PROVIDÊNCIA CAUTELAR
HORÁRIO FLEXÍVEL
TRABALHADOR COM RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PARECER FAVORÁVEL DO CITE
RECUSA DA EMPREGADORA APENAS APÓS DECISÃO JUDICIAL QUE RECONHEÇA A EXISTÊNCIA DE MOTIVO JUSTIFICATIVO
Sumário

I – O decretamento de uma providência cautelar depende sempre da verificação de dois requisitos, cumulativos, a saber: um primeiro, relacionado com a verificação da aparência de um direito; um segundo, respeitante à demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
II – Ao trabalhador com responsabilidades parentais é, nos termos do artigo 56.º do Código do Trabalho de 2009, consentido proceder à indicação, para atribuição pelo empregador de horário flexível, de horário compatível com tais responsabilidades, incluindo nos dias úteis (2ª a 6ª feira), designadamente hora de saída, e aos dias de descanso, designadamente sábados e domingos.
III – Perante o parecer desfavorável da CITE à intenção de recusa do pedido de horário flexível, a empregadora apenas pode recusar tal pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo (art. 57º, nºs 5 e 7, do CT/2009), cabendo-lhe o ónus de alegação e prova desse pressuposto legitimador da recusa.
IV – Se a empregadora recusar o pedido de horário flexível sem verificação do pressuposto em referência, impedindo o trabalhador de dar assistência aos filhos menores de doze anos - com a inerente afetação do direito/dever ao exercício da responsabilidade parental do requerente -, fazendo-o incorrer em faltas injustificadas com descontos na retribuição e eventual responsabilidade disciplinar, e não tendo a requerida empregadora alegado e demonstrado factualidade subsumível à previsão do n.º 2 do artigo 57.º do Código do Trabalho, justifica-se a concessão de providência cautelar do horário flexível requerido por estarem verificados os requisitos cumulativos do fumus boni juris e periculum in mora.

Texto Integral

Recurso de apelação nº 7045/24.3T8PRT.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, Juiz 3

Relatora: Germana Ferreira Lopes
1ª Adjunta: Teresa Sá Lopes
2º Adjunto: Nelson Nunes Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

AA intentou procedimento cautelar comum contra A..., SA, peticionando, no decretamento da providência:

a) O reconhecimento da violação do disposto no art. 57.º do C.T., por não estar a ser permitido usufruir do horário flexível requerido e aprovado pelo Parecer da CITE;

b) Seja determinada a imediata obrigatoriedade da R. atribuir ao A. o horário de segunda a sexta-feira, com dispensa sábados, domingos e feriados, dentro da plataforma requerida;

c) A eliminação das faltas injustificadas com reposição retributiva ainda que provisória;

d) O reconhecimento de trabalho efetivo nos dias em que o A. se apresentou ao trabalho e foi impedido de o prestar;

e) A fixação, ainda que provisória, ao A. do horário solicitado, sem qualquer penalização, assim permitindo manutenção do vínculo contratual.

Invocou, em síntese, o seguinte (requerimento inicial refª citius 38712060): as partes assinaram contrato de trabalho em 20-09-2019; em 19 de setembro de 2023, enviou o Requerente aos Recursos Humanos da Requerida, um requerimento a solicitar a atribuição da modalidade de trabalho em regime de horário flexível organizado diária e semanalmente, de segunda a sexta-feira, com dispensa de prestação de trabalho aos sábados e domingos, nos termos dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho, conforme documento 2 e documentos anexos que juntou; tal pedido deve-se às dificuldades crescentes que o Requerente enfrenta para cuidar dos seus 3 filhos menores, dois com idades inferiores a 12 anos, mais precisamente 6 e 4 anos, que dependem deste, em termos de apoio, assistência e acompanhamento; a mãe dos menores tem horário de trabalho organizado de segunda a domingo, em turnos rotativos, não estando a usufruir de horário flexível ou qualquer outro desta natureza com base no regime da parentalidade e não existem outros elementos da família que possam assegurar o cuidado e assistência aos menores; o pedido foi rececionado pela Requerida a 21-09-2023, obteve resposta a 11-10-2023, comunicando a recusa de pedido de alteração de horário de trabalho; o Requerente, a 20-10-2023, voltou a responder reiterando o pedido e fundamentando que o motivo visava acompanhar, assistir e apoiar os filhos menores, numa idade crucial de crescimento e desenvolvimento; a Requerida solicitou a intervenção para a confirmação da intenção de recusa à Comissão para a Igualdade no Trabalho, tendo o parecer sido desfavorável (Parecer nº 1085/CITE/2023); ainda assim, a Requerida manteve a recusa de aplicação ao Requerente do horário flexível nos termos pedidos e confirmado pelo Parecer da CITE, e manteve a organização do horário deste nos termos anteriores ao pedido formulado; com o não cumprimento da Requerida, o Requerente necessitou da intervenção do CESP-Sindicato, que, perante a resposta dada, foi obrigado a solicitar a intervenção das entidades competentes (ACT); a Requerida não cumpriu com o requerido, tendo colocado o Requerente a trabalhar aos fins-de-semana e com folgas à semana, não permitindo a sua entrada ao serviço, sancionando a sua ausência com faltas injustificadas sem remuneração, o que se está a traduzir num prejuízo insuportável para o Requerente que não pode deixar os seus filhos menores sozinhos; a 12-03-2024, a Requerida enviou uma carta ao Requerente a informar que iria ser sancionado pelas faltas quanto aos efeitos na retribuição e na apreciação do comportamento, pelo que existem sérios riscos do Requerente vir a ser despedido pela Requerida; o Requerente tem já 18 faltas ao trabalho, injustificadas, tendo a Requerida descontado a este as quantias que indica nos meses de dezembro de 2023 a março de 2024; o Requerente aufere de retribuição base € 880,00 e tem período de trabalho normal semanal de 40 horas habitualmente distribuídas em 5 dias de segunda a domingo, 8 horas por dia.

Por despacho refª citius 459035928 foi designada audiência final da Requerida, com a citação da Requerida para os termos da providência.

A Requerida, deduziu oposição (refª citius 38947872), pugnando pela improcedência do procedimento cautelar e respetiva absolvição dos pedidos formulados, por entender que a posição do Requerente carece de fundamento, de facto e de direito, e por não estarem cumpridos os pressupostos formais e processuais para que seja decretada a providência.

Realizada a audiência conforme atas refªs citius 459848321 e 460021456, foi depois proferida decisão final refª citius 460041918, de cujo dispositivo se fez constar (transcrição):

«VI – DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos referenciados,

1. Julgo a presente providência cautelar parcialmente procedente e consequentemente:

a. Declaro que ocorreu violação do disposto no art. 57.º do C.T., por banda da Requerida, por não estar a ser permitido usufruir do horário flexível requerido e aprovado pelo Parecer da CITE;

b. Condeno a Requerida atribuir ao A. horário de segunda a sexta-feira, com dispensa sábados, domingos e feriados, dentro da plataforma requerida;

c. Condeno a Requerida a restituir ao Requerente as quantias que lhe deduziu a título de faltas injustificadas, designadamente: a) em janeiro de 2024 referente a dezembro de 2023 € 54,69; b) em janeiro de 2024 referente a janeiro de 2024 € 58,69; c) Em fevereiro de 2024 referente a janeiro de 2024 € 176,07; d) em março de 2024 referente a fevereiro de 2024 € 58,69.

2. Absolvo a Requerida do que ademais foi peticionado.

Custas por Requerente e Requerida, fixando-se as custas a cargo da Requerida em 90% e a cargo do Requerente em 10%.

