturalística, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, que pertence ao domínio da questão de facto; a vertente jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido, que pertence ao domínio da questão de direito.”

A matéria constante das alíneas f) e g) ultrapassa manifestamente a vertente naturalística, inserindo-se na vertente jurídica, já que o que ali está em causa é a idoneidade da atuação do autor e da atuação da entidade empregadora para constituir causa do acidente.

Nessa medida, trata-se de matéria que se integra, de forma relevante, no “thema decidendum” e que, enquanto tal, não tem lugar na decisão da matéria de facto, impondo-se a sua eliminação.

Assim, determinando-se a eliminação do acervo factual da matéria ponto 26 dos factos provados e das alíneas f) e g) dos factos não provados, fica prejudicada a apreciação da pretensão da recorrente relativa àquela alínea g).


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Fixada a matéria de facto relevante, importa decidir se, como pretende a recorrente o acidente dos autos se ficou a dever à violação de regras de segurança imputável à empregadora.

Atenta a data do acidente de trabalho em apreço nos autos – 27/07/2021 – é aplicável a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, que regulamenta o regime da reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro. Assim o dita a conjugação dos artigos 187.º e 188.º daquela Lei n.º 98/2009 (LAT).

Com relevância no caso dos autos, o art.º 18º da LAT estabelece que “1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

(…)

4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;

b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.

Nestas situações é devida a reparação agravada prevista no n.º 4 do preceito e, nos termos do artigo 79.º, n.º 3, do mesmo diploma, “a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.

Para o funcionamento da estatuição do art.º 18.º, especificamente no que concerne à violação de regras de segurança, é necessário concluir:

1.º - que sobre o empregador (ou seu representante) recaía o dever de observar determinadas regras de comportamento que não foram cumpridas;

2.º - que dessa conduta inadimplente resultou o acidente (entre ambos intercorre um nexo de causalidade adequada - artigo 563.º do Código Civil).

A primeira operação de subsunção do caso à lei consiste na determinação da existência de concreta(s) medida(s) de segurança aplicável(eis).

Não está aqui em causa a violação de um qualquer dever de cuidado ou de alguma genérica obrigação de segurança, já que essas violações se inserem nos riscos próprios da atividade e são absorvidas pela responsabilidade geral (objetiva) decorrente de acidentes de trabalho[6], mas a violação de uma específica regra de segurança.

É hoje inquestionável a obrigação de o empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança em todos os aspetos relacionados com o trabalho, devendo para o efeito aplicar as medidas necessárias, nomeadamente combatendo na origem os riscos previsíveis, anulando-os ou limitando os seus efeitos, dando prioridade à proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual (Lei n.º 102/2009 de 10/09, da qual se realça o disposto pelos arts. 15.º e 20.º).

Ora, compete à entidade empregadora proporcionar aos seus trabalhadores a utilização de equipamento em conformidade com as regras de segurança estabelecidas nestas normas, estando, por sua vez o trabalhador obrigado a cumprir as prescrições de saúde e segurança no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador (cfr. art.º 17.º, nº 1 al. a) da Lei 102/2009, de 10/09 e o art.º 128.º, nº 1, als. e) e j) do Código do Trabalho).

Nos termos do art.º 15.º da Lei 102/2009 de 10/09:

“1- O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspectos do seu trabalho.

2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:

a) Evitar os riscos; (…)

c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na concepção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; (…)

l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador. (…)

4 - Sempre que confiadas tarefas a um trabalhador, devem ser considerados os seus conhecimentos e as suas aptidões em matéria de segurança e de saúde no trabalho, cabendo ao empregador fornecer as informações e a formação necessárias ao desenvolvimento da atividade em condições de segurança e de saúde.”

E, nos termos do art.º 20º, n.º 1 da Lei n.º 102/2009, “O trabalhador deve receber uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de atividades de risco elevado”.

No que respeita à utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho importa ter presente o regime aprovado pelo DL nº 50/2005 de 25/02, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, alterada pela Diretiva nº 95/63/CE, do Conselho, de 5 de Dezembro, e pela Diretiva nº 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Julho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.

Equipamentos de trabalho são, de acordo com o disposto pelo art.º 2.º, al. a) do citado DL n.º 50/2005 quaisquer máquinas, aparelhos, ferramentas ou instalações utilizadas no trabalho, os quais devem de acordo com o art.º 4.º do mesmo diploma satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º.

