PLANO DE RECUPERAÇÃO
PROPOSTA
INSOLVÊNCIA
RECURSO
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Sumário

I- Constituindo o recurso um meio de impugnação de uma concreta decisão judicial com vista à sua alteração, revogação ou anulação por um tribunal superior, estará destinada a fracassar a apelação que contém alegações e conclusões que não contrariam, no concreto, a decisão recorrida.
II- Num caso como o dos autos, à luz do art.º 656.º do CPC, o recurso ter-se-á por manifestamente infundado, pois que, pela avaliação sumária dos fundamentos recursivos, se verifica que não são indicadas quaisquer normas jurídicas ou princípios violados, nem a recorrente esclarece o que efetivamente pretende obter com o recurso interposto (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida, e em que termos) nada sendo concretamente rebatido relativamente à decisão proferida nos autos, carecendo assim o presente recurso de qualquer apoio fáctico e / ou legal.
III- Tendo no âmbito do PER o processo negocial chegado ao fim sem ter sido aprovado um plano de recuperação, e tendo a devedora pedido a sua declaração de insolvência, a declaração desta em nada interfere com a possibilidade de a mesma poder ainda apresentar um plano de recuperação, o que poderá fazer a todo tempo no decurso do processo, como de resto, veio a fazer em momento posterior ao presente recurso.

Texto Integral

Tal como o permitem as disposições conjugadas dos artigos 652.º n.º 1, al. c) e 656.º, ambos do CPC, nada obstando ao seu conhecimento, o presente recurso será julgado singular e sumariamente, com dispensa da intervenção da conferência.


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I-/ Relatório

Sumário Astuto - Comércio de Veículos Unipessoal Lda. instaurou processo especial de revitalização, alegando, em síntese, que se encontrava em situação económica difícil, mas ainda suscetível de recuperação, pretendendo estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir acordo conducente à sua revitalização.

Iniciado o processo, e observada a sua tramitação legal, apresentado plano de recuperação, o mesmo acabou por não ser aprovado pelos credores.

O Administrador Judicial Provisório emitiu parecer, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 5 do art.º 17.º-G do CIRE, no sentido de que a devedora se encontrava insolvente, verificando-se, objetivamente, um diferencial avultado entre o valor do ativo e as dívidas vencidas e exigíveis, com efeito imediato, concluindo que apenas existiriam condições para a manutenção da atividade da devedora, através de um acordo de regularização de dívida, corporizado num plano aprovado pelos credores.

A devedora veio então requerer a declaração da sua insolvência, com «Plano de Recuperação e administração pelo devedor, pois que, alega, a sociedade tem bens suficientes para liquidar a quantia em débito e existe ainda a possibilidade de recuperação, o que poderá ocorrer com a apresentação do Plano».

Em face do assim vertido, por decisão proferida em 08/01/2025, foi proferido despacho, com o seguinte dispositivo:

«Face ao exposto,

- Declara-se encerrado o processo, nos termos do art.º 17.º-G, n.º 1 do CIRE.

- Visto o parecer apresentado em 28.12.2024 pelo Sr. Administrador(a) Judicial Provisório(a) e a posição assumida em 02.01.2025 pela Devedora, em conformidade com o disposto no art.º 17.º-G, n.º 7, do CIRE, determina-se:

- A emissão e remessa à distribuição, como apresentação à insolvência, do presente despacho e do parecer e requerimento referidos.

- A apensação dos presentes autos ao processo de insolvência a distribuir (art.º 17.º-G, n.º 7, do CIRE)».

Distribuído processo de insolvência foi proferida sentença, em 15/01/2025, que declarou a insolvência da devedora, e considerou não estarem preenchidos todos os pressupostos legais previstos no art.º 224.º n.º 2 do CIRE, para que a administração da massa insolvente fosse assegurada pela devedora (na medida em que a mesma, ainda que aludisse à sua recuperação, nada tivesse alegado quanto à apresentação de plano e ao prazo em que o pretendia apresentar, não alegando factos de onde resultasse que não provocaria atrasos na marcha do processo).
Inconformada com o assim decidido a insolvente apresentou o presente recurso, que finalizou com as conclusões que aqui se transcrevem:

«1- A douta sentença recorrida viola os princípios do CIRE, quanto a situação de insolvência;

2- Cabe aos credores e não ao tribunal votar plano;

3- As conclusões do tribunal são isso mesmo;

4- Os credores é que votam e isso não lhe foi possibilitado;

5- A sociedade sempre respondeu aos requerimentos;

6- A sociedade requereu por diversas vezes ao tribunal recorrido notícias;

7- Inexiste razões para esta decisão e sobretudo os seus fundamentos;

8- Não deveria ter sido tribunal da Comercio, proferir tal decisão».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Remetidos os autos a este Tribunal, cumpre agora decidir.


