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INSOLVÊNCIA CULPOSA
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
CONTAS DAS SOCIEDADES
FALTA DE ACTIVIDADE
Sumário
Da responsabilidade da relatora (cfr. art.º 663º, nº 7 do CPC). 1. Considerando que a relevância jurídica da qualificação da insolvência como culposa respeita e reflete-se exclusivamente na situação jurídica das pessoas por ela afetadas, do lado passivo do incidente só estas têm legitimidade para recorrer e pedir a revogação daquela sentença e, consoante os casos, a sua substituição por outra que os absolva dos efeitos da insolvência culposa ou que a qualifique como fortuita. 2. Elaboração da contabilidade e elaboração das contas anuais são realidades e obrigações distintas, que não se confundem entre si. 3. O não cumprimento da obrigação de elaboração das contas anuais não significa o não cumprimento da obrigação de manutenção de contabilidade organizada, mas o incumprimento desta já determina o incumprimento da primeira. 4. Contabilidade organizada corresponde à escrituração legalmente obrigatória, esta corresponde ao registo contabilístico e este à anotação dos movimentos económicos ou factos contabilisticamente relevantes em ‘livro’/conta própria de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC). 5. É o registo/lançamento desses factos que vai permitir o apuramento dos saldos de cada conta e de cada rubrica que, por sua vez, vai permitir obter um balancete atualizado em cada momento em que se pretenda obter um ‘retrato’ atual da situação da empresa e, no termo de cada ano (ou outro período aplicável), o fecho de contas ou encerramento de exercício através da elaboração do balanço que integra as demonstrações financeiras e demais documentos de prestação de contas devidos apresentar pela administração para apreciação anual da situação da sociedade pelos sócios nos termos do art.º 65º do CSC. 6. Os destinatários e as finalidades informativas e de rastreio visadas pela contabilidade não se esgotam na determinação da matéria coletável pela administração fiscal e do imposto a pagar pela sociedade contribuinte, pelo que a obrigação de manutenção de contabilidade atualizada mantém-se enquanto a sociedade existir no ordenamento jurídico, independentemente de exercer ou não exercer atividade, e o que mais se impõe quando a inatividade coexiste com a subsistência de passivo vencido e não cumprido. 7. As sociedades objeto de declaração oficiosa de cessação da atividade nos termos do nº 6 do art.º 8º CIRC continuam a existir e continuam a poder praticar atos patrimoniais e a exercer atividade tributável, pela que, até à sua extinção, permanecem obrigadas à elaboração de contabilidade organizada. 8. A declaração de cessação oficiosa de atividade da sociedade pela Autoridade Tributária nos termos do art.º 8º, nº 6 do CIRC não foi legalmente prevista para desonerar ou ‘facilitar’ a vida às sociedades que manifestam ausência de atividade (ou não possuem estrutura empresarial em condições de a exercer), mas sim para tutela da verdade fiscal e contributiva através da prevenção da evasão fiscal por recurso a utilização de sociedade sem efetiva atividade mas cuja existência é mantida apenas para fins fraudulentos.
Texto Integral
Acordam as Juízas da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,
I – Relatório
1. No âmbito do processo de insolvência de “Perfeito e Linear – Construção Unipessoal, Ldª” o Sr. administrador da insolvência (AI) apresentou parecer a que alude o art.º 188º do CIRE[1] pronunciando-se pela qualificação da insolvência como culposa com fundamento no art.º 186º, nº 2, al. h) e nº 3, al. a) do CIRE, e indicou como pessoa a afetar pela qualificação A. na qualidade de gerente da insolvente. Alegou, em síntese, que: a insolvente prestou ‘a devida’ colaboração; a sede da empresa está encerrada e pela análise das reclamações de créditos recebidas terá exercido atividade até 2010; do registo comercial resulta que desde 2009 a insolvente não efetua a prestação de contas a que está legalmente obrigada e desconhece se foram adotados os procedimentos contabilísticos previstos pelo Sistema de Normalização Contabilística (SNC); a ultima declaração anual de IES apresentada respeita ao ano de 2020 e a ultima declaração modelo 22 do IRC ao ano de 2018; a empresa encontra-se cessada em IVA desde 31.08.2015 e em IRC desde 31.12.2020; a insolvente não cumpriu o dever de requerer a sua declaração de insolvência.
2. Declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, na sequência do promovido pelo Ministério Público, por ofício de 22.05.2024 o Serviço de Finanças do Funchal informou que a cessação em sede de IVA foi entregue pela sociedade em 24.09.2015 por transmissão eletrónica de dados, e que o veículo com a matrícula 26-48-MB objeto de penhora não foi apreendido, adjudicado ou vendido.
3. Continuados os autos com vista, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência com fundamento legal no art.º 186º, nº 1 e 2, als. a) e h) e nº 3, als. a) e b), indicando como pessoa a afetar o gerente da insolvente, A.. Alegou: em fundamento da al. a) do nº 3, que dos créditos reclamados resulta que a sociedade incumpriu contribuições devidas ao I.S.S. desde novembro de 2007 e dívidas tributárias desde 2011, acumulando dívidas à AT nos anos seguintes, pelo que deveria ter requerido a sua insolvência até finais de 2011; em fundamento da al. a) do nº 2, que a insolvente é titular inscrita de veículo automóvel relativamente ao qual na petição inicial alegou desconhecer o seu paradeiro por ter avariado em 2010 e ficado abandonada na via publica, sendo que da não regularização do registo de propriedade resultou a liquidação anual de IUC, no total de €992,91, e daí extraiu que o administrador da insolvente ocultou o veículo ou fê-lo desaparecer. Em fundamento da al. h) do nº2 e al. b) do nº 3 alegou que a ultima IES entregue pela devedora reporta ao exercício de 2020 e dela consta capital social de €5.000,00 quando da certidão comercial consta €35.000,00, dos registos da AT consta a cessação da atividade para efeitos de IVA em 24.09.2015 e a atividade para efeitos de IRC foi cessada oficiosamente em 21.03.2021, do registo comercial resulta que a insolvente não depositou as contas referentes aos anos de 2010 e seguintes; mais alegou que a sociedade encontra-se inativa mas não foi liquidada, pelo que o gerente tinha o dever de entregar a declaração de rendimentos (modelo 22), as IES, e a prestação de contas anuais; a cessação oficiosa em termos de IRC não desobriga a sociedade do cumprimento das suas obrigações tributárias e de manter a contabilidade organizada; à luz do SNC o incumprimento de manter contabilidade organizada prevista pela al. h) do nº 2 do art.º 186º refere-se a uma contabilidade que não apresenta o balanço, a demonstração de resultados por naturezas, a demonstração das alterações no capital próprio, e a demonstração dos fluxos de caixa, o que a insolvente não cumpriu porque não elaborou as contas do exercício de 2010 até 2023; o modelo 22-IRC de 2018 e o balancete de 31.12.2020 junto com a petição inicial não refletem uma contabilidade organizada, sendo este último um documento interno da empresa com valores do período escolhido que permite aquilatar do estado financeiro da sociedade. Mais alegou que a IES de 2020 padece de irregularidades graves traduzidas no inventário a zeros posto existir um veículo propriedade da sociedade, e na ausência dos créditos reclamados na rubrica do passivo. Concluiu pela ausência de contabilidade pelo menos desde 2010 e que a contabilidade da Insolvente não certifica, porquanto as contas não foram elaboradas nem revisadas pelo contabilista certificado, a posição financeira da empresa/insolvente (…).” Requereu depoimento de parte do requerido e declarações do AI, arrolou o contabilista certificado da insolvente como testemunha, e juntou ofício da AT e documentos fiscais.
4. Citado, o requerido deduziu oposição pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita. Alegou, em síntese, que todos os factos alegados nos pareceres do AI e do MP e os créditos reconhecidos nos autos não relevam para efeito de qualificação da insolvência porque ocorridos e constituídos há mais de 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência, e que durante esse período não incumpriu a obrigação de manter a contabilidade organizada nem a obrigação de elaborar e prestar as contas anuais porque a partir da declaração oficiosa da cessação da atividade da insolvente em 31.12.2020 extinguiram-se essas obrigações, que só teria que cumprir nos períodos de tributação em que se verificasse a existência de facto tributário sujeito a IRC, o que não ocorreu porque, como é reconhecido nos pareceres do AI e do MP, não praticou qualquer transação, atividade ou ato tributário sujeito a imposto de IVA ou IRC, não se verificando as condições de sujeição a imposto. Conclui que é descabida a imputação da violação desses deveres, assim como é descabido concluir que o gerente da insolvente ocultou, fez desaparecer, destruiu, danificou, ou inutilizou o veículo pelo facto de não ter desencadeado o processo administrativo para cancelamento da matrícula de veículo desaparecido; que as últimas dívidas da insolvente à SS e à AT remontam a 2010 e 2015, sendo que neste ano cessou atividade para efeitos de IVA e não foi alegado facto que permita concluir que os credores foram prejudicados pela apresentação à insolvência apenas em 04.03.2024, e não foram atendendo a que os bens e as dívidas que tinha nessa altura correspondem aos que existiam em 2021, e concluiu pela não verificação dos pressupostos previstos pelos nº 1 e 3 do art.º 186º. Arrolou a testemunha arrolada pelo MP.
5. Foi realizada audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, indicado o objeto do processo, enunciados os factos assentes e fixados os temas da prova. No mesmo ato o MP prescindiu da questão de facto enunciada sob o ponto 3 – A. fez desaparecer o veículo automóvel de matrícula 26-48-MB - por ser “insusceptível provar o desaparecimento do veículo automóvel.” e por todos foi declarado prescindirem da produção da prova pessoal que requereram, após o que foi concedida a palavra para alegações de facto e de direito e ordenada a conclusão dos autos para prolação de sentença.
6. Por sentença de 13.12.2024 o tribunal a quo concluiu pela verificação do fundamento de qualificação da insolvência como culposa previsto pela al. h) do nº 2 do art.º 186º e, com fundamento no resultado dessa apreciação e invocando o art.º 608º, nº 2 do CPC, ex vi art.º 17º, nº 1 do CIRE, declarou predicada a apreciação do pedido de qualificação com fundamento legal no nº 3 do art.º 186º, e proferiu a seguinte decisão:
Termos em que, o Tribunal decide:
1. Qualificar como culposa a insolvência da sociedade PERFEITO & LINEAR – CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA., nos termos do artigo 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea h), do CIRE;
2. Determinar que A. seja afectado pela qualificação;
3. Decretar a inibição de A. para administrar patrimónios de terceiros por um período de 2 (dois) anos (cfr. artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do CIRE);
4. Decretar a inibição de A. para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, por um período de 2 (dois) anos (cfr. artigo 189.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CIRE);
5. Condenar A. a indemnizar os credores da sociedade PERFEITO & LINEAR – CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA., sendo que o Tribunal decide fixar a indemnização a pagar pelo Réu em 10% da diferença entre o passivo global e o activo arrecadado para a massa insolvente, sendo que a sua quantificação deve ser efectuada em sede de liquidação de sentença (cfr. artigo 189.º, n.ºs 2, alínea e), e 4, do CIRE).