Nos termos do art.º 5.º do DL 50/2005 de 25/02 “Sempre que a utilização de um equipamento de trabalho possa apresentar risco específico para a segurança ou a saúde dos trabalhadores, o empregador deve tomar as medidas necessárias para que a sua utilização seja reservada a operador especificamente habilitado para o efeito, considerando a correspondente actividade.”

Do art.º 8.º do mesmo diploma legal resulta que:

“1 - O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.

2 - A informação deve ser facilmente compreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicações sobre:

a) Condições de utilização dos equipamentos;

b) Situações anormais previsíveis;

c) Conclusões a retirar da experiência eventualmente adquirida com a utilização dos equipamentos;

d) Riscos para os trabalhadores decorrentes de equipamentos de trabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dos mesmos que possam afectar os trabalhadores, ainda que não os utilizem directamente.”

No que respeita à utilização de equipamentos de trabalho, dispõe o art.º 30.º do citado DL n.º 50/2005 que as regras de utilização dos equipamentos de trabalho previstas no capítulo em que o mesmo se insere são aplicáveis na medida em que o correspondente risco exista no equipamento de trabalho considerado.

O acidente dos autos ocorreu durante um trabalho de elevação e acondicionamento de carga.

Como ficou provado, o trabalho que o autor estava a executar consistia em transportar no empilhador uma palete de cortiça de cada vez e descarregá-la em cima de outras paletes, com cerca de 2 metros de largura, 4 de comprimento e 1 metro de altura cada. Decorria, pois, um trabalho de elevação de cargas.

A determinada altura, a palete que o autor carregava tocou numa outra que se encontrava já empilhada e, em consequência, desmanchou parte dessa palete já pronta, fazendo cair pedaços de cortiça. O autor decidiu então aceder à palete que se encontrava parcialmente desmanchada, a fim de a compor, o que fez subindo através das paletes que se encontravam empilhadas do seu lado esquerdo, a um nível inferior e quando se encontrava no cimo da palete de cortiça, a arranjar as peças de cortiça desmanchadas, desequilibrou-se e caiu para o solo, de uma altura de cerca de 2 metros. Resulta ainda da matéria de facto provada que as paletes de cortiça são constituídas por pedaços de cortiça soltos e que não são estáveis.

Ora, nos termos do art.º 33.º, n.º 2 do DL 50/2005 “A elevação de trabalhadores só é permitida com equipamentos de trabalho e acessórios destinados a essa finalidade (…).”

Por outro lado, nos termos do art.º 35.º, n.º 1 do mesmo diploma legal “As operações de elevação de cargas devem ser correctamente planificadas, vigiadas de forma adequada e efectuadas de modo a proteger a segurança dos trabalhadores.”

Importa ainda ter em atenção o disposto pelo art.º 36.º do referido DL.

“1 - Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.

2 - Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual.

(…)

n.º 4 “A escolha do meio de acesso mais apropriado a postos de trabalho em altura deve ter em consideração a frequência da circulação, a altura a atingir e a duração da utilização.” (sublinhados nossos)

Releva ainda a previsão do art.º 37.º segundo a qual:

“1 - As medidas de protecção colectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.

2 - Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura.”

Ora, nenhum dos comandos dos citados preceitos foi cumprido pela entidade empregadora.

Como se pode ler na sentença recorrida e se corrobora “(…) resultou provado que, aquando do acidente, não se encontrava instituída pela Ré “B..., Lda” qualquer instrução relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça, e a entidade patronal não havia proporcionado ao Autor qualquer formação relativa ao empilhamento e acondicionamento de paletes de cortiça.

Ora, tendo presentes os princípios sobre segurança no trabalho supra aludidos, e previstos no artigo 15º da Lei n.º 102/2009, bem como a obrigação do empregador ministrar formação ao trabalhador, prevista no artigo 20º do mesmo diploma legal, é forçoso concluir que recaía sobre a Ré entidade patronal o dever de atuar ativamente, planeando o trabalho em causa de modo a identificar e a prevenir os riscos que a sua realização envolve, designadamente o de os trabalhadores terem que compor paletes de cortiça empilhadas em altura, para depois assegurar as medidas de segurança essenciais, adequadas e eficazes a prevenir esse risco, quer de proteção coletiva, quer através do uso de meios de proteção individual.

Também não podemos ignorar que tais riscos não foram identificados nem prevenidos, e que não se encontrava estabelecido qualquer procedimento de segurança relativamente à atividade que o Autor estava a executar, nem lhe foi ministrada formação adequada.

