I- O prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho conta-se a partir do momento em que o trabalhador tem conhecimento de todos os factos que lhe permitam ajuizar da dimensão da lesão dos seus direitos e exercer o direito de resolução do contrato.
II - Na análise da caducidade do direito de resolver o contrato pelo trabalhador que invoca justa causa tem de se distinguir as infrações instantâneas das continuadas, sendo que, quanto às últimas, que se repetem e se perpetuam no tempo, o prazo apenas se iniciará no momento em que se tornam insustentáveis para o trabalhador.
III - a Apreciação da caducidade do direito deve ter apenas por base os fundamentos invocados para a resolução que se tenham demonstrado.
IV - Se tal prazo existir na lei, estando fixado temporalmente para o exercício de um direito, a única forma de evitar a caducidade é exercer o direito dentro do prazo correspondente.
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia - Juiz 1 Tribunal
Autor: AA
Ré: A..., Lda.
_______
Nélson Fernandes (relator)
Maria Luzia Carvalho
Rui Manuel Barata Penha
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
1. AA intentou a presente ação com processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra A..., Lda., pedindo que o Tribunal:
- declare que o trabalhador tinha o direito de resolver, unilateralmente e com justa causa, o contrato de trabalho, por motivo de falta culposa de pagamento pontual da retribuição e violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador nos termos do artigo 394.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b) do Código do Trabalho;
- condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 16.597,17 por créditos salariais devidos pela cessação do contrato de trabalho;
- condene a Ré a pagar ao Autor uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, nunca inferior a € 1.500,00;
- condene a Ré a pagar ao Autor juros de mora sobre as quantias peticionadas.
Alega para tanto e, em síntese, que a Ré o admitiu ao seu serviço no dia 22 de novembro de 2017 por contrato de trabalho que vigorou até ao dia 8 de maio de 2023, data em que, ele Autor, declarou resolver o contrato com justa causa, com fundamento na falta culposa de pagamento pontual da retribuição e com fundamento na violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador
A Ré contestou, invocando a exceção perentória de caducidade do direito de resolução do contrato por justa causa com base quer na violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador quer na falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
O Autor respondeu à exceção perentória pugnando pela sua improcedência.
2. Aquando do saneamento dos autos, depois de ter sido fixado o valor da ação em €18.097,17, considerando que existiam no processo elementos suficientes para o efeito, o Tribunal recorrido conheceu da exceção de caducidade da resolução do contrato de trabalho invocada pela Ré, proferindo decisão de cujo dispositivo consta:
“Nos termos e fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar procedente a exceção perentória de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho identificado nos autos por justa causa por iniciativa do Autor e, nesta conformidade
- absolve a Ré do pedido de € 9.767,87.
Custas a cargo do Autor na proporção do respetivo decaimento, que nesta fase decaiu no montante de € 9.767,87 por referência ao montante de € 18.097,17, ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique e registe.”
2.1. Inconformado, apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, apresentando, no final das suas alegações, as respetivas conclusões que agora se transcrevem:
a) O trabalhador aqui recorrente, recorre do despacho saneador sentença proferido pelo tribunal a quo que decidiu julgar procedente a exceção perentória de caducidade do direito resolução do contrato de trabalho identificado nos autos por justa causa por iniciativa do trabalhador e, nessa conformidade, absolver a ré do pedido de 9.767,87 €.
b) O recorrente entende que a decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova porque dá como assente factos que não são considerados na subsunção dos factos ao direito pelo tribunal a quo.
c) Parte dos factos dos factos assentes não mereceram qualquer pronuncia por parte do tribunal a quo o que constitui uma omissão de pronuncia.
d) O despacho saneador sentença proferido pelo tribunal a quo viola o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho.
e) A prova por declarações do trabalhador aqui recorrente deverá ser valorada, conforme decorre do art.º 466.º, n.º 3 Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho.
f) A insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão proferida no saneador sentença, decorre do facto de o tribunal a quo ter decidido sem investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
g) Trata-se de um vício expressamente previsto na alínea a), do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P. ex vi artigo 1.º, n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho.
h) Foi omitida e não considerada na decisão do tribunal a quo parte muito significativa da matéria de facto transcrita e dada como assente no despacho saneador – reiteramos que o tribunal não a considerou apesar de assente.
i) A factualidade vertida nos autos não permite, por exiguidade, proferir a decisão sobre a caducidade.
j) O tribunal a quo decidiu precocemente sobre a exceção da caducidade.
k) Existe erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida.
l) O tribunal a quo deveria ter relegado para a decisão final o conhecimento da exceção de caducidade.
m) O tribunal absteve-se de identificar o objeto do litígio e de fixar os temas da prova, nos termos do artigo 596.º do Código de Processo Civil.
n) Não pode o tribunal a quo determinar que o último ato de violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador data de julho de 2022 e a generalidade do incómodo com telefonemas e contactos data de agosto de 2022.
o) A violação das garantias legais e convencionais do trabalhador não cessou em julho de 2022 não datam de agosto de 2022.
p) Os factos relatados nos autos revelam que o trabalhador não viveu um único ato assediante isolado, mas vários atos continuados e duradouros, agravando a sua condição de saúde ao longo do tempo.
q) O trabalhador, aqui recorrente sofreu de assédio moral por parte da empregadora, de forma continuada, pelo menos desde dezembro de 2021.
r) O assédio ao trabalhador não terminou nem em julho, nem em dezembro de 2022, antes culminou com a comunicação por mail e por carta de 8/5/2023, quando tomou plena consciência de que não pode voltar ao trabalho, por absoluta impossibilidade de manutenção da relação laboral.
s) O prazo de 30 dias de que dispõe o trabalhador para resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa só se conta a partir do momento em que os efeitos da violação por parte do trabalhador assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna intolerável para o trabalhador.
t) A decisão do tribunal a quo está sustentada no artigo 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho, interpretado de forma literal e redutora e na subsunção de factos que carecem de ser revistos por incorretos.
u) Acompanhamos a jurisprudência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 5152/19.3T8LRS.L1-7, relatado por Micaela Sousa, que refere que: “(...) O conhecimento das excepções peremptórias integra-se na apreciação do mérito da causa e só é possível ter lugar no despacho saneador, desde que não exista a esse respeito matéria de facto controvertida. (...)”
v) Nos autos a matéria controvertida mantém ainda por provar: entre eles o assédio e a falta de pagamento pontual da retribuição.
w) O despacho saneador sentença proferido pelo tribunal a quo nos autos de ser considerado nulo por violar o artigo 3.º do Código do Processo Civil os artigos 602.º e seguintes do Código de Processo Civil ambos ex vi artigo 1.º, n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho.
x) Por erro notório na apreciação da prova, atenta a manifesta contradição entre os factos dados como assentes e a decisão proferida pelo tribunal a quo.
y) Por manifesta insuficiência da matéria de facto dada como provada para julgar a exceção de caducidade.
z) Deve ser ordenado que se efetue a audiência de julgamento para se aferir, por prova a efetuar no mesmo, da procedência, ou não, da exceção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho identificado nos autos por justa causa por iniciativa do trabalhador.
Conclui do modo seguinte:
“NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que V. Ex.as mui doutamente suprirão, deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e ser anulada a decisão do saneador-sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a exceção perentória de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho identificado nos autos por justa causa por iniciativa do autor e que, nessa medida, absolveu a ré do pedido de 9.767,87 €.
Mais deve ser ordenado que a decisão sobre a procedência, ou não, da exceção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho identificado nos autos por justa causa por iniciativa do trabalhador, seja relegada para a audiência de julgamento, decorrente da prova que nessa audiência se produza.”
2.1.1. Contra-alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso
2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo.
3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso.
II- Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a questão a decidir passa por saber se a sentença recorrida errou na aplicação do direito a respeito da questão da caducidade do direito de resolução do contrato com invocada justa causa e consequências daí decorrentes.
A) De facto
Fez-se constar da decisão recorrida que “com interesse para a apreciação e decisão da exceção perentória de caducidade do direito de resolução do contrato com justa causa resultam assentes os seguintes factos:
a) O Autor resolveu o contrato de trabalho invocando justa causa em 08/05/2023 (artigo 8.º da petição inicial).
b) O Autor comunicou a resolução do contrato de trabalho à Ré por meio de carta com os seguintes dizeres “Assunto: Resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador com justa causa.
Ex.mos Senhores,
Venho comunicar a imediata resolução, com justa causa, do contrato de trabalho celebrado com V.Ex.as no dia 22/11/2017, nos termos do artigo 394.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a) e b) do Código do Trabalho, por motivo de falta culposa de pagamento pontual da retribuição e violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador, conforme passarei a explicitar.
Como sabem, a partir de agosto de 2022 comuniquei-vos a minha situação de baixa médica, por me encontrar incapacitado para o trabalho. Essa incapacidade deveu-se a stress profissional extremo gerado pelos sucessivos constrangimentos no trabalho causados pela minha chefia direta.
A relação de trabalho desde há vários meses tornou-se insuportável porque eu era desvalorizado e desconsiderado pelo meu chefe BB.
Isso revelou-se sobretudo quando assumi o turno AM (madrugada) sozinho, conforme o combinado com a chefia direta a partir de julho de 2022, que me impunha uma responsabilidade acrescida, mas também pressupunha um apoio da minha chefia, que nunca existiu.
A título meramente exemplificativo, o acidente que aconteceu na madrugada de 28/07/2022 no meu local de trabalho. Nessa noite, uma caixa que continha uma bateria de lítio caiu, explodiu e incendiou-se, e, de imediato, contactei o meu chefe para reportar a situação, sendo que só após três contactos telefónicos é que consegui obter a sua autorização para chamar os bombeiros e a polícia para evacuar o armazém, o que me fez sentir em risco e desapoiado nessa situação tão crítica, onde estavam em causa a vida de dezenas de trabalhadores, a minha incluída.
De notar que nessa noite tivemos de descarregar as restantes caixas com as baterias ainda existentes no armazém com receio de nova explosão, sendo que em todo o processo me senti desapoiado, tendo sido tratado com rispidez pela minha chefia até ver autorizada a intervenção das autoridades.
Ainda a título exemplificativo da degradação da relação laboral com manifesto abuso por parte da minha chefia direta, o facto de há vários meses me ser exigido que respondesse a correios eletrónicos que não me cabia a mim dar seguimento, acrescendo indevidamente às funções para que fui contratado, o que era recorrente.
Em determinada ocasião, quando questionei a minha chefia direta do porquê de me ser imputada uma tarefa que não me cabia por contrato, a resposta que recebi, em tom ríspido, foi “sim, mas quem decide as tuas tarefas sou eu”, episódio que aconteceu no escritório onde trabalhava e onde estavam outras pessoas, o que me vexou sobremaneira.
Existiram inúmeras situações de verdadeiro assédio e pressão de que fui alvo, nomeadamente ser interpelado depois de regressar a casa do trabalho de madrugada para fazer horas extraordinárias nesse dia, para completar um mapa de férias do departamento (em pleno julho de 2022), isso depois de ter prestado mais 9 horas de trabalho e sabendo a empregadora que, nessa altura, não me encontrava bem fisicamente. E muitas outras poderia relatar.
De frisar também que durante o período que me encontrei de baixa não recebi qualquer comunicação por parte das chefias, mesmo havendo conhecimento que iria ser submetido a uma intervenção cirúrgica, mesmo após todo o esforço que fiz nos últimos meses.
A relação laboral tornou-se cada vez mais difícil, mas fui gerindo os constrangimentos que tinha com a minha chefia para não pôr em risco o meu posto de trabalho, com prejuízo do meu estado de saúde, que se agravou e que, por fim, me obrigou a ficar em casa por ordem médica.
Desde os primeiros dias em casa, a recuperar do meu estado de saúde débil, fui constantemente importunado pelo meu chefe, BB, com mensagens escritas e recebidas por WhatsApp, também chamadas telefónicas e mensagens escritas (SMS) a horas impróprias, várias delas a partir das 20h, nomeadamente a pedir informações de trabalho e a pressionar-me sobre a previsão do meu regresso ao trabalho e para trabalhar enquanto estava de baixa médica. Um total desrespeito pela minha situação de saúde e um assédio inaceitável que em nada ajudou a minha recuperação.
A par dessa violação dos meus direitos, de referir que comunicada a minha situação de incapacidade para o trabalho em agosto em 2022, a partir do mês de setembro de 2022, os valores que me transferiram para a minha conta bancária, não correspondiam ao que era devido receber, designadamente por horas extra trabalhadas.
Nessa medida, atendendo que não me encontrava em condições de saúde para esclareceu a situação, decidi mandatar a minha advogada para vos interpelar a fim de serem facultados os recibos de vencimento em falta, para esclarecimento dos valores recebidos. E a verdade é que, desde outubro de 2022, através da minha advogada, que tenho solicitado esses esclarecimentos sem uma resposta concreta e inequívoca até à data de hoje.
De facto, à data de hoje continuam em falta os meus recibos de vencimento desde o mês de setembro de 2022.
Entendo que a empregadora viola o dever de informação e de colaboração comigo desde há largos meses, não me facultam os recibos de vencimento e, por esse motivo, condicionam o meu conhecimento sobre a conformidade dos pagamentos que me fazem, que não chego a perceber a que dizem respeito e se estão de acordo com o que realmente me é devido.
Apesar de ter interpelado V.Ex.as durante largos meses para que me entregassem os recibos de vencimento, designadamente para apurar do valor hora que estavam a considerar – se 11,39 € ou se 19,94€ - a verdade é que, em total desrespeito pelas vossas obrigações legais, nada fizeram.
Por certo está em falta o valor de 101,72 € relativo ao complemento de doença devido no mês de dezembro de 2022, mas sem os recibos de vencimento não posso verificar se me pagaram o demais a que tinha direito por lei.
Tudo considerado entendo que está irremediavelmente quebrada a relação de confiança que deve existir e prevalecer na relação laboral, por facto que não me é imputável, e, nessa medida, comunico a resolução do meu contrato de trabalho celebrado com V. Exas com justa causa.
De salientar que lamento que tenham vindo a incumprir comigo desde longa data e mais lamento que esse incumprimento se mantenha até aos dias de hoje.
Atendendo a tudo o exposto considerem a cessação do meu contrato de trabalho com justa causa de despedimento, com efeitos imediatos.
Aguardo que me façam chegar no prazo máximo de 8 dias todos os recibos de vencimento em falta até à data de hoje, a saber, os recibos dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de 2022 e de janeiro, fevereiro, março e abril de 2023, bem como o recibo final devido pela cessação do meu contrato de trabalho com justa causa, por facto que não me é imputável.
Mais deverão V. Exas no mesmo prazo proceder ao pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, acrescida da indemnização devida pela antiguidade, nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho, sob pena de ter de recorrer judicialmente para fazer valer os meus direitos.
Mais fico a aguardar que me remetam, no prazo máximo de 5 dias úteis, o Certificado de Trabalho, nos termos do artigo 341.º do Código do Trabalho.
Sem outro assunto,” (documento junto aos autos com a petição inicial).”
1. Da questão da caducidade do direito
Em face das conclusões, que delimitam o objeto do recurso nos termos antes ditos, invoca o Recorrente como argumentos:
- Parte dos factos dos factos assentes não mereceram qualquer pronuncia por parte do tribunal a quo o que constitui uma omissão de pronuncia, violando o despacho saneador sentença proferido pelo tribunal a quo o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho / a insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão proferida no saneador sentença, decorre do facto de o tribunal a quo ter decidido sem investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final (trata-se de um vício expressamente previsto na alínea a), do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P. ex vi artigo 1.º, n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho);
- Foi omitida e não considerada na decisão do tribunal a quo parte muito significativa da matéria de facto transcrita e dada como assente no despacho saneador – reiteramos que o tribunal não a considerou apesar de assente / existe erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida;
- A factualidade vertida nos autos não permite, por exiguidade, proferir a decisão sobre a caducidade, sendo que, diz, deveria ter sido relegado para a decisão final o conhecimento dessa exceção: não pode o tribunal determinar que o último ato de violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador data de julho de 2022 e a generalidade do incómodo com telefonemas e contactos data de agosto de 2022; a violação das garantias legais e convencionais do trabalhador não cessou em julho de 2022 não datam de agosto de 2022 / os factos relatados nos autos revelam que o trabalhador não viveu um único ato assediante isolado, mas vários atos continuados e duradouros, agravando a sua condição de saúde ao longo do tempo / o assédio ao trabalhador não terminou nem em julho, nem em dezembro de 2022, antes culminou com a comunicação por mail e por carta de 8/5/2023, quando tomou plena consciência de que não pode voltar ao trabalho, por absoluta impossibilidade de manutenção da relação laboral / nos autos a matéria controvertida mantém ainda por provar: entre eles o assédio e a falta de pagamento pontual da retribuição.
- O prazo de 30 dias de que dispõe o trabalhador para resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa só se conta a partir do momento em que os efeitos da violação por parte do trabalhador assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna intolerável para o trabalhador.
- O despacho saneador sentença proferido pelo tribunal a quo nos autos de ser considerado nulo por violar o artigo 3.º do Código do Processo Civil os artigos 602.º e seguintes do Código de Processo Civil ambos ex vi artigo 1.º, n.º 2 a) do Código de Processo do Trabalho.
Pugna a Apelada, por sua vez, pela manutenção do julgado.
Pronunciando-se o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pela improcedência do recurso, constata-se que da sentença recorrida consta, a respeito desta questão, o seguinte (transcrição):
«Resulta da carta que comunica a resolução do contrato de trabalho á Ré que o último ato de violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador descrito data de julho de 2022 e, a generalidade do incómodo com telefonemas e contactos em agosto de 2022.
Por seu turno a última retribuição em falta reporta-se a dezembro de 2022.
Estes são os factos que justificam a resolução do contrato.
Nesta matéria dispõe o artigo 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho que “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”.
Nesta conformidade, de acordo com os factos invocados pelo próprio Autor na comunicação da resolução do contrato este teve conhecimento do último ato de violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador em agosto de 2022, período em que estava de baixa e estava sempre a ser incomodado.
O que significa que o prazo de caducidade estatuído no citado artigo 395.º, n.º 1 no limite terminou no final de setembro de 2022, o que também significa que no dia 8 de maio de 2023 já tinha caducado o direito de resolução do contrato de trabalho com justa causa assentes nos factos descritos na comunicação de resolução no que tange à violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador.
Mais dispõe o artigo 395.º, n.º 2 que “No caso a que se refere o n.º 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador”.
Da carta de resolução, é indicada a última retribuição em mora a que se reporta a dezembro de 2022, contando 60 dias, passamos para fevereiro de 2023 e daí para março de 2023, mais uma vez, no dia 8 de maio de 2023 já tinha caducado o direito de resolução do contrato de trabalho com justa causa assente nos factos descritos na comunicação de resolução no que tange à falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
Relativamente à qualificação do prazo estabelecido no citado artigo 395.º, n.º 1 como de caducidade, ver por todos, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 28/04/2017, com o n.º de processo 176/16.5T8LMG.C1, com o n.º convencional JTRC, relatado pelo Venerando Juiz Desembargador Felizardo Paiva, disponível para consulta in www.dgsi.pt/jtrc que “I - O prazo de 30 dias a que alude o n.º 1 do art.º 395.º do CT (art.º 442.º do CT/2003 e n.º 2 do art.º 34.º da LCCT) caracteriza-se como um prazo de caducidade atento o disposto no n.º 2 do art.º 298.º do C.Civil (“quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se referira expressamente à prescrição”).
II – A caducidade justifica-se, primordialmente, por razões de certeza dos direitos. O instituto fundamenta-se em razões objetivas de segurança jurídica, bem como na necessidade de definição, dentro de um prazo razoável, das situações jurídicas, evitando-se uma tendencial “vinculação perpétua” por parte do obrigado que, caso contrário, poderia ser a todo o tempo interpelado pelo titular para efetivação do seu direito.
III – A comunicação de resolução do contrato de trabalho por justa causa deve ser feita nos trinta dias subsequentes ao conhecimento dos factos (independentemente da data em que a comunicação de resolução chega ao conhecimento do empregador).
IV – Tendo um destinatário certo, a declaração de resolução que é uma declaração receptícia, pelo que só se torna eficaz quando chega ao conhecimento do seu destinatário (n.º 1 do art.º 224.º CC) – condição de eficácia apenas e nada mais”.
Nos termos do artigo 328.º do Código Civil “O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”.
Por todo o exposto, verifica-se a exceção perentória de caducidade do direito do Autor em resolver o contrato com justa causa e, nesta conformidade, implica a absolvição da Ré dos pedidos de declaração de resolução do contrato com justa causa por iniciativa do Autor e; de condenação no pagamento da indemnização no montante de € 9.767,87 por causa da resolução do contrato com justa causa.»
Em face da citada fundamentação, desde já adiantamos que acompanhamos o Tribunal recorrido, como melhor explicaremos de seguida.
Numa nota inicial, importa ter presente que o Recorrente, se bem se percebe a sua argumentação, pretende chamar à aplicação, por o considerar violado, o princípio do contraditório.
Poderemos ter como emanado tal princípio, como o temos referido em outras pronúncias, do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa – direito constitucional a um processo equitativo – e que encontra atualmente consagração expressa no CPC, assim no seu artigo 3.º, n.º 3, em que se estabelece que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Trata-se de princípio que, estando ainda diretamente associado aos deveres de gestão processual e de cooperação para com as partes, também cometidos ao juiz – respetivamente, pelo artigo 6.º e 7.º do CPC –, tem normalmente como campo de aplicação os casos em que o tribunal tenha de debruçar-se sobre questões (de facto ou direito) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado/invocado, impondo-se ao juiz, mesmo nesses casos, que antes de decidir dê a possibilidade às partes de se pronunciarem, independentemente da fase em que se encontre o processo[1]’[2]. São de resto bem evidentes as vantagens que desse regime podem resultar, seja para o julgador, por lhe permitir após a audição das partes que a sua posição seja afirmada com maior convicção e segurança, seja para as partes, ao dar a estas a possibilidade de esgrimirem os seus argumentos de modo a poderem influenciar aquela decisão[3].
Ora, omitindo o juiz a aplicação do analisado princípio do contraditório, daí pode então resultar nulidade – a apreciar nos termos gerais do artigo 201.º[4] –, caindo na previsão do artigo 195.º, do CPC, pois que a decisão surpresa, salvos os casos de manifesta desnecessidade, ao não ter dado às partes a oportunidade de se pronunciarem, pode influir no exame ou na decisão a causa.
Pois bem, por decorrência do regime que antes sinteticamente se expôs, tentando perceber-se o que se invoca no caso, estaríamos então, a ocorrer este vício, perante nulidade processual, nos termos antes configurados, ocorrida não na decisão recorrida propriamente dita e sim, diversamente, em momento prévio, nulidade essa que, a verificar-se, chamando à colação o que se referiu anteriormente, não se integraria no núcleo das nulidades principais (ou, de 1.º grau, típica ou nominada), as quais constam especificamente previstas na lei e de que pode o Tribunal conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[5], assumindo antes, diversamente, a natureza de nulidade secundária (ou, de 2.º grau, atípica ou inominada), caindo assim na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, razão pela qual, como desse resulta, sempre o seu conhecimento, pela sua afirmada natureza, dependeria de arguição, regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-las (artigo 197.º) e o momento / prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º, n.º 1: “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”).»
Em face do regime antes mencionado, importando então começar por se apreciar da tempestividade da arguição, diremos que, estando na base da invocação a pronúncia do Tribunal ocorrida apenas na decisão recorrida, seria tempestiva a reação, ainda que apenas em sede recursiva, pois que pretensamente a coberto daquela decisão.
Ultrapassada a aludida questão da tempestividade da invocação, avançando-se então na análise, importa desde já esclarecer que, em rigor, o que estará no caso em causa não é propriamente a ausência de contraditório em relação à questão da caducidade que foi conhecida na decisão recorrida e sim, noutros termos, o entendimento do Recorrente no sentido de que tal conhecimento teria sido prematuro, porque efetuado na fase de saneamento dos autos, sem realização, pois, da fase de instrução e julgamento da causa, quando, mais uma vez de acordo com o seu entendimento, se imporia que os autos prosseguissem para tal fase, por não reunirem, no momento em que foi proferida a decisão, os elementos necessários ao conhecimento – assim o dizemos não obstante ser de algum modo contraditória a invocação do Recorrente, quando por um lado refere que “foi omitida e não considerada na decisão do tribunal parte muito significativa da matéria de facto transcrita e dada como assente no despacho saneador (não se percebe a que matéria alude, pois que na decisão apenas foram tidos como assentes dois factos, que antes aliás transcrevemos, referentes à data do envio da carta de resolução do contrato de trabalho invocando justa causa e ao teor que consta dessa carta, e não quaisquer outros, e, por outro lado, invoca que a factualidade vertida nos autos não permite, por exiguidade, proferir a decisão sobre a caducidade.
Em face do exposto, a questão que se coloca, salvo o devido respeito, não será a também invocada violação do princípio do contraditório e sim, noutros termos, a de saber se os autos, na fase em que foi proferida a decisão recorrida, continham já os elementos necessários para que se pudesse conhecer de mérito a respeito da questão da ocorrência ou não da caducidade do direito.
Ora, para efeitos de apreciação da referida questão, importa relembrar que é em face dos motivos invocados pelo trabalhador na comunicação de resolução do contrato com invocada justa causa que se afere a procedência daqueles motivos, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º).
Assim, tendo de ser comunicada a intenção de resolução ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam, comunicação essa que tem de revestir a forma escrita, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º1 do art.º 395.º, do CT/09) – o que deve ser entendido no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão[6] –, é a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos que são invocados para a resolução, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – aludido principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º) –, sem esquecermos, ainda, que é “a justa causa apreciada nos termos do n.º 3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” (n.º 4 do art.º 394.º), bem como que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil).
Nesse pressuposto, constata-se que a decisão recorrida teve em consideração, muito embora não o refira expressamente, o aludido princípio, pois que fez a análise por referência aos comportamentos que foram imputados à Ré na carta de resolução, do que resulta não nos merecer reserva tal modo de atuação que, afinal, terá subjacente que devesse desconsiderar, para efeitos de conhecimento da caducidade do direito invocada, quaisquer outros eventuais factos que tenham sido alegados na ação, assim pelo Autor / aqui recorrente, mas que não resultassem daquela comunicação.
E, diga-se, por referência ao que na decisão foi afirmado, a verdade é que essa acompanhamos quando se refere, por um lado, que resulta da carta “que comunica a resolução do contrato de trabalho á Ré que o último ato de violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador descrito data de julho de 2022 e, a generalidade do incómodo com telefonemas e contactos em agosto de 2022”– para depois afirmar que, quanto a esses factos, que tal significa “que o prazo de caducidade estatuído no citado artigo 395.º, n.º 1 no limite terminou no final de setembro de 2022, o que também significa que no dia 8 de maio de 2023 já tinha caducado o direito de resolução do contrato de trabalho com justa causa assentes nos factos descritos na comunicação de resolução no que tange à violação culposa das garantias legais e convencionais do trabalhador” –, e, por outro, a respeito de eventuais retribuições que pudessem estar em falta, que, sendo a última reportada a dezembro de 2022, em face do que se dispõe no artigo 395.º, n.º 2 – “No caso a que se refere o n.º 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador” –, “contando 60 dias, passamos para fevereiro de 2023 e daí para março de 2023, mais uma vez, no dia 8 de maio de 2023 já tinha caducado o direito de resolução do contrato de trabalho com justa causa assente nos factos descritos na comunicação de resolução no que tange à falta culposa de pagamento pontual da retribuição”.
Invoca, porém, o Recorrente, em contrário, que o assédio de que afirma ter sido alvo “não terminou nem em julho, nem em dezembro de 2022, antes culminou com a comunicação por mail e por carta de 8/5/2023, quando tomou plena consciência de que não pode voltar ao trabalho, por absoluta impossibilidade de manutenção da relação laboral / nos autos a matéria controvertida mantém ainda por provar: entre eles o assédio e a falta de pagamento pontual da retribuição” – o prazo de 30 dias de que dispõe o trabalhador para resolver o contrato de trabalho com invocação de justa causa só se conta a partir do momento em que os efeitos da violação por parte do trabalhador assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna intolerável para o trabalhador.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão, como veremos de seguida.
Resulta do artigo 395.º, do Código do Trabalho (redação vigente à data da resolução): 1 - O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos. 2 - No caso a que se refere o n.º 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador. 3 - Se o fundamento da resolução for o referido na alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, a comunicação deve ser feita logo que possível. 4 - O empregador pode exigir que a assinatura do trabalhador constante da declaração de resolução tenha reconhecimento notarial presencial, devendo, neste caso, mediar um período não superior a 60 dias entre a data do reconhecimento e a da cessação do contrato.”
Resulta expressamente do n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho (CT) que “o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”, então, tratando-se de um prazo de caducidade[7], atento o que resulta do n.º 2 do artigo 298,º do Código Civil (CC)[8], pode desde logo entender-se que deve contar-se a partir do momento do “conhecimento dos factos”, ou seja, independentemente do momento em que o titular do direito, depois de ter tomado conhecimento efetivo dos factos, toma consciência da respetiva gravidade – enquanto prazo de caducidade, determinado por razões objetivas de segurança jurídica, sem que o mesmo possa ser suspenso[9]’[10], iniciar-se-á, como resulta da norma citada, com o conhecimento dos factos –, admitindo-se, porém, como aliás o temos dito em outros Arestos, que esse conhecimento se possa referir, nomeadamente nas hipóteses assentes em situações de efeitos duradouros suscetíveis de agravamento com o decurso do tempo, não ao conhecimento da materialidade dos factos propriamente dita e sim, noutros termos, quando, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que tornem imediatamente impossível a subsistência do contrato de trabalho, situação esta, porém, que diz respeito a efeitos na relação laboral e não porventura na saúde do trabalhador.
A respeito do referido prazo escreve João Leal Amado[11]: “Com efeito, este prazo de caducidade poderá funcionar, sem dificuldades de maior, para as infracções de tipo instantâneo (aplicação de uma sanção abusiva ou ofensa à integridade física do trabalhador, p.ex.), caso em que a resolução deverá ser comunicada ao empregador no referido prazo de 30 dias. Há, porém, muitos casos de violações contratuais continuadas, as quais exprimem um incumprimento patronal que, por vezes, a passagem do tempo só tornam ainda mais grave – pense-se p.ex., na falta de condições de segurança e saúde no trabalho, na violação de garantias do trabalhador (como seja a garantia de ocupação efectiva), na falta de pagamento da retribuição (caso em que, à medida que o período de mora patronal se avoluma, é óbvio que a situação contratual tende a degradar-se do ponto de vista do trabalhador, podendo mesmo tornar-se insustentável). Neste tipo de casos, dir-se-ia, enquanto persistir a violação, enquanto se mantiver o incumprimento patronal, não poderá correr o prazo de caducidade da faculdade de o trabalhador resolver, com justa causa, o respectivo contrato. Contudo, em matéria de falta de pagamento da retribuição, o CT esclarece agora que, nas hipóteses contempladas no n.º5 do art.394.º (falta de pagamento que se prolongue por período de 60 dias, ou em que o empregador declare a previsão de não pagamento até ao termo desses 60 dias) «o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador» (n.º 2 do art.395.º). Ou seja, nestes casos parece que o trabalhador terá de resolver o contrato algures entre o 61.º e o 90.º dia de mora patronal, sob pena de esta faculdade de resolução caducar.”
Também Pedro Furtado Martins[12], a esse propósito, refere o seguinte: “A resolução tem de ser comunicada ao empregador nos 30 dias subsequentes ao cumprimento do ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam (art.395.º, n.º 1) ou, tratando-se de resolução fundada no incumprimento culposo da obrigação retributiva, nos 60 dias subsequentes (art.395. n.º 2). A contagem do prazo de 30 dias inicia-se com o conhecimento dos factos que integram a justa causa de resolução invocada pelo trabalhador. A interpretação-aplicação desta regra tem de se fazer em articulação com a própria noção de justa causa, como tem sido salientado pelos tribunais. Significa isto que o prazo «se inicia, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação. O ponto tem especial relevância nas situações em que os factos que integram a justa causa de resolução revestem caráter duradouro, susceptíveis de agravamento com o decurso do tempo. É o que tipicamente sucede com a falta de pagamento da retribuição, para a qual existe a regra especial do artigo 395º, n.º 2. Aí se esclarece que o prazo para a resolução se começa a contar quando se completa o período de 60 dias de atraso no pagamento da retribuição. Trata-se de uma explicação de uma regra geral: residindo a justa causa na situação de impossibilidade de manutenção do vínculo contratual, o prazo para exercer o direito de resolução inicia-se quando ocorrer essa situação.”
Ainda neste âmbito, assim sobre o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/11/2014[13] que esse “conta-se a partir do momento em que o trabalhador tem conhecimento de todos os factos que lhe permitam ajuizar da dimensão da lesão dos seus direitos e exercer o direito de resolução do contrato”. Escreve-se, por sua vez, no Acórdão da Relação de Guimarães de 13 de outubro de 2022[14], que “na análise da caducidade do direito de resolver o contrato pelo trabalhador que invoca justa causa tem de se distinguir as infrações continuadas das instantâneas”, sendo que, não suscitando dúvidas quanto às últimas o momento em que se iniciará a contagem do prazo, “o mesmo não acontece com os factos continuados, que se repetem e se perpetuam no tempo, que se vão somando uns aos outros, que se vão avolumando e que, por isso, somente em certo momento adquirem um peso tal que impulsionam o trabalhador a rescindir o contrato” – “No caso das violações continuadas que vão degradando a relação laboral, a passagem do tempo só as torna mais graves. Pode-se dizer que só no momento em que se tornam insustentáveis é que o prazo se inicia”.
Pois bem, importando aplicar então ao caso que se aprecia o entendimento antes mencionado – relembrando-se aqui, quanto aos fundamentos que tenham sido porventura invocados na presente ação para a resolução com invocada justa causa mas que não tenham sido expressamente mencionados na comunicação de resolução, que esses, tal como o temos dito em outras pronúncias, não podem afinal ser atendidos na ação[15] –, consideramos, salvo o devido respeito pelo entendimento avançado pelo Recorrente, que a razão não estará do seu lado, pois que, tendo em consideração apenas os factos e comportamentos que invocou na carta de resolução, nenhum desses, incluindo para efeitos da sua eventual continuação e também invocada tomada de consciência, nos permitem concluir que o prazo apenas se iniciasse 30 dias antes da data em que foi comunicada a resolução do contrato – os últimos, que se relacionariam com eventuais faltas de retribuição (mesmo a admitir-se que da carta tal resulte expressamente, o que pode merecer dúvidas), por aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 395.º, a que se alude na decisão recorrida, já havia decorrido o prazo legal para fazer operar a resolução.
Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de janeiro de 2024[16]: “(…) Como é pacífico na jurisprudência e na doutrina, sendo o comportamento ilícito do empregador continuado (como é o caso da falta de pagamento total ou parcial da retribuição, prolongada por vários anos), o prazo de caducidade só se inicia quando for praticado o último ato de violação do contrato. Por outro lado, baseando-se a resolução do contrato na falta (culposa) de pagamento da retribuição que se prolongue por período de 60 dias [cfr. art. 394.º, n.º 2, a), e n.º 5, do CT], o prazo (de caducidade) de 30 dias, consagrado para a comunicação da resolução do contrato ao empregador, conta-se a partir do termo daquele período (art. 395.º, n.º 2, do mesmo diploma)”.
E, sendo assim, porque antes da data da comunicação da resolução já tinha decorrido o prazo de 30 dias previsto na norma aplicável, antes mencionada, já havia ocorrido a caducidade do direito, como afirmado na decisão recorrida.
Em face do exposto, claudicando os argumentos invocados pelo Recorrente, por desnecessidade de quaisquer outras considerações da nossa parte, resta-nos concluir pela improcedência do recurso.
Decaindo, a responsabilidade pelas custas impende sobre o Autor / recorrente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, declarando totalmente improcedente o recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 17 março de 2025