7. Inconformado, o requerido afetado recorreu da sentença, pedindo a sua revogação e substituição por outra que declare a insolvência da sociedade ‘Perfeito & Linear – Construções Unipessoal, Ldª’ como fortuita. Formulou as seguintes conclusões: A) A insolvência de PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA foi qualificada culposa, porque a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” entendeu que, independentemente de insolvente PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. ter cessado a actividade em sede de IVA a 31-12-2015, e de ter cessado oficiosamente a actividade em sede de IRC a 31-12-2020, a sociedade tinha sempre a obrigação de manter contabilidade organizada até que seja a empresa seja encerrada em termos jurídicos, ou seja quando ocorre o encerramento da sua liquidação, pelo que a insolvente ao não elaborar as contas do exercício de 2021, que tinham de ser apresentadas no ano de 2022, e, por conseguinte, não tendo elaborado, entre outros documentos: (a) as demonstrações financeiras (Balanço e Demonstração de resultados) definitivas referentes ao ano de 2021; (b) o balancete analítico definitivo referente ao ano de 2021; (c) a acta referente à aprovação das contas do exercício de 2021; e (d) a IES referente ao exercício de 2021; e não tendo elaborado as contas do exercício de 2022, que tinham de ser apresentadas no ano de 2023, e, por conseguinte, não tendo elaborado, entre outros documentos: (a) as demonstrações financeiras (Balanço e Demonstração de resultados) definitivas referentes ao ano de 2022; (b) o balancete analítico definitivo referente ao ano de 2022; (c) a acta referente à aprovação das contas do exercício de 2022; (d) as declarações de IRC e IES referentes ao exercício de 2022, a conduta da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. é subsumível ao disposto no artigo 186.º, n.º 2, alínea h), do CIRE, o que importa irremissivelmente a qualificação da insolvência como culposa. B) Como resulta dos autos, o processo de insolvência da sociedade & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA iniciou-se a 04-03-2024, e a insolvência foi declarada a 05 de Março de 2024, pelo que os pressupostos constantes nas diversas alíneas do artigo 186º do CIRE ficam balizados pelo período dos três anos que antecederam aquele início do processo de insolvência. C) Para efeitos da qualificação, são, pois, irrelevantes os factos praticados, verificados, ocorridos ou omitidos em data anterior a 04-03-2021, porquanto estão fora do limite temporal exigido naquela norma legal. D) Tendo o encerramento do estabelecimento ocorrido no ano de 2015, tendo a sociedade devedora cessado a sua actividade em IVA em 24-09-2015, e tendo a actividade em sede de IRC cessado oficiosamente em a 31-12-2020, (pontos 9 a 12 dos factos provados) é evidente que a partir de 24-09-2015, e decididamente, a partir de 31-12-2020, a insolvente não estava em condições de praticar e não praticou - como é ostensivamente reconhecido, quer pelo Sr. Administrador na alínea g) do seu parecer, quer pelo MP sob o art.º 27 do seu parecer - qualquer actividade comercial tributável, não se verificando, por isso, as condições de sujeição a imposto. E) Como consta do ponto 12 dos factos provados, a AT-RAM declarou oficiosamente a cessação da actividade da PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA a 31-12-2020, cessação essa feita nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 6 do art.º 8.º do CIRC, por ser manifesto que a actividade não estava a ser exercida nem havia intenção de a devedora a continuar a exercer, designadamente em face da declaração de cessação de actividade da devedora, já anteriormente apresentada pela PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA no dia 31-08-2015 (ponto 11 dos factos provados). F) Uma vez cessada a actividade em sede de IVA a 31-08-2025, e cessada a actividade em sede de IRC a 31-12-2020, a PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA deixou de estar obrigada à entrega daquelas obrigações declarativas de IVA e de IRC, a partir daquelas datas, pese embora continuasse obrigada ao cumprimento das obrigações tributárias vencidas e relativas ao período anterior à cessação da actividade (de 31-12- 2020), nos termos do n.º 7 do art.º 8.º CIRC. G) Após a cessação em sede de IVA, a 31-08-2015, a PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA ficou dispensada das obrigações declarativas relativas àquele imposto; e após a cessação oficiosa da actividade em sede de IRC, ocorrida a 31-12-2020, em virtude de a AT ter verificado ser manifesto que a PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA não estava a exercer a actividade nem havia possibilidade de a continuar a exercer, (cfr. artigo 34.º do CIVA e 8.º, n.º 6, do CIRC), extinguiram-se necessariamente as suas obrigações declarativas, designadamente de obrigações declarativas em sede de IRC, bem assim a obrigação de manter contabilidade organizada dos anos 2021 e 2022. H) Não resultou provado que após aquelas a cessação oficiosa da actividade em sede de IRC, a PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA tivesse efectuado qualquer transação, ou que tivesse desenvolvido qualquer actividade, ou praticado qualquer acto tributário sujeito a imposto de iva ou de irc. I) Pelo que, a partir de 31-12-2020, extinguiu-se a obrigação de a PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA manter a contabilidade organizada, bem assim a obrigação de elaborar as contas anuais no prazo legal, de submetê-las a fiscalização e de as depositar na conservatória do registo comercial (neste sentido, AC. TCA, de 18-05-2022 - Proc.0 0736/18.0BELRS), pois a não ser assim, a cessação da actividade seria inócua, inútil e desprovida que qualquer sentido. J) Não tem qualquer fundamento legal o decidido pela meritíssima do Tribunal “a quo” de que, não obstante a cessação da actividade em IVA em 2015, que não obstante a cessação oficiosa da actividade a 31-12-2020, e não obstante a inexistência qualquer actividade da insolvente após aquelas datas, a devedora continuava igualmente obrigada à apresentação das declarações fiscais como se se mantivesse em actividade e obrigada a apresentação e ao depósito das contas anuais relativamente aos anos fiscais posteriores. K) Nos três anos anteriores ao inicio do processo de insolvência, ou seja, entre 04-03-2021 e 04-03-2024, a insolvente não incumpriu, nem em termos formais nem em termos substanciais a obrigação de manter a contabilidade organizada relativamente à sua actividade nesse período, pois a actividade já havia cessado a 31-12-2020; e do mesmo modo não incumpriu o dever de elaborar as contas anuais, porque não estava a tal obrigada e porque nem era legalmente exigível e, na prática, não era sequer possível a sua apresentação - porque a actividade estava oficialmente encerrada, por iniciativa da AT desde 31-12-2020. L) Nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil, sempre recaia sobre os requerentes do incidente de qualificação o ónus da prova de que nos três anos anteriores ao inicio do processo de insolvência a sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA incumpriu em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. M) E não se produziu qualquer prova de que a insolvente tivesse a obrigação de manter a contabilidade organizada nos anos 2021 e 2022, nem que a inexistência de contabilidade organizada dos anos 2021 e 2022 tenha causado qualquer prejuízo aos credores, tenha impedido ou dificultado a verificação da situação creditícia, patrimonial e financeira da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA, cuja actividade em sede de IVA se encontrava encerrada desde 31-08-2015, e cuja actividade em sede de IRC se encontrava cessada oficiosamente desde 31-12-2020. N) Não foi alegado, e não foi provado, a existência de qualquer nexo de causalidade entre a falta de contabilidade organizada dos anos 2021 e 2022 e o estado de insolvência da sociedade. O) Ainda que por mera hipótese académica se considerasse que, não obstante a insolvente ter cessado a actividade em sede de IVA a 31-08-2015 e de ter cessado a actividade em sede de IRC a 21-12-2020, a insolvente continuava obrigada a elaborar e apresentar as contas do exercício de 2021 e de 2022, para que, da sua não elaboração e apresentação se pudesse concluir pela qualificação da insolvência como culposa, não bastaria a prova que as contas dos exercícios de 2021 e 2022 da devedora não foram elaboradas, não foram submetidas à devida fiscalização, nem foram depositadas na Conservatória do Registo Comercial, posto que era necessário que se tivesse provado, e não se provou, que em consequência dessa conduta tivesse, em concreto resultado a criação ou o agravamento da insolvência. P) Ficou provado, sob o ponto 12 dos factos provados, que a AT cessou oficiosamente a actividade da sociedade Perfeito & Linear - Construções, unipessoal, Lda, a 31-12-2020 (por ser manifesto que a actividade não estava a ser exercida nem havia intenção de a empresa a continuar a exercer - art.º 8.º, nº 6 CIRC), cessação essa obrigatoriamente disponibilizada pela AT ao público, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 23.º-A do CIRC, e cessação oficiosa essa que determinou imediatamente, ope legis, nos termos do disposto no art.º 23-A, nº 1, c) do CIRC, a irrelevância fiscal de quaisquer facturas que a Perfeito & Linear - Construções, unipessoal, Lda, pudesse eventualmente emitir após 31-12-2020. Q) Pelo que, resulta da factualidade provada, que desde pelo menos 31-12-2020 (data da cessação oficiosa da actividade em sede de IRC) a sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA, não estava, manifestamente, em condições de praticar qualquer ato tributável (art.º 8º, n.º 6 do CIRC), sendo que não resulta dos factos provados nem da fundamentação da Douta Sentença Recorrida a identificação de qualquer circunstância concreta que justificasse, ainda assim, a necessidade de a sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA elaborar e apresentar as contas do exercício de 2021 e de 2022 e de cumprir as obrigações declarativas em sede de IRC e de IVA e do IES relativamente aos anos de 2021 e de 2022. R) Não resultou dos factos provados que a empresa, pese embora mantendo a sua existência jurídica, tivesse exercido, ou tivesse podido sequer exercer actividade nos anos de 2021 e 2022, ou que em virtude da inexistência de contabilidade organizada nesses anos, os credores tivessem ficado impedidos de conhecer a situação de insolvência da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. S) Perante a prova, sob os pontos 9 a 12 e 17 dos factos provados, da cessação da actividade, designadamente da cessação oficiosa a 31-12-2020, e perante a ausência de actividade económica, não tinha a empresa que elaborar contas relativa a períodos posteriores à cessação da actividade, pois inexistia actividade relativamente à qual existisse qualquer obrigação tributária declarativa cujo cumprimento a sociedade estivesse obrigada com vista a possibilitar o apuramento da obrigação de imposto. T) Os factos provados não permitem qualificar a insolvência da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA como culposa, pois não foi produzida qualquer prova de qualquer comportamento efectivo ou presumido, activo ou omissivo, gravemente culposo, do devedor ou do ora recorrente que tenham sido a causa do surgimento ou do agravamento da situação de insolvência. U) Também não existe fundamento para determinar que o ora recorrente seja afectado pela qualificação, muito menos para que seja decretada a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio ou para o exercício de qualquer cargo de gerência ou de administração, por dois anos, ou para que tenha que indemnizar os credores da insolvência em 10% da diferença entre o passivo global e o activo arrecadado. V) A Sentença recorrida, ao considerar que a cessação da actividade da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA, para efeitos de IVA, ocorrida em 31 de Dezembro de 2015 e a cessação oficiosa da actividade da sociedade em sede de IRC, ocorrida em 31 de Dezembro de 2020, não exonerou a insolvente do dever de ter contabilidade devidamente organizada nos anos de 2021 e de 2022; e que ao não elaborar as contas do exercício de 2021 e de 2022, o comportamento da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA é subsumível ao disposto no art.º 186.º, nº 2, alínea h), o que determina só por si e de forma imediata a qualificação da sua insolvência como culposa; e ao considerar que, ipso facto, tendo em conta que a actuação de B. é culposa e que essa culpa de actuação de B. é determinante para o inibir da prática do comércio durante um período de dois anos, e decretou o ora recorrente A. afectado pela qualificação da insolvência, mostra-se contraditória e não fundamentada, e fez errada interpretação e errada aplicação da lei aplicável aos factos provados, mais concretamente, errada interpretação e aplicação do disposto no art.º 186.º, n.º 2, alínea h), e 189.º do CIR; dos artigos artigo 8.º, n.º 6 e 7, ; n.º 4 do art.º 23.º-A, do art.º 23- A, nº 1, c), do art.º 112.º e do art.º 113.º do CIRC; e do art.º 8.º, n.º 5, alínea a), e art.º 34.º do CIVA; e do art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil.
7. O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se pela sua improcedência e manutenção da decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões: 1 - É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal “ad quem’ (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). 2 - São duas as questões identificadas e, quanto a este MP, a decidir nesta sede recursiva; 3 - A primeira é, desde logo, a questão da legitimidade do recorrente para formular pedidos e a alteração da sentença proferida em nome da Sociedade “Perfeito & Linear- Construções Unipessoal, Lda.”, uma vez que o que se depreende do Requerimento recursivo é que o único recorrente é tão só “A.”, de per si, em nome individual, e não na qualidade de representante da pessoa coletiva de que é gerente, pelo que, a pessoa coletiva aqui em causa não é recorrente neste libelo e por isso não impugnou a decisão proferida, quando o deveria ter feito, de molde a obter e retirar efeito útil do recurso apresentado, uma vez que, em bom rigor, relativamente à pessoa coletiva “Perfeito & Linear-Construções Unipessoal, Lda.”, a decisão proferida já transitou em julgado. 4 - A segunda, relativamente à questão material em apreço, urge apreciar se a sociedade insolvente estava ou não obrigada a continuar a apresentar contabilidade organizada e elaboração das contas, mesmo após ter ocorrido a cessação da sua atividade para efeitos de IVA, em 31 de dezembro de 2015 e a cessação oficiosa de atividade em sede de IRC, ocorrida em 31 de dezembro de 2020. 5 - Nesta lide, estamos em face de uma situação de Ilegitimidade processual, uma vez que a posição que A. ocupou na ação principal de que resultou a sentença ora recorrida foi, sempre, de sócio gerente da pessoa coletiva, relativamente a quem a insolvência foi considerada culposa, nunca tendo assumido, na mesma, uma posição meramente individual e desassociada da figura de gerente daquela. 6 - Nestes termos, somos de opinião que, a pessoa coletiva sociedade Perfeito & Linear - Construções Unipessoal, Lda., é que deveria ser a recorrente, e, representada pelo seu gerente A., que, também, litiga nessa qualidade. 7 - Contudo, A., neste recurso, litiga em nome individual e não em representação a pessoa coletiva, nem na qualidade de gerente da mesma, sendo que, a decisão condenatória que sobre o mesmo incidiu, só foi possível e viável devido à sua qualidade de gerente da sociedade e não de per si, em nome individual. 8 - Por outro lado, neste recurso, onde A., litiga de per si e em nome meramente individual, formula o seguinte pedido: “a sentença recorrida deve ser revogada, devendo ser substituída por outra decisão que declare não provado o incidente de qualificação da insolvência, e que declare a insolvência da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA como fortuita”. 9 - Ora, como pode o mesmo, em nome individual, nesta lide recursiva, formular tal pedido, se, litiga na mesma apenas em nome individual, de per si, e não em nome da pessoa coletiva de que foi gerente? 10 - Ademais, não se pode olvidar que a pessoa coletiva PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA, não é parte neste recurso, como resulta do requerimento de interposição, titulado e submetido apenas em nome de A., pelo que, por falta do pressuposto processual - falta de legitimidade, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. e) e 631.º, n.º 1 do CPC, deverá o douto Tribunal conhecer da exceção dilatória e abster-se de conhecer de mérito na presente lide recursiva. 11 - No que concerne à segunda questão identificada, a verdadeira essência deste recurso, no qual entende o recorrente que a insolvência da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA, não deveria ter sido qualificada como culposa, uma vez que não existia a obrigação legal de a mesma manter a contabilidade organizada nem prestar contas, após o encerramento da atividade para efeitos de IVA e IRC, pugnamos pela improcedência de tal tese, porquanto a mesma não tem respaldo legal. 12 - O período que decorre essencialmente entre o dia 04 de Março de 2021 e o dia 5 de Março de 2024 (data em que foi declarado o estado de insolvência da sociedade), nos termos dos artigos 186.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, ambos do CIRE, é o período relevante para efeitos de sindicância dos pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa. 13 - A sociedade apresentou as IES, apenas referentes aos exercícios de 2018, 2019 e 2020, e a última Declaração modelo 22 de IRC entregue pela sociedade PERFEITO & LINEAR -CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. foi a declaração referente ao exercício de 2018, 14 - Relativamente à apresentação de contas, resulta, também, da prova documental junta aos autos, teor da Certidão de Registo Comercial da sociedade insolvente, que a sociedade depositou as contas até ao exercício de 2009, estando em falta os anos de 2010 até à presente data. 15 - A cessação em termos de IRC ocorre, em regra, apenas no momento em que a empresa é encerrada em termos jurídicos, ou seja, quando a sociedade é liquidada, o que não se verificou no caso concreto. 16 - Ora, a sociedade devedora encontra-se inativa, mas ainda não tinha sido liquidada, pelo que recaía sobre o seu gerente o dever de entregar a declaração de rendimentos MODELO 22, bem como o dever entregar as IES e as prestações de contas anuais, bem como estava a sociedade obrigada, pela ação do seu legal representante, de manter contabilidade organizada. 17 - E, ao contrário do que alega o recorrente, não estava a sociedade desonerada de tal obrigação, como emerge dos artigos 8.º, n.ºs 6 e 7 do CIRC, e 34.º do CIVA. 18 - O erro de julgamento tanto pode ser de direito - a impugnar nos termos do disposto no artigo 639º, do Código de Processo Civil - ou de facto - a impugnar nos termos do disposto no artigo 640º, do Código de Processo Civil, ou de ambos. 19 - O erro de julgamento em matéria de direito reconduz-se, em suma, a errada aplicação do direito, v.g. por deficiente interpretação da norma jurídica, ou por errada subsunção dos factos ao direito. 20 - Perpassa ao longo de toda a motivação recursória a discordância do recorrente na aplicação do direito aos factos considerados provados. 21 - Contudo, entendemos que estão verificados os pressupostos legais para a qualificação da insolvência, nos termos proferidos na douta sentença. 22 - Que concluiu positivamente pela verificação do incumprimento do dever de manter contabilidade organizada que integrou na al. h) do nº 2 do art.º 186º e, com esse fundamento, qualificou a insolvência como culposa.
II – Objeto do Recurso
1. Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida, é balizado pelo objeto do processo e definido pelo teor das conclusões das alegações de recurso e, sem prejuízo das questões que oficiosamente cumpra conhecer, destina-se a reponderar e, se for o caso, a anular, revogar ou modificar decisões proferidas, e não a apreciar e a criar soluções sobre questões de facto e/ou de direito que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, ficando vedado a apreciação de novos pedidos em sede de recurso, bem como de novas causas de pedir em sustentação do pedido ou da defesa. Acresce que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações e é livre na aplicação e interpretação do direito (cfr. art.º 5º, nº 3 do CPC).
2. Prevenindo eventual arguição de nulidade do acórdão por omissão de pronúncia consigna-se que, para além do manifesto lapso de simpatia contido na conclusão V)[2] – pois faz referência a atuação, afetação e inibição de quem não é parte nem a qualquer título interveio ou foi referido no âmbito do incidente (B.) -, mais aí consta alegado que a sentença “mostra-se contraditória e não fundamentada”, segmento que corresponderá igualmente a lapso de simpatia atendendo a que nas alegações de recurso não vem arguida nem imputada qualquer nulidade da sentença, nem aqueles vícios (contradição e falta de fundamentação) surgem por qualquer forma concretizados ou referidos nos fundamentos do recurso, que se esgotam na imputação de erro de julgamento subjacente aos pedidos de revogação e substituição da sentença recorrida por ele deduzidos. Por qualquer forma, a imputação daqueles vícios é estranha ao objeto deste recurso na medida em que surge alegada apenas em sede de conclusões, sendo que estas, como síntese conclusiva que são, devem ter correspondência lógica com o alegado em sede de motivação do recurso e com o que por ele vem concretamente censurado e requerido, no sentido de as conclusões constituírem proposições sintéticas logicamente decorrentes das premissas do silogismo, assente este nos fundamentos do recurso alegados em sede de motivação e na pretensão recursiva nele expressamente enunciada, conexão que não existe relativamente à contradição e falta de fundamentação inserida na redação da conclusão V), que surge inconsequente na medida em que pelo apelante não vem arguida uma qualquer nulidade da sentença, pelo nada cumpre apreciar a esse respeito.
3. Considerando que o recurso tem como objeto a reponderação da sentença recorrida - e não a apreciação/reexame do objeto do processo - e que está vedada a alteração da sentença na parte não recorrida (cfr. art.º 635º, nº 5 do CPC), cumpre apreciar:
A) Se, como concluiu o tribunal recorrido, os factos alegados e assentes concretizam os pressupostos normativos de qualquer um dos fundamentos legais de qualificação da insolvência como culposa previstos na al. h) do nº 2 do art.º 186º, o que passa por aferir se a cessação oficiosa da atividade em IRC constitui causa legal de extinção da obrigação de manter a contabilidade organizada.
B) Caso se conclua pela não verificação da al. h) do nº 2 do art.º 186º, cumpre conhecer da verificação dos fundamentos de insolvência culposa previstos pelo art.º 186º, nº 3 que o tribunal declarou (indevidamente[3]) prejudicados, atinente com o incumprimento da obrigação de apresentação à insolvência no prazo legalmente previsto, e o incumprimento das obrigações de elaborar, de prestar e de depositar contas anuais.
Como questão prévia suscitada pelo Ministério Público e a contender com a possibilidade de conhecimento do recurso, cumpre apreciar da legitimidade do afetado pela insolvência como culposa para recorrer da sentença que assim a qualificou.
III – Da legitimidade recursiva do afetado pela qualificação da insolvência
Em sede de contra-alegações o Ministério Público suscitou a ilegitimidade processual do recorrente para recorrer da sentença de qualificação da insolvência como culposa alegando em fundamento, se bem se entende, que a afetação do recorrente deriva da qualificação da insolvência como culposa da sociedade e, por isso, só esta teria legitimidade para pedir a substituição da sentença recorrida por outra que declare a insolvência como fortuita e, assim, para recorrer da sentença proferida.
Consigna-se que, perante a manifesta improcedência da arguição, por inútil não se notificou o recorrente para a respeito exercer o contraditório.
Sobre a legitimidade recursiva estabelece o art.º 631º do CPC que: 1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido. 2 - As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.
A legitimidade para recorrer constitui um pressuposto processual nominado do direito a impugnar por via de recurso uma decisão judicial desfavorável aos interesses ou posição jurídica do recorrente. Nas palavras de Abrantes Geraldes[4], “o vencimento ou o decaimento devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que foi objeto de decisão. É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses. (…). O mecanismo de recurso pressupõe que se aperceba a existência de uma utilidade na posterior intervenção de um tribunal hierarquicamente superior, traduzida na alteração, revogação ou anulação da decisão, com o cortejo de efeitos que daí emanam (…)”.
Utilidade que é aferida por um critério formal ou por um critério material. De acordo com o primeiro, a qualidade de parte principal no processo constitui a regra geral na determinação da legitimidade recursiva, sendo que é parte quem se apresenta do lado ativo ou do lado passivo da ação e detém legitimidade aquela que não obteve ou obteve menos do que pediu. De acordo com o segundo, a legitimidade é aferida pelo prejuízo causado ao recorrente pela decisão desfavorável, independentemente da atividade por ele produzida na tramitação dos autos. Nesse sentido, acórdão do STJ de 01.07.2008 (tirado no âmbito de processo de execução singular): “Todos estão de acordo que por parte vencida deve entender-se aquela a quem a decisão causa prejuízo, a aferir por um critério prático, em regra de natureza económica, e não puramente teórico, sendo que o que releva é «o benefício que a decisão assegura à parte e não a razão por que lho assegura», vale dizer, os fundamentos por que o faz.//«Parte vencida e parte prejudicada são, assim, conceitos equivalentes» (A. DOS REIS, “CPC, Anotado”, V, 265/266).//Como faz notar o mesmo Autor, “a legitimidade para recorrer é um aspecto particular da legitimidade das partes. O interesse directo é o requisito essencial da legitimidade (art.º 27º); pergunta-se: quem tem interesse directo em impugnar a decisão por via de recurso?”//Ou, como escreve AMÂNCIO FERREIRA (“Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed. 127), “pressuposto necessário à legitimidade para recorrer é o gravame ou prejuízo real sofrido. Sem este não há o interesse em agir, suporte do pedido de impugnação”.//Do critério proposto resulta que legitimidade para recorrer, pressupondo um interesse directo e um prejuízo real, medida da utilidade decorrente da procedência do recurso, conduz à exclusão da parte a quem a decisão não cause um prejuízo directo e efectivo, ou seja, que apenas seja passível de sofrer prejuízo indirecto ou reflexo, eventual ou incerto.//Um tal critério acaba por não divergir do consagrado no n.º 2 do art.º 680º[5], o que nem sequer será de estranhar, pois que esta norma visa exigir a quem não seja parte principal no processo um interesse em recorrer idêntico ao que as partes principais, em regra e pelo facto de o serem, já detêm.[6]
Do exposto facilmente decorre a legitimidade do recorrente para recorrer da sentença de qualificação da insolvência como culposa. Ainda assim explicita-se:
Por referência ao critério formal, o recorrente é parte principal no incidente e ficou vencido na pretensão que nele contra si foi deduzida na qualidade de pessoa a afetar pela qualificação da insolvência. Com efeito, “As partes são as entidades que pedem ou contra as quais é pedida em juízo a tutela de uma situação jurídica.”[7]
Por referência ao critério material, do lado passivo do incidente o recorrente é o único afetado pela sentença posto que é o único destinatário dos efeitos de natureza pessoal e patrimonial da qualificação da insolvência como culposa, efeitos que apenas são decretados e são sempre decretados se a insolvência for qualificada como culposa, sendo esta condição sine qua non daqueles. Conforme consta da sentença recorrida, a qualificação da insolvência como culposa tem como pressupostos uma conduta ilícita do devedor ou dos seus administradores, por ação ou omissão, praticada com dolo ou com culpa grave. Considerando que o prius da qualificação é, precisamente, uma conduta, é pela autoria desta que em concreto se impõe aferir do âmbito subjetivo das consequências da insolvência culposa, pelo que a relevância jurídica da qualificação da insolvência respeita e reflete-se exclusivamente na situação jurídica das pessoas por ela abrangidas e declaradas afetadas, nos termos previstos pelos arts. 186º, nº 1 e 189º, nº 2, al. a). O que vale por dizer que, no caso[8], o recorrente só poderá obter revogação da decisão da sua afetação pela qualificação da insolvência como culposa se esta for declarada fortuita, pelo que é inegável o seu interesse e, por isso, a sua legitimidade para o recurso e pedido que por ele deduziu.
Termos em que se conclui pela sua legitimidade para recorrer da sentença de qualificação da insolvência como culposa.
IV - Fundamentação de Facto
Na ausência de impugnação à decisão de facto que integra a sentença recorrida, a matéria de facto a considerar na apreciação do recurso é a que ali consta descrita, que se transcreve (exceto na parte em que identifica, remete ou dá por reproduzidos os atos processuais ou os meios de prova em que se funda), sem prejuízo dos aditamentos a que se procede em cumprimento do poder dever previsto pelo art.º 662º, nº 1 do CPC para conformação da descrição do facto com o que consta do documento que o suporta (no ponto 11), e para inclusão de facto que resulta do alegado nos pareceres e aceite pelo requerido (no ponto 13) e outros que resultam dos autos com relevância para as questões objeto do recurso, alterações que se identificam a itálico (nos pontos 15 e 16 e ex nuovo, pontos 18 e 19):
FACTOS PROVADOS
1. Da certidão de registo comercial da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. decorre que a mesma foi constituída em 08 de Fevereiro de 2007, com um capital social no valor de 35.000,00€, titulado[9] por uma quota no valor nominal de 35.000,00€ da titularidade de A., conforme INSC. 1, AP. 9/20070208 - CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE, DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS).
2. Da certidão de registo comercial da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. decorre que a mesma tem por objecto social a “construção civil, obras públicas e particulares, pintura de construção civil, carpintaria, serralharia, instalações eléctricas e de água”, conforme INSC. 1, AP. 9/20070208 - CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE, DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS).
3. Da certidão de registo comercial da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. decorre que A. é o seu gerente desde o dia 08 de Fevereiro de 2007, conforme INSC. 1, AP. 9/20070208 - CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE, DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS).
4. Da certidão de registo comercial da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. decorre que a referida sociedade se vincula através da intervenção de um gerente, conforme INSC. 1, AP. 9/20070208 - CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE, DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS).
5. Da certidão de registo comercial da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. decorre que a referida sociedade depositou as contas referentes aos exercícios de 2007, 2008 e 2009.
6. Por petição inicial datada de 04 de Março de 2024, a sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. requereu que fosse declarado o estado da sua insolvência.
7. Por sentença datada de 05 de Março de 2024 foi declarado o estado de insolvência da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA.
8. Em sede de assembleia de credores realizada no dia 23 de Abril de 2024, o Tribunal decidiu declarar encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente.
9. No dia 28 de Dezembro de 2010, a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA recepcionou “declaração de cessação de actividade” via internet, emitida pela sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. pela qual declarou “Data de Início da Relação: 2010-11-30” e “Cessação em IVA Data: 2010-11-30 Motivo: art.º 34º Nº1 c)”.[10], e da qual obteve comprovativo de entrega via internet.
10. (não se transcreve por corresponde ao teor do ponto 9, que repete)
11. No dia 24.09.2015 a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA rececionou nova “declaração de cessação de actividade” emitida pela sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. pela qual declarou “Cessação em IVA//Data: 2015-08-31 Motivo: art.º 34º Nº 1 c)” e da qual obteve comprovativo de entrega via internet. [11][12]
12. No dia 31 de Dezembro de 2020, a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA cessou oficiosamente a actividade da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. em sede de IRC.[13]
13. A sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. apresentou as IES referentes aos exercícios de 2018, 2019 e 2020 (cfr. IES juntas com a petição inicial - autos principais) e não procedeu à elaboração da contabilidade referente aos anos seguintes (2021, 2022, 2023).
14. Do Balanço referente ao exercício de 2020 (conforme à IES referente ao mesmo ano), consta o seguinte:
15. A última DECLARAÇÃO MODELO 22 DE IRC entregue pela sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. foi a declaração referente ao exercício de 2018, integralmente preenchida com valores de €00,00;
16. Dos registos públicos consta que a sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA. é titular de um veículo automóvel de matrícula 26-48-MB, marca MITSUBISHI, modelo SPACE GEAR (PA0), do ano de 1998, veículo que o AI descreveu na relação de bens anexa ao relatório do AI a que alude o art.º 155º do CIRE, cujo valor estimou em €5,00, mais indicando que não dispõe de seguro válido/ativo, que é desconhecido o seu paradeiro, e que pediu a sua apreensão à autoridade policial.
17. Por sentença de verificação e graduação de créditos, datada de 29 de Maio de 2024, e proferida no âmbito do processo n.º 1119/24.8T8FNC-B, o Tribunal reconheceu os seguintes créditos sobre a insolvência da sociedade PERFEITO & LINEAR - CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA[14]:
i) Cabot Securitization Europe Limited, no montante de €24.923,96, do qual €19.998,45 a título de capital e o demais a título de juros à taxa de 4% e despesas, com fundamento em livrança em incumprimento desde 2014/04/12.
ii) Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais - RAM, no montante total de €16.361,96, assim discriminado (capital/juros/total/fundamentos/taxas de Juros/observações):
iii) Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, no montante de €27.805,83, do qual €17.812,88 a título de capital e o demais a título de juros, com fundamento em ‘contribuições’, em incumprimento desde 2007/11/30.
Mais se aditam o seguinte:
18. No requerimento inicial de apresentação à insolvência a insolvente relacionou como seus credores a Autoridade Tributária, com um crédito no valor total de €15.203,80 proveniente de dívida de IUC, o Banco Comercial Português, com um crédito no montante de €23.914,10 proveniente de contrato de mútuo, e José Rodrigues de Caires & Companhia, Ldª, com um crédito no montante de €6.613,74 proveniente de fornecimento de bens/materiais de construção.
19. Em 29.06.2016 o Banco BCP instaurou ação executiva contra a sociedade insolvente e contra o requerido com fundamento em livrança subscrita pela primeira e avalizada pelo segundo e para cobrança do capital de €22.062,40 e juros calculados à taxa de 4% desde a data de vencimento da livrança, em 12.04.2014, acrescido do respetivo imposto de selo, no montante de €1.851,70.[15]
IV – Do erro de julgamento de Direito
1. Considerações gerais
O incidente de qualificação da insolvência foi introduzido pela reforma do regime da insolvência levada a cabo pelo Decreto Lei nº 53/2004 de 18.03 que aprovou o CIRE com o propósito, desde logo, de atalhar a insolvências fraudulentas ou dolosas, mas também para prevenir o agravamento de situações de insolvência criadas sem atuação culposa dos devedores ou dos respetivos representantes, tudo, em ultima linha, para tutela dos credores e do comércio jurídico no qual aqueles se movem num circuito de interdependência de pagamentos. Lê-se no preâmbulo do citado diploma que (…) quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quem aí exerce uma actividade comercial, assume por esse motivo indeclináveis deveres, à cabeça deles o de honrar os compromissos assumidos. A vida económica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes repercute-se necessariamente na situação económica e financeira dos demais. Concomitantemente, à liberdade de escolha de profissão e atividade, corresponde a responsabilização pelo respetivo exercício, com cumprimento das normas a que obedece e/ou que o condicionam.
O art.º 186º, nº 1 faz corresponder a insolvência culposa àquela que tenha sido criada ou agravada em consequência da atuação dolosa ou com culpa grave do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Em suma, e para além do limite temporal relevante para efeitos de qualificação, prevê como pressupostos da insolvência culposa: uma conduta do administrador da devedora, praticada com dolo ou com culpa grave, e em relação de causalidade com a situação de insolvência ou com o seu agravamento.
No nº 2 o legislador previu circunstâncias que, à laia de normas de proteção abstrata[16], importam presunção inilidível – júris et jure – da verificação dos pressupostos previstos no nº 1, levando as diversas situações ali contempladas, de forma inexorável, à atribuição de carácter culposo à insolvência[17]. Da prova de qualquer um dos factos ali descritos resulta adquirida, por presunção absoluta, a existência de culpa grave, o nexo de causalidade entre a conduta (ato ou omissão), e a criação e/ou agravamento da insolvência[18]. O que permite tomar as previsões do nº 2 como valorações normativas do legislador em termos tais que cada um dos factos complexos ali previstos equivalem a enunciações legais de situações típicas de insolvência culposa[19]. Técnica normativa que tem como pressuposto assumir que, em termos genéricos, todas as circunstâncias, factos ou comportamentos ali previstos, direta ou indiretamente, envolvem efeitos negativos para a situação patrimonial do devedor, geradores ou agravantes da situação de insolvência, ou seja, da impossibilidade de aquele cumprir as respetivas obrigações vencidas ou da impossibilidade, total ou parcial, de garantir o seu cumprimento. Relevam os factos que dependam da vontade do devedor e qualquer uma das condutas qualificadoras da insolvência basta-se com a voluntariedade da ação (ou da omissão) em que cada uma delas se consubstancia, sem que exija a demonstração efetiva do nexo de causalidade entre a ação e a criação ou agravamento da insolvência, ou uma qualquer intenção ou dolo específico de causar ou agravar a insolvência ou de causar prejuízo aos credores do devedor. Porém, e conforme anotado por Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[20], as várias alíneas do preceito exigem uma ponderação casuística, ou seja, na apreciação concreta de cada uma das situações ali previstas deve atender-se às circunstâncias próprias da situação de insolvência do devedor, e para o que aponta o recurso a conceitos indeterminados (tais como, em parte considerável, criado ou agravado artificialmente, incumprido em termos substanciais, reiterada, etc).
Do nº 3 do preceito constam descritas outras situações – incumprimento da obrigação de apresentação à insolvência e das obrigações de elaborar, prestar e depositar as contas anuais -, mas das quais não decorre presunção de insolvência culposa, mas tão só presunção de culpa grave juris tantum suscetível, por isso, de ser ilidida por prova em contrário (cfr. art.º 350º, nº 2, 1ª parte, do Código Civil), mais exigindo a alegação e demonstração dos demais requisitos previstos no nº 1: nexo causal entre a violação de qualquer uma daquelas obrigações e a criação ou o agravamento da situação de insolvência.
Em suma, enquanto caracterizadores da insolvência culposa e fundamento da afetação dos administradores através da responsabilização que dela emerge, os factos típicos e complexos previstos nos nºs 2 e 3 do art.º 186º concretizam específicos deveres a que os administradores estão vinculados e que enquadram nos deveres gerais de lealdade, de cuidado e diligência previstos pelo art.º 64º do Código das Sociedades Comerciais, aqui destinados à proteção de terceiros, dos interesses económicos dos credores sociais. Nas palavras de Carneiro da Frada[21], “o art.º 186 do CIRE corresponde a uma disposição de protecção cuja violação por parte dos administradores de uma sociedade desencadeia responsabilidade civil pela insolvência.”
2. Da verificação dos pressupostos da qualificação da insolvência previstos pela al. h):
Como acima se relatou, à imputada violação da obrigação de elaboração de contabilidade e, bem assim, à falta de elaboração, prestação e depósito das contas, o recorrente opôs que a partir de 31.12.2020 a sociedade insolvente não elaborou contabilidade nem as contas anuais porque a obrigação de assim proceder se extinguiu com a declaração oficiosa da Autoridade Tributária de cessação da sua atividade em IRC naquela data. Tese que não foi acolhida pela sentença recorrida que, perfilhando posição oposta à defendida pelo recorrente, na apreciação dos fundamentos da qualificação concluiu pela verificação da al. h) do nº 2 do art.º 186º por entender que a cessação oficiosa da atividade em sede de IRC não desobriga a sociedade de manter contabilidade organizada, e mais concluiu que a insolvente não tem contabilidade organizada desde 2008.
Apreciando:
i) Prevê o art.º 186º, nº 2, al. h) que “Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.”
A manutenção de contabilidade organizada de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística é obrigatória para as sociedades comerciais (cfr. art.º 3º, nº 1 do Decreto Lei nº 158/2009 de 13.07 que aprovou aquele normativo), e tem como objetivo obter de forma verdadeira a posição financeira da empresa e o resultado das suas operações para compreensão da respetiva situação e adoção das necessárias medidas à garantia da respetiva sustentabilidade em cada momento da sua vida ao longo dos contextos económico e financeiros que atravessa. Tal obrigação decorre ainda do estatuído nos artigos 1º e 17º, nº 3 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e, para efeitos fiscais, destina-se a permitir a determinação e controlo do lucro tributável das pessoas coletivas.
Para além desta vertente da fiscalidade tributária, pretende-se que a contabilidade seja fonte de informação de todo o ativo e de toda a atividade da empresa a que respeita para proporcionar informação acerca dos resultados/desempenho (ou ausência do mesmo) e da real posição financeira da empresa, informações que são úteis não só aos investidores, fornecedores e trabalhadores, mas também aos próprios administradores, e imprescindíveis para os credores, máxime no âmbito do processo de insolvência para permitir o enquadramento atualizado e melhor compreensão da situação da insolvência e das possibilidades de maximização da satisfação do passivo através da identificação de todo o ativo que integra e/ou deveria integrar a massa insolvente (bens, créditos sobre terceiros, ou outros direitos). Com esse desiderato recai sobre os administradores o dever de diligenciar e assegurar pela organização e atualização da informação contida na contabilidade da insolvente, desde logo através da contratação de profissional habilitado (contabilista certificado), ao qual os administradores devem prestar todas as informações necessárias à elaboração, organização e atualização contínua da contabilidade, e toda a documentação de suporte comprovativa de todas as transações e de todas as obrigações constituídas ou geradas em cada período, dos correspetivos pagamentos e recebimentos, e que, para além da tributação fiscal do incremento patrimonial que por elas seja gerado no termo de cada exercício, permita a todo o tempo identificar os bens e direitos que integram o ativo da empresa, os devedores e os seus credores e respetivos montantes e, no temo de cada período, apurar as variações patrimoniais positivas e negativas e quantificar os capitais próprios da sociedade, rastrear os atos celebrados, a afetação dada às receitas obtidas, e a identificação dos proveitos gerados. O que pressupõe a disponibilização, aos contabilistas responsáveis pela elaboração da contabilidade da empresa, da documentação de suporte de tais transações, cuja ausência e desconhecimento, como é evidente, inviabiliza a organização contabilística dos elementos do ativo e do passivo da empresa de acordo com a realidade desta e, consequentemente, o encerramento do exercício enquanto ‘retrato’ da situação da devedora, como se referiu, não só para efeitos fiscais mas também para conhecimento por outros interessados.
ii) Por referência a esta obrigação e como fundamento de qualificação da insolvência culposa a al. h) do nº 2 do art.º 186º diferencia e prevê três condutas: incumprimento substancial da obrigação de manter contabilidade organizada, manutenção de contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade, prática de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor. Só neste último caso se exige que o prejuízo relevante para a compreensão da situação da devedora seja autonomamente alegado e demonstrado já que, nos demais, esse prejuízo é total e, por isso, intrínseco à ausência de contabilidade ou à contabilidade fictícia ou dupla. Por outro lado, o incumprimento substancial da obrigação de manter contabilidade organizada como circunstância qualificadora “permite excluir pequenas falhas – um hiato de transição entre contabilistas, uma falha do sistema informático, períodos de férias dos funcionários encarregues do lançamento de documentos, só para dar alguns exemplos – e considerar como integrando esta alínea a omissão quando frustre os objetivos legais, ou seja, quando impossibilite o acesso a informação útil que permita a tomada conscienciosa de decisões. Quando esses trabalhos param e não são retomados num curto espaço de tempo, podemos considerar que há incumprimento substancial.”[22]
Como do já antes exposto resulta, elaboração da contabilidade e elaboração das contas anuais são realidades e obrigações distintas, que não se confundem entre si. O que existe é uma relação de dependência da segunda em relação à primeira na medida em que não é possível elaborar as contas anuais (que sejam o reflexo da situação da empresa no termo de cada ano) sem que tenha sido iniciada, elaborada e encerrada a contabilidade referente a esse mesmo ano[23]. O inverso já é verdadeiro, ou seja, a ausência de elaboração das contas anuais não significa ausência de contabilidade organizada nem da primeira é legítimo inferir a segunda, precisamente, porque aquela não é causa desta. Com efeito, contabilidade organizada corresponde à escrituração legalmente obrigatória, esta corresponde ao registo contabilístico e, este, corresponde à anotação dos movimentos económicos ou factos contabilisticamente relevantes em ‘livro’/conta própria - atualmente cumprida por recurso a programa informático, cfr. art.º 17º, nº 3 do CIRC - de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística (SNC). A contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade. Contrariamente ao que é expressamente afirmado pelo Ministério Público[24] e pela sentença recorrida, não se cumpre, executa, ou elabora com a elaboração dos documentos de prestação das contas anuais, designadamente, das demonstrações financeiras[25], mas sim através da classificação e lançamento/registo dos factos contabilísticos relevantes nas contas contabilísticas a que respeitam e como tal previstas e definidas pelo SNC[26][27]. É o lançamento ou registo desses factos que vai permitir o apuramento dos saldos de cada conta e de cada rubrica que, por sua vez, vai permitir obter um balancete[28] atualizado em cada momento em que se pretenda obter um ‘retrato’ atual da situação da empresa e, no termo de cada ano (ou outro período aplicável), o fecho de contas ou encerramento de exercício através da elaboração do balanço[29] que integra as demonstrações financeiras do exercício, a apresentar pela administração em sede de prestação e depósito de contas para apreciação anual da situação da sociedade pelos sócios, nos termos do art.º 65º do CSC.
iii) No caso estamos perante uma confessada situação de ausência de contabilidade posto que a insolvente a não elaborou durante os três anos anteriores ao início do processo de insolvência, ou seja, a partir de 04.03.2021, correspondendo esse ao período relevante para efeitos de qualificação da insolvência.
Para além da circunscrição temporal dos factos atendíveis para a qualificação da insolvência aos ocorridos a partir de 04.03.2021, a defesa do recorrente assenta essencialmente na extinção da obrigação de elaborar e manter contabilidade organizada durante esse período por força cessação da atividade em IRC oficiosamente declarada pela AT em 31.12.2020, data até à qual as IES remetidas à AT confirmam que foi elaborada contabilidade.
Tese que não encontra qualquer apoio nos elementos teleológico, literal e sistemático das normas que preveem a obrigação de manutenção de contabilidade organizada e regulam o seu cumprimento, e é contrariada pela ratio da política legal fiscal subjacente à previsão legal da declaração da cessação de atividade pela administração fiscal (art.º 8º, nº 6 do CIRC).
a) Da ratio da obrigação de elaborar contabilidade
Como resulta do que acima sumariamente se expôs, a contabilidade destina-se a permitir o conhecimento, em cada momento, da situação da empresa – no mínimo, quem lhe deve e por quanto, a quem deve e por quanto, a tesouraria disponível para pagar as suas dívidas, e a identificação das garantias patrimoniais de que dispõe para satisfação das mesmas na ausência ou insuficiência da tesouraria disponível e dos rendimentos que gera – e destina-se a permitir a oportuna elaboração de relatos que, por sua vez permitam “a avaliação de acontecimentos passados, presentes e futuros”[30]. Porque assim é, e porque os destinatários e as finalidades informativas e de rastreio visadas pela contabilidade não se esgotam na determinação da matéria coletável pela administração fiscal e do imposto a pagar pela sociedade contribuinte, a obrigação de manutenção de contabilidade atualizada mantém-se nos períodos de ausência de atividade da sociedade, incluindo por isso o dever de manutenção de contabilista certificado, o dever de o informar da ausência de exercício do objeto social, ou de qualquer outra atividade comercial, ou de quaisquer atos pontuais de natureza patrimonial, e a extração dos devidos efeitos em sede de encerramento contabilístico de cada período e abertura do período seguinte, mais não seja, através da transferência dos valores dos saldos das contas apurados no encerramento do exercício anterior que, de acordo com o princípio da continuidade da contabilidade, devem ser contabilisticamente transferidos para o início do ano/período seguinte, sem prejuízo, evidentemente, das variações patrimoniais que possam ter sido produzidas apesar da ausência de novas transações pela sociedade, como por exemplo sucede quando ocorre recebimento de créditos sobre clientes ou a constituição de novos tributos fiscais sobre bens que se mantenham no imobilizado da sociedade inativa (como o imposto municipal sobre imóveis ou o imposto único automóvel), ou as consequências patrimoniais legais ou contratuais do passivo vencido e incumprido (desde logo, sanções e outros acréscimos emergentes da mora no cumprimento). Também nestes casos a contabilidade se destina a cumprir as finalidades informativa e normativa em cada período em que a sociedade se mantém juridicamente ‘ativa’ no ordenamento jurídico (que inclui a prevista pelo art.º 35º do CSC) – e que mais se impõe quando a inatividade coexiste com a subsistência de passivo vencido e não cumprido - pois, caso contrário, só os administradores da sociedade saberão se a sociedade exerceu ou não atividade ou algum ato ou se ocorreu ou não algum facto suscetível de produzir variações patrimoniais na esfera jurídica da sociedade, escapando assim ao controlo de terceiros, incluindo credores e administração fiscal. A ausência de elaboração de contabilidade impossibilita aos interessados tomarem conhecimento da situação patrimonial da empresa a partir do momento em que deixa de ser elaborada, com prejuízo para o conhecimento, perceção e compreensão da situação real e atual da empresa a que aquela se destina mas que, por omitida, não pode ser alcançada, como no caso consta evidenciado no relatório do art.º 155º apresentado nos autos pelo AI, no qual dá notícia da falta de elementos atualizados que lhe permitam definir a situação patrimonial atual da insolvente, e para o que não basta o que respeito lhe seja relatado pelo gerente da sociedade, aqui recorrente. Com efeito, desencadeado o procedimento judicial de liquidação do ativo e do passivo da devedora através da declaração da insolvência, a não manutenção de contabilidade organizada constitui conduta abstratamente apta a ocultar os atos praticados pela entidade no período em que não foi elaborada e, assim, a dificultar a avaliação da situação patrimonial da devedora, designadamente, no apuramento do passivo e dos bens e direitos que integram ou deviam integrar a massa insolvente, o que basta para fundamentar a qualificação da insolvência, independentemente da (in)existência de uma qualquer intenção de ocultar a situação patrimonial da devedora, e independentemente de a falta de informação disponível (no que se traduz a cessação dos registos contabilísticos) ter criado ou contribuído para criar e/ou agravar a situação de insolvência do devedor.[31]
Assim se impõe porque, além do mais, ainda que a sociedade não exerça qualquer atividade, pode-a exercer posto que mantém personalidade e capacidade jurídicas que lho permitem, até à sua extinção mantém-se no ordenamento jurídico como entidade que pode continuar a praticar atos e/ou continuar em funcionamento. Possibilidade e potencial que por si só impõe a manutenção de contabilidade ‘arrumada’, que o mesmo é dizer, atualizada, mais não seja, por imposição do regime da continuidade estruturante da contabilidade, do qual decorre que a contabilidade de um determinado período não pode ser elaborada sem que tenha sido elaborada relativamente aos períodos anteriores, sendo certo que, ainda que no decurso da ausência de atividade venha a ser objeto de dissolução – designadamente, e como sucedeu no caso, através da declaração da insolvência – a lei não só pressupõe que a contabilidade esteja elaborada até ao momento da dissolução (vd. art.º 149º do CSC), como prevê a manutenção dessa obrigação após a dissolução e até à liquidação (vd. arts. 155º[32] e 157º do CSC).
b) O que nos reconduz aos elementos literal e sistemático da lei. Desde logo da lei societária (CSC).
No art.º 143º prevê que O serviço de registo competente deve instaurar oficiosamente o procedimento administrativo de dissolução, caso não tenha sido ainda iniciado pelos interessados, quando: a) Durante dois anos consecutivos, a sociedade não tenha procedido ao depósito dos documentos de prestação de contas e a administração tributária tenha comunicado ao serviço de registo competente a omissão de entrega da declaração fiscal de rendimentos pelo mesmo período; (…). Desta norma resulta que basta que a inscrição da sociedade se mantenha em vigor no registo comercial para que esteja vinculada a prestar contas e, por isso, a elaborar contabilidade em cada período legal (como condição necessária ao cumprimento da prestação de contas). O mesmo pressuposto subjaz às demais causas de dissolução oficiosa previstas nas als. b) e c) - verificação e comunicação pela AT de ausência de atividade efetiva da sociedade ou da declaração oficiosa da cessação de atividade da sociedade.
No art.º 149º, sob a epigrafe Operações preliminares da liquidação prevê que 1 - Antes de ser iniciada a liquidação devem ser organizados e aprovados, nos termos desta lei, os documentos de prestação de contas da sociedade, reportados à data da dissolução.//2 - A administração deve dar cumprimento ao disposto no número anterior dentro dos 60 dias seguintes à dissolução da sociedade; caso o não faça, esse dever cabe aos liquidatários. Atendendo a que a dissolução e subsequente liquidação da sociedade pode ser instaurada na sequência da comunicação da declaração da cessação oficiosa da atividade pela AT, desta norma resulta que as obrigações de elaboração de contabilidade organizada e de elaboração, prestação e depósito de contas não se extinguem com aquela declaração.
