ARTICULADO MOTIVADOR DO DESPEDIMENTO
POSSIBILIDADE DA EXPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO PODE SER FEITA POR REMISSÃO PARA OS FACTOS CONTIDOS NOUTROS DOCUMENTOS
Sumário

I - A exposição dos factos que constituem o fundamento da ação é um dos requisitos da petição inicial - artigo 552º, nº1 alínea d) do Código de Processo Civil.
II - “Admite-se, porém, que a exposição dos fundamentos de facto possa ser feita por remissão para os factos contidos noutros documentos que acompanhem a petição inicial, desde que essa remissão se destine a completar a exposição já feita na petição.”
III - Os factos constantes da nota de culpa e/ou da decisão disciplinar são os únicos relevantes para a apreciação judicial do despedimento, mas isso não quer dizer que não tenham que ser alegados no articulado motivador, não sendo suficiente a mera remissão para a nota de culpa.
IV - Pode haver algum aproveitamento do mesmo articulado desde que suficiente para dele se retirarem os factos essenciais.

(o sumário inclui parte do sumário do Acórdão do STJ proferido no processo nº 08S3967, referenciado no texto)

Texto Integral

Processo nº 3627/22.6T8VLG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo - Juiz 2
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador Rui Manuel Barata Penha
2º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão

1. Relatório (inclui transcrição do relatório da sentença recorrida):
“Intentou AA a presente [ação] especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, prevista no artigo 98º-B a 98 a 98º - P do C.P.T., face ao despedimento por justa causa de que foi alvo por parte da empregadora A..., Lda.
Procedeu-se à realização da audiência de partes prevista no artigo 98º-I daquele diploma legal.
Dado não ter sido possível obter a conciliação das partes foi então a empregadora notificada para apresentar articulado a motivar o despedimento.
A entidade empregadora veio apresentar o seu articulado a motivar o despedimento, pugnando pela licitude do mesmo, juntando o procedimento disciplinar.
O trabalhador contestou, pugnando pela ilicitude do despedimento de que foi alvo, invocando a nulidade do procedimento disciplinar por não ter sido apresentada cópia do mesmo à associação sindical que o autor representa e, por outro lado, porque a nota de culpa é deficiente e obscura não contendo a descrição fundamentada das circunstâncias de modo, tempo e lugar dos factos. No mais, impugna os factos que lhe são imputados, alegando que a ré pretendeu despedir o autor atentas as reivindicações por si feitas na qualidade de representante sindical, donde conclui estarmos perante um despedimento abusivo.
Deduz pedido reconvencional fundado na ilicitude do despedimento, pedindo a condenação da ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou, se assim optar, a pagar-lhe a indemnização com base na sua antiguidade, que fixa nos termos do nº 3 do artigo 392º do C. Trabalho por se tratar de um despedimento abusivo, bem assim, a pagar-lhe as remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão a proferir.
A empregadora respondeu às exceções invocadas e à reconvenção deduzida.
Foi proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes as exceções de nulidade do procedimento disciplinar e realizada a audiência de julgamento.”

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo improcedente o pedido formulado e, consequentemente, absolvo a ré do pedido.
Sem custas, por delas estar o autor isento.”

Notificado, recorreu o Autor, concluindo no final:
“1 - O Tribunal fundamentou-se nos documentos juntos e no depoimento da testemunhas retro o que por seu lado só poderia levar a uma decisão sobre a matéria de facto, totalmente diferente da proferida pelo Tribunal “a quo”.
2 – A matéria de facto dada como provada de 11.º a 16.º, 18.º e 28.º sob a epígrafe “factos provados” acima identificados face à prova testemunhal produzida e depoimentos prestados e supra mencionados das testemunhas supra identificadas e acima transcritos conforme as passagens acima referidas registados no CD/mp3 supra nos períodos acima indicados tudo o que aqui se dá como reproduzido e aos documentos juntos, deve ser alterada e dada como não provada.
3 – Dos documentos juntos e face à prova testemunhal produzida e depoimentos prestados e supra mencionados das testemunhas supra identificadas e acima transcritos conforme as passagens acima referidas registados no CD/mp3 supra nos períodos acima indicados tudo o que aqui se dá como reproduzido jamais poderia o Tribunal a quo dar os referidos factos como assentes.
4 - Nos termos do disposto no art.º 615.º deverá este venerando tribunal proceder à alteração mencionada eliminando os factos provados constantes dos referidos artigos 11.º a 16.º, 18.ºe 28.º acima identificados da sentença.
5 - Alterado que seja a matéria dada como provada e não provada deverá a presente ação intentada pelo Recorrente que - ao invés do defendido pelo Tribunal a quo que considera existir in casu presunção de culpa do trabalhador - tem em seu favor a presunção de inocência uma vez que no processo disciplinar, funciona o princípio penal de in dubio por reo ser julgada totalmente procedente por provada;
6 - Feita que seja esta alteração, outra decisão não pode ser tomada que não seja a de condenar a Recorrida em tudo quanto veio o Recorrente peticionar nestes autos.
7 – A matéria de facto provada nos pontos 8.º a 28.º da sentença ora em crise não se encontra alegada em qualquer articulado das partes pelo que não podia o Tribunal a quo tomar posição quanto à mesma, muito menos ajuizando-a como provada.
8 – Deve assim a referida matéria constante dos anteditos pontos ser eliminada dos facto considerados provados;
9 - Feita que seja esta alteração, outra decisão não pode ser tomada que não seja a de condenar a Recorrida em tudo quanto veio o Recorrente peticionar nestes autos.
10 - Mantendo-se inalterada a matéria de facto provada e não provada dá-se com as devidas adaptações como integralmente reproduzido tudo quanto já supra se disse uma vez não parecer determinante face a tudo quanto se apurou influir no invocado direito do Recorrente em tudo quanto veio peticionar nestes autos;
11 – Face a tudo quanto acima foi alegado e que aqui entre outros mas sem limitar se dá por integralmente reproduzido, magistralmente se infere que sanção disciplinar que foi aplicada ao Recorrente pela Recorrida é desproporcional e excessiva;
12 - Sendo o despedimento a sanção mais grave, esta só deve ser aplicada nos casos em que haja um comportamento culposo do trabalhador que torne, pelas suas consequências, prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral.
13 – A sanção do despedimento foi exagerada, pois o comportamento do Recorrente apenas era passível de uma sanção conservadora do vínculo.
14 – A Recorrida não teve, quanto a nós, justa causa para despedir o Recorrente, o que determina que o despedimento é, também por esta banda, ilícito tudo com as devidas e legais consequências.
15 - Foi violado pelo Tribunal a quo entre outros mas sem limitar o disposto no art.º 615 do CPC e nos art.ºs 128.º e 351.º ambos do C.T..
Deve, assim, ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão da 1.ª instância, alterando-se a decisão da matéria de facto no sentido supra descrito substituindo-a por douto Acórdão que julgue totalmente procedente por provada a ação e condene a Recorrida em tudo quanto o Recorrente peticiona nos presentes autos ou caso assim se não entenda, o que se coloca para efeito discursivo e hipótese meramente académica, mantendo-se inalterada a matéria de facto provada e não provada deve ainda assim, ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão da 1.ª instância e substituindo-a por douto Acórdão que julgue totalmente procedente por provada a acção e condene a Recorrida em tudo quanto o Recorrente peticiona e reclama nos presentes autos.
V. Exas., Senhores Desembargadores, farão, porém, como entenderem de melhor JUSTIÇA!”, (realce nosso)

Contra-alegou a Entidade Empregadora, finalizando com as seguintes conclusões:
“1. Em primeiro lugar, o Recorrente vem, ao longo das suas alegações, mencionar, por variadas vezes, a violação, pelo Tribunal a quo, do artigo 615.º do Código do Processo Civil, relativo a nulidades da sentença.
2. Sem prejuízo, é por mais evidente a total falta de concretização, pelo Recorrente, de quaisquer argumentos para sustentar tal arguição, não especificando, sequer, qual o fundamento de nulidade que pretende arguir.
3. Aliás, mais se diga que, em sede de alegações, a primeira menção que o Recorrente faz ao artigo 615.º do CPC é, na verdade, a título subsidiário, o que, desde logo, atendendo às consequências da nulidade da sentença, é, só por si, ilógico.
4. Sem prejuízo, desde já se diga que não assiste qualquer razão ao Recorrente, no que concerne a qualquer nulidade da sentença.
5. Como já se indicou acima, nem o Recorrente fundamentou ou sequer identificou qualquer das causas de nulidade que, taxativamente, se encontram previstas no artigo 615.º do CPC, nem qualquer delas se verifica quanto à sentença sob recurso.
6. Pelo que não colhe qualquer razão ao Recorrente, quanto a uma alegada nulidade da sentença.
7. Em segundo lugar, o Recorrente alega que há factos que o Tribunal a quo deu como provados que não encontram respaldo na prova carreada para os autos.
8. Não assiste qualquer razão ao Recorrente nesta alegação, perdendo-se este em considerações e detalhes que apenas pretendem desviar a atenção do Tribunal ad quem do que é relevante para a apreciação da decisão do despedimento do Recorrente pela Recorrida.
9. Veja-se que, ao contrário do que o Recorrente quer fazer parecer, a Testemunha BB foi peremptória no seu depoimento, tanto quanto à posição e visão que detinha do sucedido, como à descrição da agressão que visualizou.
10. O Recorrente tenta pôr em causa, não só a visibilidade que esta Testemunha ocular, BB, tinha do sucedido, como o número de pancadas visto por esta e a frase que o próprio proferiu após a agressão, sustentando-se em excerto que retira do depoimento desta que, posteriormente, interpreta de forma enviesada e adaptada às suas intenções, e os quais, na verdade, nem margem para interpretação têm.
11. Quanto à visibilidade da Testemunha BB no que concerne à agressão levada a cabo pela Recorrente ao menor CC, o depoimento desta Testemunha é claro a situar o local onde esta se encontrava e o local onde se deu a agressão.
12. Por outro lado, nem o depoimento da Testemunha DD, nem o depoimento da Testemunhas EE contrariam o que foi afiançado pela Testemunha BB, apesar do que vem alegar o Recorrente.
13. No que toca ao número de pancadas, tanto o depoimento da Testemunha BB como da Testemunha FF, são totalmente concordantes quanto ao número de pancadas que a Testemunha BB viu o Recorrente desferir no menor CC, não havendo margem para dúvidas, do que se extrai dos depoimentos, quanto ao Recorrente ter desferido pelo menos duas pancadas.
14. Já quanto às palavras proferidas pelo Recorrente, e ouvidas pelas Testemunhas BB e DD, dos seus depoimentos extrai-se, indubitavelmente, que o Recorrente não aludiu a qualquer ato futuro, mas sim que disse, textualmente, “eu disse que quando te apanhasse…”.
15. No mais, será de frisar a incongruência do que vem alegado pelo Recorrente, pondo em causa a agressão que levou a cabo, e até mesmo a idoneidade de uma testemunha sem fundamento, quando o próprio admitiu, tal como se extraem dos depoimentos das Testemunhas FF e GG, que havia dado “um cachaço” ao menor CC, e tal como o menor relatou, igualmente, confirmando a agressão sofrida às mãos do Recorrente.
16. Desta forma, não colhe qualquer razão ao Recorrente, devendo ser mantida a matéria de facto nos exatos termos em que foi decidida pelo Tribunal a quo, nomeadamente, os factos 11 a 16 e 18 a 28.
17. Em terceiro lugar, alega o Recorrente que os factos provados 8 a 28 não se encontram alegados no Articulado do Empregador, o que não tem qualquer respaldo com a realidade.
18. Não se verifica qualquer discrepância entre os factos que motivaram o despedimento do Recorrente tal como apresentados pela Recorrida no Articulado do Empregador e os factos provados pelo Tribunal a quo em sede de sentença e após a produção de prova.
19. O Recorrente foca-se, exclusivamente, nos artigos 23.º e 24.º do Articulado do Empregador, para sustentar tal alegação, olvidando o restante articulado, toda a prova carreada para os autos e, no mais, todo o procedimento disciplinar que é parte do mesmo.
20. Por um lado, deve frisar que sempre cabe ao Tribunal a quo a apreciação dos factos que, mesmo não alegados, sejam instrumentais, complementares ou concretizadores, desde que sobre eles as Partes tenham tido possibilidade de se pronunciar.
21. Por outro lado, no que concerne, em específico à ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, algo de extremo relevo e que deverá suportar a análise e convicção do Tribunal será a Nota de Culpa.
22. Neste ponto, deve frisar-se, desde já, que não só a Nota de Culpa é coincidente com os factos que sustentaram o despedimento por justa causa do Recorrente e que foram elencados no Articulado Motivador e provados nos presentes autos, como é indubitável que o Recorrente teve a possibilidade de pronúncia sobre a mesma.
23. Nomeadamente, da análise dos factos provados na sentença sob recurso e da Nota de Culpa entregue ao Recorrente, é evidente que se extrai que os factos 8 a 28 da sentença correspondem aos factos 4 a 35 da Nota de Culpa.
24. Assim, não fosse já óbvio que o Articulado do Empregador espelha os factos provados na sentença, é indubitável que os mesmos se traduzem nos factos que motivaram o despedimento do Recorrente e que constavam da Nota de Culpa comunicada ao mesmo.
25. Em consequência, não assiste qualquer razão ao Recorrente ao alegar a existência de uma discrepância inverosímil para alegar que não podia o Tribunal a quo tomar posição quanto aos factos provados 8 a 28.
26. De facto, não só o Tribunal podia, como devia, tendo-o feito de forma correta e com justa ponderação da prova, seja testemunhal, seja documental, junta aos autos.
27. Por fim, o Recorrente considera que, ainda que não se entendesse pela alteração dos factos provados na sentença, mesmo assim, o seu despedimento era desproporcional e, por isso ilícito.
28. Claro que não assiste qualquer razão ao Recorrente, considerando, desde logo, que o núcleo essencial dos factos que motivaram o seu despedimento pela Recorrida foi o facto de este ter agredido um menor de onze anos, institucionalizado e recentemente operado a um ouvido (local onde sofreu a agressão desferido pelo Recorrente.
29. O Recorrente levou a cabo esta conduta extremamente grave no seu local de trabalho e durante o período normal de trabalho, de forma manifesta e grosseiramente desproporcionada face a qualquer evento prévio que pudesse tê-lo despoletado, não visando tão-pouco pôr fim ou evitar qualquer situação de perigo para o próprio ou para terceiro.
30. Consequentemente, outra solução não se vislumbra quando, no caso, o que sustenta o despedimento é a agressão de um menor com onze anos de idade, dentro do seu estabelecimento escolar, por um adulto.
31. Ora, é evidente, dos factos carreados para os autos, de que, face a extrema gravidade dos atos perpetrados pelo Recorrente, não era exigível à Recorrida a manutenção da relação laboral e a aplicação de uma sanção conservatória do vínculo.
32. O facto é que a situação em causa quebrou, de forma irremediável, a confiança que a Recorrida depositava no Recorrente, enquanto seu trabalhador, para mais, considerando a postura do Recorrente durante todo o procedimento disciplinar e todo o processo.
Termos em que deverá ser julgado totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida do Tribunal a quo que julgou lícito e regular o despedimento do Recorrente.”

Em 11.06.2024, a Mm.ª Juiz a quo proferiu os seguintes despachos:
“Por estar em tempo, ter legitimidade e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto pelo autor – artigos 79.º, a) e 80.º do CPT.
O recurso é de apelação e sobe de imediato nestes autos - artigos 79.º-A, n.º 1, 83º, nº 1 e 83.º-A, n.º 1 do CPT.

*
Da nulidade: afigura-se-me não se verificar qualquer nulidades na decisão proferida, contudo V.ªs Ex.ª melhor decidirão.
Subam os autos ao Tribunal da Relação do Porto.”

Remetido os autos a este tribunal, foi emitido parecer pelo Exm.º Procurador Geral Adjunto, acompanhando a sentença recorrida, no qual se lê:
“Impugna o recorrente a decisão sobre a matéria de facto e subsequente decisão de direito.
Porém, da leitura das transcrições feitas e juntas nas alegações de recurso do recorrente e resposta da Ré, entende-se que não merece censura a decisão sobre a matéria de facto.
Na verdade, as testemunhas ouvidas referem as agressões perpetradas pelo recorrente ao menor de 11 anos identificado, em Escola onde ele estava institucionalizado, cliente da Entidade Empregadora, e onde o Recorrente ia fazer entregas, portanto no seu local e tempo de trabalho.
Factos estes que constituem crime.
Entende-se, também, que este comportamento do recorrente é suficientemente grave para por em causa a relação laboral e bastante para justificar a sanção disciplinar aplicada, de despedimento.”

O Apelante respondeu, transcrevendo-se aqui o segmento final da resposta:
“No entanto esses artigos do AMD e os demais conexos apenas dizem respeito a conclusões da Recorrida no procedimento disciplinar retro e são alheias e estranhas ao Recorrente e foram unilateralmente formuladas pela Recorrida.
Verifica-se no entanto que, lido e relido o AMD, percorrido o citado articulado, não consta menção ou a imputação direta e expressa ao Recorrente
desses factos ou qualquer outro facto que suporte o seu despedimento muito menos aqueles que o Tribunal a quo entendeu e decidiu dar como provados nos pontos 8.º a 28.º da sentença proferida.
Que saliente-se não se encontram alegados pela Recorrida no seu AMD.
Se a ora Recorrida pretendia acusar o Recorrente de alguma coisa no AMD, então que assumisse com clareza e objetividade essa vontade e imputasse expressa e diretamente os factos que o Recorrente alegadamente terá praticado e bem assim, o vertesse de modo directo, expresso e circunstanciado no aludido articulado
Dado que tais factos não se encontram expressamente alegados, no AMD não podia o Tribunal, tomar posição quanto aos mesmos muito menos dando-os como provados.
O Tribunal não podia ir para além daquilo que as partes e neste caso a Recorrida alegou, o que lhe está vedado por lei.
Tais factos dados como provados nos pontos 8.º a 28.º da sentença proferida devem assim ser eliminados e suprimidos da matéria de facto dada como provada tudo com as devidas e legais consequências.
Feita que seja esta alteração, outra decisão não pode ser tomada que não seja a de revogar a decisão proferida e ora em crise, substituido-a por outra que condene a Recorrida em tudo quanto veio o Recorrente peticionar nestes autos.”

Questão prévia:
Em sede de conclusões o Apelante não inclui a questão da nulidade da sentença.
Não faz, pois a mesma questão parte do objeto do presente recurso.

Objeto do recurso:
- Impugnação da matéria de facto;
- Da regularidade e licitude do despedimento.

2. Fundamentação:
2.1.1. Fundamentação de facto:
Foi esta a decisão de facto constante da sentença recorrida:
“São os seguintes os factos provados:
“1) A ré é uma sociedade comercial que se dedica à exploração e gestão de hotéis, restaurantes, cafetarias, refeitórios e estabelecimentos similares, bem como à prestação de serviços de segurança e limpeza de estabelecimentos e actividades acessórias e conexas.
2) O autor detinha, à data do procedimento disciplinar que lhe foi instaurado, a categoria profissional de Motorista de Ligeiros e desempenhava as suas funções na unidade explorada pela A... na Escola Básica/Jardim de Infância (“EB/JI”) ....
3) No dia 29 de junho de 2022, a ré mandou instaurar um procedimento disciplinar com intenção de despedimento ao autor.
4) No dia 11 de julho seguinte, o autor foi suspenso preventivamente das suas funções.
5) No dia 03 de agosto de 2022 foi deduzida Nota de Culpa contra o autor, a qual foi por este recebida no dia seguinte e à qual respondeu.
6) No dia 27 de outubro foi elaborado o Relatório Final, assim como produzida a Decisão Final pela ré, os quais foram enviados ao autor nesse mesmo dia e pelo mesmo recebidos no dia 04 de novembro seguinte.
7) O autor foi admitido pela ré no dia 1/09/2019, ao abrigo de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo uma antiguidade reportada a 12 de setembro de 2002.
8) No dia 28/06/2022, por volta das 11h00, o autor encontrava-se no interior da Unidade a conduzir a carrinha com que habitualmente efetua o transporte de refeições para distribuição pelos restantes estabelecimentos escolares do agrupamento escolar do qual a Unidade faz parte.
9) O autor fazia uma manobra de estacionamento por forma a parar o veículo perto da cantina para poder carregar mais facilmente os alimentos que iria distribuir posteriormente e quando se preparava para estacionar, reparou que o aluno da Unidade e menor de nome HH se encontrava à frente da carrinha, o que impedia a referida manobra, tendo-lhe, então, dito que, ou ele saía de imediato, ou ficariam ali o dia inteiro.
10) Apercebendo-se da situação, a Assistente Operacional BB, a qual se encontrava a desempenhar as suas funções de vigilante durante o tempo de recreio dos alunos, deslocou-se em direção ao dito HH e retirou-o dali, por forma a permitir ao autor estacionar o veículo.
11) A dada altura, o autor interrompeu a manobra de estacionamento, tirou repentinamente o cinto de segurança, saiu de dentro da carrinha e foi em direção ao aluno e menor de nome CC, o qual se encontrava a brincar no recreio, naquele preciso momento, junto à parte esquerda traseira da carrinha.
12) Chegado ao pé do mesmo, o autor, usando a mão direita aberta, bateu-lhe por duas vezes na zona do pescoço, apanhando-lhe igualmente parte da zona direita da face e da orelha direita.
13) O menor ficou totalmente imóvel e começou a chorar descontroladamente.
14) BB foi, então, a correr em direção a ele, com o propósito de o retirar dali tão rapidamente quanto possível e, assim, pôr termo à situação.
15) Nesse preciso instante, o autor disse alto e bom som dirigindo-se ao menor: “Eu disse que te ia apanhar”, o que repetiu.
16) O menor CC, passado o primeiro momento de choque, começou, então, a ficar muito exaltado e extremamente nervoso, vendo-se a referida BB obrigada acalmá-lo.
17) Ao ter presenciado a parte final dos factos atrás relatados, a colega da BB, DD, também ela Assistente Operacional e com funções idênticas às da sua colega, a qual se encontrava igualmente de vigilância no recreio, correu para junto daquela e do menor CC, com o propósito de prestar ajuda.
18) Foi, então, nessa altura que, depois de ouvir o autor a dizer ao menor que “Eu disse que te ia apanhar”, a DD lhe respondeu que aquela não era a forma de se agir com uma criança e que tinha de ter calma.
19) O autor continuou a desempenhar a sua atividade, não cuidando de saber como é que estava o menor CC, nem qual o seu estado de saúde.
20) As duas identificadas Técnicas Operacionais, BB e DD, foram, então, com o referido menor ao gabinete da Coordenadora do Agrupamento de Escolas ..., no Porto, FF, tendo por finalidade relatarem-lhe o que se havia passado.
21) Quando lá chegaram, a Coordenadora viu que o menor CC estava muito nervoso e a chorar, queixando-se de dores no ouvido direito e dizendo que ouvia um zumbido.
22) Como tal, a mencionada Coordenadora, após ter tomado conhecimento do que se passara, foi à cantina para tentar falar com o autor, tendo-o aí encontrado e perguntado sobre o que se havia passado, ao que o mesmo respondeu que, na sequência de o aluno CC ter dado um murro na carrinha, apenas lhe tinha dado “um cachaço”.
23) A Coordenadora FF reportar a situação à sub-directora do Agrupamento de Escolas ..., II.
24) Nesse momento, a Coordenadora pôde aperceber-se que o lado direito da cabeça e a orelha direita do menor estavam muito vermelhos.
25) A Sub-directora II decidiu reportar o sucedido à PSP – Escola Segura.
26) CC tem onze anos, está no quarto ano de escolaridade e encontra-se institucionalizado por ter sido retirado aos progenitores.
27) O mesmo é portador de uma deficiência auditiva e, por tal facto, havia sido operado aos ouvidos uma semana antes dos factos relatados,
28) O referido em 12) provocou dores no ouvido direito de que o menor se queixou, bem como o zumbido nos instantes seguintes.
29) O autor, desde pelo menos Novembro de 2020, durante o período pandémico resultante da doença Covid-19, que teve por consequência uma alteração do período dos intervalos escolares, que vinha alertando a ré para o facto de a rota que fazia com a carrinha em que transportava as refeições para o estabelecimento de ensino em causa era um trajeto que nomeadamente nas manobras de condução que tinha de efetuar no interior da escola não reunia ou oferecia as condições de segurança necessárias quer para os alunos quer para o próprio autor e para a carrinha que conduzia, por causa da presença dos alunos no espaço onde circulava a carrinha.
30) Após muitas interpelações do autor junto da ré para esse efeito, esta ouvindo, escutando, mas não aceitando as suas reclamações, durante cerca de quatro meses o autor recusou-se a entrar com a carrinha na escola no período de recreio.
31) O autor foi alvo dos seguintes procedimentos disciplinares:
- um, instaurado em 25/09/018, pelos factos constantes nos documentos nº 3 e 4 juntos ao articulado motivador, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no qual foi aplicada a suspensão do trabalho de 2 (dois) dias com perda de retribuição e antiguidade nos dias 30 e 31 de Janeiro de 2019; e
- outro, instaurado em 23/09/2020, pelos factos constantes no documento nº 5 junto ao articulado motivador, cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, que culminou na aplicação de uma suspensão do trabalho de 3 (três) dias com perda de retribuição e antiguidade nos dias 28, 29 e 31 de Janeiro de 2021.
32) Em nenhum dos casos o autor impugnou judicialmente a sanção aplicada.
33) O autor, à data da cessação do seu contrato de trabalho, auferia de retribuição base mensal a quantia de 808€.
34) O autor foi eleito em 2022 para um mandato de 3 anos para a Direcção do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Norte.
35) Desde novembro de 2023, o autor auferiu subsídio de desemprego no montante mensal de 895,04€.
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Não resultaram provados os seguintes factos:
a) O autor bateu a CC mais do que por duas vezes.
b) O autor ignorou por completo o comentário referido em 18), voltando a repetir a mesma frase ao regressar ao interior da carrinha.
c) Quando o autor efectuava as manobras de estacionamento e não raras vezes, deliberadamente ou não, os alunos aproximavam-se perigosamente ou chocavam com a mesma.
d) Por diversas vezes o autor teve que interromper a condução e sair do interior da carrinha para alertar os alunos do perigo em que incorriam e afastando-os da mesma.
e) Posteriormente, a ré alterou a rota do autor dando-lhe novamente instruções para circular com a carrinha no interior da escola no período de recreio, continuando a mesma a apresentar os mesmos problemas de perigosidade e insegurança para alunos e autor.
f) No dia e hora referidos em 8), quando o autor se encontrava no interior da escola a efetuar manobras de estacionamento para recolher as refeições, o aluno CC, deu um murro na carrinha.
g) O autor preocupado e receoso que algo tivesse sucedido com o aluno abeirou-se do mesmo e quando percebeu que o mesmo se encontrava bem pediu-lhe para que este se distanciasse da carrinha, colocando a mão sobre pescoço afastando-o do perigo.
h) O despedimento levado a cabo pela ré é movido pelas reclamações referidas em 29) e para esconder de todos – nomeadamente da sua cliente (escola) - a verdadeira realidade relativamente às condições de segurança em que labora a empresa ré.
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Fundamentação:
A matéria constante em 1 a 7 e 33 resultou do acordo das partes nos articulados.
No que respeita aos pontos 8 a 28 da matéria de facto, a convicção do tribunal assentou na conjugação dos depoimentos das testemunhas II, sub-directora do Agrupamento de Escolas ..., no qual se inclui a Escola onde ocorreram os factos, FF, Coordenadora do Agrupamento de Escolas ..., BB auxiliares de ação educativa no estabelecimento onde ocorreram os factos e DD, assistente operacional na escola onde ocorreram os factos.
Antes de mais, diga-se que estas testemunhas depuseram de forma absolutamente isenta, não tendo qualquer relação com a ré ou com autor, não demonstrando, assim, interesse algum no desfecho da causa.
Todas depuseram de forma muito espontânea e, no essencial, coerente e coincidente entre si, explicando aquilo a que cada uma assistiu, sendo que, como resulta dos factos provados, a situação foi reportada a várias pessoas.
No que diz respeito à atuação do autor descrita em 12), apenas a testemunha BB assistiu à mesma, tendo-o descrito calma, perentória e detalhadamente, explicando onde estava naquele momento, onde estava o autor e o menor, bem como qual o veículo conduzido pelo autor.
A testemunha DD era a pessoa que estava mais próxima de BB e que a ajudou, descrevendo, de forma coincidente com aquela, a localização do veículo, a do autor, do menor e das próprias testemunhas.
A respeito da localização das testemunhas, do carro e do autor diga-se que a testemunha EE, ajudante de motorista que estava com o autor naquele momento, ainda que de forma titubeante, veio afirmar que BB não podia ter assistido à agressão, mas a verdade é que se limitou a afirmá-lo não conseguindo explicar porquê, sendo que, ainda, que o posicionamento do carro, da testemunha e do autor fosse o por si indicado, não se afigura ao tribunal que a referida testemunha não conseguisse ver e ouvir a situação.
Importa, ainda, referir quanto ao depoimento da testemunha EE que o tribunal não ficou convencido de que o mesmo não tenha assistido a nenhum ato levado o cabo pelo autor, atenta a sua posição, a do autor e a do menor e as dimensões da carrinha.
Diga-se, por outro lado, que não foram valorizadas pelo tribunal no sentido pugnado pelo autor, as diferentes denominações das pancadas dadas pelo autor, afigurando-se-me como indiferente o nome atribuído, pois que a verdade é que todas apontaram como tendo as pancadas deixado marcas no mesmo local do menor.
O mesmo se diga quanto ao número das pancadas desferidas pelo autor, entendendo o tribunal que o facto de na inquirição da testemunha BB em sede de procedimento disciplinar estarem referidas três pancadas e, em sede de audiência de julgamento, a duas pancadas, não retira credibilidade à testemunha, uma vez que quando confrontada com tal imprecisão a testemunha manteve se sempre disse duas pancadas, atribuindo a referência a três a um erro, sendo que, mesmo que assim não fosse, tais imprecisões vão de encontro à espontaneidade com que o depoimento foi prestado, e sempre seria, compreensíveis volvidos que foram quase dois anos sobre os factos.
Diga-se por fim, quanto ao depoimento da testemunha BB, que a testemunha JJ veio tentar beliscar a credibilidade da mesma, referindo o que os seus filhos que frequentam a escola dizem sobre a mesma, o que, naturalmente não foi tido em conta, considerando o atenta o carácter absolutamente vago, genérico e a despropósito deste depoimento que nem sequer demostrou conhecimento direto algum.
O mesmo se diga a respeito do que esta testemunha JJ e a testemunha KK, amigo do autor, referiram quanto ao menor CC, que nem sequer foi ouvido em sede de audiência de julgamento, mas que as referidas testemunhas fizeram questão de vir, mais uma vez, genericamente e sem conhecimento direto, apelidar de mentiroso.
Relativamente à matéria aludida em 29 e 30, a mesma foi confirmada pelas testemunhas EE - que foi ajudante do autor durante 3 anos e que confirmou que o autor que durante 4 meses o autor recusou-se a entrar na escola durante o intervalo – e LL, encarregada de unidade na ré que confirmou que o autor, por diversas vezes, reclamou de tal situação.
A factualidade constante em 31 e 32 resultou do teor dos documentos juntos com o articulado motivador sob os nºs 2, 3, 4 e 5, sendo que o autor aceitou na contestação não ter impugnado aquelas decisões.
Por último, a matéria constante em 34 resultou da análise dos documentos de fls. 88 e 89, não impugnados pela empregadora e a constante em 35) resultou do extrato de remunerações de fls. 95.
Quanto aos factos dados como não provados aludidos em a) e b) o mesmo não resultou do depoimento das testemunhas inquiridas, mormente da testemunha BB que foi quem presenciou os factos e referiu inequivocamente, que o autor bateu por duas vezes ao menor CC e não três e DD que não referiu o vertido em b).
Relativamente ao constante em c) a h) não foi feita qualquer prova segura quanto à mesma, não tendo sido confirmada por nenhuma das testemunhas inquiridas, não tendo qualquer assento nos documentos juntos aos autos.”

2.1.2. Fundamentação de facto: alteração da decisão de facto.
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.” (realce aqui introduzido)
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)» (realce introduzido)
Com fundamentação do Acórdão desta secção de 12-07-2023 (relatado pela Conselheira Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt):
“Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda.
(…)
Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.
E se impugnada a factualidade com base em depoimentos gravados deverá também o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, sendo que, podendo embora proceder à transcrição dos depoimentos ou de excertos dos mesmos, tal não o dispensa contudo daquela indicação como expressamente decorre da letra da norma.
Por fim, o citado art. 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação, sem possibilidade de aperfeiçoamento.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de um decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.”
Com fundamentação ainda do Acórdão desta secção de 17.04.2023, no Processo n.º 125/22.1T8AVR.P1 (Relator Desembargador António Luís Carvalhão, in www.dgsi.pt) que no caso «de impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. [(…)].»
Conclui o Autor/Apelante que a matéria de facto dada como provada de 11º a 16º, 18º e 28.º sob a epígrafe “factos provados” deve ser alterada e dada como não provada.
É este o teor de tais itens:
- A dada altura, o Autor interrompeu a manobra de estacionamento, tirou repentinamente o cinto de segurança, saiu de dentro da carrinha e foi em direção ao aluno e menor de nome CC, o qual se encontrava a brincar no recreio, naquele preciso momento, junto à parte esquerda traseira da carrinha. (item 11)
- Chegado ao pé do mesmo, o Autor, usando a mão direita aberta, bateu-lhe por duas vezes na zona do pescoço, apanhando-lhe igualmente parte da zona direita da face e da orelha direita. (item 12)
- O menor ficou totalmente imóvel e começou a chorar descontroladamente. (item 13)
- BB foi, então, a correr em direção a ele, com o propósito de o retirar dali tão rapidamente quanto possível e, assim, pôr termo à situação. (item 14)
- Nesse preciso instante, o autor disse alto e bom som dirigindo-se ao menor: “Eu disse que te ia apanhar”, o que repetiu. (item 15)
- O menor CC, passado o primeiro momento de choque, começou, então, a ficar muito exaltado e extremamente nervoso, vendo-se a referida BB obrigada acalmá-lo. (item 16)
- Foi, então, nessa altura que, depois de ouvir o Autor a dizer ao menor que “Eu disse que te ia apanhar”, a DD lhe respondeu que aquela não era a forma de se agir com uma criança e que tinha de ter calma. (item 18)
- O referido em 12) provocou dores no ouvido direito de que o menor se queixou, bem como o zumbido nos instantes seguintes. (item 28)
Invoca o Apelante que a testemunha BB jamais poderia ter assistido às circunstâncias descritas e provadas nesses pontos, indicando os minutos onde na gravação da audiência ficaram registados os excertos tidos por relevantes, procedendo à respetiva transcrição que foi lida.
Consigna-se que procedemos à leitura de todos os excertos deste e de todos os demais depoimentos transcritos pela Apelada.
Alega o Apelante que a testemunha DD que como alude o Tribunal a quo “era a pessoa que estava mais próxima de BB e que a ajudou”, não descreveu, de forma coincidente com a testemunha BB, a localização do Autor, do menor e das próprias testemunhas em relação ao veículo, indicando os minutos onde na gravação da audiência ficaram registados os excertos tidos por relevantes, procedendo à respetiva transcrição que foi lida.
Não tem razão o Apelante.
Desde logo as testemunhas não se reportam a momentos idênticos, a testemunha BB reporta-se ao momento em que “(…) eu dirigi-me ao HH”, já testemunha DD recorda-se de ver a sua colega (BB) “A trazer o CC”; - eles (BB e CC) saíram por trás da carrinha: “SIM, SIM, SIM.”
De resto, a testemunha DD foi clara a dizer que não viu a agressão apenas concordando com a suposição incluída nestes termos na pergunta que lhe foi dirigida de que aquela agressão teria ocorrido por trás da carrinha “Penso que sim”.
O que foi dito pelo Recorrente, nesses momentos diferentes, não foi necessariamente o mesmo.
Em suma, dos invocados excertos não resulta qualquer contradição entre os depoimentos de ambas as referidas testemunhas, quer quanto à localização, em relação ao veículo, do Autor, do menor e da testemunha BB, quer a respeito do que pelo primeiro foi dito ao segundo.
Assim como não resulta que a testemunha BB jamais poderia ter assistido a qualquer agressão do Recorrente ao menor.
Alega ainda o Autor/Apelante que a testemunha BB quando ouvida em sede de procedimento disciplinar, escassos dias após os supostos factos referiu que o menor teria sido vítima de três pancadas por parte do Recorrente para após e já em sede de julgamento depor no sentido de que não foram três mas sim duas pancadas.
Ainda que segundo a testemunha II, sub-diretora do Agrupamento de Escolas ..., aquilo que lhe fora transmitido por todos, incluindo o próprio CC, é que a alegada agressão se teria consubstanciado numa única pancada e não três ou duas pancadas, indicando os minutos onde na gravação da audiência ficaram registados os excertos tidos por relevantes, procedendo à respetiva transcrição que foi lida.
O Apelante não tem razão. Acompanhamos a este respeito, as considerações consignadas na motivação da decisão de facto, constante da sentença recorrida e que como tal, novamente se transcrevem:
“Diga-se, por outro lado, que não foram valorizadas pelo tribunal no sentido pugnado pelo autor, as diferentes denominações das pancadas dadas pelo autor, afigurando-se-me como indiferente o nome atribuído, pois que a verdade é que todas apontaram como tendo as pancadas deixado marcas no mesmo local do menor.
O mesmo se diga quanto ao número das pancadas desferidas pelo autor, entendendo o tribunal que o facto de na inquirição da testemunha BB em sede de procedimento disciplinar estarem referidas três pancadas e, em sede de audiência de julgamento, a duas pancadas, não retira credibilidade à testemunha, uma vez que quando confrontada com tal imprecisão a testemunha manteve se sempre disse duas pancadas, atribuindo a referência a três a um erro, sendo que, mesmo que assim não fosse, tais imprecisões vão de encontro à espontaneidade com que o depoimento foi prestado, e sempre seria, compreensíveis volvidos que foram quase dois anos sobre os factos.”
Já a testemunha II, disse que “a Dona DD terá dito ao senhor que era escusado aquilo, o senhor disse, eu apenas lhe dei um cachaço” e que o menor corroborou “que foi vítima de uma agressão”, por parte do Sr. AA. A testemunha apartou-se da distinção entre cachaço e estalo e confirmou que quem ouviu não discutiu o número destes.
Em suma, dos excertos do depoimento da testemunha II, nada resulta que ponha em causa os meios de prova considerados pela Mm.ª Juiz a quo, nomeadamente o depoimento da testemunha BB.
Alega ainda o Autor/Apelante que a testemunha BB é conhecida na comunidade escolar por ser uma colaboradora que tem por hábito castigar corporalmente os alunos mais irreverentes e que adotam comportamentos mais desajustados, suscitando a dúvida sobre quem desferiu o estalo ou pancada no menor.
Invoca o depoimento da testemunha JJ, indicando os minutos onde na gravação da audiência ficaram registados os excertos tidos por relevantes, procedendo à respetiva transcrição que foi lida.
Não ficamos com a dúvida adiantada pelo Autor/Apelante.
Em conformidade, não logrou o Apelante conseguir com os meios de prova por si invocados demonstrar a falta de credibilidade da testemunha BB, nem tão pouco que a convicção deste tribunal deva ser outra, diversa daquela que foi a da Mm.ª Juiz a quo.
Improcede nesta parte a apelação.
*
Invoca ainda o Apelante que os factos provados constantes da sentença dos pontos 8º a 28º não se encontram alegados no articulado motivador do despedimento.
Contrapõe por seu turno a Apelada que que não só a nota de culpa é coincidente com os factos que sustentaram o despedimento por justa causa do Recorrente e que foram provados nos presentes autos, como é indubitável que o Recorrente teve a possibilidade de pronúncia sobre a mesma.
A Apelada transcreve trecho da Nota de Culpa que alega indubitavelmente, correspondente aos factos provados 8 a 28 (introduzidos em tamanho de letra diferente):
“II. Dos factos
4. No passado dia 28 de Junho de 2022, por volta das 11h00, o Trabalhador Arguido encontrava-se no interior da Unidade a conduzir a carrinha com que habitualmente efetua o transporte de refeições para distribuição pelos restantes estabelecimentos escolares do agrupamento escolar do qual a Unidade faz parte.
[corresponde ao item 8: No dia 28/06/2022, por volta das 11h00, o autor encontrava-se no interior da Unidade a conduzir a carrinha com que habitualmente efetua o transporte de refeições para distribuição pelos restantes estabelecimentos escolares do agrupamento escolar do qual a Unidade faz parte.]