Valor do procedimento: € 30.000,01 Notifique e registe.
A Requerida apresentou requerimento refª citius 39169496 de interposição de recurso de apelação da decisão final no qual requereu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso nos termos do disposto no artigo 83.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, mediante depósito da caução “no montante em que foi condenada, i.e. € 348,14”.
Juntou alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:
«I. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal a quo a 13 de maio de 2024, no âmbito de procedimento cautelar comum iniciado pelo Requerente/ora Recorrido.
II. A sentença proferida pelo Tribunal a quo é manifestamente contrária à lei, nomeadamente quanto aos pressupostos de decretamento de uma providência cautelar.
III. O Tribunal a quo deu como indiciariamente provado nos pontos 3 a 5 do rol de factos dados como provados que:
3. O Requerente cuida dos seus três filhos menores, dois com idades inferiores a 12 anos, mais precisamente 6 e 4 anos, que dependem deste, em termos de apoio, assistência e acompanhamento;
4. A mãe dos menores, BB, tem horário de trabalho organizado de segunda a domingo, em turnos rotativos, não estando a usufruir de horário flexível ou qualquer outro desta natureza com base no regime da parentalidade e não existem outros elementos da família que possam assegurar o cuidado e assistência aos menores;
5. Aos fins-de-semana não há escola e o Requerente não tem suporte familiar para deixar os menores;
IV. O Tribunal a quo fundamentou a referida decisão sobre a matéria de facto na prova produzida em julgamento, analisada de forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum.
V. A prova produzida, quanto aos pontos 3 a 5 do rol de factos dados como provados, resume-se às quatro testemunhas arroladas pelo Recorrido, a saber:
i. CC – dirigente sindical;
ii. DD – dirigente sindical
iii. EE – colega de trabalho do Recorrido
iv. FF – colega de trabalho do Recorrido
VI. O Tribunal a quo não valorou corretamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento, incorrendo em erro sobre a matéria de facto por ter dado como provados factos sobre os quais, pura e simplesmente, não foi produzida qualquer prova.
VII. Quanto aos factos 3, 4 (in fine) e 5 (in fine), não tendo sido feita a prova dos factos aí mencionados, nomeadamente quanto aos factos relativos às circunstâncias da vida familiar do Recorrido, devem os referidos factos ser alterados, passando a ter a seguinte redação:
3. O Requerente tem 3 filhos menores, dois com idades inferiores a 12 anos, mais precisamente 6 e 4 anos;
4. A mãe dos menores, BB, tem horário de trabalho organizado de segunda a domingo, em turnos rotativos, não estando a usufruir de horário flexível ou qualquer outros desta natureza com base no regime da parentalidade;
5. Aos fins de semana não há escola;
VIII. Os meios de prova que foram incorretamente valorados pelo Tribunal a quo e que, por isso, impõem esta decisão são:
i. Depoimento da testemunha CC, prestado na sessão da audiência de julgamento de 07/05/2024, entre as 11:14 e as 11:22, gravado no sistema em uso nos Tribunais e constante do ficheiro áudio “Diligencia_7045-24.3T8PRT_2024-05-07_11-14-35”, minuto 00:00:34 a 00:00:45 e 00:06:43 a 00:08:02;
ii. Depoimento da testemunha DD, no seu depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento de 07/05/2024, entre as 11:22 e as 11:33, gravado no sistema em uso nos Tribunais e constante do ficheiro áudio “Diligencia_7045-24.3T8PRT_2024-05-07_11-22- 50”, minuto 00:07:55 a 00:08:33;
iii. Depoimento da testemunha EE depoimento prestado na sessão da audiência de julgamento de 07/05/2024, entre as 11:33 e as 11:47, gravado no sistema em uso nos Tribunais e constante do ficheiro áudio “Diligencia_7045-24.3T8PRT_2024-05-07_11-33-39”, minuto 00:10:41 a 00:11:12.
iv. Depoimento da testemunha FF, prestado pela referida testemunha, na sessão da audiência de julgamento de 07/05/2024, entre as 11:47 e as 11:54, gravado no sistema em uso nos Tribunais e constante do ficheiro áudio “Diligencia_7045-24.3T8PRT_2024-05-07_11-47-20”, entre os minutos 00:01:56 e 00:08:32.
IX. Dos diversos depoimentos supra referidos, resulta à saciedade que, ao contrário do que consta da sentença recorrida, nenhuma das testemunhas arroladas conhece, de facto, a “condição de vida do Requerente” ou “as circunstâncias da vida familiar do Requerente”, nomeadamente se é a este quem cabe cuidar, apoiar, assistir e acompanhar os seus filhos menores, se existem ou não outros elementos da família que possam assegurar o cuidado e assistência aos ditos menores ou se o Recorrido não tem suporte familiar para deixar os menores.
X. Não podia, assim. o Tribunal a quo - sob pena de manifesto erro na apreciação da prova e subversão de tais princípios – fundamentar a decisão sobre a matéria de facto nos depoimentos das testemunhas CC, DD, EE ou FF.
XI. Recorrendo à fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo – que referiu ter baseado a sua convicção exclusivamente na prova testemunhal – a conclusão sobre a prova indiciária dos factos 3 a 5 do rol de factos provados, afigura-se impossível e manifestamente errada.
XII. A decisão de facto sobre os referidos pontos não teve ainda em conta a restante prova testemunhal produzida em audiência de julgamento que, de forma acessória, obrigaria ao julgamento distinto dos referidos pontos da matéria de facto indiciariamente provada, a saber:
i. O depoimento de GG, gestora de recursos humanos na Recorrente, prestado na sessão da audiência de julgamento de 07/05/2024, entre as 11:57 e as 12:20, gravado no sistema em uso nos Tribunais e constante do ficheiro áudio “Diligencia_7045-24.3T8PRT_2024-05-07_11-57- 51”, minuto 00:05:56 a 00:06:19;
ii. O depoimento de HH, gerente da área de serviço onde o Recorrido exerce funções, prestado na sessão da audiência de julgamento de 13/05/2024, entre as 10:35 e as 10:54, gravado no sistema em uso nos Tribunais e constante do ficheiro áudio “Diligencia_7045- 24.3T8PRT_2024-05-13_10-35-45”, minuto 00:05:18 a 00:05:30; e
iii. Depoimento da testemunha II, gestor operacional da área de serviço onde o Recorrido exerce funções, prestado na sessão da audiência de julgamento de 13/05/2024, entre as 10:54 e as 11:18, gravado no sistema em uso nos Tribunais e constante do ficheiro áudio “Diligencia_7045-24.3T8PRT_2024-05-13_10-54-45”, minuto 00:05:30 a 00:06:00.
XIII. A sentença recorrida é, ademais, nula por omissão de pronúncia quanto á impossibilidade objetiva de fixação do horário pretendido pelo Recorrido, conforme alegado pela Recorrente na sua oposição.
XIV. Na Oposição que deduziu, a Recorrente invocou a impossibilidade objetiva de fixação do horário flexível pretendido pelo Recorrido, pelo facto de este não lhe ter fornecido os elementos necessários para esse efeito (artigos 50.º a 57.º da Oposição).
XV. Quanto a essa questão, nada disse o Tribunal a quo, não obstante ter decidido levar tal facto ao rol dos factos dados como provados (vide facto n.º 18 do rol) e, por isso, ter julgado que tal facto tem relevância para a decisão da causa.
XVI. Não podia o Tribunal a quo limitar a sua apreciação da existência de fumus boni juris a um parágrafo genérico, com meras remissões para normas legais e para um Acórdão, não escrevendo uma linha sobre uma questão cuja apreciação lhe foi solicitada, principalmente quando tal questão constitui uma verdadeira questão capaz de levar à improcedência de todos os pedidos formulados pelo Recorrido na providência cautelar, já que, a ser procedente, eliminaria a existência de fumus boni juris e, assim, obliteraria um dos requisitos para decretamento da providência cautelar.
XVII. Ao não apreciar minimamente a questão que lhe foi colocada quanto à referida exceção, o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, que fere de morte a sentença recorrida, tornando-a nula nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do número 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º do Código do Processo do Trabalho, com as legais consequências.
XVIII. O Tribunal a quo incorreu ainda em erro de julgamento quanto ao preenchimento dos requisitos para decretamento de uma providência cautelar, nomeadamente fumus boni juris e periculum in mora.
XIX. Quanto ao requisito de fumus boni juris, o pedido de horário flexível inicialmente formulado pelo Recorrido, nos termos por este escolhidos para o delimitar, determinava que o horário tivesse início “nunca antes das 7h00 e seu termo nunca depois das 17h00, com exceção dos dias em que a mãe do menor fizer abertura de loja, tendo que entrar às 8h30 e sair nunca depois das 17h30”.
XX. Foi o próprio Recorrido quem definiu o horário requerido, com duas soluções alternativas:
i. Nos dias em que a mãe dos menores não fizer abertura de loja: o horário a fixar pela Recorrente terá de sê-lo tendo em conta uma hora de início nunca antes das 7:00 e uma hora de termo nunca após as 17:00;
ii. Nos dias em que a mãe dos menores fizer abertura de loja: o horário a fixar pela Recorrente terá de sê-lo com uma hora de início fixada às 8:30 e hora de termo nunca após as 17:30.
XXI. A forma como o próprio Recorrido formulou o seu pedido inicial torna objetivamente impossível à Recorrente fixar o horário nos termos peticionados, sem que, previamente, o Recorrido informe os serviços da Recorrente, sobre os dias em que a mãe dos seus filhos menores faz abertura de loja, já que, sem tais informações sempre seria impossível à Recorrente – se não por adivinhação – saber se deveria fixar, ao Recorrido, um horário com início às 7:00 ou, em alternativa, com início às 8:30.
XXII. O Tribunal a quo deu, e bem, como provado “o Requerente não comunicou à Requerida os horários de abertura e fecho de loja por parte da mãe dos seus filhos menores.” (ponto 18 dos factos dados como provados).
XXIII. Porém, o Tribunal a quo não retirou deste facto qualquer consequência.
XXIV. Perante a existência de causa impeditiva à fixação do horário nos termos pretendidos pelo Recorrido, não poderia o Tribunal a quo entender como verificado o pressuposto de fumus boni juris, essencial ao decretamento da providência cautelar requerida.
XXV. Quanto ao preenchimento do requisito periculim in mora o Tribunal a quo fundou o dito preenchimento nas circunstâncias da vida familiar do Recorrido, que fazem com que a recusa do horário peticionado lhe cause “lesões graves e de difícil reparação à sua vida familiar, afetando de forma grave esse direito fundamental” e nas condições económicas e de vida do Recorrido determinam que o desconto verificado na sua retribuição, em virtude das faltas injustificadas, “lhe causará previsivelmente e de modo indiciário constrangimentos graves, bem como ao seu agregado”, pois este aufere um rendimento próximo da remuneração mínima garantida.
XXVI. No que toca ao primeiro nenhuma prova foi produzida quanto às condições de vida familiar do Recorrido, nomeadamente se o mesmo tem ou não com quem deixar os seus filhos menores e/ou os impactos que a prestação de trabalho ao fim de semana tem na vida familiar do mesmo.
XXVII. Sem que tenha sido feita qualquer prova ou sequer que algo tenha sido alegado, a este respeito, no Requerimento Inicial apresentado pelo Recorrido, não podia o Tribunal a quo, sem mais e dispensando a necessidade de alegação e prova da existência de tais lesões graves e dificilmente reparáveis, concluir pela existência do requisito de periculum in mora.
XXVIII. A fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo para sustentar o preenchimento do dito requisito reveste-se de absoluta vagueza e generalidade, deixando várias questões relativamente ao caso concreto sem resposta: Que lesões são essas? Como se manifestam? Qual a sua gravidade? Existem fatores passíveis de mitigar essas lesões?
XXIX. A necessidade de segurança jurídica não se compadece com decisões francamente genéricas e com fundamentações que, em abstrato, podiam dizer respeito ao presente caso ou a qualquer outro do mesmo género.
XXX. Da sentença recorrida nada se retira quanto às lesões graves e dificilmente reparáveis que se possam produzir ou ter produzido no caso concreto do Recorrido.
XXXI. Nada foi alegado pelo Recorrido quanto à sua vida familiar e quando aos danos (e sua gravidade) sofridos pela alegada ação da Recorrente.
XXXII. Consequentemente, nada foi provado a esse respeito.
XXXIII. Não poderia o Tribunal a quo, sem base nem fundamento, decidir pela verificação do requisito de periculum in mora por putativos danos graves e de difícil reparação à vida familiar do Recorrido, tendo incorrido em manifesto erro de julgamento ao fazê-lo.
XXXIV. Quanto ao segundo, o Tribunal a quo decidiu julgar preenchido o requisito do periculum in mora por putativos constrangimentos graves à situação económica do Recorrido e do seu agregado familiar, sem que tenha sido alegado no Requerimento Inicial um facto sequer passível de configurar tais constrangimentos e, consequentemente, sem um único facto provado que permita alcançar essa conclusão jurídica.
XXXV. Dos factos dados como provados, quanto a esta questão, apenas resulta que i) o Recorrido aufere € 880,00 de retribuição base (facto 17 do rol dos factos dados como provados); e ii) que lhe foram descontados na retribuição: € 54,69 referentes ao mês de dezembro de 2023, 234,76 referentes ao mês de janeiro de 2024 e € 58,59 referentes ao mês de fevereiro de 2024.
XXXVI. Nada mais foi alegado pelo Recorrido em sede de Requerimento Inicial e, consequentemente, nada mais foi dado como provado quanto à condição económica do Recorrido e, muito menos, quanto à condição económica do agregado familiar
XXXVII. Não podia o Tribunal a quo ter dado como verificado o requisito do periculum in mora por putativas lesões graves, dificilmente reparáveis, à situação económica do agregado familiar do Recorrido, quando não deu como provado um único facto que permita aferir – sem que o faça por adivinhação – da situação económica real do dito agregado.
XXXVIII. Para que possa ser decretada uma providência cautelar, antecipando a tutela jurisdicional efetiva conferida pelos tribunais através das ações comuns, o legislador exigiu não o mero dano, mas antes um verdadeiro dano qualificado: um dano grave e dificilmente reparável.
XXXIX. Para aferir da maior ou menor gravidade da retribuição descontada ao Recorrido, no caso concreto, sempre o Tribunal a quo teria de conhecer a situação económica do agregado familiar antes dos referidos descontos.
XL. Ainda que tal salto lógico fosse admissível em todos os meses em que o Recorrido teve o seu vencimento descontado em virtude das faltas injustificadas que lhe foram averbadas, apenas em um deles, janeiro de 2024, auferiu valor inferior ao dito salário mínimo nacional.
XLI. Daí que nem o raciocínio simplista de ter apenas em consideração a retribuição base auferida pelo Recorrido seria suficiente, dado o valor do salário mínimo nacional, para considerar como verificado o requisito de periculum in mora pela putativa gravidade da lesão produzida.
XLII. Nada foi dado como provado, na sentença recorrida que permita concluir que as lesões produzidas na esfera jurídica do Recorrido – consubstanciadas nos descontos referentes às faltas injustificadas – se apresentam como irreparáveis.
XLIII. Em regra, os danos materiais são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva, exigindo-se prova qualificada da sua irreparabilidade para preenchimento do requisito de periculum in mora.
XLIV. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar preenchido o requisito de periculum in mora.
XLV. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 413.º, 414.º e alínea d) do número 1 do artigo 615.º, todos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho e o artigo 362.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 32.º do Código de Processo do Trabalho.».
Termina dizendo que o recurso deve ser julgado procedente e, consequentemente, a decisão recorrida ser revogada por outra que declare improcedente todos os pedidos deduzidos com a providência cautelar.

O Requerente veio apresentar contra-alegações (refª citius 39458259), posicionando-se no sentido de não dever ser aceite a caução oferecida nem atribuído efeito suspensivo ao recurso e formulando as seguintes conclusões:

«1 - A R/Apelante vem recorrer quer quanto à matéria de direito, quer quanto à matéria de facto.

2- No entendimento da R/Apelante o Tribunal “a quo” deu como provados os factos 3 a 5 que considera não terem resultado provados.

3- Tais factos resultaram efetivamente do conhecimento que as testemunhas CC e DD tinham da situação pessoal e profissional do Apelado, relatado pelo próprio e pela mulher e dos documentos que lhe foram apresentados para elaborar o pedido de flexibilidade de horário.

4- A testemunha EE, conhecia a mulher do Apelado, os filhos e as circunstâncias de vida do mesmo.

5- Nos termos do n.º 7, do art. 57.º do C.T., o empregador, em caso de parecer desfavorável do CITE tem a possibilidade legal de intentar ação judicial com vista ao reconhecimento dos motivos justificativos para a recusa.

6- “Motivos” que, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, não se confundem e vão além de uma mera interpretação das normas legais aplicáveis no caso.

7- O art.º 57 n.º 7 vem estipular apenas como condição que os menores a favor de quem é pedido o horário flexível vivam com ele em comunhão de mesa e habitação.

8- Mais ainda, o art.º 56.º do C.T. não determina em momento algum no caso do pedido de horário flexível que este direito apenas possa ser exercido por um dos progenitores, quando o outro esteja impedido, podendo inclusive ser exercido por ambos, pois o que se pretende é a união familiar, a chamada conciliação, não sendo restrito a famílias monoparentais, ou sem qualquer outra parentalidade ascendente, descendente ou lateral.

9- Contrariamente ao defendido pela Apelante o Apelado não tinha que ter provado que era o único cuidador dos três filhos menores “em termos de apoio, assistência e acompanhamento”.

10- O Apelado apenas tem que provar e provou que cuida, dá apoio assistência e acompanhamento, ou seja, não é um progenitor com regulação do poder paternal que lhe conceda um mero direito de visita.

11- Os documentos por si só atestam essa qualidade e o cumprimento no disposto do art.º 56.º do C.T..

12- Na interpretação a efetuar do n.º 2 do art. 56.º do CT tem que se atender ao que o legislador constitucional prevê, no sentido do direito de o trabalhador ver o seu trabalho organizado de forma a permitir-lhe a conciliação da actividade profissional com a vida familiar, pelo que as horas de início e termo do período normal de trabalho diário passam, também, por saber em que dias, só assim se dando em pleno a referida conciliação.

13- No tocante a prova dos pontos 3 a 5, resulta do senso comum ou “juízos de experiência comum” que ao fim de semana as instituições de ensino ou pré-escolares se encontram encerradas.

14 -No tocante “a mãe dos menores, sem deixar de reforçar, que também esta poderia “se pudesse e se auferisse o suficiente para o fazer” usufruir de um horário flexível.

15 -Resulta, ainda, da prova testemunhal que não existe qualquer outro apoio familiar, contudo, uma vez mais se reforça que ainda que existisse não teria a família alargada que cuidar dos filhos do aqui Apelado, pois não é esse nem o espírito nem a letra da Lei.

16 - Por outro lado, quaisquer filhos menores de 12 anos e até maiores dependem dos respetivos progenitores em termos de apoio, assistência e acompanhamento, sendo um direito e um dever dos primeiros, ele é reforçado pelo regime da parentalidade no que diz respeito a menores de 12 anos.

17 - O parecer prévio que a CITE emitiu, nos termos do n.° 5 do artigo 57.º do C.T., se o ora recorrido tivesse cumprido o n.° 5 do artigo 57.º do CT, é um parecer vinculativo, por força do n.° 7 do mesmo artigo, segundo o qual "se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo".

18 - Conforme dispõe o art. 57.º, n.º 2 o motivo justificativo apenas pode assentar no “fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.”

19 - Aqui reside o cerne da questão, ainda que com base num juízo de prognose a providência cautelar para improceder teria que assentar quer na existência de ação judicial proposta (art.º 57.º, n.º 7 do C.T. o que não ocorreu ou na prova da existência de motivos imperiosos de funcionamento da empresa.

20 -A Apelante não demonstrou minimamente a qualquer necessidade imperiosa de funcionamento, qualquer constrangimento da área de serviço que nos dois postos existentes se manteve como sempre, e em momento anterior ao pedido de flexibilidade do Apelado, com 2 + 1 trabalhadores nos postos e 2 trabalhadores no segundo.

21 - A Apelante quando diz que a douta sentença incorreu em erro de julgamento e errónea apreciação da prova, pelo que é de manter os factos 3 a 5 da matéria dada como provada.

22 – A Apelante que a questão colocada aos feriados 25 de abril e 1.º de Maio tem uma resposta bem simples, não que carecesse de prova ou fosse alegado, a mãe dos menores, apesar de ter um horário organizado de segunda a domingo em turnos rotativos, não trabalhou no dia 25 de abril por não ter sido escalada e por força do respetivo ACT, todos os trabalhadores gozam obrigatoriamente o dia 1 de Maio.

23 - A existência ou não de suporte familiar não é condição para a não atribuição ou atribuição de horário flexível no âmbito de uma providência cautelar está pois demonstrado à saciedade o seu primeiro requisito que é a evidência do Direito, através de uma probabilidade séria – “Fummus Boni Juris”-.

24 - O segundo requisito periculum in mora resulta também não só da prova testemunhal produzida, como da provada documental junta.

25 - O Apelado, desde dezembro de 2023, que é impedido de trabalhar nos dias úteis e quando se apresenta para o efeito, são-lhe marcadas faltas injustificadas ao fim de semana, sendo que no mês janeiro de 2024 e descontadas em de março, resultaram em 8 faltas injustificadas, correspondente a 4 fins de semana, acarretando um prejuízo para o Apelado em 3 escassos meses no valor de € 348,14 para quem aufere uma retribuição mensal de € 880,00.

26 - Não só a lesão é grave e dificilmente reparável, como se revelava urgente estancar este comportamento da Apelante.

27 - É, pois, por demais evidente, até por força, da ameaça latente de despedimento que a ressente providência e adequa à lesão e ao iminente dano futuro que se entrevê no e-mail junto pelo Apelado quanto à advertência do eu se seguirá.

28 - Não há qualquer omissão de pronúncia relativamente à impossibilidade do Apelante fixar o horário, na verdade não há qualquer documento ou foi feita qualquer prova que ateste que a Apelante estava impossibilitada de lhe fixar o horário entre as 07h00 e as 17h00.

29 - Essa “impossibilidade” apenas ocorreria se estabelecido um horário dentro da plataforma pedida (07h00 / 17h00) o Apelado viesse dizer perante a escala, nesse dia não posso, pois, a minha mulher entra às 07h00 e eu só consigo chegar às 08h30.

30 - Tal facto não foi alegado, pelo que, nenhuma impossibilidade pode vir agora arguir o Apelante sequer omissão de pronúncia, porquanto a providência cautelar limita-se a decidir sobre o direto a ter um horário flexível e a dispensa do trabalho aos fins de semana.

31 - O pedido feito à CITE e decisão desta em nada colide com o direito do Apelado e em nada fundamenta ou justifica a recusa da Apelante em dispensar o trabalhador aqui Apelado de trabalhar ao sábado e ao domingo, aí fixando as suas folgas e não o início e o termo do seu período normal de trabalho diário que nunca foi colocado em causa, nem pela Apelante, nem pelo Apelado.

32 – Competia ao Apelante, por outro lado, demonstrar objetiva e inequivocamente que o horário requerido põe em causa o funcionamento do serviço, concretizando assim os períodos de tempo que, no seu entender, deixariam de ficar convenientemente e assegurados, face aos meios humanos necessários e disponíveis e à aplicação do horário pretendido, o que, repita-se, não demonstrou.».

Termina dizendo que deve ser negado provimento ao recurso e confirmada in totum a decisão recorrida.

Foi proferido pelo Tribunal a quo a decisão refª citius 461605017, admitindo o recurso como de apelação e a subir imediatamente e nos próprios autos. Nessa identificada decisão foi ainda indeferida a requerida prestação da caução.

Da mesma decisão consta pronúncia do Tribunal a quo sobre a invocada nulidade da decisão recorrida com o seguinte teor (transcrição):

«Veio a recorrente invocar, além do mais, que a decisão recorrida padece de nulidade.

Afirma, assim, que a mesma é nula por omissão de pronúncia.

Sustenta o alegado, com o disposto nas als. d) do nº1 do artigo 615º do C.P.C., respectivamente.

No que concerne ao invocado vicio a que se reporta a al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC, segundo a qual a sentença é nula “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, cumpre recordar que as questões a que se refere tal normativo são as respeitantes ao pedido e à causa de pedir (A. dos Reis, CPC anotado, V, 58 e 143) ou à matéria de excepção alegada pelo réu.

Compulsado o articulado de contestação do R não se vislumbra que o mesmo tenha aduzido factos bastantes par integrar a excepção de direito material a que agora faz alusão, antes o tendo feito de forma manifestamente conclusiva.

Aliás, por não ter aduzido factos atinentes a essa matéria não ocorreu qualquer discussão de facto quanto a tal matéria.

Assim, considerando tudo o anteriormente explanado, e face aos pedidos formulados pelo A. e respectivos fundamentos, bem como à contestação deduzida, as “questões” sobre que, na sentença, nos teríamos de pronunciar foram analisadas, não se vislumbrando que se tenha ocorrido em vício de omissão de pronúncia.

Face ao exposto, em nossa modesta opinião, de nenhuma nulidade padece a sentença recorrida, tendo em atenção, desde logo, aos fundamentos nela constantes.

No entanto, V.Excas. farão, como sempre Justiça.».

A Requerida apresentou requerimento refª citius 39536430, requerendo a correção do identificado despacho com a determinação da sua notificação para prestação de caução por depósito no montante de € 348,14, de forma a atribuir efeito suspensivo ao recurso interposto.

Tal requerimento foi objeto do despacho do Tribunal a quo refª citius 462716433, no qual foi indeferido o requerido.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Recorrente apresentou requerimento refª citius 400856, no qual foi requerida a correção do efeito do recurso e a determinação da respetiva notificação para a prestação de caução por depósito no montante anteriormente requerido, atribuindo-se efeito suspensivo ao recurso.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (artigo 87º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho), pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, aí se lendo:

“[…]

3. Tendo em consideração o constante das conclusões formuladas pela Recorrente - as quais delimitam o objecto do presente recurso jurisdicional, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso - constata-se que a mesma veio atacar a douta sentença recorrida, imputando-lhe os vícios de nulidade por omissão de pronúncia (art.º 615.º, n.º1, al. d) do CPC, ex-vi do art.º 1.º do CPT) – por, alegadamente, não ter apreciado a “questão do “ fumus boni juris”; por ter efetuado errada apreciação da prova quanto aos factos 3., 4. e 5. dos como provados; e por padecer de erro de julgamento quanto ao preenchimento dos requisitos para decretamento da providência cautelar, nomeadamente, “fumus boni juris e periculum in mora”.

4. Pugna a recorrente pela revogação e substituição da sentença recorrida por outra que julgue improcedentes todos os pedidos deduzidos com a providência cautelar.

5. Por sua vez, o recorrido contra alegou com substância, defendendo a total improcedência do recurso e manutenção do decidido.

6. Ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, nenhum reparo ou censura merece a douta sentença recorrida - que deverá ser confirmada, atentos os fundamentos de facto e de jure que dela constam e que determinaram a parcial procedência da presente providência cautelar.

7. Com efeito, a douta sentença recorrida não padece da nulidade que o recorrente lhe aponta – nem de qualquer outra – pelas razões aduzidas no referido despacho judicial de 01/07/2024 – que indeferiu tal nulidade.

E quanto às restantes questões susciadas pela recorrente parece-nos manifesto que não se verificam, pois a sentença recorrida está bem fundamentada e decidiu corretamente a matéria de facto alegada, pelas razões que dela constam - e também pelas razões constantes das contra alegações do recorrido, que, no essencial, aqui acompanhamos. Importa sempre frisar que a prova – incluindo os depoimentos das testemunhas citados pelo apelante - é apreciada livremente pelo Tribunal, e de acordo com a sua prudente convicção (cf.r art.º 607.º, n.º 5, do CPC), ainda que esta convicção não coincida – e muitas vezes não coincide … - com a opinião ou convicção das partes.

Tal não significa, porém, que o julgador tenha o poder arbitrário de julgar os factos sem prova, ou contra as provas – “sendo estas uma concienciosa ponderação desses elementos e das circunstâncias que os envolvem” – Cf.r, entre outros, acórdãos da RC de 6/5/2019 e de 1/10/2000, in www.dgsi.pt .

Por isso é que a douta sentença recorrida explica objetivamente na fundamentação as razões porque considerou provada a factualidade alegada – e concretamente os pontos 3., 4. e 5., ainda que a recorrente opine de modo diverso …

De igual modo, também nos parece certeira a subsunção jurídica feita pelo Tribunal “a quo” – que aplicou corretamente a lei aos factos provados.».

A Recorrente respondeu ao indicado parecer no requerimento refª citius 401784, reiterando a respetiva posição plasmada em sede de alegações de recurso e respetivas conclusões.

Foi proferido despacho com a refª citius 18522354 pela Relatora, no qual foi apreciado o requerimento da Recorrente refª citius 400856 e considerado que o recurso tem efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


*

II – Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[3]].

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

(1) Da invocada nulidade da decisão final recorrida por omissão de pronúncia;

(2) Impugnação da decisão da matéria de facto apresentada pela Recorrente, sem prejuízo da intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem;

(3) Saber se o Tribunal a quo errou no julgamento quanto à aplicação do direito, ao afirmar o preenchimento dos requisitos para o decretamento da providência cautelar, mais precisamente:

- o fumus boni juris – da invocada impossibilidade objetiva de fixação do horário pretendido pelo Recorrido;

- periculum in mora.


*

III – Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

Consigna-se que, relativamente ao ponto 19. dos factos indiciariamente provados, no qual se transcreve parte do parecer da CITE junto com o requerimento inicial como documento n.º 5, se constatou a existência de um lapso material manifesto na transcrição/reprodução feita na sentença recorrida, uma vez que não foi respeitada a numeração sequencial das páginas do dito parecer [lapso esse derivado de anterior lapso material ocorrido quanto à sequência da digitalização do documento, que não respeitou a numeração sequencial das páginas do parecer – já que a seguir à página 10 (ponto 2.22 – parte - ao ponto 2.27) vem digitalizada a página 12 (pontos 2.32 a 2.35 ) e só depois vem digitalizada a página 11 (pontos 2.27- parte – ao ponto 2.31), a seguir vem a pág. 14 (pontos 2.39 – parte – a 2.41 e parte da conclusão), depois vem a pág. 13 (pontos 2.36. a 2.39) e depois a pág. 15].

Nesta conformidade, na retificação do lapso material em referência, será ordenado o teor constante do ponto 19 dos factos provados, de molde a que o mesmo espelhe e respeite o teor sequencial da numeração dos pontos e páginas do documento em causa.

A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte[4]:

Factos indiciariamente provados:

1. O A. e a R. assinaram um contrato individual de trabalho em 20 de setembro de 2019.

2. Por esse contrato comprometeu-se o Requerente para sob as ordens, direção e fiscalização da Requerida prestar as funções inerentes à atual categoria profissional de Operador de Posto, mais de 4 anos, em qualquer área de serviço no distrito do Porto.

3. O Requerente cuida dos seus 3 filhos menores, dois com idades inferiores a 12 anos, mais precisamente 6 e 4 anos, que dependem deste, em termos de apoio, assistência e acompanhamento.

4. A mãe dos menores, BB, tem horário de trabalho organizado de segunda a domingo, em turnos rotativos, não estando a usufruir de horário flexível ou qualquer outro desta natureza com base no regime da parentalidade e não existem outros elementos da família que possam assegurar o cuidado e assistência aos menores.

5. Aos fins-de-semana não há escola e o Requerente não tem suporte familiar para deixar os menores.

6. O Requerente pediu à Requerida, que recepcionou o pedido em 21/09/2023, o seguinte:

7. A Requerida respondeu a 11/10/2023, comunicando a recusa de pedido de alteração de horário de trabalho [alterado nos moldes determinados infra em IV, 2].

8. O Requerente, a 20/10/2023, voltou a responder reiterando o pedido e fundamentando que o motivo visava acompanhar, assistir e apoiar os filhos menores, numa idade crucial de crescimento e desenvolvimento, conforme toda a documentação que apresentara aquando da formulação do seu pedido de horário flexível.

9. A Requerida solicitou a intervenção para a confirmação da intenção de recusa à Comissão para a Igualdade no Trabalho, tendo o parecer sido desfavorável (Parecer nº 1085/CITE/2023).

10. A Requerida manteve a recusa de aplicação ao Requerente do horário flexível nos termos pedidos e confirmado pelo Parecer da CITE, e manteve a organização do horário deste nos termos anteriores ao pedido formulado [alterado nos moldes determinados infra em IV, 2].

11. A Requerida, após o referido em 9), colocou o Requerente a trabalhar aos fins-de semana e com folgas à semana, não permitindo a sua entrada ao serviço, considerando a sua ausência aos fins-de-semana como faltas injustificadas.

12. A 12/03/2024, a Requerida enviou uma carta ao Requerente ali referindo o constante no doc 10 junto com o requerimento inicial que aqui se tem por integralmente reproduzido:

13. A Requerida estabeleceu, como folgas ao Requerente, os seguintes dias:

- 29 de dezembro de 2023;

- 2, 3, 8, 19, 24 e 25 janeiro de 2024

- 15 e 19 fevereiro de 2024

-1, 5, 6, 11, 22, 27 e 28 de março de 2024.

14. Nos referidos dias, o Requerente apresentou-se ao trabalho, uma vez que eram dias úteis, dentro da plataforma de horário pedido, sendo recusada a sua entrada e impedido de desempenhar as suas funções.

15. Nos fins de semana, o Requerente não se apresentou ao trabalho nos seguintes dias:

-30 e 31 de dezembro de 2023

-6, 7, 20, 21, 27 e 28 de janeiro de 2024

- 17 e 18 fevereiro de 2024

-2, 3, 9, 10, 23, 24, 30 e 31 de março de 2024.

16. O Requerente tem neste momento 18 faltas ao trabalho, injustificadas, tendo a Requerida descontado a este as quantias infra:

a) Em janeiro de 2024 referente a dezembro de 2023 € 54,69;

b) Em janeiro de 2024 referente a janeiro de 2024 € 58,69;

c) Em fevereiro de 2024 referente a janeiro de 2024 € 176,07;

d) Em março de 2024 referente a fevereiro de 2024 € 58,69.

17. O Requerente aufere de retribuição base € 880,00 e tem período de trabalho normal semanal de 40 horas habitualmente distribuídas em 5 dias de segunda a domingo, 8 horas por dia.

18. O Requerente não comunicou à Requerida os horários de abertura e fecho de loja por parte da mãe dos seus filhos menores.

19. A CITE emitiu parecer em cuja fundamentação se pode ler, para além do mais e que consta do doc 5 junto com o requerimento inicial e que aqui se tem por integralmente reproduzido:














Foi ainda consignado na decisão de 1.ª instância o seguinte:

Factos indiciariamente não provados:

Inexistem.


*

O demais alegado pelo Requerente resume-se a factos que repetiam os demais, conclusivos ou que encerram matéria de direito”.

***

IV - Apreciação/conhecimento

1 – Da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Reverenciando a ordem da precedência lógica vertida no artigo 608.º, n.º 1 do CPC (ex vi artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma), começaremos pela análise da questão atinente à invocada nulidade da sentença.

A Recorrente arguiu a nulidade da sentença, alegando omissão de pronúncia quanto à impossibilidade objetiva de fixação do horário flexível pretendido pelo Recorrido por não ter elementos para o efeito, nos termos invocados na oposição (artigos 50.º a 57.º da oposição).

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

No que se reporta à nulidade em análise, a decisão queda-se aquém do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito, consubstanciando-se no uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se ter deixado por tratar de questões que deveria conhecer.

O prescrito na citada alínea d) está em consonância com o n.º 2 do artigo 608.º, que dispõe: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

A nulidade em referência serve, pois, de cominação para o desrespeito do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, reconduzindo-se os vícios aí previstos à inobservância dos estritos limites do poder cognitivo do tribunal.

Importa ter em atenção que o dever de decidir se impõe quanto a questões suscitadas e quanto a questões de conhecimento oficioso, logo a omissão de pronúncia, geradora de nulidade da sentença, consubstancia-se no incumprimento do dever de decidir aquelas questões.

Ora, na oposição, efetivamente, a Recorrente invocou a impossibilidade objetiva de fixação do horário flexível pretendido pelo Recorrido, pelo facto de este não lhe ter fornecido os elementos necessários para esse efeito, o que se insere no âmbito de uma defesa com relevância excetiva.

Assim, impunha-se ao Tribunal a quo uma pronúncia efetiva sobre essa questão, sendo certo que a circunstância de saber se os factos aduzidos eram ou não suficientes para a procedência, ou seja, para a afirmação da invocada impossibilidade objetiva, é matéria que se insere precisamente no âmbito da pronúncia sobre a questão.

A verdade é que o Tribunal a quo omitiu na decisão recorrida qualquer pronúncia sobre a questão em causa, sendo que as considerações tecidas no despacho proferido ao abrigo do artigo 617.º, nº 1, do CPC não justificam a falta de pronúncia, antes a evidenciam.

Nesta consonância, verifica-se a invocada omissão de pronúncia, sendo a sentença nula, nessa parte, nos termos do citado artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

É, pois, procedente, nesta parte o recurso interposto pela Requerida.

No que concerne às consequências da apontada nulidade da sentença, face ao disposto pelo artigo 665.º, n.º 1 do CPC, uma vez que os autos contêm todos os elementos necessários para o efeito, não se determina a devolução dos autos à 1.ª instância, impondo-se antes conhecer da questão relativamente à qual foi omitida a pronúncia e que, de resto, constitui objeto da apelação da Requerida[5].


***

2 - Da impugnação da decisão da matéria de facto/Intervenção oficiosa

2.1. Intervenção oficiosa

Em sede de matéria de facto, preliminarmente à apreciação da impugnação apresentada pela Recorrente/Ré, face às comunicações escritas dirigidas pela Recorrente/Requerida ao Recorrido/Requerente, juntas como documentos 3 e 6 com o requerimento inicial e cujo envio e receção não foi colocada em crise, antes resultando confirmada nos articulados apresentados, importa que da matéria indiciariamente provada passe a constar o teor integral de tais comunicações.

Por outro lado, verifica-se que com o requerimento inicial o Requerente juntou aos autos certidão emitida pela Autoridade Tributária referente à sua declaração de rendimentos para efeitos de IRS, atenta a invocada isenção de custas, junta como documento n.º 12 com o requerimento inicial, sendo que tal documento não foi objeto de impugnação nem, aliás, foi colocada em crise a tal invocação.

Assim, e visto o disposto nos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC e considerando a respetiva relevância no âmbito da aplicação das regras de direito, determina-se oficiosamente que os pontos 7 e 10 dos factos indiciariamente provados passem a ter a redação a seguir indicada:

7. A Requerida respondeu a 11/10/2023, comunicando a recusa de pedido de alteração de horário de trabalho, conforme comunicação escrita junta como documento 3 com o requerimento inicial, dirigida pela Requerida ao Requerente e por este rececionada, com o seguinte teor:






10. A Requerida manteve a recusa de aplicação ao Requerente do horário flexível nos termos pedidos e confirmado pelo Parecer da CITE, e manteve a organização do horário deste nos termos anteriores ao pedido formulado, sendo que foi referido pela Requerida ao Requerente o que consta da comunicação junta documento 6 com o requerimento inicial, com o seguinte teor:

Por apelo aos mesmos normativos, determina-se o aditamento de um ponto 20. aos factos indiciariamente provados com o seguinte teor:

20. Em 15-02-2024, foi emitida pela Diretora de Serviços de IRS certidão de liquidação de IRS respeitante ao Requerente com o seguinte teor:

2.2. Impugnação da decisão da matéria de facto

O Recorrente manifesta a respetiva discordância quanto à decisão da matéria de facto proferida, dizendo que o Tribunal a quo não valorou corretamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento. Impugna a decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos 3., 4. e 5. dos factos indiciariamente provados, pretendendo que seja dada nova redação que indica para os identificados pontos impugnados.

O Recorrido e o Exmº Procurador-Geral Adjunto defendem o julgado.

Importa, antes de mais, fazer uma breve incursão sobre os termos em que tem lugar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mormente quanto aos ónus exigíveis ao recorrente quando impugne a matéria de facto e, bem assim, os critérios/parâmetros que devem presidir à reapreciação factual por parte do Tribunal da Relação.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes[6], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.

A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[7], «(…) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que impliquem decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter».

Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» (sublinhou-se).

Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[8] – de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo – de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – significa que para tal alteração, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida[9].

Em consonância, pretendendo a parte impugnar a decisão da matéria de facto, deve observar determinados ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC.

O n.º 1 deste último normativo, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:

a) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (tem que haver indicação inequívoca dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);

b) “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada);

c) “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No que respeita ao ónus previsto na alínea b), determina o legislador no n.º 2 do mesmo artigo que se observe o seguinte:

a) “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”;

b) “independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

Refira-se que se entende inexistir despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto[10]. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (adiante STJ) de 6-02-2024[11] e de 23-01-2024[12]. Este entendimento vem também sendo seguido nesta Secção Social, de forma que se pensa unânime, e de que é exemplo o Acórdão de 5-06-2023[13].

Assim, e como também refere António Santos Abrantes Geraldes[14], a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações (o elenco indicado tem por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo STJ):

a - Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC)];

b - Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC)];

c - Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);

d - Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

e - Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação.

No que respeita à situação plasmada na alínea e), tenha-se presente que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 12/2023[15], uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:

«Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.».

Como também sublinha António Abrantes Geraldes[16], as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Nesta decorrência, e a propósito do ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, como também é entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, existem casos em que, apesar da impugnação da matéria de facto se dirigir a blocos de factos, ainda assim deverá ser admitida, nomeadamente, quando o conjunto de factos impugnados respeitem à mesma realidade ou tratando-se de matéria conexa e os concretos meios de prova indicados sejam comuns a esses factos. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2021[17], 27-10-2021[18] e de 1-06-2022[19].

Feitas estas considerações, no caso, não se vislumbra motivo para rejeição da impugnação apresentada, mostrando-se minimamente cumpridos os ónus de impugnação estabelecidos pelo legislador, sendo certo que, ainda que a impugnação apresentada o tenha sido por reporte a um grupo de pontos [3 a 5 dos factos indiciariamente provados], está em causa matéria conexa e dependente da apreciação dos mesmos meios de prova.

Isto posto, procederemos agora à indagação em concreto da impugnação apresentada.

Para melhor perceção, relembre-se a redação dos pontos 3), 4) e 5) dos factos indiciariamente provados (realçando-se a negrito a parte impugnada):

“3. O Requerente cuida dos seus 3 filhos menores, dois com idades inferiores a 12 anos, mais precisamente 6 e 4 anos, que dependem deste, em termos de apoio, assistência e acompanhamento.

4. A mãe dos menores, BB, tem horário de trabalho organizado de segunda a domingo, em turnos rotativos, não estando a usufruir de horário flexível ou qualquer outro desta natureza com base no regime da parentalidade e não existem outros elementos da família que possam assegurar o cuidado e assistência aos menores.

5. Aos fins-de-semana não há escola e o Requerente não tem suporte familiar para deixar os menores.”.

O Recorrente defende que o Tribunal a quo não valorou corretamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento, incorrendo em erro sobre a matéria de facto por ter dado como provados factos sob os quais não foi produzida prova, nomeadamente os relativos às circunstâncias da vida familiar do Recorrido, pelo que os indicados pontos impugnados devem passar a ter a seguinte redação:

“3. O Requerente tem 3 filhos menores, dois com idades inferiores a 12 anos, mais precisamente 6 e 4 anos.

4. A mãe dos menores, BB, tem horário de trabalho organizado de segunda a domingo, em turnos rotativos, não estando a usufruir de horário flexível ou qualquer outro desta natureza com base no regime da parentalidade.

5. Aos fins-de-semana não há escola”.

Para sustentar a sua posição, o Recorrente afirma que foram incorretamente valorados pelo Tribunal a quo os depoimentos das testemunhas CC, DD, EE e FF, citando e transcrevendo alguns excertos desses depoimentos (identificando as respetivas passagens da gravação). Defende que nenhuma das testemunhas arroladas conhece, de facto, a “condição de vida do Requerente” ou “as circunstâncias da vida familiar do Requerente”, sendo que, recorrendo à fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo, a conclusão sobre a prova indiciária dos factos 3 a 5 afigura-se impossível e manifestamente errada. Mais defende que a decisão sobre os pontos em referência não teve ainda em conta a restante prova testemunhal produzida em audiência de julgamento que, de forma acessória, obrigaria ao julgamento distinto dos referidos pontos da matéria de facto indiciariamente provada, convocando os depoimentos das testemunhas GG, HH, II, com citação e transcrição de alguns excertos desses depoimentos (identificando as respetivas passagens da gravação).

O Requerente defende o julgado, dizendo que a matéria em causa resultou do conhecimento das testemunhas CC e DD tinham da situação pessoal e profissional do Apelado, relatado pelo próprio e pela mulher e dos documentos que lhe foram apresentados para elaborar o pedido de flexibilidade de horário e, bem assim, que a testemunha EE conhecia a mulher do Apelado, os filhos e as circunstâncias de vida do mesmo.

Consta na sentença recorrida em sede de motivação o seguinte:

«A matéria de facto descrita em 1), 2), 6) a 10), 13), 15) a 17), 19) resultou admitida por acordo das partes. A convicção do Tribunal, quanto à demais factualidade provada resultou da prova produzida em audiência de julgamento analisada de uma forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum.

O Tribunal filiou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, e nas declarações de CC e DD– dirigentes sindicais, que relataram ao tribunal as démarches que o Requerente fez junto do sindicato e deste junto da Requerida, bem como as circunstâncias da vida familiar do Requerente que este lhes relatou -, EE – operadora no posto de abastecimento de combustível onde o Requerente trabalha, desde que este para aí foi trabalhar, que conhece as condições de trabalho, escalas e condição de vida do Requerente – FF – também ele operador no posto de abastecimento de combustível onde o Requerente trabalha, desde que foi para aí foi trabalhar, que conhece as condições de trabalho, escalas e condição de vida do Requerente -, GG – responsável de Recursos Humanos de uma empresa que presta serviços para a Requerida, relatando a organização de RH da área de serviço dupla de Matosinhos onde o Requerente trabalha, os constrangimentos sofridos pela Requerente com as ausência do Requerente ao fim-de-semana, e os procedimentos adoptados pela Requerida face às ausências do Requerente aos fins-desemana -, o depoimento de GG foi confirmado pelo das testemunhas HH e II – sendo o primeiro gerente da área de serviço onde o Requerente trabalha e o segundo que acompanha a gestão da área de serviço, trabalhando para a B.... Assim as testemunhas colegas de trabalho do Requerente conheciam e descreveram o vertido em 3) a 5), 11) e 14), sendo que GG, HH e II confirmaram igualmente o vertido em 11), 14), 18).».

Consigna-se que se procedeu à reanálise da prova produzida na matéria em causa, e não apenas dos trechos a que se apelou no recurso, por forma a que estivesse garantida a devida contextualização dos elementos de prova convocados em sede de recurso e na fundamentação da decisão recorrida.

Ora, tendo procedido à análise crítica e conjugada da prova produzida, não vislumbramos razões para não considerarmos que a decisão recorrida motivou e analisou, de forma ponderada, a globalidade da prova produzida na matéria em causa, não se identificando incongruências ou desconformidades com os elementos probatórios disponíveis.

Tenha-se presente que o juiz, como regra, aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artigo 607.º, n.º 5, do CPC), num juízo crítico global, aferido segundo regras de experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e de razoabilidade. Na apreciação da prova o julgador conjugará todos os elementos de prova produzidos sobre a matéria a provar, sendo que a prova dum facto há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica.

Como é evidente, tal resultado não pressupõe uma certeza absoluta, sendo sim necessário que a prova permita criar a convicção da realidade de um facto [nas palavras de Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[20], “grau especial de convicção, traduzido na certeza subjetiva”], sendo de realçar que, no caso das providências cautelares, nos movemos no âmbito de uma prova indiciária.

Atente-se que o Tribunal a quo para fundamentar a sua convicção, para além da prova testemunhal, apelou aos documentos juntos autos.

Ora, como a Recorrente não desconhece, entre os documentos que foram juntos aos autos, contam-se o pedido efetuado por escrito pelo Trabalhador/Requerente à Entidade Empregadora/Requerida ao abrigo do disposto no artigo 56.º, n.º 1, do Código do Trabalho e os elementos que o instruiram, e, bem assim, a resposta e posicionamento da Requerida perante tal pedido. Da sua análise conjugada resulta que, perante o pedido que lhe foi dirigido, a Requerida não colocou em crise, nem, aliás, o fez no âmbito desta providência, que o Requerente tenha filhos menores de 12 anos com quem vive em comunhão de mesa e habitação. Para o Requerente, enquanto progenitor que vive com os seus filhos menores, decorrem as necessárias obrigações de cuidado, apoio, assistência e acompanhamento dos seus filhos, como o ditam as regras da lógica, razoabilidade e da experiência. Além disso, não foi questionado que a mãe dos menores tem horário de trabalho organizado de segunda a domingo, em turnos rotativos, não estando a usufruir de horário flexível ou qualquer outro desta natureza com base no regime da parentalidade.

Não se olvide ainda que quanto à alegada inexistência de suporte familiar para deixar os menores – para além do pai e da mãe dos menores se tiverem ambos que trabalhar aos fins de semana – estão em causa factos negativos, em que é consabida a acrescida dificuldade de prova, que tem necessariamente como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, e isto, para além de que, como se disse, no caso da providência cautelar estarmos no âmbito de uma prova indiciária.

Neste particular, não é pelo facto de as testemunhas GG, HH e II terem reportado nos seus depoimentos que o Requerente foi trabalhar em dois feriados – 25 de abril (quarta-feira) e 1 de maio de 2024 (quarta-feira) – que evidencia qualquer incongruência no facto de se ter dado como provada a inexistência de suporte familiar, pois que pode bem ter acontecido de nesses dias a mãe dos menores não ter trabalhado, já que ficou demonstrado que a mesma tem horário de trabalho organizado de segunda a domingo, em turnos rotativos, o que implicará que terá necessariamente folgas que podem coincidir com dias da semana em que são feriados. Tanto mais, quando é certo que no seu depoimento a testemunha GG referiu mesmo (sensivelmente por volta do minuto 21.00), reportando-se a diligências prévias à formalização do pedido de horário flexível por parte do Requerente – numa tentativa então efetuada pelo trabalhador perante a entidade empregadora de ver conciliados os seus horários com os da mãe dos menores em termos de fins de semana -, que o que aconteceu é que constataram (reportando-se aos serviços da empregadora) - pelas escalas de trabalho da mesma que então foram entregues pelo trabalhador - que a senhora trabalhava todos os fins de semana do mês (sic), o que reforça até a conclusão da necessidade de acompanhamento dos filhos menores por parte do Requerente.

Em suma, foi no sobredito quadro de base que, conjugando a documentação junta aos autos com o depoimento das testemunhas que se pronunciaram sobre esta matéria, tudo à luz das regras da lógica e da experiência, o Tribunal a quo firmou a sua convicção positiva no sentido da demonstração indiciária da matéria que é objeto de impugnação pela Recorrente, sendo certo que reanalisada a prova por este Tribunal ad quem, conclui-se que os elementos de prova produzidos não impõem distinta decisão na matéria objeto de impugnação.

Improcede, pois, o recurso em sede de impugnação da matéria de facto.


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Face ao atrás decidido, o elenco factual a atender é aquele que se fez constar na decisão final recorrida e que se mostra já supra transcrito em III, com as alterações oficiosamente introduzidas por este Tribunal ad quem e constantes no ponto IV, 2, 2.1.

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3 - O direito saber se o Tribunal a quo errou no julgamento quanto à aplicação do direito, ao afirmar o preenchimento dos requisitos para o decretamento da providência cautelar, mais precisamente o fumus boni juris e o periculum in mora.

Face ao que resulta das conclusões apresentadas, ressalta que a Recorrente se insurge contra a decisão recorrida, ao nível da aplicação do direito, com a seguinte linha argumentativa:

Quanto ao fumus boni juris

- o pedido de horário flexível inicialmente formulado pelo Recorrido, determinava que o horário tivesse início “nunca antes das 7h00 e seu termo nunca depois das 17h00, com exceção dos dias em que a mãe do menor fizer abertura de loja, tendo que entrar às 8h30 e sair nunca depois das 17h30”;

- a forma como o próprio Recorrido formulou o seu pedido inicial torna objetivamente impossível à Recorrente fixar o horário nos termos peticionados, sem que, previamente, o Recorrido informe os serviços da Recorrente, sobre os dias em que a mãe dos seus filhos menores faz a abertura da loja, já que, sem tais informações sempre seria impossível à Recorrente – se não por adivinhação – saber se deveria fixar, ao Recorrido, um horário com início às 7:00 ou, em alternativa, com início às 8:30;

- o Tribunal a quo deu como provado que o Requerente não comunicou à Requerida os horários de abertura e fecho da loja por parte da mãe dos seus filhos menores, porém não retirou desse facto qualquer consequência;

- perante a existência de causa impeditiva à fixação do horário nos termos pretendidos pelo Recorrido, não poderia o Tribunal a quo entender como verificado o pressuposto de fumus boni juris, essencial para o decretamento da providência cautelar requerida.

Quanto ao periculum in mora.

- a fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo para sustentar o preenchimento do requisito em causa reveste-se de vagueza e generalidade, sendo que o Tribunal a quo não poderia sem base nem fundamento decidir pela verificação desse requisito por putativos danos graves e de difícil reparação à vida familiar do Recorrido, tendo incorrido em erro de julgamento ao fazê-lo;

- não podia o Tribunal a quo julgar preenchido esse mesmo requisito por putativos constrangimentos graves à situação económica do Recorrido e do seu agregado familiar, sem um único facto provado que permita alcançar essa conclusão jurídica.

Contrapõe o Recorrido que o requisito do fummus boni iuris está demonstrado à saciedade, existindo parecer desfavorável da CITE à recusa do pedido de horário flexível que efetuou, não tendo a Recorrente proposto ação judicial prevista no artigo 57.º, n.º 7, do Código do Trabalho e não tendo a Recorrente demonstrado minimamente qualquer necessidade imperiosa de funcionamento da empresa ou impossibilidade de substituir o trabalhador. Quanto à invocada impossibilidade da Apelante fixar o horário, refere que não foi feita qualquer prova que ateste que a mesma estava impossibilitada de lhe fixar o horário entre as 7 horas e as 17 horas, sendo que tal impossibilidade não foi alegada, pelo que nenhuma impossibilidade pode vir agora arguir, porquanto a providência cautelar limita-se a decidir sobre o direito a ter um horário flexível e a dispensa do trabalho aos fins de semana. Quanto ao requisito do periculum in mora, e no sentido da verificação de lesão grave e dificilmente reparável, argumenta que, desde dezembro de 2023, é impedido de trabalhar nos dias úteis e quando se apresenta para o efeito, são-lhe marcadas faltas injustificadas ao fim de semana, que lhe são descontadas, acarretando um prejuízo para o Apelado em 3 escassos meses de € 348,14, para quem aufere uma remuneração mensal de € 880,00.

Vejamos.

O procedimento cautelar é justificado pelo designado periculum in mora, tendo por fim obviar ao perigo na demora da declaração e execução do direito, afastando o receio de dano jurídico.

Nessa decorrência, resulta também do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, sob a epígrafe “Âmbito das providências cautelares não especificadas”, que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.

Como decorre do regime processual aplicável, o decretamento de uma providência cautelar depende sempre da verificação de dois requisitos, cumulativos, a saber: um primeiro, relacionado com a verificação da aparência de um direito; um segundo, respeitante à demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente. Se o primeiro dos indicados requisitos assenta num juízo de mera probabilidade ou verosimilhança, já quanto ao segundo, por seu turno, a lei é mais exigente, na medida em que, como refere o Professor Alberto dos Reis, “pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente”[21].

Em anotação ao artigo 362.º do CPC, assinalam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[22], que “não basta a prova sumária no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessiva: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer ação; trata-se de um risco que não seja razoável exigir que fosse suportável pelo titular do direito”.

As providências cautelares justificam-se, pois, em face do periculum in mora, ou seja, de molde a defender, temporariamente – atento o seu caratér provisório -, o presumível titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe podem advir da formação lenta e demorada da decisão definitiva dos autos principais. Os procedimentos cautelares são meios que visam acautelar o efeito útil da ação, como expressamente previsto no n.º 2 do artigo 2.º do CPC, prevenindo “que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela”. “Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica”.[23]

Os procedimentos cautelares representam uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao resultado do processo principal e assentam numa análise sumária (sumaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni júris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).

No que respeita ao procedimento cautelar comum – que assume cariz residual face às providências especificadas - o mesmo encontra, desde logo, previsão no artigo 32.º, do CPT, o qual, no seu nº 1, remete para o regime estabelecido no CPC para o procedimento cautelar comum – artigos 362.º a 376.º do CPC-, ressalvadas as especificidades logo prevenidas naquele normativo.

O procedimento cautelar comum laboral, previsto no artigo 32.º do CPT, surge assim como um procedimento base ou modelar, aplicável sempre que à pretensão não caiba um procedimento cautelar laboral especificado, sendo-lhe aplicável em primeiro lugar o disposto nesse artigo, que prescreve as respetivas especialidades e, subsidiariamente, as normas processuais civis para o procedimento cautelar comum, ou seja, os artigos 362.º a 376.º do CPC.

Feitas estas considerações, verificando agora as razões invocadas nas conclusões da Recorrente, constata-se que, quanto ao primeiro dos apontados requisitos cumulativos – fumus bonus juris -, a Recorrente propugna que o Tribunal a quo andou mal ao dar o mesmo como preenchido, na medida em que se existia um impedimento objetivo/uma impossibilidade objetiva à fixação pela Recorrente do horário flexível pretendido pelo Recorrido.

Trata-se de questão invocada logo na oposição (artigos 50.º a 58.º da oposição), sobre a qual o tribunal “a quo” omitiu pronúncia, nos termos acima referidos, impondo-se, pois, o seu conhecimento, face ao disposto pelo art.º 665.º, n.º 1 do CPC.

Diremos, desde já adiantando a conclusão, e sempre ressalvando o devido respeito por distinto entendimento, que está votada ao insucesso esta linha de defesa da Requerida, ora Recorrente.

Dos factos indiciariamente provados resulta que:

- o Requerente, sendo pai de 3 filhos menores, dois dos quais com idades inferiores a 12 anos, dirigiu à Requerida, sua empregadora, por escrito, que lhe fosse concedido o regime de horário flexível, indicando em termos de delimitação que o horário deveria ter início nunca antes das 7h00 e o seu termo nunca depois das 17h00, com exceção dos dias em que a mãe do menor fizesse abertura da loja, tendo que entrar às 8h30 e sair nunca depois das 17h30, mas dizendo também que podia manter o horário que praticava há mais de três anos das 7h00 até às 16H00 de segunda a sexta-feira, e pedindo isenção de prestação de trabalho ao sábado e ao domingo;

- a Requerida empregadora, perante esse pedido, comunicou ao Requerente a sua intenção de recusa, fundamentada, por um lado, na circunstância de considerar que o trabalhador estava a pretender impor um horário fixo, com início às 7 horas e termo às 16 horas, com dias de descanso semanal fixo aos fins de semana e, por outro lado, no facto de não ser possível por necessidades imperiosas do funcionamento da empresa conceder ao trabalhador o horário de trabalho flexível nos termos pretendidos;

- a Requerida solicitou a intervenção para a confirmação da intenção de recusa à Comissão para a Igualdade no Trabalho, tendo o parecer sido desfavorável;

- na sequência do parecer da CITE desfavorável à recusa, a Requerida recusou a aplicação ao Requerente do horário flexível nos termos pedidos e manteve a organização do horário deste nos termos anteriores ao pedido de horário flexível, sendo que na comunicação efetuada para dar conta dessa recusa de horário flexível pedido pelo trabalhador a Requerida comunicou ao Requerente o seguinte:

* entendia que o parecer da CITE era ilegal e inválido e iria recorrer a todos os meios legais ao seu dispor para anular os efeitos de tal parecer;

* não se encontrava a vigorar qualquer tipo de horário flexível, estando o Requerente obrigado a cumprir o horário que lhe fosse determinado pela Requerida;

* em caso de incumprimento do horário determinado, o mesmo iria merecer o tratamento legalmente aplicável, com a sujeição do Requerente a eventual responsabilidade disciplinar.

Esta materialidade afasta, por si só, a invocada impossibilidade objetiva da Requerente de fixação do horário pretendido pelo Recorrido.

A Recorrente, por forma absolutamente clara e inequívoca, perante o parecer desfavorável à recusa do pedido de horário flexível, comunicou ao seu trabalhador que havia formulado esse pedido, ora Recorrido, que entendia que tal parecer era ilegal e inválido, não estava em vigor qualquer horário flexível e que o mesmo estava obrigado a cumprir o horário que lhe fosse determinado pela Recorrente.

Não foi, pois, a ausência de comunicação pelo Recorrido dos horários de abertura e fecho de loja por parte da mãe dos menores que ditou a não aceitação e, consequente, não fixação pela Recorrente, empregadora, de horário de trabalho flexível ao Recorrido!

Em momento algum da comunicação de intenção de recusa e, depois, da comunicação da recusa do pedido de horário de trabaho flexível formulado pelo trabalhador, foi invocada a aventada impossibilidade objetiva de fixação do horário pretendido pelo Recorrido. As razões apontadas pela própria Empregadora foram distintas e vão em sentido logicamente incompatível com a afirmação dessa invocada impossibilidade objetiva.

Por outro lado, cabendo a elaboração do horário flexível ao empregador nos moldes previstos no artigo 56.º, n.º 3, do Código do Trabalho, se a Recorrente tivesse em algum momento predisposição para aceitar o pedido do Recorrido para que este beneficiasse de um horário de trabalho flexível – o que, como vimos, nunca manifestou, muito menos perante o seu trabalhador, ora Recorrido -, então, sim, se dificuldades tivesse nessa fixação, até por respeito ao princípio geral da boa fé previsto no artigo 126.º, n.º 1, do Código do Trabalho, caberia à Recorrente solicitar ao Recorrido os elementos de que eventualmente carecesse para o efeito. Até porque, nos termos do artigo 57.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.

É certo que ficou provado que o Requerente não comunicou à Requerida os horários de abertura e fecho de loja por parte da mãe dos seus filhos menores, mas, no sobredito contexto, tal factualidade é absolutamente inócua (a Recorrente nem sequer alegou que tivesse solicitado esses elementos ao Recorrido), não permitindo afirmar qualquer situação de impossibilidade objetiva de fixação do horário flexível pretendido pelo Recorrido.

Por todo o exposto, improcede o recurso nesta parte (quanto à alegada verificação de um impedimento objetivo/uma impossibilidade objetiva à fixação pela Recorrente do horário flexível pretendido pelo Recorrido).

Isto posto, falece, assim, a argumentação aduzida pela Recorrida no presente recurso para afastar a afirmação da verificação do requisito de fumus boni juris.

Neste particular, não merece censura a sentença recorrida ao ter concluído que ficou demonstrada factualidade suscetível de fundar a verificação de tal requisito, com apelo ao artigo 59.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, ao artigo 33.º, n.º 1, da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais da União Europeia e aos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho, com pertinentes citações jurisprudenciais, de que é exemplo o Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 23-01-2023[24].

Sublinhe-se que, não se desconhecendo que os Tribunais não se têm pronunciado de forma coincidente quanto à questão da abrangência do conceito de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na linha, aliás, da posição que vem sendo sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, adota o entendimento amplo dessa abrangência, máxime no sentido de que o texto dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho não exclui a inclusão do descanso semanal, incluindo o sábado e o domingo, no regime de flexibilidade do horário de trabalho, a pedido do trabalhador com responsabilidades familiares[25].

Conforme se sumaria no citado Acórdão de 23-01-2023, ao trabalhador com responsabilidades parentais é, nos termos do artigo 56.º do Código do Trabalho, consentido proceder à indicação, para atribuição pelo empregador de horário flexível, de horário compatível com tais responsabilidades, incluindo nos dias úteis (2ª a 6ª feira), designadamente hora de saída, e aos dias de descanso, designadamente sábados e domingos.

O Requerente formalizou o pedido de horário flexível nos termos do artigo 57.º do Código do Trabalho, sendo que a empregadora (ora Recorrente), tendo intenção de recusa desse pedido, enviou o processo para apreciação da entidade competente na àrea da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres (CITE), entidade essa que emitiu parecer desfavorável a essa intenção. Tendo tal parecer sido desfavorável, por força do n.º 7 do mesmo normativo, a empregadora apenas poderia recusar o pedido após decisão judicial que reconhecesse a existência de motivo justificativo (exigências imperiosas de funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável - n.º 2 do mesmo preceito). Tudo se passa, pois, em moldes análogos aos que vigoram para o despedimento de trabalhadora grávida, puérpere ou lactante, ainda que no caso do horário flexível não esteja estabelecido um prazo para a instauração da ação (cfr. artigo 63.º, n.ºs 1 e 6 do Código do Trabalho).

Conforme se dá conta no já identificado Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 23-01-2023, que nos permitimos transcrever:

«A recusa do empregador de aplicar o regime de horário flexível deve ser precedida de parecer da CITE, sendo que: se o parecer for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo (art. 57º, nºs 5 e 7, do CT/2009); e se não proceder à submissão do processo à apreciação do CITE, considera-se que aquele aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos (nº 8, al. c) do citado art. 57º).

De referir que, caso o empregador pretenda recusar o pedido, o mencionado parecer favorável do CITE é condição indispensável a tal recusa; ou seja, sendo a existência de parecer favorável dessa entidade condição indispensável a essa recusa e, assim, constituindo pressuposto dessa possibilidade, cabe ao empregador alegar e provar que submeteu à apreciação da CITE e que o parecer desta lhe foi favorável».

Conforme aponta Francisco Liberal Fernandes[26], «[d] acordo com o n.º 7 do artigo que se anota, o parecer da CITE, quando seja desfavorável ao empregador, tem natureza constitutiva, ou seja, confere eficácia imediata ao pedido do trabalhador. Nestes casos, porém o empregador pode recorrer judicialmente a fim de obter sentença que lhe reconheça existência de motivo justificativo para recusar a passagem do trabalhador para o regime a tempo parcial (art. 57º, nº 7). O recurso judicial intentado pelo empregador tem efeitos meramente devolutivos.

Numa primeira fase, a recusa do empregador apenas se torna eficaz se o parecer da CITE lhe for favorável ou se esta entidade não se pronunciar no prazo de 30 dias contados a partir do envio da decisão daquele (art. 57º, nº 6). Numa segunda fase, ou seja, havendo parecer desfavorável da CITE, a recusa do empregador apenas adquire eficácia na sequência da decisão judicial que sancione o motivos invocados.».

Também no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-03-2022[27], a propósito da interpretação do n.º 7 do artigo 57.º do Código do Trabalho, se evidencia que «o empregador tem que satisfazer imediatamente a pretensão do trabalhador e esperar pela decisão definitiva do tribunal quanto ao motivo justificativo que apresentar. Se o tribunal lhe der razão o empregador pode então e só então voltar a colocar o trabalhador no horário anterior.».

Ora, revertendo ao caso dos autos, tendo em conta a factualidade indiciariamente provada, sempre ressalvando o devido respeito por distinta posição, considera-se estar demonstrada a probabilidade séria da existência do direito invocado pelo Requerente ao horário flexível que requereu perante a entidade empregadora, face ao procedimento seguido pelo Requerente e pela Requerida e ao parecer desfavorável emitido pela CITE à intenção de recusa do horário flexível requerido. Ou seja, a Recorrente, perante o parecer desfavorável da CITE não poderia ter recusado o pedido do trabalhador, como fez, sem que tivesse previamente obtido decisão judicial que reconhecesse a existência de motivo justificativo para tal recusa.

A Recorrente, aliás, nem sequer invocou que tenha instaurado a ação judicial a que alude o artigo 57.º, n.º 7, do Código do Trabalho. E, competindo aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de relações de trabalho subordinado – artigo 126.º, n.º 1, alínea b) da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto – versão atualizada) – a instauração da ação prevista no artigo 57.º, n.º 7, do Código do Trabalho devia ocorrer nos juízos do trabalho – e isto mesmo que a Recorrida entendesse que o parecer da CITE padecia de algum vício que contendesse com a respetiva validade[28] -, o que até ao momento não aconteceu, ou pelo menos não foi invocado pela Requerida que o tivesse feito.

Ademais, a Requerida empregadora recusou já o pedido de horário flexível requerido, sendo certo que, no âmbito da presente providência cautelar instaurada pelo trabalhador, não invocou nem demonstrou qualquer facto que pudesse ser enquadrável na previsão do n.º 2 do artigo 57.º do Código do Trabalho.

Em suma,

- estando indiciariamente demonstrada (com o grau de probabilidade que é exigível em sede cautelar) a necessidade de o Requerente compatibilizar as suas responsabilidades parentais com o horário que indicou à Requerida – com os limites aí definidos;

- cabendo à Recorrente, para poder recusar o pedido de horário flexível formulado, o ónus de alegar e provar que tinha um parecer favorável do CITE à recusa ou, tendo sido este desfavorável que tinha uma decisão judicial que reconhecia o motivo justificativo da recusa, o que não logrou fazer;

- e não tendo sido demonstrada no âmbito da presente providência, ónus de alegação e prova, que sempre caberia à Requerida, qualquer materialidade fáctica que permita concluir pela verificação de exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou situação de impossibilidade de substituir o trabalhador (se este fosse indispensável), que justificassem uma recusa do horário pretendido pelo Requerente;

Nenhuma censura merece a decisão recorrida ao ter considerado demonstrado o primeiro dos requisitos da providência cautelar – probabilidade da existência do direito (fumus boni juris).

No que respeita ao requisito do justificado receio – periculum in mora -, a Recorrente defende, em substância, que inexiste factualidade que permita concluir pela sua verificação.

Sobre esta temática consta da sentença recorrida o seguinte:

«No caso dos autos, considerando as concretas circunstâncias da vida e familiar do Requerente é evidente que o facto de a Requerida ter indeferido o pedido de horário flexível formulado pelo Requerente lhe causa lesões graves e de difícil reparação desde logo na sua vida familiar, afectando de forma grave esse seu direito fundamental. Acompanhamos o douto Ac TRP de 23/1/2023 atrás citado no sentido que a não concessão da providência cautelar afetaria o exercício do direito/dever ao exercício da responsabilidade parental do Requerente, com consagração constitucional, assim como o faria incorrer em faltas consideradas injustificadas pela Ré – como sucedeu -, com a inerente perda de retribuição e eventual imputação de responsabilidade disciplinar, o que tanto basta para a verificação do periculum in mora.

Mas no caso dos autos acresce que, face aos factos dados como provados no que concerne às condições económicas e de vida do Requerente, a decisão da Requerida de recusa de pedido de horário flexível formulado pelo Requerente lhe causará previsivelmente e de modo indiciário constrangimentos graves, bem como ao seu agregado, pois que o Requerente aufere quantia próxima da remuneração mensal mínima garantida, tem três filhos menores a cargo e a Requerida tem-lhe vindo a fazer deduções na remuneração mensal por força de ausências ao trabalho aos fins-de-semana, designadamente: a) em janeiro de 2024 referente a dezembro de 2023 € 54,69; b) em janeiro de 2024 referente a janeiro de 2024 € 58,69; c) Em fevereiro de 2024 referente a janeiro de 2024 € 176,07; d) em março de 2024 referente a fevereiro de 2024 € 58,69.

E tudo isto sucedeu mesmo após a CITE ter emitido parecer desfavorável à intenção de recusa da Requerida, pelo que esta apenas poderia validamente recusar o pedido do trabalhador após decisão judicial reconhecendo motivo justificativo para a sua pretensão.

Não se poderá descurar que caberia à Requerida, empregadora, o ónus de alegação e prova da emissão, pela CITE, do mencionado parecer favorável à sua pretensão, sendo que no caso dos autos até se demonstrou o contrário.

Por tudo o exposto, julgo verificados os requisitos para decretamento do procedimento cautelar requerido, quanto aos pedidos a), b), e a restituição das importâncias deduzidas pela Requerida a título de faltas injustificadas – por se entender que a recusa do pedido do trabalhador de horário flexível é ilegítimo – procedendo parcialmente o pedido formulado em c) e totalmente o formulado em e).

Quanto ao mais – eliminação de faltas injustificadas e pedido formulado em d) – entende-se que não se verifica o requisito da lesão irreparável ou de difícil reparação para o Requerente, pelo que se indefere.».

Também quanto a este sentido decisório não nos merece censura a decisão recorrida.

Acompanha-se aqui de perto o já citado Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 23-01-2023.

Assim, concordamos que a não concessão da providência afetaria o exercício do direito/dever ao exercício da responsabilidade parental do Requerente, com consagração constitucional, na medida em que, conforme decorre da factualidade indiciariamente provada, ficaria impedido desde logo de dar assistência aos dois filhos menores de 12 anos, aos sábados e aos domingos. Ou seja, impediria o Requerente na sua insubstituível tarefa de acompanhar, assistir, educar e participar no desenvolvimento dos seus filhos menores.

A preterição da possibilidade de tal assistência consubstancia um dano de difícil ou impossível reparação caso não fosse concedida a providência e enquanto não fosse julgada a ação principal.

Por outro lado, a não concessão do horário requerido pelo Requerente fez e continuaria a fazer incorrer o mesmo em faltas consideradas injustificadas pela Ré, com perda de retribuição, estando apurado que a esse título o Requerente contabiliza já 18 faltas consideradas injustificadas e conta com descontos efetivados na retribuição que ascendem a um total de € 348,14 [total de descontos respeitante a 1 fim de semana em dezembro, 3 fins de semana em janeiro 2024 e 1 fim de semana em fevereiro 2024 (10 faltas injustificadas), sendo certo que só no mês de março de 2024 foram consideradas 8 faltas injustificadas correspondentes a 4 fins de semana, o que conduzirá segundo o procedimento anterior da Requerida também ao correspondente desconto]. Para além disso, põe-se a questão da eventual responsabilidade disciplinar, sendo certo que resulta dos factos indiciariamente apurados que logo aquando da comunicação de recusa, mais precisamente na comunicação datada de 15-12-2023, a Requerida comunicou ao Requerente que não estava em vigor qualquer horário flexível e que estava obrigado a cumprir o horário que lhe fosse determinado, sob pena em caso de incumprimento da sua “sujeição a eventual responsabilidade disciplinar”. Mais, em 12 de março de 2024 a Requerida envia uma carta ao Requerente, sob o assunto “faltas injustificadas”, onde lhe comunica que o desrespeito pelas escalas de serviço elaboradas pela empresa resulta em faltas injustificadas “que, naturalmente, merecerão o tratamento adequado, nomeadamente quanto aos efeitos na retribuição e na apreciação do comportamento adotado” - atente-se que nessa altura já estavam a ser efetuados descontos na retribuição por faltas consideradas injustificadas.

Ora, tal é já por si suficiente para a afirmação da verificação do periculum in mora.

Mas, concorda-se ainda com o sentido decisório da decisão recorrida, quando faz menção ao facto de que seriam causados constrangimentos graves para o Requerente e seu agregado, tendo em conta as condições económicas e de vida do Requerente.

De facto, estamos a falar de alguém que aufere quantia que está próxima da remuneração mínima mensal garantida, com três filhos menores a seu cargo, em que o seu rendimento anual global para efeitos de IRS por reporte ao ano de 2022 (certidão fiscal disponível à data da instauração da ação) era no valor de € 11.965,46, beneficando por isso de isenção de custas por auferir rendimento anual global inferior a € 20.400,00 e estar representado gratuitamente pelos serviços jurídicos do Sindicato (conforme documentação junta com o requerimento inicial). Nesse circunstancialismo, as já ocorridas deduções na remuneração mensal por força das sobreditas faltas assumem gravidade, para não falar do peso que a continuação dos descontos na retribuição assumiriam se não fosse decretada a providência, sendo que ficou claro que a Recorrente não iria infletir no seu procedimento de considerar injustificadas as faltas e descontar as mesmas na retribuição. Os constrangimentos daí decorrentes e a gravidade dos mesmos e sua difícil reparação, perfilam-se, em nosso entender, como óbvios, em face das regras da lógica e da experiência comum, para alguém que tem que fazer face às despesas normais da vida (e falamos apenas na perspetiva da própria alimentação, luz, água…). Não estamos a falar em meros prejuízos materiais suscetíveis de reparação posterior, mas sim de repercussões negativas óbvias no orçamento familiar disponível para fazer face aos encargos normais do dia a dia de alguém que tem na sua dependência três filhos menores. Os descontos assumem, pois, gravidade, sendo improcedente a argumentação da Recorrente em sentido divergente.

Encontra-se, pois, verificado o mencionado requisito de periculum in mora, improcedendo também nesta parte o recurso da Recorrente.


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Em conclusão, o recurso improcede totalmente.

A responsabilidade pelas custas do recurso impende sobre a Recorrente (artigo 527.º do CPC).


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V – DECISÃO:

Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas do recurso pela Recorrente.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Notifique e registe.


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(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)

Porto, 17 de março de 2025
Germana Ferreira Lopes
Teresa Sá Lopes
Nelson Fernandes
________________
[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Adiante CPC.
[3] Adiante CPT.
[4] Já com a devida retificação do teor do ponto 19 dos factos provados, sendo que será também desde já feita menção em cada ponto, caso tenha ocorrido alteração, atenta a apreciação feita no ponto IV), 2 em sede da apreciação da impugnação da matéria de facto/intervenção oficiosa.
[5] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Recursos em Processos Especiais e Recursos no Processo do Trabalho, 7ª edição atualizada, Almedina, página 387.
[6] In obra citada, pág. 195.
[7] Obra citada, página 350.
[8] Cfr., entre outros, Acórdãos de 9-02-2017 (processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Tomé Gomes), de 8-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira) - acessíveis in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[9] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023, processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão.
[10] António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 199.
[11] Processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Nelson Borges Carneiro.
[12] Processo n.º 2605/20.4L1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves.
[13] Processo n.º 125/22.1T8AVR.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Fernandes, aqui 2º Adjunto.
[14] In obra citada, págs. 200 e 201.
[15] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[16] Obra citada, págs. 201 e 202.
[17] Processo nº 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[18] Processo nº 1372/19.9T8VFR.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[19] Processo nº 1104/18.9T8LMG.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[20] In Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Lda., pág. 436 e 437.
[21] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª edição-Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pág. 621.
[22] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pág. 8.
[23] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 23.
[24] Processo n.º 2649/22.1T8MAI-A.P1, relatado pela hoje Juíza Conselheira Paula Leal de Carvalho.
[25] Neste sentido:
- Acórdãos da Relação do Porto de 15-11-2021 (processo 2731/20.0T8MAI.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão), de 15-12-2021 (processo n.º 3425/19.4T8VLG.P1, relatado pela Desembargadora Rita Romeira e no qual interveio como Adjunta a aqui 1ª Adjunta Desembargadora Teresa Sá Lopes; tal Acórdão foi confirmado Acórdão do STJ de 26/10/2022 a seguir identificado), de 03-10-2022 (processo n.º 8273/22.1T8PRT.P1, relatado pelo Desembargador Nelson Fernandes, aqui 2º Adjunto, e também com intervenção como Adjunta da aqui 1ª Adjunta), de 4-04-2022 (processo n.º 3655/20.6T8VLG, relatado pelo hoje Juiz Conselheiro Domingos José de Morais), de 23-01-2023 (já citado e identificado na nota de rodapé 24) e de 18-11-2024 (processo n.º 4261/23.9T8VLG.P1, relatado pela Desembargadora Maria Luzia de Carvalho, e também com intervenção como Adjunta da aqui 1ª Adjunta);
- Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2022 (processo n.º 423/20.9T8BRRR.L1.S1, Relator Conselheiro Domingos José de Morais), de 22-06-2022 (processo n.º 3425/19.4T8VLG.P1.S2, Relator Conselheiro Ramalho Pinto) e de 17-03-2022 (processo n.º 17071/19.9T8SNT.L1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes).
[26] In “O Trabalho e o Tempo: Comentário ao Código do Trabalho”, Biblioteca RED, 2018, página 41, em anotação ao artigo 57.º do Código de Trabalho.
[27] Processo n.º 1871/19.2T8STB.E1, Relator Desembargador Moisés da Silva.
[28] Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30-06-2022 (processo n.º 361/22.0T8PTM.E1, Relator Desembargador Mário Branco Coelho) e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-11-2014 (processo n.º 609/13.2TTPRT-A.P1, Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto).