AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
REDUÇÃO DO PEDIDO
APLICAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE PREVISTA NO ART.º 12.º-A DO CT
RECURSO AO MÉTODO INDICIÁRIO OU TIPOLÓGICO
EVOLUÇÃO DOS INDÍCIOS TRADICIONAIS DE SUBORDINAÇÃO / NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PRÓPRIAS DA ERA DIGITAL
Sumário

I – Atentos os interesses de ordem pública subjacentes à ação especial de reconhecimento da existência do contrato de trabalho e a imperatividade do art.º 186.º- A, n.º 8 do CPT, que impõem ao tribunal o julgamento da ação de acordo com a realidade, a redução do pedido requerida pelo Ministério Público em fase de recurso, não é admissível.
II – Não se mostra cumprido o ónus previsto pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do CPC, se o impugnante invoca o depoimento de duas testemunhas que não identifica, se, tendo os depoimentos prestados sido gravados, não indica quaisquer passagens da gravação, não transcreve qualquer excerto dos depoimentos e não invoca estes depoimentos como meio de prova relevante nas alegações, mas apenas nas conclusões.
III - A presunção prevista pelo art.º 12.º-A do CT na redação introduzida pela Lei n.º 13/2023 de 03/04, não tem aplicação com vista à qualificação de contratos iniciados antes da sua entrada em vigor se, após essa data, não ocorreu qualquer modificação relevante das condições contratuais.
IV – O âmbito da ação especial de reconhecimento da existência do contrato de trabalho não se restringe às situações em que é possível presumir a existência de contratos de trabalho de acordo com o preenchimento das presunções previstas pelos arts. 12.º e 12.º- A do Código do Trabalho.
V – Não sendo de presumir a existência do contrato de trabalho, a qualificação do vinculo terá de ser apreciada à luz do método indiciário ou tipológico.
VI – As alterações que vêm ocorrendo nas formas de organização do trabalho levaram à alteração do centro de gravidade da subordinação jurídica subjetiva (heterodeterminação da prestação da atividade com presença dos poderes hierárquico, organizacional e disciplinar) para a subordinação jurídica objetiva (que leva em conta a integração do trabalhador na estrutura produtiva).
VII – Sendo ainda a subordinação jurídica o traço diferenciador do contrato de trabalho, ela tem hoje novas manifestações, devendo os indícios tradicionais de subordinação ser apreciados e valorizados em consonância com esta evolução, aptando-se às novas formas de organização do trabalho próprias da era digital.
VIII – Existe subordinação jurídica do estafeta à plataforma digital se, a partir do momento em que aquele se conecta à aplicação passa a integrar um serviço organizado alheio e concebido inteiramente pela recorrida, observando parâmetros de organização e funcionamento unilateralmente definidos pela mesma através da aplicação que organiza o esquema de prestação da atividade, ficando ainda sujeito ao poder sancionatório.

Texto Integral

Processo n.º 4119/23.1T8VFR.P1

Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira - Juiz 2

Acordam nos juízes da secção social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

O Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra “A... Portugal, Unipessoal, Ldª”, pedindo que se declare que AA celebrou com a Ré um contrato de trabalho, em 01/07/2021, nos termos do qual este exerce, por conta da mesma, as funções de estafeta e que a Ré seja condenada a reconhecer tal contrato de trabalho.

Para tanto alegou que o referido AA, presta a atividade de estafeta, desempenhando as tarefas de distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma “A...”, seguindo as ordens e instruções da ré, mediante retribuição pela mesma fixada, paga, em regra, quinzenalmente. Mais alegou que a ré determina regras específicas nomeadamente quanto à forma de apresentação do estafeta, o qual fica sujeito aos poderes de direção e fiscalização da ré, tendo de utilizar uma mochila isotérmica, sendo obrigatório o registo prévio do estafeta na plataforma “A...”, através da criação de uma conta no website da A..., para que o estafeta possa receber pedidos efetuados por clientes. Alegou ainda que o estafeta está abrangido por um seguro de responsabilidade civil contratado pela ré, que esta exige que o estafeta identifique o seu rosto na aplicação com uma periodicidade variável para reconhecimento facial/controlo biométrico, que o estafeta assistiu a uma sessão de informação/formação “on line” prévia à sua inscrição na plataforma, recebendo orientações sobre a sua conduta perante cada situação, que os clientes a quem o estafeta faz as entregas são da plataforma e é esta que contacta com o mercado, com os clientes finais e com os estabelecimentos aderentes.

Acrescentou que a ré controla e supervisiona a prestação de atividade do estafeta em tempo real, acompanhando-o por GPS com recurso ao sistema de geolocalização, obrigando o estafeta a ter o sistema de GPS ligado no seu telemóvel, para que lhe seja atribuído serviço; que existem avaliações realizadas pelos clientes; que é a ré através da plataforma que escolhe o horário de trabalho ou os períodos de ausência do estafeta; que a ré aplicava sanções ao estafeta em caso de atrasos, ausências, más avaliações, períodos de indisponibilidade, recusa de pedidos e comportamentos contrários aos códigos de conduta da plataforma, que se traduziam em reduções ou penalizações nos pagamentos ou nas zonas ou tipo de serviço a prestar, bem como na suspensão da conta ou a sua desativação; que a ré é proprietária da plataforma que se serve de um programa informático que atribui os pedidos em função de diversos critérios; que o estafeta utiliza equipamentos e instrumentos pertencentes à ré, designadamente a aplicação.

Conclui que está configurada uma relação de trabalho subordinado, que sempre deverá ser presumida, em consonância com o preceituado no art.º 12º-A, n.º 1, alíneas a) a f) do Código de Trabalho.

Regularmente citada, a ré apresentou contestação, pugnando pela total improcedência da ação, sustentando, no que interessa ao presente recurso, que o referido AA desenvolve a sua atividade de estafeta de forma autónoma, para o que alegou que explora uma plataforma digital de intermediação tecnológica entre os utilizadores parceiros, os utilizadores clientes e os utilizadores estafetas, e nesse âmbito redireciona os pedidos para os estabelecimentos comerciais e para os prestadores de serviços de entrega, os quais são livres de aceitar ou rejeitar esses serviços; que não fixa o valor da retribuição do estafeta, funcionando como agente intermediário dos pagamentos entre utilizadores finais, estabelecimentos comerciais e estafetas e não exerce qualquer poder de direção, não estabelece regras para a prestação da atividade, nem efetua qualquer controlo através de geolocalização, tendo o estafeta total liberdade para se ligar ou desligar, sem necessidade de cumprimento de um horário ou de um período mínimo ou máximo de tempo de disponibilidade.

Mais alegou que permite a utilização de prestadores de serviço subcontratados/substituídos, e não estabelece qualquer exclusividade na prestação da atividade; que a avaliação da atividade do estafeta por parte do utilizador parceiro e do utilizador cliente é facultativa e não tem qualquer interferência na prestação da atividade do estafeta; que os equipamentos essenciais para o desenvolvimento da atividade do estafeta são propriedade deste, designadamente o telemóvel, o veículo e a mochila isotérmica.

Concluiu que não se encontram preenchidos os critérios de avaliação da existência de um contrato de trabalho, nos termos do disposto nos artigos 12º e 12º-A do Código de Trabalho, e que, mesmo que se verificassem, a presunção de laboralidade encontra-se ilidida pela natureza da prestação da atividade do estafeta, que é exercida com efetiva autonomia e sem qualquer subordinação jurídica à Ré.

Além disso, refere que a interpretação normativa dos arts. 186º-K e 186º-L do Código de Processo do Trabalho que autorizaria o Ministério Público à propositura de ações em massa contra a mesma entidade viola os arts. 20º e nº 10º do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa e que os arts. 12º e 12º-A do Código do Trabalho, conjugados com os nºs 1 e 3 do art.º 15º-A da Lei nº 107/2009, quando interpretados no sentido que a Autoridade para as Condições do Trabalho os poder utilizar como instrumentos repressivos para visar em concreto um sector de atividade numa reclassificação sectorial dos vínculos são inconstitucionais por violação dos arts. 2.º, 12.º e 47.º da Constituição da República Portuguesa.

Resolvida a questão da competência territorial, foi designada data para a realização da audiência de julgamento e notificado o visado nos termos do disposto no artigo 186.º L, n.º 4, do Código de Processo do Trabalho, o mesmo não apresentou articulado, não constituiu mandatário nem aderiu aos factos alegados pelo Ministério Público.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido.

O Ministério Público interpôs o presente recurso, com vista à revogação da sentença e à sua substituição por outra que, reconhecendo a laboralidade da relação em causa na presente ação, fixe a data do início do correspondente contrato individual de trabalho em 01/05/2023 [data da entrada em vigor do artigo 12.º-A do Código do Trabalho (doravante também CT), de acordo com o artigo 37.º da Lei n.º 13/2023, de 3/04)], reduzindo o pedido inicialmente formulado de reconhecimento do contrato a partir de 01/07/2021 e formulando as seguintes conclusões:

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A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido em 1.ª instância, requerendo ainda a ampliação do objeto do recurso com impugnação da matéria de facto ao abrigo do art.º 636.º do Código de Processo Civil (doravante CPC), formulando as seguintes conclusões:

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O recurso foi regularmente admitido e, neste tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público que entendeu não haver lugar à emissão de parecer por não se verificarem os pressupostos previstos pelo art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT).

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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Delimitação objetiva do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do CPT e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do CPC, aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, são as seguintes as questões a decidir:

1 – questão prévia da redução do pedido;

2 – impugnação da matéria de facto (ampliação do objeto do recurso requerida pela ré)

3 – qualificação do vínculo entre AA (doravante também estafeta) e a ré como contrato de trabalho.


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Fundamentação de facto

São os seguintes os factos considerados provados em 1.ª instância:

«1º- A Ré “A... PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA” tem por objeto social o “desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, comércio a retalho por via eletrónica, comércio não especializado de produtos alimentares e não alimentares, bebidas e tabaco e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de dermocosmética e de alimentos para animais, a importação de quaisquer produtos, o comércio de refeições prontas a levar para casa e a distribuição ao domicílio de produtos alimentares e não alimentares. Exploração, comercialização, prestação e desenvolvimento de todos os tipos de serviços complementares das atividades constantes do seu objeto social. Realização de atividades de formação, consultoria, assistência técnica, especialização e de pesquisa de mercado relacionadas com o objeto social. Qualquer outra atividade que esteja direta ou indiretamente relacionada com as atividades acima identificadas”, e tem a sua sede na Rua ..., n.º ..., 4º, em Lisboa.