5. O Trabalhador Arguido fazia uma manobra de estacionamento por forma a parar o veículo perto da cantina para poder carregar mais facilmente os alimentos que iria distribuir posteriormente.
6. Quando se preparava para estacionar, o Trabalhador Arguido reparou que o aluno da Unidade e menor de nome HH se encontrava à frente da carrinha, o que impedia a referida manobra,
7. Tendo-lhe, então, dito que, ou ele saía de imediato, ou ficariam ali o dia inteiro.
[correspondem ao item 9: O autor fazia uma manobra de estacionamento por forma a parar o veículo perto da cantina para poder carregar mais facilmente os alimentos que iria distribuir posteriormente e quando se preparava para estacionar, reparou que o aluno da Unidade e menor de nome HH se encontrava à frente da carrinha, o que impedia a referida manobra, tendo-lhe, então, dito que, ou ele saía de imediato, ou ficariam ali o dia inteiro. (item 9)
8. Apercebendo-se da situação, a Assistente Operacional BB, a qual se encontrava a desempenhar as suas funções de vigilante durante o tempo de recreio dos alunos, deslocou-se em direção ao dito HH e retirou-o dali, por forma a permitir ao Trabalhador Arguido estacionar o veículo.
[corresponde ao item 10: Apercebendo-se da situação, a Assistente Operacional BB, a qual se encontrava a desempenhar as suas funções de vigilante durante o tempo de recreio dos alunos, deslocou-se em direção ao dito HH e retirou-o dali, por forma a permitir ao autor estacionar o veículo.]
9. Embora tendo-se afastado do local juntamente com o referido aluno, a BB continuou a prestar atenção ao Trabalhador Arguido, tendo por isso observado que o mesmo, a dada altura, interrompeu a manobra de estacionamento, tirou repentinamente o cinto de segurança, saiu de dentro da carrinha e foi em direção ao aluno e menor de nome CC, o qual também se encontrava a brincar no recreio, naquele preciso momento, junto à parte esquerda traseira da carrinha.
[corresponde ao item 11: A dada altura, o autor interrompeu a manobra de estacionamento, tirou repentinamente o cinto de segurança, saiu de dentro da carrinha e foi em direção ao aluno e menor de nome CC, o qual se encontrava a brincar no recreio, naquele preciso momento, junto à parte esquerda traseira da carrinha.]
10. Chegado ao pé do mesmo, o Trabalhador Arguido agrediu-o fisicamente usando a mão direita aberta e batendo-lhe por três vezes na zona do pescoço, apanhando-lhe igualmente parte da zona direita da face e da orelha direita.
[corresponde ao item 12: Chegado ao pé do mesmo, o autor, usando a mão direita aberta, bateu-lhe por duas vezes na zona do pescoço, apanhando-lhe igualmente parte da zona direita da face e da orelha direita.
11. Finda a agressão, o menor ficou totalmente imóvel e começou a chorar descontroladamente.
[corresponde ao item 13: O menor ficou totalmente imóvel e começou a chorar descontroladamente.]
12. A referida BB foi, então, a correr em direção a ele, com o propósito de o retirar dali tão rapidamente quanto possível e, assim, pôr termo à situação.
[corresponde ao item 14: BB foi, então, a correr em direção a ele, com o propósito de o retirar dali tão rapidamente quanto possível e, assim, pôr termo à situação.]
13. Nesse preciso instante, o Trabalhador Arguido disse alto e bom som dirigindo- se ao menor: “Eu disse que te ia apanhar a jeito.”,
14. Tendo repetido essa afirmação quando, logo depois, entrou novamente para dentro da carrinha.
[correspondem ao item 15: Nesse preciso instante, o autor disse alto e bom som dirigindo-se ao menor: “Eu disse que te ia apanhar”, o que repetiu.]
15. O menor CC, passado o primeiro momento de choque, começou, então, a ficar muito exaltado e extremamente nervoso, vendo-se a referida BB obrigada a abraçá-lo e dizendo-lhe que tudo ficaria pior se ele não se acalmasse de imediato.
[corresponde ao item 16: O menor CC, passado o primeiro momento de choque, começou, então, a ficar muito exaltado e extremamente nervoso, vendo-se a referida BB obrigada acalmá-lo.]
16. Ao ter presenciado a parte final dos factos atrás relatados, a colega da BB, DD, também ela Assistente Operacional e com funções idênticas às da sua colega, a qual se encontrava igualmente de vigilância no recreio, correu para junto daquela e do menor CC, com o propósito de prestar ajuda.
[corresponde ao item 17: Ao ter presenciado a parte final dos factos atrás relatados, a colega da BB, DD, também ela Assistente Operacional e com funções idênticas às da sua colega, a qual se encontrava igualmente de vigilância no recreio, correu para junto daquela e do menor CC, com o propósito de prestar ajuda.]
17. Foi, então, nessa altura que, depois de ouvir o Trabalhador Arguido a dizer ao menor que “Eu disse que te ia apanhar a jeito.”, a DD lhe respondeu que aquela não era a forma de se agir com uma criança e que tinha de ter calma.
[corresponde ao item 18: Foi, então, nessa altura que, depois de ouvir o autor a dizer ao menor que “Eu disse que te ia apanhar”, a DD lhe respondeu que aquela não era a forma de se agir com uma criança e que tinha de ter calma.]
18. Não obstante, o Trabalhador Arguido ignorou por completo tal comentário, tendo, aliás, voltado a repetir a mesma frase ao regressar ao interior da carrinha.
19. O Trabalhador Arguido continuou a desempenhar a sua atividade, não cuidando de saber como é que estava o menor CC, nem qual o seu estado de saúde, não obstante tê-lo agredido.
[corresponde ao item 19: O autor continuou a desempenhar a sua atividade, não cuidando de saber como é que estava o menor CC, nem qual o seu estado de saúde.]
20. As duas identificadas Técnicas Operacionais, BB e DD, foram, então, com o referido menor ao gabinete da Coordenadora do Agrupamento de Escolas ..., no Porto, FF, tendo por finalidade relatarem-lhe o que se havia passado.
[corresponde ao item 20: As duas identificadas Técnicas Operacionais, BB e DD, foram, então, com o referido menor ao gabinete da Coordenadora do Agrupamento de Escolas ..., no Porto, FF, tendo por finalidade relatarem-lhe o que se havia passado.]
21. Quando lá chegaram, a Coordenadora viu que o menor CC estava muito nervoso e a chorar, queixando-se de dores no ouvido direito e dizendo que ouvia um zumbido.
[corresponde ao item 21: Quando lá chegaram, a Coordenadora viu que o menor CC estava muito nervoso e a chorar, queixando-se de dores no ouvido direito e dizendo que ouvia um zumbido.]
22. Como tal, a mencionada Coordenadora, após ter tomado conhecimento do que se passara, foi à cantina para tentar falar com o Trabalhador Arguido,
23. Tendo-o aí encontrado e perguntado sobre o que se havia passado,
24. Ao que o mesmo respondeu que, na sequência de o aluno CC ter dado um murro na carrinha, apenas lhe tinha dado “um cachaço”, não o tendo agredido.
[correspondem ao item 22: Como tal, a mencionada Coordenadora, após ter tomado conhecimento do que se passara, foi à cantina para tentar falar com o autor, tendo-o aí encontrado e perguntado sobre o que se havia passado, ao que o mesmo respondeu que, na sequência de o aluno CC ter dado um murro na carrinha, apenas lhe tinha dado “um cachaço”.]
25. A responsável retorquiu dizendo que, fosse como fosse, o que o Trabalhador Arguido havia feito constituía uma agressão.
26. Não tendo, no entanto, o mesmo alterado a sua posição, voltando a insistir que não se tratava de uma agressão, mas de um mero “cachaço”.
27. Posto isto, vendo que não era possível manter uma conversa minimamente construtiva com o Trabalhador Arguido, a Coordenadora FF regressou ao seu gabinete, junto do qual se encontravam as duas já referidas Técnicas Operacionais e o menor CC, tendo decidido reportar superiormente a situação, desta feita à sub-directora do Agrupamento de Escolas ..., II,
[corresponde ao item 23: A Coordenadora FF reportar a situação à sub-directora do Agrupamento de Escolas ..., II.]
28. Para o que se deslocou ao respetivo gabinete, no que foi acompanhada pelos restantes presentes já identificados.
29. Nesse momento, a Coordenadora pôde aperceber-se que o lado direito da cabeça e a orelha direita do menor estavam muito vermelhos, em consequência da agressão de que o mesmo tinha sido vítima.
[corresponde ao item 24: Nesse momento, a Coordenadora pôde aperceber-se que o lado direito da cabeça e a orelha direita do menor estavam muito vermelhos.]
30. Depois de ouvir o relato das Assistentes Operacionais e do próprio menor, a Sub-directora II decidiu reportar o sucedido à PSP – Escola Segura, a qual, ainda nesse dia, enviou dois agentes à Unidade para tomarem nota da ocorrência e recolherem os depoimentos necessários,
[corresponde ao item 27: O mesmo é portador de uma deficiência auditiva e, por tal facto, havia sido operado aos ouvidos uma semana antes dos factos relatados.]
31. Seguindo o processo policial em paralelo com os presentes autos.
32. Importa referir que o aluno CC tem onze anos, está no quarto ano de escolaridade e encontra-se institucionalizado por ter sido retirado aos progenitores.
[corresponde ao item 26: CC tem onze anos, está no quarto ano de escolaridade e encontra-se institucionalizado por ter sido retirado aos progenitores.]
33. O mesmo é, ainda, portador de uma deficiência auditiva e, por tal facto, havia sido operado aos ouvidos uma semana antes dos factos relatados,
34. Tendo as agressões sido perpetradas precisamente na cabeça e, especificamente, na zona de um dos ouvidos (o direito).
35. Essas agressões terão provocado as dores no ouvido direito de que o menor se queixou, bem como o zumbido que o mesmo disse estar a ouvir nos instantes seguintes.”
[corresponde ao item 28: O referido em 12) provocou dores no ouvido direito de que o menor se queixou, bem como o zumbido nos instantes seguintes.]
Ou seja, os factos considerados assentes foram descritos na nota de culpa comunicada ao Autor/Apelante.
Vejamos:
A exposição dos factos que constituem o fundamento da ação é um dos requisitos da petição inicial - artigo 552º, nº1 alínea d) do Código de Processo Civil.
Importa saber se essa exposição tem de constar obrigatória e expressamente daquele articulado ou se pode ser feita por remissão para outras peças ou documentos que o acompanhem.
É nosso entendimento que os factos constantes da nota de culpa e/ou da decisão disciplinar são os únicos relevantes para a apreciação judicial do despedimento, mas isso não quer dizer que não tenham que ser alegados no articulado motivador, não sendo suficiente a mera remissão para a nota de culpa.
No entanto, pode haver algum aproveitamento do mesmo articulado desde que a referência seja suficiente para dele se retirarem os factos essenciais - neste sentido o acórdão de 17.06.2009 do STJ, proferido no processo nº 08S3967, (in www.dgsi.pt)”, em cujo sumário se lê “Admite-se, porém, que a exposição dos fundamentos de facto possa ser feita por remissão para os factos contidos noutros documentos que acompanhem a petição inicial, desde que essa remissão se destine a completar a exposição já feita na petição.”
Transcreve-se do texto do mesmo acórdão ainda a explicitação:
“(…) afigura-se-nos que a petição inicial deve ser constituída por uma só peça, não só por ser de presumir que o legislador soube exprimir cabalmente o seu pensamento (art.º 9.º do C.C.), mas também por essa ser a interpretação que se mostra mais razoável, em termos de inteligibilidade da petição e de salvaguarda do direito de defesa do réu, uma vez que a alegação dos factos por via remissiva para outros documentos seria fonte de natural confusão.
Admite-se que a exposição dos fundamentos de facto possa ser feita por remissão para os factos contidos noutros documentos que acompanhem a petição inicial, e reconhecemos, até, que haverá situações em que não haverá outra forma de o fazer, ou em que tal será muto difícil (por exemplo, quando se pretenda alegar com precisão os factos reproduzidos numa fotografia).
Mas tal forma de alegação só deverá ser admitida em termos muito restritos e desde que seja para complementar o que já foi diretamente alegado na petição. Assim, não será de admitir a alegação por remissão, quando esta comportar a alegação da própria causa de pedir, pois isso traduzir-se-ia numa desfiguração total da petição inicial.”
Em concreto, no articulado motivador do despedimento é dado por integralmente reproduzido o teor dos autos de procedimento disciplinar, junto como doc. 1.
Porém, analisando o restante teor do articulado motivador verifica-se que não tem razão o Recorrente porquanto os factos essenciais foram alegados nos artigo 19º e 24º do articulado motivador, nomeadamente:
Não assiste razão ao Recorrente quando refere que não podia o Tribunal a quo tomar posição quanto aos factos provados 8) a 28).
Com efeito, o facto provado 11, consta, na parte relevante, do artigo 24º, al. a); o facto provado 12, consta na parte relevante, dos artigos 19º e 24º, al. a); os factos provados 13 e 14, constam, na parte relevante, do artigo 24º, als. a e c); o facto provado 20, consta do artigo 24º, al. d); o facto provado 21, consta, na parte relevante, do artigo 24º, al. c); o facto provado 23, consta, na parte relevante, do artigo 24º, al. f) e os factos provados 27 e 29, consta do artigo 24º, als. c) e n).
Quanto aos demais, que não consta do artigo 24º do articulado motivador, nomeadamente, os factos provados 8, 9 e 10 (envolvendo outro menor), 12 (apenas na parte da mão estar aberta), 16 a 19 e 24 importa referir que, tratando-se de factos meramente instrumentais, uma vez que os factos essenciais são os que se prendem com a "agressão" ao aluno CC, de 11 anos, e tendo eles sido discutidos em audiência, são os mesmos aproveitáveis, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
Para melhor compreensão, temos por oportuno ainda consignar:
Sob a epígrafe «Discussão e julgamento da matéria de facto», dispõe o artigo 72º do Código de Processo do Trabalho que:
«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.
2 - Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
3 - Abertos os debates, é dada a palavra, por uma só vez e por tempo não excedente a uma hora, primeiro ao advogado do autor e depois ao advogado do réu, para fazerem as suas alegações, tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito.
4 - (Revogado.)
5 - (Revogado.)
6 - O tribunal pode, em qualquer altura, antes dos debates, durante eles ou depois de findos, ouvir o técnico designado nos termos do artigo 601.º do Código de Processo Civil». (sublinhado nosso).
A norma do nº1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho (redação dada pela Lei nº 107/2019, de 09.09.) é aplicável quanto aos factos essenciais mas não já quanto aos factos instrumentais e complementares.
Como explicado no Acórdão desta Relação de 31.03.2020, proferido no processo nº 1372/19.9T8VFR-A.P1, (Relatora Conselheira Paula Leal de Carvalho, in www.dgsi.pt]:
“Sumariamente, os factos podem ser essenciais ou instrumentais.
Os factos essenciais são os factos integradores da causa de pedir, constitutivos do direito alegado tendo em atenção as previsões integradores das normas substantivas invocadas [ou integradores das exceições perentórias].
Os factos essenciais tanto abrangem os factos essenciais stricto sensu ou principais, a que se reporta o art. 5º, nº 1, do CPC/2013 e 72º, nº 1, do CPT, como os complementares, porquanto, sendo estes relevantes à procedência da pretensão, integram-se no conceito amplo de causa de pedir, a estes se reportando o art. 5º, nº 2, al. b), do CPC – cfr. Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, anotação ao art. 5º, págs 19 a 25.
Segundo Jorge Augusto Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, 13ª edição, Almedina, pág. 305, factos essenciais “São os factos que integram a causa de pedir ou fundamentam as excepções. Por outras palavras, são os factos que concretizam a norma jurídica em que se fundamenta o direito invocado pelo autor ou em que se baseia a defesa do réu. São, em suma, os factos que, se virem a ser provados, são decisivos para que a ação ou a exceção possa ser julgada procedente.
Podemos dizer, em síntese, que os factos essenciais ou fundamentais são os que integram a previsão da norma em que se funda a pretensão do autor (ou reconvinte) ou a exceção deduzida pelo réu (ou reconvinte). São, portanto, os factos cuja prova é indispensável para que seja julgada procedente a ação ou a exceção.”
Dos factos essenciais (integrando estes os principais e os complementares) se distinguem os factos instrumentais, os quais não integram a causa de pedir, sendo antes “factos indiciários ou presuntivos da causa de pedir. (…) de acordo com o artigo 349º CC “as Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”. Assim, os factos instrumentais são factos conhecidos que permitem à parte firmar um facto constitutivo (facto desconhecido). Portanto, são factos meramente probatórios e não integram as normas de procedência, i.e., as previsões normativas dos regimes materiais que suportam o pedido do autor.(…)”, categoria esta a que se reporta o art. 5º, nº 2, al. a), do CPC, estando fora do ónus de alegação” – cfr. Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, anotação ao art. 5º, págs 19 a 25” (realce, sublinhado e alteração do tamanho da letra nossos).
Os factos essenciais só poderão ser tidos em consideração pela 1ª instância, face à possibilidade de prova a que se reporta o nº2 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho.
Quanto aos factos instrumentais e complementares, com a Lei nº 107/2019 de 09.09. passou a aplicar-se o artigo 5º, nº2 do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 72º, nº1 (1ª parte) do Código de Processo do Trabalho.
Ora, dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código de Processo Civil:
«2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b )Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.» (sublinhado nosso)
Em conformidade, improcede também nesta parte a Apelação.

2.2. Fundamentação de direito:
Vejamos agora qual o enquadramento legal (sobre os deveres gerais do trabalhador inerentes ao exercício da atividade laboral e os comportamentos do trabalhador que constituem justa causa de despedimento) e fáctico que no caso se impõe:
No final do processo disciplinar que foi instaurado ao Trabalhador, a Entidade Empregadora deliberou aplicar-lhe a sanção de despedimento com justa causa.
Atento o disposto no artigo 351º do Código do Trabalho, são elementos essenciais para a verificação de justa causa de despedimento:
- a existência de um comportamento culposo e grave do trabalhador;
- a impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho;
- o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Do primeiro elemento resulta que o procedimento do trabalhador tem de lhe ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo: se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá, verificados os demais requisitos, dar causa ao despedimento com justa causa.
Por outro lado, a justa causa exige, ainda, consequências gravosas na relação de trabalho, de tal forma que não mais possa ser exigida a sua manutenção a um empregador normal, mercê dos factos perpetrados.
Neste particular assume especial relevo a quebra do princípio da confiança que, só por si, torna impossível a subsistência do vínculo laboral (neste sentido, cfr. Menezes Cordeiro, “Manual de Direito do Trabalho”, 1991, Almedina, págs. 823 e 826).
A este princípio juntam-se, igualmente, os deveres de lealdade e de obediência, cuja quebra de forma grave, premeditada e continuada é susceptível de comprometer definitivamente a manutenção da relação de trabalho.
O conceito de justa causa de despedimento é um conceito objetivo-normativo que, não obstante dever ser preenchido, caso a caso, segundo circunstâncias concretas, não pode ser preenchido com critérios valorativos de índole subjetiva do empregador ou do aplicador, mas segundo um critério objetivo.
Finalmente, a impossibilidade de subsistência da relação laboral deve também ser valorada perante o condicionalismo da empresa e ter em vista o critério de não ser objetivamente possível aplicar à conduta do trabalhador sanção menos grave.
Na verdade, segundo o determinado no artigo 330º, nº1 do Código do Trabalho, «A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração».
O despedimento é a mais grave das sanções disciplinares de que é passível o trabalhador. Por isso, para que aquele se verifique é necessário que o comportamento deste, pela sua gravidade objetiva e pela imputação subjetiva, torne impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, não havendo margem para uma sanção de outra natureza.
Como se lê, entre outros, no Acórdão desta secção da Relação do Porto, proferido no processo 112/14.3TTMAI.P1), com referência ao entendimento da doutrina aí identificada e da jurisprudência seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, «(…) a justa causa só pode ter-se por verificada quando, e ponderadas todas as circunstâncias que no caso relevem, não seja exigível ao empregador a permanência do contrato (…)».
E no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.03.2012, in Coletânea de Jurisprudência, Tomo I, página 258, citado no referido Acórdão da Relação do Porto, «O despedimento/sanção é a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interacção relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objectivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador(…)».
Daí que nos termos do disposto na alínea b) do artigo 381º do Código do Trabalho, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito se for declarado improcedente o motivo justificativo invocado no processo disciplinar.
Por sua vez, afere-se do artigo 387º nº 3 do mesmo código que é à entidade empregadora que cabe a alegação e prova dos factos justificativos da justa causa.
No caso, perante a improcedência da impugnação da matéria de facto, vejamos agora se merece guarida a impugnação da subsunção jurídica concretizada na sentença do Tribunal a quo perante a factualidade que resultou provada.
Conclui em suma o Apelante:
– A sanção do despedimento foi exagerada, desproporcional e excessiva pois o comportamento do Recorrente apenas era passível de uma sanção conservadora do vínculo;
– A Recorrida não teve justa causa para despedir o Recorrente, o que determina que o despedimento é ilícito;
- Foi violado pelo Tribunal a quo entre outros os artigos 128º e 351º ambos do Código do Trabalho.
Não tem razão, tendo nós como bastante, em resposta às conclusões, a fundamentação da sentença recorrida no que da mesma se transcreve (não inclui as referências jurisprudenciais):
“Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes – cfr. n.º 3 do artigo 351.º.
O n.º 2 do aludido artigo 351.º prevê, de forma não taxativa, situações que constituem justa causa de despedimento, invocando a empregadora, no caso em análise, a violação das alíneas a), c), e) e h) do artigo 128º do C. Trabalho, artigo que estabelece os deveres do trabalhador.
Numa primeira leitura do aludido artigo 351º poder-se-ia concluir que basta a verificação de um dos comportamentos materiais ali descritos para se concluir pela justa causa do despedimento.
Porém, quer a jurisprudência, quer a doutrina afastam, de forma unânime, esta interpretação, exigindo ainda a ponderação da cláusula geral que enuncia o conceito de justa causa, através de um juízo sobre a situação em concreto [(…)].
Assim, como refere João Leal Amado (Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, pág. 371) “a verificação de algumas das condutas ali enunciadas “não é condição necessária (dado que a enumeração é meramente exemplificativa), nem é condição suficiente (visto que tais alíneas constituem «proposições jurídicas incompletas», contendo uma referência implícita à cláusula geral do n.º 1) para a existência de justa causa”.
Volvendo ao caso dos autos, temos que não restam dúvidas ao tribunal que o autor ao agir como descrito nos factos provados constantes em 8 e seguintes violou o dever de respeitar e tratar as pessoas que se relacionam com a empresa com urbanidade e probidade, de realizar o trabalho com zelo e de executar ao atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.
Estes seus comportamentos são claramente ilícitos, presumindo-se a culpa do trabalhador (artigo 799.º do C. Civil).
Diga-se, ainda, que o autor não logrou provar que, tal como alegou, o seu despedimento foi movido pelas suas reclamações aludidas em 29) e para esconder de todos – nomeadamente da sua cliente (escola) - a verdadeira realidade relativamente às condições de segurança em que labora a empresa ré.
O despedimento apresenta-se como a sanção disciplinar mais grave, que só deve ser aplicada quando outras medidas se revelarem de todo inadequadas para a punição, para a prevenção de situações similares e para os interesses fundamentais da empresa.
Aqui chegados, impõe-se, portanto, perguntar: o comportamento do autor torna impossível a manutenção da relação de trabalho com a ré?
Tudo ponderado, afigura-se-me que sim.
Com efeito, se uma agressão em contexto de trabalho é, por si só, grave, o comportamento do autor porque dirigido a uma criança é extremamente grave, não havendo qualquer motivo que justifique o ato do autor.
Note-se que as funções do autor eram exercidas em escolas, sendo perfeitamente compreensível o receio da ré de que situações como a dos autos pudessem voltar a acontecer.
Importa, ainda, considerar que o autor – trabalhador da ré desde 2002 - já havia sido alvo de duas sanções disciplinares, uma em 2018 e outra em 2020 por violação dos deveres de obediência, de respeitar e tratar o empregador, de os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade, realizar o trabalho com zelo e diligência – ou seja, num dos casos, por violações de natureza similar à dos autos.
É que, ao que parece, o autor não se conforma com o facto de, ao celebrar um contrato de trabalho, assumir que tem uma série de deveres - a par com os seus direitos, naturalmente – nomeadamente, o de respeitar as pessoas que que se relacionam com a empresa com urbanidade e probidade.
A atitude do autor revela uma grande cobardia (considerando tratar-se de um adulto a bater numa criança), um claro desinteresse e desrespeito para com a ré, ao não ponderar sequer as consequências que para esta podiam advir do seu comportamento, comportamento este que é inaceitável e não passível de justificação.
Em face de todo o exposto, afigura-se-me que o comportamento do autor torna impossível a manutenção da relação de trabalho.
Foi assim lícita a decisão de despedimento, pelo que não assiste ao trabalhador direito a qualquer indemnização por antiguidade ou a retribuições intercalares.”
Como supra adiantado, concordamos com assim decidido.
O comportamento do Trabalhador analisado não pode deixar de considerar-se ilícito.
E não pode também deixar de se considerar culposo.
Ficou, em suma, demonstrada conduta assumida pelo Trabalhador, com repercussões que a torna altamente censurável e que compromete a possibilidade de subsistência da relação laboral existente.
Tal comportamento do Trabalhador, analisado nos termos da sentença recorrida, é suscetível de ser considerado justa causa para o despedimento do mesmo, levado a cabo pela Entidade Empregadora, por violação dos deveres previstos no artigo 128º, nº1 alíneas a) e c) do Código do Trabalho.
Concluiu-se pela verificação de justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 351º nº 1 do Código do Trabalho.
Não se impunha assim à Entidade empregadora que considerasse a aplicação ao Trabalhador de outra sanção que não o despedimento.
O despedimento levado a cabo pela mesma não pode assim deixar de se considerar lícito.
Improcede a Apelação.

3. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação.
Custas do recurso pelo Trabalhador.
D.n.

Porto, 17 de Março de 2025.
Teresa Sá Lopes
Rui Penha
António Luís Carvalhão