Com efeito, a entidade patronal podia e devia ter criado instruções quanto à tarefa que o sinistrado se encontrava a executar. Por exemplo, no sentido de que as paletes só podiam ser arranjadas ao nível do solo, ou no sentido de que, para as compor no local onde já estão acondicionadas, devia ser utilizada uma plataforma fixa, como um andaime, ou até mesmo que os trabalhadores se podiam elevar até a nível das mesmas no interior das caixas de segurança que podem ser colocadas nos garfos dos empilhadores.”

Impõe-se, pois, afirmar que a ré não cumpriu a obrigação de identificação dos riscos associados à tarefa que o autor estava a executar, não cumpriu o dever de informação do autor quanto às condições de utilização dos equipamentos, a situações anormais previsíveis (como era o caso da necessidade de recompor as paletes já empilhadas), aos concretos riscos que decorriam do acondicionamento das paletes, designadamente o risco de queda em altura. Tão pouco cumpriu a obrigação de dar a formação necessária ao desempenho da concreta atividade em condições de segurança, não havendo elementos que permitam sequer concluir que o autor tenha sido informado dos riscos específicos que a atividade que estava a levar a cabo envolvia, designadamente do risco de queda em altura.

A ré também não cumpriu a obrigação de planificação e vigilância da operação, nem a obrigação de garantir que o acesso ao cimo das paletes empilhadas se fizesse em condições de segurança, tanto mais que não podia ignorar a instabilidade das paletes (constituídas por pedaços de cortiça) não constituindo as mesmas superfície adequada para funcionar como “escada” de acesso a outras em posição ais elevada, nem para que em cima delas se procedesse ao reacondicionamento de outras paletes.

Ocorreu, pois, violação culposa de regras de segurança.

No que respeita ao nexo causal, importa a ter em atenção o Ac. do STJ de 17/04/2024, processo n.º 179/19.8T8GRD.C1.S1-A[7], que uniformizou jurisprudência no sentido de que: “para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18º, nº1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.”

Ora, mesmo que não se possa afirmar, com toda a certeza, que se a empregadora tivesse cumprido as citadas regras o dano teria sido evitado, tal não é necessário para se afirmar o nexo de imputação.

Como se pode ler na fundamentação do AUJ “Importa, ainda, ter presente que da existência de um acidente de trabalho não se pode inferir, sem mais, a violação de regras de segurança. Com efeito, e como alguma doutrina tem destacado, o cumprimento das regras de segurança diminui, em muitos casos de maneira sensível, o risco, mas não o exclui por completo. Em suma, mesmo que as regras de segurança sejam escrupulosamente observadas, podem ocorrer acidentes de trabalho. E, por isso mesmo, não se poderá frequentemente afirmar que a violação culposa de uma regra de segurança foi conditio sine qua non de um acidente, porquanto nem sempre se pode afastar liminarmente que um dado acidente não poderia ter igualmente ocorrido sem a referida violação, ainda que a possibilidade de tal suceder, e/ou de ter aquelas consequências danosas, fosse, porventura, muito menor.

Um caso decidido por este Supremo Tribunal de Justiça ilustra o problema. Se um trabalhador que não teve formação profissional para trabalhar com explosivos, morre num rebentamento, as circunstâncias do acidente tornam extremamente difícil apurar se o trabalhador cometeu um erro e, em caso afirmativo, qual, sendo certo que mesmo os trabalhadores com a formação profissional exigível e adequada também cometem erros e podem morrer ao manusear explosivos. Assim, não se pode, em rigor, afirmar que a falta de formação foi conditio sine qua non do acidente.

No entanto, negar a imputação frustra o escopo preventivo da norma. Acresce que esta questão de nos interrogarmos sobre o que teria hipoteticamente sucedido se não tivesse ocorrido uma violação culposa da regra de segurança implica, como se viu, um juízo contrafactual marcado frequentemente por uma acentuada margem de incerteza.”

Daí que se tenha concluído no dito AUJ que a demonstração do nexo causal se baste com a demonstração de que “a violação [das regras de segurança] se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação”.

Ora, no caso dos autos pode afirmar-se que a conduta omissiva da empregadora ao não prever e identificar os riscos da tarefa que estava a ser executada, ao não proporcionar ao trabalhador formação sobre a execução de tal tarefa, ao não dar quaisquer instruções quanto à sua concreta forma de execução, deixando ao arbítrio do trabalhador a opção (má ou boa) quanto à forma de acondicionar a carga de paletes, ou quanto à forma de aceder ao cimo das paletes já empilhadas, sem disponibilizar quaisquer equipamentos de proteção coletiva, amplificou o risco de queda associado à concreta tarefa em causa e nessa medida, pode igualmente afirmar-se a existência de nexo causal entre a violação das regras de segurança e o acidente.

O recurso é, pois, procedente importando extrair as consequências nos termos do art.º 18.º LAT, tendo em atenção que a entidade empregadora é responsável pela reparação agravada das consequências do acidente, e que a responsabilidade da seguradora se encontra limitada ao pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa da empregadora, sem prejuízo do direito de regresso, bem como pelo valor da retribuição efetivamente transferida nos termos do art.º 79.º, n.º 3, 4 e 5 da LAT.

Ora, quanto às prestações devidas pela seguradora (as chamadas prestações normais, por confronto com as prestações agravadas), as mesmas encontram-se já fixadas na sentença recorrida, e não foram impugnadas.

Quanto às prestações devidas pela entidade empregadora, relembra-se que de acordo com o art.º 18.º, n.º 4 da LAT é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, fixada segundo as regras seguintes, na parte que aqui interessa:

- quanto à incapacidade temporária absoluta é devida indemnização diária igual à retribuição;

- quanto à incapacidade permanente parcial é devida pensão anual, calculada com base na retribuição integral e na redução da capacidade resultante do acidente.

Assim, o autor esteve na situação de ITA durante 368 dias (de 28/07/2021 a 20/07/2021), pelo que tem direito a indemnização no valor de € 15 390,16 (€ 15 264,7: 365 x 368 dias), sendo a seguradora responsável pelo pagamento de € 9 013,98, acrescendo juros de mora desde 28/07/2021, dia seguinte à data do sinistro, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009.

Por outro lado, tendo o autor ficado afetado de incapacidade permanente parcial com o coeficiente de 9,43%, acresce o direito ao capital de remição da pensão anual e vitalícia que ascende ao valor de € 1 439,46 (€ 15 264,70 x 9,43%), sendo a seguradora responsável pelo pagamento do capital de remição da pensão no valor de € 842,60, acrescendo juros desde o dia seguinte ao dia da alta, ou seja, desde 31/07/2022.

A estas prestações, acrescem as já fixadas na sentença e que não foram objeto do recurso.

Impõe-se, pois, a revogação parcial da sentença e a sua substituição pelo presente Acórdão.


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Nos termos do art.º 527.º do CPC, uma vez que decaiu integralmente no recurso, as custas são da responsabilidade da entidade empregadora. *

Decisão

Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso procedente e, em consequência:

I - revoga-se, parcialmente a sentença que se substitui pelo presente acórdão pelo qual se decide condenar as rés “A... Companhia de Seguros, S.A.” e “B..., Lda” a pagar ao autor:

a) com efeitos desde 31/07/2022, o capital de remição de uma pensão anual no valor de € 1 439,46 (mil quatrocentos e trinta e nove euros e quarenta e seis cêntimos), acrescido de juros à taxa legal desde aquela data até integral pagamento, sendo a responsabilidade da seguradora, sem prejuízo do direito de regresso sobre a entidade empregadora, pelo capital de remição de uma pensão no valor de € 842,60 (oitocentos e quarenta e cêntimos), acrescido de juros à taxa legal desde a supra referida até integral pagamento,

b) a quantia de € 15 380,16 (quinze mil trezentos e noventa euros e dezasseis cêntimos) a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, sendo a responsabilidade da seguradora, sem prejuízo do direito de regresso sobre a entidade empregadora, € 9 013,98 (nove mil e treze euros e noventa e oito cêntimos), acrescendo juros de mora à taxa legal desde 28/07/2021 até integral pagamento, sem prejuízo do direito de regresso da seguradora sobre a entidade empregadora.

II – Altera-se o valor da ação para € 33 062,11 (trinta e três mil e sessenta e dois euros e onze cêntimos).

III - Mantém-se, no mais, a sentença recorrida.


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Custas do recurso pela entidade empregadora.

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Notifique.

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Porto, 07/04/2025
Maria Luzia Carvalho
Sílvia Saraiva
Nelson Fernandes
________________
[1] Processo n.º 7011/19.0T8PFR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[2] A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106.
[3] Processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Processo n.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Processo n.º 1572/17.6T8VFR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido veja-se o Ac. da RG de 26/02/2015, processo n.º 987/11.8TTVCT.G1 e o Ac. TR por nós relatado, de 24/02/2025, processo n.º 332//21.4T8OAZ, acessíveis em www.dgsi,pt.
[7] Acessível em www.dgsi.pt.