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II-/ Objeto do recurso:

É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objeto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, não servindo os mesmos para criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, importará nos autos, em suma, aferir se a sentença recorrida violou os princípios do CIRE ao ser decretada a insolvência da devedora sem a homologação de um plano de recuperação.


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III-/ Fundamentação de facto

Atentos os elementos que constam dos autos encontram-se provados, com interesse para a decisão a proferir, os factos que constam do relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido.


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O processo especial de revitalização, introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo artigo 3.º da Lei 16/2012, de 20/04, tal como resulta do artigo 17.º-A do CIRE, designadamente o seu n.º 1, tem em vista permitir ao devedor - que se encontre numa situação económica difícil, com sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (definição dada pelo seu artigo 17.º-B) ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação - estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.

O processo especial de revitalização, que tem carácter urgente (artigo 17.º A n.º 3 do CIRE), reveste assim uma natureza negocial, sob a direção do administrador judicial provisório, com o objetivo de encontrar um acordo, materializado no plano de recuperação, o qual permita a recuperação da empresa em dificuldades económicas.

Indo diretamente à questão dos autos, resulta do art.º 17.º-G n.ºs 5 e 7 do CIRE, que, no âmbito do processo negocial com vista à aprovação de um plano de recuperação, se o administrador judicial provisório concluir pela insolvência da empresa, a secretaria do tribunal notifica a empresa para, em cinco dias, se opor, por mero requerimento, e, caso a mesma não se oponha, a insolvência deve ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.

No caso dos autos, notificado do parecer do AJP, a devedora veio de imediato requerer que fosse decretada a insolvência, mas com Plano de Recuperação e administração pela devedora.

Decretada a insolvência, insurge-se agora a recorrente, alegando que a sentença está errada por ter sido proferida sem que nela tivesse sido aceite e votado um plano de recuperação, que diz ser da competência dos credores, não podendo o tribunal aos mesmos se substituir, tanto mais que apresentou vários requerimentos a pedir informações sobre a aceitação ou não do plano e nenhuma resposta lhe foi dada.

Não se percebem muito bem as razões da recorrente ao insurgir-se contra a sentença, resumidas ao facto de argumentar que a mesma violou os princípios do CIRE, sem dizer quais, sem densificar as suas queixas e sem sequer formular, a final, qualquer pretensão. Pretende a revogação da sentença?  A sua anulação?

Ora, de acordo com o disposto no art.º 639.º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão; e, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

A nossa jurisprudência tem vindo a entender, de forma pacífica, que as conclusões da alegação do recurso devem ser um resumo, explícito e claro, da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente, visando, à luz do princípio da cooperação, facilitar a realização do contraditório e o balizar desta forma o objeto do recurso.

Como se fundamenta no Acórdão do STJ (processo nº 818/07.3TBAMD.L1.S1), de 09/07/2015, relatado por Abrantes Geraldes, disponível na dgsi «As conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art.º 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efetivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida».

No caso dos autos, da leitura das conclusões recursivas facilmente se constata que a recorrente em nada ataca a decisão recorrida, em nada argumentando contra o decidido na mesma.

Parece apenas discordar do facto de ser negada a possibilidade de um plano ser aprovado, o que, na verdade, não decorre da sentença em recurso, nada impedindo que a devedora apresente nos autos plano de recuperação, como, de resto, já aconteceu, pois que, por requerimento de 29/01/2025, após ter intentado o presente recurso, e como resulta da consulta eletrónica que fizemos dos autos, a insolvente requereu a junção aos mesmos de um plano de recuperação para votação de credores (que foi admitido em despacho de 31/01/2025).