Conclusão que as normas fiscais expressa e implicitamente confirmam, desde logo, na literalidade do nº 7 do art.º 8º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC). Sob a epígrafe ‘Período de Tributação’, ao que releva no art.º 8º prevê-se que: 1 - O IRC (…) é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil, sem prejuízo das exceções previstas neste artigo.[33] 4 - O período de tributação pode, no entanto, ser inferior a um ano: a) No ano do início de tributação, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade, a sede ou direção efetiva passa a situar-se em território português ou se começam a obter rendimentos que dão origem a sujeição a imposto, consoante o caso, e o fim do período de tributação; b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do período de tributação e a data da cessação da atividade; c) Quando as condições de sujeição a imposto ocorram e deixem de verificar-se no mesmo período de tributação, em que é constituído pelo período efetivamente decorrido; d) No ano em que, de acordo com o n.º 3, seja adotado um período de tributação diferente do que vinha sendo seguido nos termos gerais, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e o dia imediatamente anterior ao do início do novo período. 5 - Para efeitos deste Código, a cessação da atividade ocorre: a) Relativamente às entidades com sede ou direção efetiva em território português, na data do encerramento da liquidação, ou na data da fusão ou cisão, quanto às sociedades extintas em consequência destas, ou na data em que a sede e a direção efetiva deixem de se situar em território português, ou na data em que se verificar a aceitação da herança jacente ou em que tiver lugar a declaração de que esta se encontra vaga a favor do Estado, ou ainda na data em que deixarem de verificar-se as condições de sujeição a imposto; b) Relativamente às entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português, na data em que cessarem totalmente o exercício da sua atividade através de estabelecimento estável ou deixarem de obter rendimentos em território português. 6 - Independentemente dos factos previstos no número anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de atividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há intenção de a continuar a exercer, ou sempre que o sujeito passivo tenha declarado o exercício de uma atividade sem que possua uma adequada estrutura empresarial em condições de a exercer. 7 - A cessação oficiosa a que se refere o n.º 6 não desobriga o sujeito passivo do cumprimento das obrigações tributárias. 8 - O período de tributação pode ser superior a um ano relativamente a sociedades e outras entidades em liquidação, em que tem a duração correspondente à desta nos termos estabelecidos neste Código. 9 - O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período de tributação.
Como expressamente consta do nº 7, o legislador foi claro e incisivo na salvaguarda da manutenção das obrigações tributárias da entidade objeto de declaração oficiosa de cessação de atividade, o que fez sem qualquer distinção, pelo que, contrariamente ao que o recorrente alega, abrange todas as obrigações previstas na lei fiscal – as declarativas e as contributivas, as vencidas e as que venham a ser geradas pelo mero decurso do tempo -, no que se incluem as obrigações declarativas ficais previstas nos arts. 117º, nº 1 – a) Declaração de inscrição, de alterações ou de cessação, nos termos dos artigos 118.º e 119.º, b) Declaração periódica de rendimentos, nos termos do artigo 120.º; e c) Declaração anual de informação contabilística e fiscal, nos termos do artigo 121.º - e as Obrigações contabilísticas das empresas previstas nos arts. 123º[34]. Efetivamente, onde a lei quis distinguir para salvaguardar apenas algumas das obrigações tributárias fê-lo expressamente, como consta do nº 9 do art.º 117º no qual, reportando às entidades abrangidas pelo regime a transparência fiscal (art.º 6º do CIRC), numa redação semelhante à adotada pelo nº 7 (não desobriga), estabeleceu que do facto de não estarem sujeitas a tributação de IRC[35]não as desobriga de apresentação ou envio das declarações referidas no n.º 1.
Em coerência lógica e sistemática com os arts. 149º e 155º o CSC, o nº 10 do art.º 117º do CIRC mais prevê que Relativamente às sociedades ou outras entidades em liquidação, as obrigações declarativas que ocorram posteriormente à dissolução são da responsabilidade dos respetivos liquidatários ou do administrador da falência.
Dos arts. 120º, nº 3 e 121º, nº 4 do CIRC mais resulta que, relativamente aos casos de cessação de atividade previstos no art.º 8º do CIRC, o legislador só distingue ou diferencia do regime legal geral as sociedades que cessaram atividade nas condições ou pelas situações previstas no nº 5 desta norma - encerramento da liquidação; extinção por cisão ou fusão; mudança da sede e direção efetiva para território não português ou, nesta situação, data do encerramento do estabelecimento estável ou a partir da qual deixaram de obter rendimentos em território português; outras condições legais de não sujeição a imposto –, ou seja, as sociedades que deixaram de poder exercer atividade porque pura e simplesmente já não existem no ordenamento jurídico e, por isso, já não são suscetíveis de serem parte em transações ou qualquer relação jurídica (‘morte’ jurídica da pessoa coletiva), ou deixaram de ter condições para exercer atividade passível de ser tributada na sua esfera jurídica pela Administração fiscal de Portugal. Situações em que não se enquadram as sociedades objeto de declaração oficiosa de cessação da atividade nos termos do nº 6 do art.º 8º que, como se referiu, continuam a existir como tal, mantêm a qualidade de sujeitos de direitos e deveres e, contrariamente ao que o recorrente alega, continuam a poder praticar atos patrimoniais e a exercer atividade tributável (possibilidade que, de resto, é simultaneamente aceite pelo recorrente no ponto 10 das suas alegações ao afirmar que “A partir da cessação oficiosa em sede de IRC, as pessoas colectivas só ficam sujeitas ao cumprimento das obrigações declarativas e à respectiva liquidação e pagamento do imposto (…) relativamente aos períodos de tributação em que se verifique a existência de qualquer facto tributário sujeito a IRC (…).), razão pela qual e até à sua extinção permanecem sujeitas ao cumprimento das obrigações fiscais declarativas (pelo menos a declaração anual de informação contabilística e fiscal, vulgo IES[36]) cujos elementos, nos termos do nº 10 do art.º 120º e nº 5 do art.º 121º, devem “concordar exatamente com os obtidos na contabilidade ou nos registos de escrituração, consoante o caso.” O que, obviamente, pressupõe a sua elaboração.
Como não há regra sem exceção – a confirmar a regra -, mais se anota que só no âmbito do processo especial de insolvência o legislador admitiu[37] a extinção das obrigações declarativas fiscais nos termos do art.º 65º do CIRE, que constitui norma especial em relação ao regime geral fiscal, que reservou só e apenas para os casos em que o processo de insolvência prosseguiu para liquidação e a partir da deliberação do encerramento da atividade da insolvente; ou seja, quando se torna certo que não vai ser exercida qualquer atividade comercial através da sociedade para além dos atos necessários à liquidação do seu património e com vista à sua extinção, atividade que, como é sabido, fica sujeita ao controlo subjacente à fiscalização e sindicância judiciária do cumprimento dos deveres de informação e de prestação de contas nos termos também especialmente previstos pelo CIRE (arts. 62º a 64º). Mais se anota que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.05.20202 (processo 0736/18.0BELRS)[38] invocado pelo recorrente nas alegações foi tirado, precisamente, no âmbito de impugnação judicial da liquidação oficiosa de IRC referente a período subsequente ao encerramento da atividade de sociedade deliberada no âmbito do respetivo processo de insolvência, pelo que não constitui precedente jurisprudencial na questão objeto do presente recurso. No mesmo sentido, acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 18.05.2022, de cuja fundamentação consta que é “incontroverso que o artigo 65.º, n.º 3, do CIRE constitui uma disposição fiscal especial enxertada naquele Código e aplicável apenas aos processos de dissolução das sociedades que decorram da declaração de insolvência da sociedade. E que o artigo 8.º, n.º 5 do CIRC é uma disposição geral, que pretendeu abranger os casos de dissolução das sociedades que não estejam ressalvados por disposições fiscais especiais.” No sentido da decisão da sentença recorrida, e ao qual se adere, acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11.04.2019, de cujo sumário consta que “2. A cessação oficiosa da atividade não corresponde à extinção da sociedade, nem sequer à dissolução da mesma, recaindo sobre a sociedade cessada oficiosamente o dever de cumprimento de todas as obrigações tributárias, principais e/ou acessórias (art.º 8º/7 do CIRC).”
c) Finalmente, e debruçando-nos agora sobre a razão de ser da declaração da cessação oficiosa da atividade da sociedade pela AT prevista pelo art.º 8º, nº 6 do CIRC (e, para efeitos de IVA, no art.º 34º, nº 2 do CIVA), contrariamente ao que o recorrente parece pressupor – ao alegar que se extinguiu a obrigação de a insolente “manter a contabilidade organizada, bem assim a obrigação de elaborar as contas anuais no prazo legal, de submetê-las a fiscalização e de as depositar na conservatória do registo comercial (…), pois a não ser assim, a cessação oficiosa da actividade seria totalmente inócua, inútil e desprovida que qualquer sentido – o legislador não preconizou essa solução para desonerar ou ‘facilitar’ a vida às sociedades que manifestam ausência de atividade (ou não possuem estrutura empresarial em condições de a exercer), mas sim para tutela da verdade fiscal e contributiva através da prevenção da evasão fiscal por recurso a utilização de sociedade sem efetiva atividade mas que é mantida apenas para fins fraudulentos.
Efetivamente, o único efeito legal que o legislador fiscal quis atribuir à declaração oficiosa da cessação de atividade consta previsto no art.º 23º-A. Sob a epigrafe Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais aí se prevê que 1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (…); c) (…) bem como os encargos evidenciados em documentos emitidos (…) por sujeitos passivos cuja cessação de atividade tenha sido declarada oficiosamente nos termos do n.º 6 do artigo 8.º ou por sujeitos passivos que não tenham entregue a declaração de inscrição, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 117.º;. No nº 4 mais prevê que: A Autoridade Tributária e Aduaneira deve disponibilizar a informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos, que seja considerada relevante para efeitos do disposto na segunda parte da alínea c) do n.º 1. Ou seja, através da declaração oficiosa da cessação de atividade de uma sociedade a sociedade não fica impedida de continue a praticar atos comerciais, o que a AT visa é produzir a irrelevância fiscal das aquisições que à mesma sejam feitas por empresas, impedindo estas de as declarar como custos para efeitos fiscais, ou seja, de as deduzir à matéria coletável sujeita a tributação[39]. Por isso mesmo as declarações oficiosas de cessação de atividade são divulgadas no Portal das Finanças para travar "a utilização indevida dos números de identificação fiscal". Essa a razão pretendido tutelar e o único efeito legal decorrente da declaração oficiosa da cessação de atividade prevista pelo art.º 8º, nº 6 do CIRC, para além da sua comunicação pela AT ao registo comercial com vista à instauração de procedimento administrativo de dissolução e liquidação que, como se viu, não dispensa a obrigação de manutenção de contabilidade organizada.
Mostra-se assim concretizado o incumprimento do dever de manter a contabilidade organizada na sua forma mais absoluta, que é de total ausência de elaboração de contabilidade nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, e que corresponde inexoravelmente a incumprimento substancial do dever de manter contabilidade organizada imputável ao recorrente na qualidade de gerente da insolvente. A mera demonstração desse facto é o quanto basta para considerar verificados ope legis a culpa grave e o nexo de causalidade entre essa conduta e, no caso, o agravamento da situação de insolvência, e para qualificar a insolvência com fundamento nesse facto, independentemente da existência ou não de uma qualquer intenção de ocultar a situação patrimonial da devedora, e independentemente de a falta de informação disponível em que se traduz a cessação dos registos contabilísticos ter efetivamente criado ou contribuído para criar e/ou agravar a situação de insolvência do devedor.
Com o que se confirma o acerto da decisão recorrida, de qualificação da insolvência como culposa, com fundamento na al. h) do nº 2 do art.º 186º do CIRE.
Mais se declara prejudicada a apreciação dos demais fundamentos para qualificação da insolvência invocados nos pareceres, por declarados prejudicados pela sentença recorrida sem que nessa parte esta tenha sido objeto de recurso pelo Ministério Público ou por qualquer credor.
V - Decisão
Por todo o exposto, acordam as juízas que integram a 1ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, na manutenção da decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo do recorrente (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).
Lisboa, 08.04.2025
Amélia Sofia Rebelo
Renata Linhares de Castro
Elisabete Assunção
_______________________________________________________ [1] Diploma a que pertencem todas as normas citadas sem outra indicação. [2] Porventura decorrente da elaboração das alegações de recurso por recurso a outra peça do ficheiro do ilustre mandatário do recorrente. [3] Indevidamente na medida em que a verificação de cada um dos fundamentos legais da qualificação da insolvência pode coexistir com os demais por não existir uma qualquer relação de exclusão ou de dependência entre si, e porque cumpre apreciar cada um dos factos fundamento imputados aos requeridos por relevante na fixação da medida dos efeitos legais da qualificação da insolvência como culposa aos por ela afetados, designadamente, no quantum da indemnização a fixar em benefício dos credores da insolvência. [4] Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pp. 10f3 e 106. [5] Corresponde ao atual art.º 631º,nº 2 do CPC. [6] No mesmo sentido, acórdão do STJ de 15.02.2018, ambos disponíveis na página da dgsi. [7] J. de Castro Mendes e M. Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, AAFDL, Vol. I, p. 19. [8] Considerando que foi a única pessoa indicada e declarada afetada pela insolvência culposa. [9] Da sentença consta ‘dividido’, verbo que se substituiu por incorreto – não está dividido o que é ou permanece uno. [10] Consigna-se que se procedeu à descrição narrativa, em itálico, dos elementos relevantes do documento em substituição da respetiva cópia/imagem que o tribunal recorrido inseriu na elaboração daquele facto. [11] Idem nota 11. [12] Na redação que a este ponto foi dada pelo tribunal a quo consta “No dia 31 de Agosto de 2015, a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA emitiu um “documento comprovativo da declaração de cessão de actividade”, em sede do qual consignou que a cessação em sede de IVA teve lugar no dia 31 de Agosto de 2015”, descrição que não corresponde ao teor do documento em questão, do qual consta que a declaração de cessação de IVA apresentada pela sociedade insolvente foi rececionada pelo serviço de finanças em 2015-09-24, como igualmente consta no ofício do serviço de Finanças junto aos autos em 27.05.2024. [13] Conforme cópia/imagem do documento conduzida ao ponto 12, dele consta declaração de “Cessação em IRC// Data: 2020-12-31//Motivo: Cessação Oficiosa” [14] Idem nota 11, aqui em substituição da cópia/imagem da lista de créditos. [15] Cfr. doc. 7 junto com a petição de insolvência. [16] Vd. Manuel Carneiro da Frada, A responsabilidade dos administradores na insolvência, ROA, Ano 66, Set. 2006, p. [17] Nesse sentido, entre muitos outros, acórdão da RC de 07.02.2012, proc. 2273/10.1TBLRA-B.C1. [18] Nesse sentido, entre muitos outros, acórdão da RC de 07.02.2012, proc. 2273/10.1TBLRA-B.C1, do STJ de 15.02.2018, proc. nº 7353/15.4T8VNG-A.P1.S1, e ac. da RP de 21.02.2019, proc. n.º 1733/15.2T8STS-B.P1. [19] Cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 570/2008 de 26.11.2008: “Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal (não importa aqui averiguar se mediante enunciação taxativa ou concretizações exemplificativas) de situações típicas de insolvência culposa.//(…).// Ora, o estabelecimento da presunção em análise tem a vantagem de evitar a subjectividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico, ao mesmo tempo que supera as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência. São objectivos perfeitamente legítimos, alicerçados não só em razões de segurança jurídica, mas também de justiça material, que justificam uma limitação ao âmbito de apreciação e, consequentemente, ao objecto de prova, mediante a imposição normativa (ex vi legis) de uma conclusão jurídica, perante a verificação de certos factos que o interessado pode discutir nos termos gerais.” [20] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Iuris, Vol. II, p. 15. [21] Texto citado. [22] Acórdão desta secção de 25.01.2022, não publicado, relatado por Fátima Reis Silva no processo 15973/18.9T8SNT-A.L1 e subscrito como adjuntas pelas aqui relatora e 1ª adjunta. [23] Nas palavras de José Engrácia Antunes, “O legislador comercial não se bastou com a exigência geral de manutenção de uma escrituração mercantil (art.º 29º do CCom), impondo ainda aos empresários uma obrigação de estes realizarem periodicamente o ponto da respetiva situação económico-financeira e patrimonial – traduzida no dever de prestação de contas anuais: nos termos do art.º 62º do CCom, «todo o comerciante é obrigado a dar balanço anual ao seu ativo e passivo nos três primeiros meses do ano imediato.»” (Direito da Contabilidade, Uma Introdução, Almedina, 2019, p. 108). “A mais antiga e importante projeção jurídica da contabilidade consiste na prestação de contas por parte das empresas (…) que visa proceder a um «acertamento» ou verificação periódicos do respetivo estado financeiro-patrimonial.” (idem, p. 47) [24] Do art.º 34º do parecer do MP consta alegado que “À luz do Sistema de Normalização Contabilística, uma contabilidade organizada é a que apresenta: (i) Balanço; (ii) Demonstração dos resultados por naturezas; (iii) Demonstração dos fluxos de caixa pelo método directo e a que apresenta de forma apropriada a posição financeira, o desempenho financeiro e os fluxos de caixa da entidade.” [25] Integram as Demonstrações Financeiras, o Balanço, a Demonstração dos resultados por naturezas, a Demonstração das alterações no capital próprio, a Demonstração dos fluxos de caixa pelo método direto e o Anexo (cfr. als. a) a e) do nº1 do art.º 11º do Decreto-Lei n.º 158/2009). [26] A designada escrituração mercantil (art.º 30º do Código Comercial) que, até à revogação dos arts. 32º a 36º Código Comercial pelo Decreto Lei nº76-A/2006 de 29.03, era obrigatoriamente elaborada através do registo nos ‘Livros’ obrigatórios de Diário e de Razão. [27] “[A] conta constitui assim a unidade básica de classificação e registo dos diferentes elementos integrantes do ativo e passivo patrimonial de uma empresa, expressa em valores monetários (euros). //(…) as contas aparecem distribuídas no SNC português ao longo de 8 classes fundamentais (…), cada uma dessas classes subdivide-se em diferentes subclasses (…).” (José Engrácia Antunes, ob. cit., p. 13 e s.). [28] Apesar de não corresponder a documento contabilístico obrigatório, corresponde a documento de utilização interna da empresa, relevante na preparação das respetivas contas anuais e na tomada de decisões na condução da gestão da empresa por fornecer um resumo básico financeiro que reflete a contabilidade de uma empresa num determinado período através da indicação do total dos débitos e dos créditos das contas (previstas pelo SNC). [29] Documento contabilístico obrigatório incluído nas demonstrações financeiras anuais das empresas que, através da inscrição dos saldos das várias rubricas integrantes dos respetivos ativo, passivo e capital próprio, fornece uma representação numérica e separada do saldo dos ativos e dos passivos, correntes e não correntes, e, assim, informação, expressa em termos monetários, sobre a posição financeiro-patrimonial da empresa. [30] J. Engrácia Antunes, ob. cit., p. 101 [31] Nesse sentido, e a respeito do valor jurídico das várias alíneas do nº 2 do art.º 186º Acórdão nº 70/2012, proc. nº 651/11 do Tribunal Constitucional: “(…) enquanto que as das alíneas a) a g) se reportam diretamente a atos de gestão que é de presumir terem concorrido materialmente para a situação de insolvência (ou para o seu agravamento), as das alíneas h) e i) têm outro cariz. Incidem sobre formas de incumprimento que produzem ou podem produzir “efeitos de ocultação” sobre a real situação patrimonial e financeira do devedor, com todos os riscos que tal coenvolve, dificultando ainda uma atuação célere e eficaz do administrador da massa insolvente.” [32] Estabelece que 1 - Os liquidatários devem prestar, nos três primeiros meses de cada ano civil, contas da liquidação, as quais devem ser acompanhadas por um relatório pormenorizado do estado da mesma.//2 - O relatório e as contas anuais dos liquidatários devem ser organizados, apreciados e aprovados nos termos prescritos para os documentos de prestação de contas da administração, com as necessárias adaptações. [33] Nos termos do art.º 2º, nº 1 do CIRC São sujeitos passivos do IRC: a) As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado, com sede ou direção efetiva em território português; (…). [34] Sob a epígrafe Obrigações contabilísticas estabelece, sem exceções, que 1 - As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais entidades que exerçam, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, com sede ou direção efetiva em território português, bem como as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território, aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável. [35] O art.º 12º do CIRC prevê que As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas. [36] A IES - Informação Empresarial Simplificada -, criada pelo Dec. Lei n.º 8/2007 de 17.01, consiste na prestação da informação de natureza fiscal, contabilística e estatística respeitante ao cumprimento das obrigações legais referidas no n.º 1 do artigo 2.º através de uma declaração única transmitida por via electrónica. (art.º 1º, nº 2). [37] Alteração introduzida pela Lei nº16/2012 de 20.04, depois de intensa discussão judiciária e fiscal sobre a problemática da situação fiscal da sociedade insolvente em liquidação e do âmbito da responsabilidade fiscal dos administradores da insolvência pela mesma, matéria que, apesar da dita alteração, ainda hoje não é objeto de tratamento consensual, pelo menos na interpretação e aplicação que dela é feita pela administração fiscal. [38] Assim sumariado: “I - Após a deliberação do encerramento da atividade dos estabelecimentos compreendidos na massa insolvente e a comunicação desse facto à Autoridade Tributária pelo tribunal competente, extingue-se o dever de apresentação periódica das declarações de rendimentos relativas a períodos ulteriores e a que alude o artigo 120.º do CIRC.//II - Em consequência, cessa também o poder-dever da Administração Tributária de proceder à liquidação oficiosa do imposto e a que alude a alínea b), do n.º 1 do artigo 90.º do mesmo Código. [39] Sobre a questão, vd. decisão do centro de arbitragem administrativa (CAAD) de 06.10.2024.