2º- No âmbito da sua atividade profissional, a Ré gere a aplicação informática/plataforma digital “A...”, na qual disponibiliza serviços à distância através de meios eletrónicos, a pedido de utilizadores.

3º- Através dessa plataforma certos estabelecimentos comerciais oferecem os seus produtos e, quando solicitado pelos utilizadores clientes – através de uma aplicação móvel (App) ou através da internet –, propõe a entrega dos produtos encomendados.

4º- Para efetuar a recolha dos produtos nos estabelecimentos comerciais aderentes e realizar o transporte e a entrega desses produtos aos utilizadores clientes, podem ser utilizados os serviços de estafetas que se encontram registados na sua plataforma para esse efeito, entre os quais AA.

5º- A principal atividade da Ré inclui a intermediação entre os diferentes utilizadores da plataforma: utilizadores parceiros (estabelecimentos comerciais, como restaurantes), utilizadores estafetas e utilizadores clientes; a intermediação dos processos de recolha e/ou pagamento e a intermediação entre a venda dos produtos e a respetiva entrega, em nome do utilizador cliente e dos estabelecimentos comerciais.

6º- Para pagamento dos serviços de acesso e intermediação, a Ré recebe diferentes taxas provenientes dos utilizadores: os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Parceria”); os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”); os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”).

7º- A Ré não recebe o pagamento do utilizador final devido pelo serviço do prestador de serviços de entrega, atuando a Ré, através de um prestador autorizado de serviços de pagamento, como um mero agente intermediário nos pagamentos entre utilizadores finais, estabelecimentos comerciais e estafetas e transferindo na sua totalidade o montante pago a título de serviços de entrega para os utilizadores prestadores desses serviços.

8º- A plataforma está aberta a outras possibilidades de utilização e prestação de serviços bilaterais: os estabelecimentos comerciais podem receber pedidos via plataforma e, continuando obrigados ao pagamento da respetiva taxa de acesso, optar por recorrer aos seus próprios serviços de entrega, sem se conectar, via aplicação, com os utilizadores que fazem transportes; os utilizadores finais, via plataforma, podem solicitar serviços de entrega de produtos entre dois locais, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma; os utilizadores finais podem, através da plataforma, dirigir pedidos de compra de produtos aos estabelecimentos comerciais e usar a opção “take away”, levantando-os pessoalmente, sem fazer qualquer uso dos serviços de entrega dos estafetas registados na plataforma.

9º- A aplicação “A...” destina-se a ser utilizada pelos utilizadores-cliente e a aplicação “A... COURIERS” destina-se a ser utilizada pelos utilizadores-estafeta.

10º- É obrigatório o registo prévio do prestador de atividade de estafeta na plataforma da A...”, através da criação de conta no web site da A...: http://.....com/pt/.

11º- Para o desenvolvimento da sua atividade nesta plataforma, a Ré impõe que o utilizador-estafeta possua uma mochila isotérmica para o transporte de refeições, um veículo para transportar as encomendas e a aplicação da plataforma A... instalada e ativa no seu telemóvel “smartphone”.

12º- No âmbito de uma inspeção levada a cabo pela Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), no dia 24/08/2023, pelas 13h00, a Inspetora da ACT identificou AA, nascido a ../../1977, portador do passaporte nº..., contribuinte fiscal n.º ..., que se encontrava junto ao Restaurante B..., sito no parque de estacionamento do hipermercado C..., sito no lugar ..., em Santa Maria da Feira, a exercer a sua atividade de estafeta, desempenhando as tarefas de distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma digital “ A... PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA”.

13º- AA tem atividade registada na plataforma “A...” desde, pelo menos, 24.09.2021.

14º- No processo de inscrição na plataforma, AA remeteu os seus documentos de identificação, em concreto, carta de condução, declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ... (outros prestadores de serviços), passaporte, registo e seguro do veículo de duas rodas, e identificou o veículo a utilizar no exercício das suas funções.

15º- No decurso do processo de inscrição é possível visualizar vídeos com informações sobre a plataforma.

16º- No momento da inscrição na plataforma, AA escolheu desenvolver a sua atividade no concelho de Santa Maria da Feira.

17º- As condições contratuais ao abrigo das quais AA prestava os seus serviços eram as estabelecidas pela plataforma.

18º- Para que lhe sejam distribuídos pedidos na plataforma “A...”, AA tem que aceder ao seu “perfil da conta” na aplicação “A... Courieirs” instalada no seu telemóvel, e iniciar a sessão (colocar-se on line), com os dados móveis ligados e a localização ativada.

19º- A partir do momento em que se coloca on line, a plataforma passa a saber a sua localização.

20º- A plataforma pede a AA o seu reconhecimento facial efetuado através do telemóvel, com uma periodicidade variável, mas que pode ocorrer várias vezes no próprio dia.

21º- Se o seu telemóvel pessoal estivesse com a bateria a 20%, deixa de receber pedidos.

22º- Quando lhe é distribuído um pedido na plataforma, AA, pode aceitar, não responder ou rejeitar o serviço proposto que, por sua vez, pode ter sido anteriormente rejeitado por outros utilizadores-estafeta.

23º- Após aceitar um serviço, AA pode ainda rejeitá-lo até à recolha do pedido.

24º- Caso tenha aceitado o serviço, dirige-se para a morada do ponto de recolha e aguarda que os artigos que constituem o pedido lhe sejam disponibilizados pelo parceiro, efetuando a recolha dos mesmos.

25º- Quando chega ao ponto de recolha deve ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que está no ponto de recolha e lhe seja entregue o pedido.

26º- Já na posse dos artigos que constituem o pedido, AA dirige-se para a morada do ponto de entrega e efetua a entrega dos mesmos ao utilizador-cliente.

27º- Aquando da oferta de um serviço, a plataforma apresenta a AA o preço do serviço, o mapa com os pontos de recolha e entrega assinalados e a rua da morada do ponto de recolha e a distância estimada, sem apresentar qualquer itinerário ou rota proposta.

28º- É o estafeta que escolhe o itinerário que vai utilizar para a realização do serviço tanto desde o ponto onde efetuou a aceitação do serviço até ao ponto de recolha, como desde o ponto de recolha até ao ponto de entrega.

29º- Após a recolha do pedido, e durante a execução da entrega, AA pode desativar a geolocalização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou determine alguma penalização.

30º- O preço por serviço a pagar a AA compreende uma componente fixa designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40, e uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas: a. €0,25 por cada km percorrido pelo estafeta desde o local de recolha do pedido (em regra restaurante, mas poderia ser qualquer outro tipo de produtos dos estabelecimentos aderentes da plataforma) até ao endereço de entrega do mesmo (os quilómetros percorridos são os definidos na rota dada pelo “Google maps”); b. uma percentagem variável em função da hora do pedido/entrega, época do ano ou condições climatéricas ou promoções, designadas por “compensación por hora punta” e c. uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pela própria e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade.

31º- AA pode receber gratificações dos clientes.

32º- A Ré paga, quinzenalmente, através de transferência bancária, diretamente ao estafeta AA, os valores correspondentes às entregas efetuadas, mediante a emissão, por este, de uma fatura em nome da Ré.

33º- A plataforma permite que o cliente pague em dinheiro ao estafeta AA, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos).

34º- Nesse caso, o valor em numerário entregue pelos clientes a AA é compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, mas quando o mesmo excede um determinado limite pré-definido pela plataforma, deve ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado.

36º- AA não celebrou qualquer contrato comercial com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais.

37º- A Ré, através da plataforma, escolhe e define os estabelecimentos comerciais e os clientes finais para os quais AA pode exercer a sua atividade de estafeta na plataforma por si gerida.

38º- É o estafeta AA que define o número de pedidos que pretende realizar, escolhendo conectar-se ou desconectar-se da aplicação sempre que assim entender.

39º- A plataforma “A...” encontra-se em funcionamento diariamente, entre as 10h00m e as 23h00m.

40º- É o estafeta AA que escolhe os dias e horas em que pretende ligarse à aplicação da Ré.

41º- O estafeta AA pode subcontratar a sua conta a outros utilizadoresestafetas.

42º- O estafeta pode alterar livremente na plataforma a zona geográfica em que pretende efetuar entregas.

43º- Os custos de aquisição, manutenção e reparação do veículo, da mochila, das luvas e do telemóvel que utiliza para proceder às entregas e para se ligar à aplicação da Ré são suportados por AA.

44º- É o estafeta AA que é responsável pela perda ou danificação dos produtos que transporta.

45º- O estafeta AA não é obrigado a utilizar uniforme identificativo da Ré, podendo, como qualquer outra pessoa, comprar merchandising da Ré (incluindo a mochila isotérmica para transporte de comida) na loja on-line desta.

46º- AA não é obrigado a adquirir uma mochila com a marca da Ré, podendo utilizar uma mochila sem marca ou com a marca de plataformas concorrentes.

47º- A ré não controla nem limita que o estafeta AA preste a mesma atividade para plataformas concorrentes nem controla nem limita que a mesma preste qualquer outra atividade.

48º- Mediante o pagamento de uma taxa de serviço, o estafeta AA tem acesso a um seguro de acidente e de responsabilidade civil pessoal enquanto estiver ligado na aplicação da Ré.

49º- A plataforma da Ré disponibiliza aos utilizadores clientes finais um mecanismo de feedback qualitativo da atividade dos estafetas, que é facultativo, através do qual os clientes finais são convidados a avaliar a forma como o estafeta realizou o seu trabalho, sendo que a plataforma consolida a informação e torna-a visível apenas para o estafeta.

50º- A avaliação atrás referida não tem qualquer efeito sobre a atividade dos estafetas, não afetando a oferta de entregas nem a livre utilização da plataforma.

51º- No ponto 5.2. dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma A... para Estafetas” encontram-se previstas as situações que podem determinar a desativação temporária ou permanente da Conta-Estafeta.

52º- A Ré foi notificada pela Autoridade para as Condições de Trabalho para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do prestador de atividade AA ou se pronunciar, dizendo o que tivesse por conveniente, tendo também sido advertida de que, caso se decidisse pela regularização, deveria fazer prova da mesma perante a ACT, mediante apresentação do contrato de trabalho por tempo indeterminado ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data o início da relação laboral.

53º- A Ré não procedeu a tal regularização, pelo que a ACT elaborou participação nos termos e para os fins do disposto no n.º 3 do artigo 15º-A da Lei 107/2009, de setembro, na sua redação atual, a qual foi recebida nos serviços do Ministério Público no dia 23.11.2023.

Mais se provou que:

54º- O estafeta AA, desde fevereiro de 2024, não utiliza a plataforma “A...” para prestar serviços de estafeta.»


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E foi considerado como não provado o seguinte:

«- no processo de inscrição na plataforma, o estafeta AA tenha ficado adstrito a desenvolver a sua atividade na área de abrangência definida pela plataforma, não podendo ir para outra zona;

- o estafeta AA não possa realizar entregas se estiver desligado da plataforma;

- a plataforma fixe unilateralmente a retribuição do trabalho do estafeta AA, sem qualquer margem de negociação deste;

- o estafeta só tenha acesso ao valor a receber pela tarefa/entrega depois de a aceitar;

- o cliente final pague diretamente o serviço à plataforma e nunca ao estafeta;

- no pagamento efetuado, a plataforma compense o valor do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) suportado pelo mesmo findo o seu primeiro ano de isenção, o que significa que esse valor era suportado pela plataforma após comunicação desse facto pelo estafeta;

- a Ré determine regras específicas quanto à forma de apresentação do estafeta;

- o estafeta AA foi advertido de que tem de tratar os clientes finais com regras de boa educação, que não pode ser mal educado com eles, sob pena de ter avaliações negativas dos mesmos e, até, no caso de uso de linguagem ou atitudes abusivas, ser temporária ou permanentemente impedida de prestar atividade;

- no decurso do processo de inscrição, tenha sido disponibilizada a AA uma sessão de informação/formação online prévia, na plataforma, com a duração de cerca de trinta minutos;

- na formação on line prévia à inscrição, o estafeta tenha sido informado que tem acesso ao seguro “D...” caso esteja a utilizar a plataforma – está coberta enquanto estiver on line e até uma hora após ficar off line;

- a plataforma da Ré distribua o serviço ao estafeta que permanecer mais tempo on line, estiver mais perto do ponto de recolha e tiver o multiplicador mais baixo permitido pela plataforma;

- a Ré tenha mecanismos de controlo sobre a atividade do estafeta através da avaliação feita pelos utilizadores do serviço por esta prestado, tanto os clientes finais como os estabelecimentos comerciais;

- a Ré, através da plataforma, escolha e defina o horário de trabalho de AA;

- a Ré aplique sanções a AA em caso de atrasos, ausências, más avaliações, períodos de indisponibilidade, recusa de pedidos e comportamentos contrários aos códigos de conduta da plataforma;

- a Ré faculte aos restaurantes aderentes os instrumentos informáticos (tablets) que lhe permitem desenvolver o trabalho, sendo a plataforma responsável pela manutenção desse equipamento.»


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Apreciação

Importa começar por decidir a questão prévia relativa à redução do pedido.

Efetivamente, o pedido formulado pelo Ministério Público na petição inicial, foi de reconhecimento do contrato de trabalho a partir de 01/07/2021.

Nas suas alegações de recurso, requereu de forma expressa a redução de tal pedido, restringindo a pretensão de reconhecimento do contrato a partir de 01/05/2023. Trata-se, pois, da redução do âmbito temporal do pedido de reconhecimento do contrato como contrato de trabalho. O pedido é o mesmo – o reconhecimento do contrato de trabalho - mas relativamente a um período de tempo menor, o que configura uma efetiva restrição da pretensão inicialmente deduzida e, consequentemente uma redução do pedido.

A recorrida pretende que tal pretensão do Ministério Público seja julgada improcedente por a mesma, face ao disposto pelo art.º 265.º do CPC, não ter enquadramento legal.

Ora, a génese da pretensão do Ministério Público é a ideia de que formulando o pedido apenas a partir de 01/05/2023, deve considerar-se aplicável ao caso dos autos a presunção prevista pelo art.º 12.º-A do CT na redação dada pela Lei n.º 13/2023, de 13 de Abril, que entrou em vigor naquela data.

Contudo, a natureza da ação especial de reconhecimento da existência do contrato de trabalho impõe que, mesmo que tal entendimento não venha a ser acolhido, isto é, mesmo que se considere não ser aplicável, no caso dos autos, a presunção prevista pelo art.º 12.ª-A do CT, a relação contratual que lhes está subjacente seja apreciada desde a sua constituição.

Na verdade, a Lei nº 63/2103, que expressamente veio consagrar a “Instituição de mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado” (cfr. art.º 1.º) contém normas de interesse e ordem pública.

Teve-se em vista combater a existência de verdadeiros contratos de trabalho subordinado encobertos sob a designação de contratos de prestação de serviços, os quais, para além de afetarem o trabalhador subordinado em alguns dos seus direitos, prejudicam, igualmente, interesses do Estado, de natureza fiscal e de segurança social.

E parafraseando o Ac. da Rel. de Lisboa de 10/09/2014[1] “Assim sendo, o julgamento da acção deverá traduzir a realidade e não ficar restrito ao peticionado pelo MºPº ou ao alegado no articulado do trabalhador, se o houver, devendo a sentença, mesmo que tal não seja indicado por qualquer daqueles, “fixar a data do início da relação laboral”- nº 8 do artº 186º-O. Esta norma, tal como todas as outras referidas, apresenta-se como imperativa, estando em causa, como já se aludiu, valores que o legislador considera fundamentais, impondo-se, portanto, à vontade das partes e diminuindo a sua liberdade de estipulação. Funciona aqui o princípio do inquisitório, aparecendo o princípio do dispositivo como claramente mitigado.”

Nesta medida, afigura-se-nos, que o Ministério Público não tem legitimidade para reduzir o pedido que inicialmente formulou, o que, de todo o modo sempre seria totalmente inócuo face à previsão do art.º 186.º-O, n.º 8 do CPT.

Não se admite, pois, a redução do pedido requerida pelo Ministério Público.


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A recorrida requereu a ampliação do âmbito do recurso, tendo impugnado a decisão da matéria de facto, importando, antes de mais, fixar a matéria de facto relevante para a decisão da questão da qualificação do vínculo existente entre aquela e o estafeta.

A discordância da recorrida é apenas relativa ao ponto 25º da matéria de facto provada, pretendendo que a sua redação seja alterada.

Para o efeito invoca a existência de contradição entre o ponto 25 e o ponto 29, o parecer INESC ID junto aos autos e, apenas nas conclusões (conclusão QQQQQ) os depoimentos de dois estafetas.

Nos termos do art.º 662.º, n.º 1 CPC «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

A Relação tem efetivamente poderes de reapreciação da decisão da matéria de facto decidida pela 1ª instância, impondo-se-lhe no que respeita à prova sujeita à livre apreciação do julgado, a (re)análise dos meios de prova produzidos em 1ª instância, desde que o recorrente cumpra os ónus definidos pelo art.º 640.º do CPC.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes[2], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, «foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.»

A modificação da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que for declarado pela 1.ª instância. Porém, como também sublinha António Santos Abrantes Geraldes[3] «(...) a reapreciação da matéria de facto pela Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.° não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente, de forma concludente, as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que impliquem decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter».

Nos termos do n.º 1 do art.º 640.º do CPC, impõe-se ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:

“a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

E nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal, no caso da alínea b) deve ser observado o seguinte:

“a) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”

Aplicando estas considerações e regras ao caso em análise, facilmente se conclui que, tendo a recorrida cumprido os ónus a que se refere o art.º 640.º, n.º 1, al. a) e c), não cumpriu integralmente o ónus previsto na alínea b) e na al. a) do n.º 2.

Na verdade, a recorrida invoca o depoimento de dois estafetas, (tendo os depoimentos prestados sido gravados), mas não os identifica, não indica quaisquer passagens da gravação, não transcreve qualquer excerto dos depoimentos e não invoca estes depoimentos como meio de prova relevante nas alegações, mas apenas nas conclusões.

Nesta medida, na parte em que funda a impugnação da matéria de facto nos depoimentos de dois estafetas, rejeita-se a impugnação.

Quanto aos restantes fundamentos invocados para a alteração da decisão da matéria de facto, nada obsta ao conhecimento da impugnação, mas, adiantamos já, que os mesmos não determinam a procedência da pretensão deduzida.

O ponto da matéria de facto em discussão tem o seguinte teor:

“25º- Quando chega ao ponto de recolha deve ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que está no ponto de recolha e lhe seja entregue o pedido.”

Por sua vez, no ponto 29º foi dado como provado o seguinte:

“29º- Após a recolha do pedido, e durante a execução da entrega, AA pode desativar a geolocalização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou determine alguma penalização.”

A recorrida entende, face à contradição entre aqueles dois pontos da matéria de facto e ao teor do parecer INESC ID que juntou aos autos, que a redação do ponto 25º deve ser alterada, passando a ser a seguinte redação:

“25º - Quando chega ao ponto de recolha pode ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro fique a saber que está no ponto de recolha e lhe seja entregue o pedido, podendo, todavia, efetuar a recolha do produto sem assinalar o respetivo passo.”

Sem razão, contudo.

De facto não se encontra a contradição apontada, já que no ponto 29º o que está em causa é a possibilidade de após a recolha, a execução da entrega ser realizada pelo estafeta com a geolocalização desativada e no ponto 25º o que está em causa é, o uso de uma ferramenta da aplicação, no momento anterior à recolha.

Por outro lado, do parecer junto pela recorrida consta o seguinte:

“Nos testes efetuados, nomeadamente no Teste #7, verificámos que, no decurso de um serviço, a plataforma comunicou ao utilizador-estafeta um conjunto de informações essenciais à realização do serviço de estafeta e solicitou apenas que o mesmo assinalasse a conclusão das seguintes atividades:

● chegada à morada do parceiro (ponto de recolha);

● recolha dos artigos no parceiro;

● chegada à morada do utilizador-cliente (ponto de entrega);

● entrega dos artigos ao utilizador-cliente e conclusão do serviço.

No entanto, tal como observado no Teste #21, o facto de o utilizador-estafeta não ter assinalado a conclusão de nenhuma das atividades, excetuando a última, não comprometeu a execução do serviço.”

Resulta, pois, do parecer que é solicitado ao estafeta que assinale a chegada à morada do parceiro e a recolha dos artigos, o que corrobora o teor do ponto 25 tal como foi considerado pelo tribunal “a quo”.

A circunstância de no parecer se ter concluído com base no teste realizado que apenas foi assinalada a conclusão do serviço, sem que tal tenha comprometido a sua execução não permite concluir que o estafeta não tem a obrigação de cumprir o solicitado, mas apenas que não a cumpriu. Questão diversa é saber se desse incumprimento resultam ou não consequências para o estafeta.

Não se vislumbra, pois, que os fundamentos e meios de prova invocados pela recorrida imponham decisão diversa da proferida pelo tribunal, improcedendo a impugnação.


*

Fixada a matéria de facto relevante, centremo-nos agora na qualificação do vínculo estabelecido entre o estafeta e a recorrida.

Tal vínculo iniciou-se, como resulta do facto provado 13.º no dia 24/09/2021, pelo que, e sem prejuízo do momento a partir do qual o apelante agora peticiona o reconhecimento da existência do contrato de trabalho (01/05/2023), à subsunção dos factos ao direito é aplicável o Código do Trabalho de 2009 (CT), na versão anterior à publicação da Lei n.º 13/2023, de 03/04, que apenas entrou em vigor no dia 01/05/2023 (cfr. os arts. 7.º e 14.º da Lei n.º 7/2009, de 12/02, o art.º 37.º, n.º 1, da Lei n.º 13/2023, de 03/04 e o art.º 12.º do Código Civil).

Com efeito, como em certa medida resulta do supra exposto a propósito da questão da redução do pedido, o pedido de reconhecimento da existência do contrato de trabalho e o âmbito temporal a partir do qual se pede que produza os respetivos efeitos, são questões distintas da do regime jurídico que deve ser eleito para o seu enquadramento e este é definido em função do momento em que se constituiu a relação jurídica que, no caso, é anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas no CT pela Lei n.º 13/2023, de 03/04.

E importa salientar que dos factos provados, não resulta que desde 24/09/2021 até fevereiro de 2024, data a partir da qual o estafeta deixou de utilizar a plataforma para prestar serviços de estafeta (facto provado 54º), tenha existido qualquer alteração de relevo na relação jurídica em presença que imponha aplicação de regime jurídico diverso designadamente o que agora se encontra previsto pelo art.º 12.º-A do CT, vigente, como se disse, desde 01/05/2023, não sendo, pois, a presunção ali configurada aplicável para a qualificação do vinculo dos autos.

Este entendimento vai, de resto, de encontro à jurisprudência desde há muito consolidada no Supremo Tribunal de Justiça[4] ainda que a propósito da presunção consagrada no art.º 12.º do CT, segundo a qual estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes.

E não se vislumbra qualquer razão para nos afastarmos de tal entendimento em relação à presunção do art.º 12.º-A do CT em face da redação do art.º 35.º, n.º 1, da Lei n.º 13/2023, de 03/04.

De resto, este tem vindo a ser também o entendimento perfilhado em várias decisões relativas a situações juridicamente equivalentes à dos autos de que são exemplos:

- o Ac. RP de 03/02/2025, processo n.º 367/24.5T8AVR.P1, no qual a aqui relatora interveio como 1.ª adjunta;

- o Ac. RL de 12/02/2025, processo n.º 28891/23.0T8LSB.L1-A;

- o Ac. RL de 29/01/2025, processo n.º 30383/23.8T8LSB.L1-4;

- o Ac. RG de 31/10/2024, processo n.º 2781/23.4T8VRL.G1;

- o Ac. RC de 14/02/2025, processo n.º 4792/23.0T8LRA.C1 e

- o Ac. RE de 16/01/2025, processo n.º 1915/23.3T8TMR.E2.[5]

É ainda de referir que a Lei n.º 13/2023 constituiu, afinal, uma antecipação pelo legislador português, em face do projeto, da Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2024.

E esta, no seu considerando 33, veio a dispor o seguinte:

«(33) Por razões de segurança jurídica, a presunção legal não deverá produzir efeitos jurídicos retroativos, devendo, por conseguinte, aplicar-se apenas ao período com início em 2 de dezembro de 2026, inclusive para as relações contratuais concluídas anteriormente e ainda vigentes nessa data. Por conseguinte, as reclamações relativas à eventual existência de uma relação de trabalho anterior a essa data, bem como os direitos e obrigações decorrentes da relação até essa data, deverão ser apreciadas unicamente com base no direito da União e nacional aplicável antes dessa data, incluindo a Diretiva (UE) 2019/1152.»

Em decorrência do exposto, conclui-se que a presunção prevista pelo art.º 12.º-A do CT na redação introduzida pela Lei n.º 13/2023 de 03/04, não tem aplicação no caso dos autos.

No recurso, o apelante prevalece-se predominantemente da nova presunção prevista no art.º 12.º-A do CT, discordando da posição assumida pelo tribunal “a quo”, que concluiu pela inaplicabilidade do regime previsto pela citada disposição legal.

Contudo, o facto de termos concluído, tal como a sentença recorrida, pela inaplicabilidade da nova presunção à situação em análise, não determina, sem mais, a improcedência do recurso, como parece querer induzir a recorrida, pois, não estando o juiz sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como resulta do art.º 5.º, n.º 3 do CPC, aquela conclusão não nos dispensa de apreciar a situação à luz de regras de direito diversas, no caso à luz do regime previsto pelo Código do Trabalho na redação anterior à da Lei n.º 13/2023, de 03/04.

Importa ainda referir que não colhe a argumentação da recorrida de que as ações de reconhecimento da existência do contrato de trabalho visam, tão só, a verificação (ou não) das características/indícios referidos nos artigos 12.º e/ou 12.º-A do Código do Trabalho, tendo sido intenção do legislador delimitar tais ações às situações em que é possível presumir a existência de contratos de trabalho de acordo com o preenchimento das presunções, o que é conforme à simplicidade da tramitação da ação.

Na verdade, não resulta do art.º 15.º-A da Lei n.º 107/2009 de 14/09, nem do art.º 186.º- K do CPT, qualquer limitação do âmbito de tais ações às situações em que a ACT ou o Ministério Público, vislumbrem a verificação dos indícios das presunções supra identificadas.

O que o art.º 15.º-A da citada Lei n.º 107/2009 prescreve é que:

“1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 2.º, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.

(…)

3 - Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.”

E o art.º 2.º, n.º 3 (não interessa ao caso dos autos o n.º 4 que é relativo ao contrato a termo) da mesma Lei estatui que:

“3 - A ACT é igualmente competente e instaura o procedimento previsto no artigo 15.º-A da presente lei, sempre que se verifique a existência de características de contrato de trabalho, nomeadamente:

a) Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º e no n.º 1 do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, incluindo nos casos em que o prestador de serviço atue como empresário em nome individual ou através de sociedade unipessoal;”.

O que resulta destas disposições legais é a obrigação da ACT lavrar o auto de notícia e de, sendo o caso, de o remeter ao Ministério Público com vista à instauração da ação de reconhecimento, e a obrigação do Ministério Público, independentemente do recebimento daquele auto, intentar a dita ação, sempre que verifiquem a existência de características de contrato de trabalho, seja nos termos dos arts. 12.º e 12.º-A do CT, seja noutros, não podendo ser outro o sentido do advérbio “nomeadamente” ínsito no corpo do n.º 3 do art.º 2.º da Lei n.º 107/2009.

E a isso não pode obstar a simplicidade e urgência da ação especial em causa, as quais, a ser como alega a recorrida, também dificilmente se compadeceriam com o esforço de alegação e probatório imposto ao beneficiário da atividade sempre que pretendesse ilidir qualquer daquelas presunções.

E também não colhe o argumento da recorrida de que, tendo a presente ação sido estruturada com base na aplicação da presunção, a apreciação do caso à luz de outros critérios violaria o princípio do contraditório “na medida em que não foi dada à Ré a oportunidade de se pronunciar fora dos indícios sobre os quais incidiram a Petição Inicial e que compõe o objeto da ação”.

Na verdade, o juiz está obrigado a observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não podendo decidir questões de direito ou de facto, ainda que do conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, excecionados os casos de manifesta desnecessidade (cfr. art.º 3.º, n.º 3 do CPC).

A este princípio subjaz a ideia de que repugnam ao sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados[6], mas o mesmo tem de ser conjugado com o já referido art.º 5.º, n.º 3 do CPC, que consagra a oficiosidade do conhecimento quanto à matéria de direito desde que os factos pertinentes tenham sido alegados ou possam ser considerados pelo tribunal.

Importa atentar, no caso concreto, que a afirmação da recorrida de que o Ministério Público instaurou a referida ação entendendo estarem preenchidas várias alíneas do artigo 12.º-A e de que foi relativamente ao preenchimento, ou não, destas características que a ré apresentou a sua defesa, e sobre a qual incidiu o contraditório, não corresponde inteiramente à verdade.

Pode ler-se na petição inicial, após alegação detalhada dos factos atinentes à prestação da atividade pelo estafeta o seguinte:

“84.º

A descrita relação estabelecida entre a R. e o AA, dados os concretos moldes de execução da prestação de atividade, configura uma genuína relação de trabalho subordinado,

85.º

A qual deve, de resto, ser presumida, em consonância com o preceituado no artigo 12.ºA, n.º 1, alíneas a) a f) do Código do Trabalho.” (sublinhados nossos)

Daqui resulta claramente que a invocação pelo Ministério Público do art.º 12º-A, não esgota os fundamentos de direito da sua pretensão de reconhecimento do contrato de trabalho. Ademais, a ré tendo contestado, teve oportunidade de exercer o contraditório relativamente a todos os factos alegados pelo Ministério Público, independentemente de os mesmos serem ou não relevantes para a qualificação do contrato com base apenas na presunção.

A questão de direito colocada à decisão do tribunal não foi a do método a utilizar para a qualificação do contrato, mas a qualificação do contrato propriamente dita com base nos factos alegados pelo autor e sobre tal questão a ré teve ampla oportunidade de se pronunciar, como o fez.

De resto, o recurso ao método indiciário ou ao método presuntivo não constitui mais do que um processo racional a utilizar para chegar a determinado fim, processo que o tribunal sempre seria livre de empreender mesmo que não correspondesse ao adotado pelo autor. O método não é a de cisão (muito menos uma decisão surpresa) e esta, no caso, é a relativa à qualificação do contrato por a situação de facto retratada se subsumir ou não ao art.º 11.º do CT.

Nessa medida, a invocação mais ou menos proficiente, pelo recorrente, nas alegações de recurso do método indiciário com vista ao reconhecimento do contrato de trabalho, não configura uma questão nova sobre a qual a recorrida não tenha tido oportunidade de se pronunciar, tendo-o de resto, feito nas contra-alegações de forma, no mínimo, ampla, inexistindo qualquer violação do contraditório


*

Vejamos, pois, se face ao Código do Trabalho, na redação anterior à lei n.º 13/2023, de 03/04, é de qualificar como contrato de trabalho, o vínculo estabelecido entre o estafeta e a recorrida.

O art.º 1152.º do Código Civil define o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas.

O art.º 1154.º do mesmo Código define o contrato de prestação de serviços nos seguinte termos: “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”

Por sua vez, nos termos do art.º 11.º do CT, “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.

Porque condensa o que entendemos ser relevante equacionar, nesta fase, socorremo-nos do Ac. RG de 17/10/2024[7], no qual se lê “A jurisprudência e doutrina têm apontado como traço característico do contrato de trabalho a subordinação jurídica, que é modernamente entendida como a sujeição da actividade prestada pelo trabalhador a parâmetros importantes ditados pelo empregador, que assim gere, conforma e delimita a execução do trabalho, classificado de hetero-determinado porque inserido em estrutura organizativa alheia.

Está hoje definitivamente ultrapassada a ideia de subordinação associada à emissão de ordens evidentes, directas e sistemáticas, por força da crescente autonomia técnica dos trabalhadores e das actuais formas de organização e de interacção laboral. O traço decisivo é o chamado elemento organizatório conforme espelhado na fórmula legal que refere actividade laboral como sendo a prestada “no âmbito de organização e sob a autoridade” de outrem -11º do CT/09.[8]

Donde, o fulcro da subordinação consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserido num ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, Almedina, 19º ed., p. 148.”

Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[9] “A referência à integração do trabalhador no âmbito da organização do empregador, que é agora feita no contexto da noção de contrato de trabalho (art. 11º do CT), vem justamente salientar a componente organizacional do contrato de trabalho (…), e que, obviamente tem um valor qualificativo”.

Alterou-se, pois, o centro de gravidade da subordinação jurídica subjetiva (heterodeterminação da prestação de atividade, com presença dos poderes hierárquico, organizacional e disciplinar) para a subordinação jurídica objetiva (que leva em conta a integração do trabalhador na estrutura produtiva).

Na prática judiciária, reconhecendo-se a dificuldade de, em concreto, traçar uma fronteira completamente definida entre o contrato de trabalho e algumas das figuras que lhe são afins em que a atividade é prestada à margem da subordinação jurídica, tem-se optado pelo recurso à verificação, em cada caso, de um conjunto de indícios da existência ou inexistência de subordinação jurídica, particularmente, nas situações, de interpretação divergente do sentido das declarações de vontade na celebração do contrato.

Os indícios normalmente apontados no sentido da existência de subordinação são, entre outros, o de o lugar do trabalho pertencer ao empregador ou ser por ele determinado, o horário de trabalho ser o definido pelo empregador, a existência de poder disciplinar, a organização do trabalho depender estritamente da vontade o empregador, serem os instrumentos de trabalho pertencentes ao empregador, a existência de outros trabalhadores subordinados no exercício da mesma atividade, a opção pela modalidade de retribuição certa, o aumento periódico da retribuição, o pagamento de subsídios de férias e de Natal, a exclusividade da atividade laboral por conta do empregador, a sindicalização e a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.

O que importa, pois, considerar com vista à distinção do contrato de trabalho de formas de prestação de trabalho autónomas, é, afinal, o modo concreto de execução da prestação.

Importa ter presente que as significativas mudanças que se têm vindo a verificar na forma de organização do trabalho reclamam do Direito do Trabalho uma abordagem capaz de acompanhar a realidade. Na verdade, sendo ainda a subordinação o traço diferenciador do contrato de trabalho, ela tem hoje novas manifestações, devendo os indícios tradicionais de subordinação ser apreciados e valorizados em consonância com esta evolução.

Nessa medida, ainda antes da era do trabalho digital, já se reconhecia que a relevância daqueles indícios variava em função do tipo de atividade exercida, podendo/devendo, ser sopesados de maneira diferente conforme a especificidade de cada situação.

As dificuldades que se colocam na prova dos indícios relevantes a apreciar globalmente e o uso abusivo da figura do contrato de prestação de serviços para evitar os encargos que para o empregador resultam da celebração dos contratos de trabalho, levaram o legislador a consagrar, presunções de contrato de trabalho que oneram a entidade empregadora com o esforço da prova da inexistência de contrato de trabalho

Assim, de acordo com o art.º 12.º nº 1 do CT, em linha com a Recomendação n.º 198.º da Organização Internacional do Trabalho, “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador da actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou de chefia na estrutura orgânica da empresa”.

Com a estatuição desta presunção, trata-se afinal, como refere João Leal Amado[10], de “(…) uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação”.

Existindo tal presunção legal de contrato de trabalho, face ao disposto pelos arts. 344.º, nº 1 e 350.º, ambos do Código Civil, ao autor compete o ónus da prova das condições base da presunção e não já o ónus da prova dos factos constitutivos do direito invocado, impendendo sobre a ré o ónus de provar os factos demonstrativos da inexistência do contrato de trabalho, com vista a ilidir da presunção.


*

Vejamos o caso dos autos.

É sabido que trabalho prestado com recurso a plataformas digitais, cria enormes dificuldades e divergências na qualificação da relação que se estabelece entre a plataforma digital e o prestador de serviço.

A especificidade e complexidade da relação que se desenvolve entre a plataforma digital e o estafeta dificilmente se coadunam com os critérios da presunção estatuída pelo art.º 12.º do CT, criada por referência às situações tradicionais ou típicas de contrato de trabalho. A desadequação da lei a uma concreta situação, não permite, contudo, postergar, sem mais, a sua aplicação.

Importa, pois, antes de mais, fazer a subsunção da matéria de facto provada aos indícios de laboralidade previstos pelo at.º 12.º o CT.

Na al. a) do n.º 1 do citado art.º 12.º do CT define-se como critério de laboralidade a realização da atividade em local pertencente ao beneficiário ou por ele determinado.

A atividade desenvolvida pelo estafeta consiste na recolha de produtos nos estabelecimentos comerciais registados na aplicação gerida pela recorrida e subsequente entrega dos pedidos efetuados pelos clientes finais.

Não ficou provado que no processo de inscrição na “plataforma”, o estafeta tenha ficado adstrito a desenvolver a sua atividade na área de abrangência por aquela definida e que não pudesse ir para outra zona definida. Pelo contrário, ficou provado (16.º dos factos provados) que o estafeta, no momento da sua inscrição na “plataforma” escolheu a área geográfica em que passou a prestar atividade à recorrida (concelho de Santa Maria da Feira), podendo alterá-la livremente. Por isso, ainda que também se tenha provado que é a recorrida que escolhe e define os estabelecimentos comerciais e os clientes finais, ou seja, o sítio a que o estafeta tem de se dirigir para recolher os pedidos e o sítio onde os vais entregar, estando tal definição delimitada pela área geográfica escolhida pelo estafeta, não se pode considerar verificada uma situação subsumível à referida al. a), do n.º 1 do art.º 12 do CT.

A al. b) do n.º 1 do at.º 12.º do CT elege como critério de laboralidade a pertença dos equipamentos e instrumentos de trabalho ao beneficiário da atividade.

Resulta da matéria de facto que o estafeta tinha como instrumentos de trabalho o telemóvel, a viatura e a mochila isotérmica, sendo que nenhum deles pertence à recorrida.

Mas, do nosso ponto de vista, a aplicação informática através da qual a recorrida disponibiliza os serviço de distribuição ao domicílio de produtos, atribui ao estafeta os pedidos e lhe fornece as informações necessárias para a recolha e entrega dos produtos - uma das atividades a que se dedica, de entre as que integram o seu objeto social e aquela que está em causa em causa nos autos - constitui um equipamento ou instrumento de trabalho do estafeta. E trata-se do principal instrumento de trabalho utilizado pelo estafeta, já que a sua atividade, tal como resulta da matéria de facto provada a propósito do seu modo de execução, não pode ser realizada fora da dita aplicação e pressupõe a sua utilização.

É certo que a utilização da aplicação concorre para a classificação da recorrida como “plataforma digital”, entendida esta à luz do regime aprovado pela Lei n.º 13/2023, de 03/04. Na verdade, a plataforma digital, tal como veio a ser definida pelo art.º 12.º-A, n.º 2 do CT, é uma pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços utilizando meios eletrónicos e estes podem ser entre outros, um sítio da Internet ou uma aplicação informática. Mas a aplicação informática não se confunde com a empresa, apenas caracteriza o tipo de atividade a que esta dedica.

Ademais, importa não confundir a empresa, ou pessoa coletiva, que o legislador designa como “plataforma digital”, com os meios pela mesma utilizados, seja a aplicação informática, ou qualquer outro software, confusão que se denota na sentença recorrida que usa indistintamente as palavras plataforma e aplicação [veja-se o ponto 2 dos factos provados onde se afirma que “No âmbito da sua atividade profissional, a ré gere a aplicação informática/plataforma digital “A...” (…)”]

Os meios utilizados caracterizam a atividade da empresa enquanto plataforma digital, mas não deixam de ser meios dela autonomizáveis, sendo as aplicações informáticas bens intelectuais com valor económico, suscetíveis de apropriação, designadamente por direito de propriedade intelectual, patentes, sendo suscetíveis de proteção de direito de autor (DL n.º 252/94, de 20 de Outubro) e podendo ser transacionadas.

As aplicações informáticas integram-se, pois, no âmbito dos meios de produção, ao lado dos mais tradicionais equipamentos, como instalações de fábricas, armazéns, máquinas, e infraestruturas, como de fornecimento de energia, de transportes, de telecomunicações, de internet, etc, os quais, associados à força de trabalho humano, geram a produção final.

Importa referir que o que caracteriza a pessoa coletiva enquanto “plataforma digital” é a utilização de uma aplicação informática, não de uma concreta aplicação. Na verdade as aplicações informáticas não se confundem umas com as outras (a aplicação da A... não será a mesma que a da E... ou que a da F..., por ex) pelo que, o que releva enquanto equipamento ou instrumento de trabalho é a concreta aplicação utilizada, com as respetivas características e funcionalidades. De resto, resulta da matéria de facto provada (ponto 9º) que a recorrida terá até várias aplicações que intervêm no processo de distribuição dos produtos, a aplicação “A...” que se destina a ser utilizada pelos utilizadores-clientes e a aplicação “A... Couriers” que se destina a ser utilizada pelos estafetas.

Não se questiona que é através da aplicação que a empresa exerce relativamente ao estafeta, pelo menos, parte dos poderes enquanto beneficiária da atividade, e que, na relação com o estafeta, pelo menos aparentemente, é a aplicação que desempenha o papel relevante na distribuição e organização do serviço, aquilo a que Teresa Moreira Coelho[11], se refere com “app as the boss”. Mas a “função” da aplicação vai para além dessa vertente.

É que o estafeta para exercer a atividade tem que utilizar a aplicação, pois é nela que recebe as indicações imprescindíveis à entrega (moradas dos pontos de recolha e de entrega), que tem que aceitar o pedido e que tem que ativar na aplicação, pelo menos, a chegada ao ponto de recolha, para que o produto lhe seja entregue.

Assim, do nosso ponto de vista, a aplicação informática da A..., constitui um equipamento ou instrumento de trabalho dos estafetas e dada a sua manifesta imprescindibilidade, a aplicação é o equipamento/instrumento de trabalho preponderante dos estafetas.

Está, pois, verificado o indício de laboralidade da al. b), do n.º 1 do art.º 12.º do CT.

Quanto à observância de horas de início e termo da prestação da atividade determinadas pelo beneficiário a que se refere a al. c) do n.º 1 do art.º 12.º do CT, enquanto critério da presunção, a conclusão é diferente.

Da matéria de facto provada resulta que, embora exista uma delimitação horária de funcionamento da aplicação (das 10h às 23h), o estafeta não está sujeito ao cumprimento de um concreto horário de trabalho definido pela ré, dependendo a sua atividade da existência de pedidos dos clientes que são aleatórios e da sua aceitação de cada pedido, podendo o mesmo não responder ao pedido ou rejeitá-lo mesmo depois de o ter aceite. Também se provou que é o estafeta que escolhe os dias e horas em que pretende ligar-se à aplicação e consequentemente receber pedidos.

Não se pode, pois, concluir que é a recorrida que determina o horário de trabalho ou o período de trabalho do estafeta.

Finalmente, também não se pode considerar verificado o critério previsto pela al. d) do n.º 1, do art.º 12.º do CT, ou seja, o pagamento, com determinada periodicidade, de uma quantia certa ao prestador da atividade, como contrapartida da mesma.

De facto, a atividade do estafeta é remunerada com periodicidade quinzenal, pela recorrida, mas o valor a pagar não é certo já que depende da quantidade de pedidos aceites e concluídos pelo estafeta, da distância percorrida, da hora a que os pedidos são realizados e do multiplicador definido pelo estafeta.

Por isso, não tendo a al. e) do n.º 1 do art.º 12.º do CT aplicação no caso concreto atenta a atividade desenvolvida pelo estafeta e sendo imprescindível a verificação de pelo menos duas das características de laboralidade definidas pelo mesmo artigo, o que no caso não acontece, não se presume a natureza laboral do vínculo estabelecido entre o estafeta e a recorrida.


*

A qualificação do vinculo terá, ainda assim, de ser apreciada à luz do método indiciário ou tipológico, para o que importará não perder de vista a natureza e especificidade da atividade em causa e a circunstância de impender sobre o autor o ónus da prova (cfr. art.º 342.º do Código Civil) dos factos constitutivos do direito à qualificação do vínculo como contrato de trabalho, ou seja, dos factos que permitam demonstrar que o estafeta prestava a sua atividade à recorrida, no âmbito da organização e sob a autoridade da mesma.

Reiterando o que acima dissemos sobre a noção de subordinação subjacente ao art.º 11.º do CT, adiantamos, desde já, que, do nosso ponto de vista, o acervo factual impõe a conclusão de que o autor logrou cumprir o supramencionado ónus.

Na verdade, releva no caso dos autos que a recorrida se dedica, além do mais, à distribuição ao domicílio de produtos alimentares e não alimentares, disponibilizando serviços à distância através de meios eletrónicos, designadamente, através da aplicação informática “A...” que gere, fazendo a intermediação entre os diversos utilizadores da aplicação, isto é, os estabelecimentos comerciais, os clientes finais e os estafetas, utilizando estes a aplicação “A... Couriers”, de tal forma que, no que interessa à situação em apreço, a recorrida, através dos estafetas registados na aplicação, faz o transporte e entrega aos clientes finais dos produtos por estes solicitados e que aqueles recolhem nos estabelecimentos comerciais aderentes.

Esta atividade da recorrida de distribuição de produtos é, assim, tal como delineada pela recorrida, realizada através dos estafetas, nos quais, desde 24/09/2021, se incluía o AA, não se vislumbrando qual o serviço, dentro do objeto social da recorrida que a mesma prestava àquele, já que, quer os estabelecimentos comerciais, quer os clientes finais não estabelecem qualquer relação contratual com o mesmo.

O estabelecimento do vínculo entre a recorrida e o estafeta foi feito através do registo obrigatório deste na “plataforma” A..., através da criação de uma conta no web site da A..., sendo as condições contratuais ao abrigo das quais o estafeta prestava a sua atividade estabelecidos pela recorrida (ponto 17.º dos factos provados), o que representa uma contratação não negocial, unilateral, que não é própria do trabalho autónomo.

De entre as condições relativas ao registo e inscrição do estafeta, destacam-se a declaração de início de atividade como trabalhador independente, o que evidencia que é a recorrida que define unilateralmente o regime de enquadramento fiscal do estafeta.

E é tal regime que determina que, para receber os pagamentos a que tem direito da recorrida, o estafeta tenha que emitir uma fatura, como também ficou provado (ponto 32º dos factos provados). Não se trata de uma opção do estafeta, mas de uma imposição da recorrida através da definição unilateral das condições contratuais.

Ora, como se afirma no Ac. RP de 06/06/2016[12] «(…) é irrelevante para afastar a subordinação jurídica, o facto de a A. emitir facturas e os denominados “recibos verdes” para dar quitação das importâncias pagas pela R. (…). É o próprio legislador a determinar que se declare no verso daqueles recibos, que “a utilização de recibos do presente modelo não implica a qualificação do trabalho prestado, como independente, para efeitos de Direito do Trabalho»[13], o que atesta o valor nulo desta circunstância, para a tese defendida pela recorrente.

A recorrida impõe também ao estafeta, no momento do registo, a obrigação de identificação do veículo a utilizar no exercício das funções, o que induz a impossibilidade de o estafeta utilizar veículo diferente do registado (fosse a relação entre o estafeta e a recorrida verdadeiramente autónoma e à recorrida não interessaria certamente qual o veículo utilizado em cada momento pelo estafeta, ou se este utilizava um veículo).

A recorrida impõe que para o exercício da sua atividade, o estafeta possua, além do veículo, uma mochila isotérmica para o transporte de refeições e a aplicação A... instalada e ativa no seu telemóvel.

É, pois, a recorrida que decide que a atividade dos estafetas é realizada com um veículo (impedindo assim, por exemplo, que as entregas sejam feitas a pé), com um telemóvel (não um computador, por exemplo) e com uma mochila isotérmica (que seja isotérmica até poderá ser imposição legal no que respeita ao transporte de refeições ou produtos frescos ou congelados, por exemplo, mas é a recorrida que decide que o equipamento de transporte é uma mochila e não qualquer outro, como uma caixa ou um saco, por exemplo).

E para que lhe sejam distribuídos pedidos o estafeta tinha que aceder ao seu “perfil conta” na aplicação “A... Couriers” que tinha que ter instalada no seu telemóvel, iniciar a sessão (colocando-se on line) com os dados móveis ligados e a localização ativada, passando a recorria a saber a sua localização daí em diante, devendo ativar na aplicação o botão “cheguei” para que o parceiro (estabelecimento comercial) fique a saber que está no ponto de recolha e lhe entregue o pedido.

Aqui se evidencia a essencialidade da aplicação da recorrida para o exercício da atividade do estafeta, reiterando-se, nesta parte, o que acima afirmámos quanto à qualificação e preponderância da aplicação como instrumento ou equipamento de trabalho do estafeta.

É a recorrida que escolhe e define os estabelecimentos comerciais e os clientes finais. O estafeta não tem, pois, clientela própria, os clientes pertencem à recorrida, que é quem interage com o mercado e que é dona do negócio. E não se demostrou qualquer facto sequer indiciador de que o estafeta detivesse ou controlasse qualquer estrutura organizada de prestação de atividade.

A recorrida define também os locais a que o estafeta tinha que se dirigir para recolher os pedidos e para os entregar aos clientes finais, que ficam acessíveis na aplicação, apresentando aquando da oferta de um serviço o mapa com os pontos de recolha e entrega e a rua da morada do ponto de recolha assinalados e a distância estimada.

É certo que o estafeta pode escolher o itinerário a utilizar para a realização do serviço, mas trata-se uma liberdade meramente aparente, na medida em que, uma das componentes variáveis da sua remuneração é um valor (€ 0,25) por cada km percorrido, e independentemente do itinerário escolhido, os quilómetros relevantes são os definidos na rota dada pelo “Google maps”.

No que respeita à remuneração verifica-se que a definição da estrutura do valor pago ao estafeta é feita pela recorrida, e que o concreto valor a pagar depende, quase em exclusivo, da recorrida.

Com efeito, o valor a pagar ao estafeta é composto por vários “itens” cujo montante é exclusiva e unilateralmente decidido pela recorrida. Assim, acontece com a componente fixa, designada por “tarifa base”, no valor de € 1,40; com o valor pago por km percorrido, no valor de € 0,25 e tendo por referência os quilómetros dados pela rota indicada pelo “Google maps”; com a designada “compensación por hora punta”, que é uma valor variável em função da hora do pedido/entrega, da época do ano, das condições climatéricas ou promoções.

A estes valores acrescerá uma outra componente variável designada por multiplicador cujo valor pode ser definido pelo estafeta, mas sujeito aos limites mínimo e máximo (0,90 a 1,10) pré-definidos pela recorrida, valor que pode ser alterado pelo estafeta mas apenas uma vez por dia, como também o decidiu a recorrida.

Existindo a possibilidade de o estafeta receber gratificações dos clientes, não se apurou contudo, se alguma vez aquele as recebeu, ou as condições em que as mesmas são pagas, nomeadamente se são pagas diretamente pelos clientes ou através da aplicação, afigurando-se-nos que, se tal possibilidade tem alguma relevância do ponto de vista da qualificação da relação estabelecida entre a recorrida e o estafeta, é no sentido da subordinação deste àquela, já que se trata de possibilidade que existe na medida em que é a recorrida que autoriza os estafetas a receber gratificações.

Como já resulta do supra exposto a remuneração era paga com periodicidade quinzenal e era paga por transferência bancária. Havia a possibilidade de o estafeta receber diretamente dos clientes em dinheiro ficando com o dinheiro em mãos (ignorando-se, porque não resulta da matéria de facto, se alguma vez aconteceu), mas o valor recebido era compensado no pagamento quinzenal (o que pressupõe que a ré controlava qual o valor recebido pelo estafeta nesses moldes) e se exceder um limite, que é pré-definido pela recorrida, o estafeta fica obrigado a depositá-lo à ordem daquela em determinado prazo.

De resto, mais uma vez está em causa uma possibilidade que apenas existe porque a recorrida a permite, tal como ficou provado.

Importa ainda considerar que a recorrida pede ao estafeta o seu reconhecimento facial efetuado através do telemóvel, o que acontece com uma periodicidade variável, mas que pode ocorrer várias vezes no mesmo dia, evidenciando não uma mera possibilidade de controlo do estafeta, mas um controlo efetivo.

O estafeta pode também ver avaliada qualitativamente a forma como realiza a sua atividade. Tal avaliação é efetuada pelos clientes e foi considerado provado que não afeta a oferta de entregas, nem a utilização da aplicação.

O que é certo é que é a recorrida que consolida a informação e a torna visível (diz-se apenas) para o estafeta. Mas a ser assim, é também a recorrida que acede à informação relativa à avaliação, desconhecendo-se se a mesma é ou não utilizada para outros fins.

Por fim importa referir que a recorrida detém um verdadeiro poder sancionatório relativamente aos estafetas.

Na verdade resulta do ponto 5.2 dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma G... para Estafetas” que a recorrida pode desativar temporária ou permanentemente a conta do estafeta caso este não cumpra qualquer um dos “Termos e Condições” constantes do mesmo documento, designadamente se:

“1. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da A....

2. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da A....

3. Participar em atos ou conduta violentos.

4. Violar os seus direitos na aplicação da A..., causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais).

5. Na prevenção de ações fraudulentas, se a identidade do Utilizador da Plataforma e/ou dos seus substitutos ou subcontratantes não puder ser verificada e/ou qualquer informação prestada por si e/ou os seus substitutos ou subcontratantes estiver incorreta.

6. A fim de prevenir a segurança de todos os Utilizadores da Plataforma em caso de violação da Política de Mercadorias, sujeito ao seguinte (…)

Caso não cumpra qualquer um dos presentes Termos e Condições, a A... pode desativar a sua Conta, sem prejuízo de qualquer ação legal/ação que possa resultar de crimes, violações ou danos civis que possam ter sido causados.”

Confere-se, pois, à recorrida, no seu próprio interesse um poder extremamente amplo relativamente a todas as condições de execução da atividade pelo estafeta, sejam elas principais ou acessórias, incluindo éticas, que em caso de incumprimento, lhe permite suspender a atividade do estafeta ou cessá-la, uma vez que, caso não possa aceder à conta, o estafeta deixa de receber pedidos.

Trata-se de um poder que, tal como configurado, contém uma faceta ordenadora e prescritiva que vai para além das consequências do mero incumprimento contratual, distinguindo-se da responsabilidade civil, cuja finalidade é no essencial reparatória e, sem se ater aos seus limites, pois a aplicação da “sanção” de desativar temporária ou permanentemente a conta do estafeta, pode ser cumulada com a responsabilidade civil.

E tal poder, como se lê no Ac. RG de 31/10/2024[14] “(…) acaba por se traduzir numa espécie de sanção disciplinar equivalente à suspensão do trabalho com perda de retribuição ou mesmo ao despedimento, sem instauração de procedimento disciplinar.

Este poder de tutela de que a Ré dispõe afigura-se-nos ser totalmente incompatível com a relação de trabalho autónomo quer pela amplitude das razões que levam a aplicação das “sanções”, quer pela gravidade das consequências do eventual incumprimento, que pode dar lugar à cessação da atividade de imediato.”

O estafeta encontra-se, pois, sujeito ao poder sancionatório da recorrida que reforça a relação de dependência daquele a esta.

Conclui-se, pois, que quando se liga à plataforma digital o estafeta passa a integrar um serviço organizado e concebido inteiramente pela recorrida, observando parâmetros de organização e funcionamento unilateralmente definidos pela mesma. A sua atividade é prestada dentro de um serviço organizado alheio, sendo as condições essenciais de execução determinadas unilateralmente pela recorrida através da aplicação que organiza todo esquema de prestação da atividade.

Estabeleceu-se, assim, entre as partes, apesar das especificidades próprias desta nova forma de organização do trabalho, uma relação na qual está presente o poder de direção da atividade do estafeta pela recorrida e o poder disciplinar ou sancionatório, afinal uma relação de efetiva subordinação jurídica, entendida sob a nova roupagem que lhe conferem as hodiernas formas de organização do trabalho e, em particular o trabalho prestado às plataforma digitais pelos estafetas.

E aquelas especificidades não são aptas a descaracterizar a dita relação enquanto laboral.

Na verdade, impressionará que, o estafeta escolha os dias e horas em que quer ligar-se à aplicação da recorrida e que possa não aceitar ou rejeitar os pedidos, definindo o número de pedidos que pretende realizar, em contradição com os deveres de assiduidade e pontualidade.

No mesmo sentido impressionará que o estafeta possa desligar a geolocalização durante a execução do serviço, que possa subcontratar a sua conta, que possa alterar a zona geográfica em que pretende efetuar as entregas e que possa prestar outras atividades, incluindo a mesma atividade para empresas concorrentes da recorrida.

Quanto à possibilidade de o estafeta desligar a geolocalização não podemos deixar de dizer que não assume particular relevância, se atentarmos que se limita ao percurso feito pelo estafeta entre a recolha e entrega dos produtos, tratando-se de uma faculdade quase aparente do estafeta. De facto, para receber os pedidos o estafeta tem que ter a aplicação ativa e o sistema de geolocalização ligado. E é muito reduzido o interesse da recorrida na utilização do GPS para controlar a atividade do estafeta, já que tal utilização, se dentro da legalidade, se destina no essencial, a garantir o controlo da integridade dos bens do empregador, que já vimos que não são implicados no transporte dos produtos, e a controlar o sítio em que o trabalhador se encontra, o que no âmbito da atividade exercida pela recorrida não assume interesse relevante, já que é até a própria plataforma que permite, por exemplo, a prestação de atividade a plataformas concorrentes, que não atribui qualquer efeito à avaliação feita pelos clientes, que paga os kms percorridos de acordo com o itinerário sugerido pelo “Google maps” e não de acordo com os kms efetivamente percorridos pelo estafeta.

Do mesmo modo, a possibilidade de o estafeta subcontratar a sua conta, revela uma autonomia meramente aparente, já que é uma possibilidade restrita ao universo de estafetas também registados e cuja atividade a recorrida organiza e controla da mesma forma.

A possibilidade de o estafeta alterar a área geográfica em que presta a sua atividade, como, de resto, a sua escolha inicial, sempre estarão limitadas pelas áreas em que a recorrida opera, que como é sabido, não abrangem todo o território nacional. E, de resto, correspondem a condição unilateralmente definida pela recorrida.

Como se pode ler no Ac. RP de 03/02/2025[15], no qual aqui a relatora interveio como 1.ª adjunta “(…) como salienta Pedro Santos[16], a autonomia resultante apenas da letra do contrato, não é suficiente.

Ou seja, não bastam formulações contratuais de liberdade quase total, pré-concebidas pela própria plataforma digital e às quais o prestador de atividade meramente adere; exige-se, antes, uma efetiva autonomia na prestação e organização da atividade, traduzida numa autonomia factual.”

A ausência do dever de exclusividade, não assume relevância quanto à qualificação do contrato como prestação de serviços, pois importa, por um lado, considerar que é a própria recorrida que a inclui nas condições contratuais, pelo que, nunca se poderia falar de incumprimento pelo estafeta do dever de lealdade tipicamente laboral e por outro lado, considerar que como se refere no Ac. da RG de 03/10/2024[17] os estafetas “São “mercadoria fungível”, facilmente substituível, em que não faz qualquer sentido falar em exclusividade ou impossibilidade de subdelegação de tarefas.”

Por fim a possibilidade de o estafeta escolher os dias e horas em que quer ligar-se à aplicação da recorrida e de não aceitar ou rejeitar os pedidos, definindo o número de pedidos que pretende realizar, também não é suficiente para descaracterizar o laço de subordinação jurídica que acima concluímos existir entre o estafeta e a recorrida.

Não se ignora que são possibilidades estranhas à tradicional conceção do contrato de trabalho, mas não se pode ignorar que o poder de direção e de conformação da atividade do trabalhador tem vindo a perder relevância na distinção e qualificação do contrato de trabalho.

Desde logo, foi abandonada na noção de contrato de trabalho a referência à direção pelo empregador, como já acima referimos e aqui reiteramos.

São várias as situações consagradas pelo CT em que o poder de direção, a existir, não pertence ao empregador (contrato de trabalho temporário, cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo).

O regime do teletrabalho, esbateu os deveres de assiduidade e pontualidade e o alcance o poder de direção do empregador.

A consagração do contrato de trabalho intermitente, remete-nos para situações em que o contrato de trabalho não pressupõe a execução permanente de atividade pelo trabalhador.

Por outro lado, na nossa perspetiva, é de importância fulcral a captação da realidade da era digital em que nos encontramos, que constituiu referência do «Livro Verde Sobre o Futuro do Trabalho», 2021, para a recomendação de criação da presunção de laboralidade adaptada às plataformas digitais podendo ler-se na pág. 172 que se tornou necessário «[c]riar uma presunção de laboralidade adaptada ao trabalho nas plataformas digitais, para tornar mais clara e efetiva a distinção entre o trabalhador por conta de outrem e o trabalhador por conta própria, sublinhando que a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital». (sublinhado nosso)

E como refere Monteiro Fernandes[18] «Há, pois, uma progressiva desvalorização dos comportamentos diretivos na caracterização do trabalho subordinado. Se se adotar como critério identificativo a ocorrência de ordens e instruções pelas quais o trabalhador, em regime de obediência, paute o seu comportamento na execução do contrato, deixar-se-á à margem da regulamentação laboral um número crescente de situações de verdadeiro “emprego”, em tudo merecedoras do mesmo tratamento. Na verdade, a subordinação consiste, essencialmente, no facto de uma pessoa exercer a sua atividade em proveito de outra, no quadro de uma organização concebida, ordenada e gerida por essa outra pessoa. O elemento organizatório implica que o prestador de trabalho está adstrito a observar parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário, submetendo-se, nesse sentido, à autoridade que ele exerce no âmbito da organização de trabalho, ainda que execute a sua atividade sem, de facto, receber qualquer indicação conformativa que possa corresponder à ideia de “ordens e instruções”.»

Assim, a situação retratada no recurso, evidencia que, o vínculo estabelecido entre o estafeta e a recorrida tendo as especificidades próprias da prestação de atividade às plataformas digitais, consiste afinal numa relação de efetiva subordinação jurídica, entendida sob a nova roupagem que lhe conferem as hodiernas formas de organização do trabalho, não deixando de comungar do que no essencial define o contrato de trabalho, ou seja, a inserção do estafeta na organização produtiva da recorrida e a sua sujeição à autoridade desta.

Impõe-se, pois, reconhecer a existência do contrato de trabalho com efeitos a partir de 24/09/2021, data a partir da qual o Estafeta AA tem atividade registada na plataforma “A...”.


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Uma vez que a recorrida decaiu integralmente na ação e no recurso, são da sua responsabilidade as custas nas duas instâncias nos termos do disposto pelo art.º 527.º do CPC.

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Decisão

Por todo o exposto acorda-se:

- não admitir a redução do pedido requerida pelo Ministério Público;

- julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência reconhece-se a existência do contrato de trabalho entre “A... Portugal, Unipessoal, Ldª” e AA, com efeitos desde 24/09/2021.

Custas pela recorrida em ambas as instâncias.


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Notifique.

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Porto, 17/03/2025
Maria Luzia Carvalho
Rita Romeira [vencida nos termos do voto que segue a abaixo:
Declaração de voto de vencida
Apesar de todo o respeito, não acompanho o acórdão proferido, porquanto entendo perante a factualidade apurada e o enquadramento legal a fazer, a correcta solução jurídica do recurso seria a sua improcedência e a confirmação da decisão recorrida.
Assim, voto vencido porque, ao contrário do entendimento que obteve vencimento, entendo (afastada que está a aplicação do art. 12º-A, e a presunção estabelecida no art. 12º, ambos do CT, que acompanho), atenta a noção de subordinação subjacente ao art. 11º do mesmo código, o acervo factual que se apurou, não permite concluir pela qualificação do vínculo, em análise nos autos, como contrato de trabalho.
Pois, salvaguardando o devido respeito pelo entendimento, que obteve vencimento, considero que a concreta factualidade provada não se enquadra, com a subsunção da prestação da actividade por parte do estafeta AA a um contrato de trabalho com a ré, tal como, este, é definido no art. 1152º do CC e naquele referido art. 11º do CT.
O A. (sendo que era a ele que competia, tal prova, cfr. art. 342º do CC), não logrou provar factos que o demonstrem.
Ao contrário, a factualidade que ficou assente aponta sim, que o trabalho era prestado à ré, pelo referido estafeta, com efetiva autonomia e que, àquela, o que interessava era o resultado desse trabalho.
Com efeito, não obstante, como se diz no Acórdão, aceite que, quando se liga à plataforma digital o prestador de actividade/estafeta passa a integrar um serviço organizado e concebido pela ré, observando parâmetros de organização e funcionamento definidos pela mesma, o que poderia levar-nos a considerar que se submete à autoridade daquela na organização desse trabalho e, nessa conformidade à existência de um contrato de trabalho, o certo é que, considero existirem nos autos elementos/indícios que se me afiguram particularmente relevantes e que apontam em sentido contrário.
Senão, vejamos.
De acordo com a factualidade que ficou assente, é relevante, no sentido que defendo, o facto 38º, “É o estafeta AA que define o número de pedidos que pretende realizar, escolhendo conectar-se ou desconectar-se da aplicação sempre que assim entender”, “Quando lhe é distribuído um pedido na plataforma, AA, pode aceitar, não responder ou rejeitar o serviço proposto que, por sua vez, pode ter sido anteriormente rejeitado por outros utilizadores-estafeta”, “Após aceitar um serviço, AA pode ainda rejeitá-lo até à recolha do pedido”, conforme factos 22º e 23º.
Além de que, como consta dos factos 40º e 41º, “É o estafeta AA que escolhe os dias e horas em que pretende ligar-se à aplicação da Ré” e “O estafeta AA pode subcontratar a sua conta a outros utilizadores/estafetas”, o que considero ser particularmente relevante e revelador da autonomia que considero marca a relação em análise. Além de que, os factos 28º e 29º, “É o estafeta que escolhe o itinerário que vai utilizar para a realização do serviço tanto desde o ponto onde efetuou a aceitação do serviço até ao ponto de recolha, como desde o ponto de recolha até ao ponto de entrega” e “Após a recolha do pedido, e durante a execução da entrega, AA pode desativar a geolocalização, sem que isso tenha impacto na realização do serviço ou determine alguma penalização” são, igualmente, factos significativamente reveladores de que o estafeta não só goza de uma ampla autonomia na prestação da sua actividade, como que a ré não determina nem controla aspetos significativos da prestação daquela.
Pois, não pode suscitar-se qualquer dúvida, atento o enquadramento legal vigente, que podendo o estafeta subcontratar a sua conta a outros estafetas para realizar a entrega, através da sua conta, sendo o contrato de trabalho um contrato intuitu personae, em que as qualidades pessoais do trabalhador são elementos essenciais para a conformação da relação de trabalho, o facto consistente na possibilidade de subcontratação de outro prestador da actividade não se harmoniza com tal caraterística. Pelo contrário, a possibilidade de os estafetas se fazerem substituir por outras pessoas o que demonstra é que à ré não interessa a atividade em si daquele concreto estafeta, mas sim o resultado da mesma (entrega dos produtos), caraterística do contrato de prestação de serviço.
Como bem se diz na decisão recorrida, «…, estes elementos são característicos da existência de trabalho autónomo, não subordinado, inerente à prestação de serviços.
(…)
Esta forma de organização do trabalho apresenta um grau de autonomia que é incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado, pois a organização heterodeterminada do serviço não consente a autonomia que a Ré permite aos seus colaboradores, atento o carácter “intuitu personae” do contrato de trabalho.».
Aliás, no sentido da caracterização que se decidiu na sentença recorrida e que, subscrevo, apresentam-se também, os factos, “6º- Para pagamento dos serviços de acesso e intermediação, a Ré recebe diferentes taxas provenientes dos utilizadores: os estabelecimentos comerciais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Parceria”); os utilizadores prestadores de serviços pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Plataforma”); os utilizadores clientes finais pagam uma taxa de acesso e utilização da plataforma (denominada “Taxa de Serviço”)”, “16º- No momento da inscrição na plataforma, AA escolheu desenvolver a sua atividade no concelho de Santa Maria da Feira), “42º- O estafeta pode alterar livremente na plataforma a zona geográfica em que pretende efetuar entregas”, “43º- Os custos de aquisição, manutenção e reparação do veículo, da mochila, das luvas e do telemóvel que utiliza para proceder às entregas e para se ligar à aplicação da Ré são suportados por AA”, “44º- É o estafeta AA que é responsável pela perda ou danificação dos produtos que transporta”, “47º- A ré não controla nem limita que o estafeta AA preste a mesma atividade para plataformas concorrentes nem controla nem limita que a mesma preste qualquer outra atividade”, “48º- Mediante o pagamento de uma taxa de serviço, o estafeta AA tem acesso a um seguro de acidente e de responsabilidade civil pessoal enquanto estiver ligado na aplicação da Ré” e “50º- A avaliação atrás referida (49º- A plataforma da Ré disponibiliza aos utilizadores clientes finais um mecanismo de feedback qualitativo da atividade dos estafetas, que é facultativo, através do qual os clientes finais são convidados a avaliar a forma como o estafeta realizou o seu trabalho, sendo que a plataforma consolida a informação e torna-a visível apenas para o estafeta) não tem qualquer efeito sobre a atividade dos estafetas, não afetando a oferta de entregas nem a livre utilização da plataforma”.
Em suma, todos os factos apurados e que se referiram, apontam para a existência de prestação de serviço, verificando-se que o estafeta gozava de uma ampla autonomia na prestação da sua actividade, pelo que entendo, impor-se, no caso, a conclusão a que se chegou na decisão recorrida de que não se demonstrou a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e o estafeta AA, sendo aqueles factos demonstrativos para afastar a existência de qualquer subordinação na relação estabelecida entre aqueles.
Razão porque, no projecto que obteve vencimento, julgava improcedente a apelação e confirmava na íntegra a decisão recorrida.]
António Luís Carvalhão
_________________
[1] Processo n.º 1344/14.0TTLSB.L1-4, acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido veja-se ainda, entre outros, o Ac. RP de 01/02/2016, processo n.º 1673/14.2T8MTS.P1, acessível no mesmo sítio.
[2] In "Recursos em Processo Civil - Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho", Almedina, 7a edição atualizada, 2022, pág. 195.
[3] Ob. cit., pág. 350.
[4] Entre outros, Ac. ST de 04/07/2018, processo n.º 1272/16.4T8SNT.L1.S1, Ac. ST de 01/06/2022, processo n.º 21116/18.1T8LSB.L1.S1 e Ac. STJ de 25/09/2024, processo n.º 12510/19.1T8SNT.L1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt
[5] Todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] António Santos Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª edição, pág. 21.
[7] Processo n.º 28834/23.9T8VRL.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[8] Nota [7] do Acórdão com o seguinte teor: “Após a revisão de 2006 do CT/03 já se notava tal tendência espelhada no uso da expressão “estrutura organizativa” - 12º CT/03.
[9] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 9ª edição, revista e actualizada à Lei n.º 13/2023 de 3 de abril, pág. 44.
[10] Contrato de Trabalho, à Luz do novo Código do Trabalho, 2009, pág. 76 e 77.
[11] “Direito do trabalho na era digital”, pág. 75.
[12] Proc. n.º 424/13.3TTVFR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[13] Nota 19 do Acórdão com o seguinte teor: “Vide a Portaria n.º 1035/2001, in D.R. n.º 195, Série I-B de 2001-08-23, que aprova o recibo modelo n.º 6 para o IRS. Declarando a irrelevância qualificativa deste específico aspecto formal em situações em que se mostre caracterizada a subordinação jurídica, vide, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2005.10.03, Recurso n.º 3953/04 - 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.”.
A Portaria mencionada no Acórdão de 06/06/2026 em referência foi revogada tendo-se, contudo, mantido ao longo do tempo (Portaria n.º 879-A/2010 de 29/11, Portaria n.º 426-B/2012 de 28/12, Portaria n.º 338/2015 de 08/10 e Portaria n.º 243/22 de 23/09) o mesmo tipo de declaração que constava daquela, mantendo-se nas instruções de preenchimento dos recibos, agora eletrónicos, a seguinte menção “A utilização dos documentos aprovados pela presente portaria não determina a qualificação do serviço prestado como trabalho independente.”
[14] Processo n.º 2783/23.0T8VRL.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[15] Processo n.º 367/24.5T8AVR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[16] Nota [19] do acórdão, como seguinte teor: “Op. supracitada p. 267.º”, reportando-se a SANTOS, Pedro, «Qualificação contratual: o “estafeta” e a plataforma digital», in Prontuário de Direito do Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, 2023-II, Edições Almedina, S.A., p. 235.º a 241.º.
[17] Processo n.º 2838/23.1T8VRL.G1, acessível em www.dgsi.pt
[18] Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 140.