A oportunidade da apresentação da proposta de um plano e a delimitação do momento processual em que o mesmo pode ser apresentado não foi objeto de regulamentação legal expressa, nada obstando a que - como se pode ler no acórdão proferido pelo TRP, no proc. 3271/19.5T8STS-I.P1, em 07/05/2024, relatado por Artur Dionísio Oliveira e disponível na dgsi - seja feito em qualquer momento do processo. Nesse sentido, ali se sumariou «I- A lei não regula o momento processual em que pode ser apresentada uma proposta de plano de insolvência (embora preveja que o devedor deverá fazê-lo até à prolação da sentença que declare a insolvência ou comprometer-se a fazê-lo nos 30 dias subsequentes, se pretender manter a administração dos seus bens). II- Não se vislumbrando, no direito constituído, qualquer preceito em sentido contrário, entende-se que o administrador da insolvência, a assembleia de credores, os credores (à margem daquela assembleia), os responsáveis legais ou o próprio devedor podem fazê-lo a todo o tempo no decurso do processo, tal como podem apesentar mais do que uma proposta, a tal não obstando o encerramento da atividade do insolvente e o prosseguimento da liquidação. III- Caberá ao juiz sindicar a viabilidade das propostas que forem apresentadas, no âmbito do poder de controlo preliminar que o artigo 207.º lhe confere, atendendo, designadamente, ao estado da liquidação, à (in)existência de condições para que o devedor possa retomar a sua atividade, à posição já assumida nos autos pelos credores, ao teor do plano apresentado, etc.».

Seja como for, e ao que ao caso interessa, foi consignado na sentença em crise que «A devedora refere no seu requerimento em que reconhece a sua situação de insolvência que a mesma deve ser decretada com plano de recuperação e com administração do devedor uma vez que tem bens suficientes para liquidar a quantia em débito. A possibilidade de a administração da massa insolvente ser deferida ao devedor, nos casos em que nela se contém um estabelecimento (artigo 223º do CIRE) constitui exceção ao princípio geral contido no artigo 81.º, n.º1 do CIRE, segundo o qual a declaração de insolvência priva imediatamente a empresa insolvente, por si, ou por intermédio dos seus administradores ou gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens que integram a massa insolvente. Ficando o devedor na administração da empresa contida na massa insolvente, por designação do Juiz, nos termos do artigo 224º, nº1, do CIRE, nem por isso deixa de estar sob a fiscalização do Administrador da Insolvência nomeado, coexistindo as funções de ambos (artigo 226º, nºs 1 e 2, alíneas a) e b) do CIRE).

Para que a administração seja mantida com o devedor é necessário que:

1º - na massa insolvente esteja compreendida uma empresa (art.º 223º do CIRE);

2º - que o devedor a tenha requerido na petição inicial, caso ele se tenha apresentado à insolvência (art.º 224º, n.º 2, al. a) do CIRE);

3º- que o devedor tenha apresentado um plano de insolvência (ou se comprometa a fazê-lo nos 30 dias posteriores à sentença declarativa da insolvência) que preveja a continuidade da empresa pelo próprio devedor (art.º 224º, n.º 2, al. b) do CIRE);

4º - não haja razões para recear atrasos na marcha do processo ou outras desvantagens para os credores (art.º 224º, n.º 2, al. c) do CIRE);

5º - nos casos em que o pedido de declaração de insolvência tenha sido apresentado por pessoa diversa do devedor é necessário que o requerente da insolvência dê seu acordo (art.º 224ºº, n.º 2, al. d) do CIRE).

Ora, nos presentes autos, a requerente alude à sua recuperação, mas nada alega quanto à apresentação de plano e ao prazo em que o pretende apresentar, nem alega factos de onde resulte que não provocará atrasos na marcha do processo.

Assim, é de presumir que possa existir receio de atrasos no processo, tanto mais que a devedora já tentou estabelecer negociações com os seus credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, não tendo, no entanto, o plano de recuperação que apresentou sido aprovado. Acresce que a devedora, em rigor, não se comprometeu a apresentar um plano de insolvência no prazo de 30 dias após a sentença de declaração de insolvência que preveja a continuidade da exploração da empresa por si própria e os termos em que o pretende fazer. O mesmo é dizer que, pelo menos nesta fase processual, não se mostram preenchidos todos os pressupostos legais previstos no art.º 224.º, n.º 2, do CIRE para que a administração da massa insolvente seja assegurada pela devedora».

Nada do assim fundamentado a recorrente contrariou ou argumentou em sentido contrário. Nada do assim vertido foi colocado em crise pelo recurso, que deve constituir um meio de impugnação de uma concreta decisão judicial com vista à sua alteração, revogação ou anulação, o que, de todo, acontece nos autos, em que a recorrente não esclarece, na verdade, o que pretende com o recurso interposto, que, à luz do art.º 656.º do CPC, se tem por manifestamente infundado, razão pela qual se impõe a sua improcedência, assim se confirmando a decisão recorrida.


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V-/ Decisão:

Perante o exposto, julga-se manifestamente improcedente o presente recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que seja concedido.

Registe e notifique.

Lisboa, 04/04/2025

Paula Cardoso

IV-/ Enquadramento jurídico: