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PROCESSO POR ACIDENTE DE TRABALHO
LEGITIMIDADE
ARTIGO 18.º DA LAT
CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADOR
INTERVENÇÃO NA AÇÃO
Sumário
I - Nos processos emergentes de acidente de trabalho, além da versão do autor, importa atender ao relato factual apresentado pelos réus, quando possa estar em causa alguma outra entidade eventualmente responsável pela reparação do acidente que assim deverá também intervir na ação - artigos 127º, nº 1 e 129º, nº 1, al. b), ambos do Código de Processo do Trabalho. II - “O atual art. 18º veio [(…)] estender a responsabilidade pela reparação infortunística não apenas à entidade empregadora, mas também aos próprios representantes, nestes se incluindo o legal representante do empregador que seja pessoa colectiva e as pessoas incluídas no conceito alargado de representante, bem como à entidade contratada pelo empregador e à empresa utilizadora de mão de obra, quando o acidente tiver sido por eles provocado ou quando resulte da falta de observação, pelos mesmos, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, prevendo-se no preceito a responsabilidade individual ou solidária de ambos.”
(inclui parte do sumário do acórdão desta secção de 17.02.2020, referenciado no texto)
Texto Integral
Processo nº 6229/23.6T8VNG-B.P1
4ª Secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador Rui Manuel Barata Penha
2ª Adjunta: Desembargadora Maria Luzia Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório:
Aquando da prolação do despacho saneador, foi proferida a decisão recorrida, na qual se lê:
“Notificadas as partes nos termos determinados no despacho de fls. 149, ou seja “para no prazo de 10 dias se pronunciarem, querendo, sobre a exceção dilatória da ilegitimidade da 2ª R., “A..., Ld.ª”, o A., AA, apresentou a peça processual de fls. 150 verso a 151, na qual defendeu que deve improceder tal exceção, invocando, para além do mais, que a 2ª R., enquanto empreiteira, não tomou as medidas necessárias de forma a assegurar as condições de segurança dos trabalhadores naquela obra.
Cumpre apreciar e decidir.
[(…)]
Ora, na presente ação, dado que não há indicação da lei em contrário, impõe-se considerar, tendo em conta a relação controvertida configurada pelo A. na petição inicial, que, quanto ao lado passivo, titular do interesse relevante para o efeito da legitimidade é, tão só, quer a 1ª R., “B..., Ldª.”, quer a 3ª R., “C..., S.A. – Sucursal em Portugal”.
Na verdade, compulsada a petição inicial, verifica-se que tal relação consubstancia-se na circunstância de o A. ter sido vítima de um acidente de trabalho no dia 18.01.2023 enquanto se encontrava ao serviço da 1ª R.; na circunstância de a responsabilidade da 1ª R. por tal acidente se encontrar transferida para a 3ª R. pelo menos por parte da retribuição anual auferida pelo A.; e na circunstância de o referido acidente ter resultado de falta de observação, pela 1ª R., de regras sobre segurança e saúde no trabalho.
[(…)]
Ora, decorre da petição inicial que o A. pretende tirar proveito da responsabilidade agravada do empregador que está prevista no artº 18º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09, e indica como fundamento para a referida responsabilidade uma violação normativa – “resultar da falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho”.
Sendo que emerge da petição inicial que o empregador do A. era a 1ª R. e que a 2ª R. não era representante da 1ª R., ou entidade contratada pela 1ª R. ou empresa utilizadora de mão de obra.
Aliás, segundo a petição inicial, a 2ª R. tinha a qualidade de empreiteiro.
[(…)]
Ante todo o exposto e ao abrigo dos artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea e), ambos do C.P.C., julgo verificada a exceção dilatória da ilegitimidade da 2ª R. e, como tal, julgo a 2ª R. parte ilegítima e, em consequência, absolvo-a da instância.
Ante todo o exposto e ao abrigo dos artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea e), ambos do C.P.C., julgo verificada a exceção dilatória da ilegitimidade da 2ª R. e, como tal, julgo a 2ª R. parte ilegítima e, em consequência, absolvo-a da instância.
*
Quanto a 1/3 das custas da ação: custas pelo A. - cfr. artºs 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C..
Considerando a petição inicial, a contestação da 1ª R., a contestação da 2ª R. e o acima referido para fundamentar o ter julgado a sociedade “A..., Ld.ª” parte ilegítima, não considero ser eventual responsável pelo acidente a sociedade “D..., Ld.ª”.
Como tal, indefiro a requerida, pela 1ª R., na respetiva contestação, citação de tal sociedade para contestar.”
Notificada, recorreu a Ré, B... UNIPESSOAL LDA, finalizando com as seguintes conclusões:
“1ª Nos presentes autos, por considerar ter o acidente de trabalho ocorrido por violação de regras de segurança, o A. demandou solidariamente a recorrente (1ª R. /subempreiteira) e a empresa A..., Lda (2ª R. / empreiteira), para além da R. seguradora.
2ª Contudo, a 2ª R. não é a empreiteira mas sim a dona da obra. Empreiteira é a empresa “D..., Ld.ª”, em quem a obra foi por aquela adjudicada.
3ª Caso um acidente de trabalho ocorra por violação de regras ou normas de segurança no local de trabalho, diz a lei que pode, conforme os casos, haver responsabilidade individual ou solidária, se aquela violação for imputável a empresa utilizadora de mão de obra (artigo 18º/1 da Lei nº 98/2009).
4ª Ora, como claramente decorre do que a recorrente alega nos artigos 8º a 14º da sua contestação, o que espelha o contrato de subempreitada celebrado entre si e a empresa “D..., Ld.ª” é justamente a cedência que fez a esta da utilização da mão de obra dos seus trabalhadores, incluindo da do A. sinistrado, sobre os quais deixou de exercer qualquer controlo ou poder de direção durante a execução da obra.
5ª O quer, só por si, justificaria a intervenção daquela empresa no processo.
6ª Independentemente disso, não obstante poder a empreiteira subempreitar total ou parcialmente a obra numa terceira entidade, não fica desvinculada dos seus deveres de supervisão técnica da obra, porque o seu dever de vigilância, previsto no artigo 493º/1 do CC, não transita para o subempreiteiro.
7ª E tem especiais deveres e responsabilidades em matéria de segurança no local de trabalho, designadamente os decorrentes das alíneas a) a e) e g), do artigo 20º do DL nº 273/2003, de 29/10.
8ª Por outro lado, continua na veste de entidade executante, e, como tal, responsável perante o dono dela, nos termos conjugados dos artigos 1213º/ 2 e 264º/2, do CC.
9ª Portanto, estando no plano das hipóteses poder-se vir a concluir que o acidente que vitimou o A. eclodiu por violação de regras de segurança, justifica-se plenamente a intervenção nos autos da empresa “D..., Ld.ª”para contestar.
10ª Essa intervenção justifica-se ainda por respeito para com os princípios da economia e celeridade processuais, pois permite dirimir eventual litígio entre subempreiteira e empreiteira e a consequente estabilização e definição das responsabilidades de cada uma, ou conjuntas, sem necessidade de nova ação a intentar posteriormente para efetivar um eventual direito de regresso.
11ª Ao não ter admitido a intervenção da empresa “D... Ldª” nos autos, nos termos previstos no artigo 129º/1, al. b), do CPT, o tribunal recorrido violou, por omissão, o nº 1 do artigo 18º da Lei nº 98/2009, de 04/09, desconsiderou os deveres legais que sobre a empreiteira decorrem das alíneas a) a e) e g), do artigo 20º do DL nº 273/2003, de 29/10 e, ainda, o que dispõem os artigos 317º/1 do CPC e os artigos 1213ª/2 e 264º/2, ambos do CC.
12ª Paralelamente, não atentou no que a jurisprudência, pelo menos esmagadoramente maioritária, vem considerando em matéria de responsabilidade do empreiteiro que subempreitou, por acidentes de trabalho decorrentes de violação de regras de segurança, de que são exemplo, entre outros, os acórdãos do STJ de 13/09/2013, proferido no processo nº 1173/14.0T8BCL.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj; do TRP de 11/02/2021, proferido no processo nº 151/19.8T8AVR.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp; e do TRG de 23/11/2017, proferido no processo nº 2876/14.5T8BRG, acessível em www.gde.mj.pt/jtrg.
Nestes e nos melhores termos de Direito que Vossas Excelência suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a decisão que indeferiu a intervenção nos autos por meio de citação da empresa “D... Ldª”, na qualidade de empreiteira da obra na qual ocorreu o acidente de trabalho que vitimou o A., a qual deverá ser substituída por outra que efetivamente ordene, quanto a ela, o cumprimento do artigo 129º/1, al. b) do Código de Processo de Trabalho, tal como havia sido requerido pela recorrente.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foi proferido despacho a admitir o recurso, nos seguintes termos:
“Por a decisão ser recorrível, por o recurso ter sido interposto tempestivamente, por a recorrente ter legitimidade e por o requerimento de interposição de recurso conter a alegação da recorrente, incluindo as conclusões, admito o recurso interposto pela 1ª R. - o qual é de apelação, com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo - cfr. artºs 79º, alínea b), 79º-A, nº 1, alínea b); 80º, nº 2; 81º, nº 1; 82º, nº 1; 83º, nº 1; e 83º-A, nº 2, todos do C.P.T., e 5º, nº 3, da Lei nº 107/2019, de 09.09.
Determino que a secretaria extraia certidão das peças processuais referidas pela 1ª R. a fls. 170 e, bem assim, de fls. 166 a 170 e do presente despacho e que, após, constitua com tal certidão um apenso de recurso em separado e que, após, remeta tal apenso ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.”
Remetidos os autos a este Tribunal, não foi emitido parecer por o recurso, deduzido nos presentes autos, em separado, dizer respeito a questão eminentemente processual.
Foram os autos a vistos em simultâneo.
Cumpre apreciar e decidir.
O objeto do recurso, consubstancia-se na seguinte questão: - Saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à indeferida citação da sociedade “D..., Ld.ª” para contestar.
2. Fundamentação: 2.1. Fundamentação de facto:
A factualidade a atender é a que resulta do relatório que antecede.
2.2. Fundamentação de direito:
No final da contestação, além do mais, requereu a 1ªRé/Apelante o cumprimento do disposto no artigo 129º, nº1, alínea b) do Código de Processo do Trabalho e a citação da empresa D... LDA.
No processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho e de doença profissional, dispõe aquele preceito legal que na contestação, além de invocar os fundamentos da sua defesa, pode o réu indicar outra entidade como eventual responsável, que é citada para contestar.
Em sede do presente recurso, conclui a mesma 1ª Ré que considerando a contestação por si deduzida, enquanto empresa utilizadora de mão de obra, é eventual responsável pelo acidente, a sociedade “D..., Ld.ª”, justificando-se a respectiva citação e a revogação da decisão recorrida que a indeferiu.
Vejamos:
Dispõe o artigo 7º da LAT que «é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidentes de trabalho (...), a pessoa singular ou coletiva de direito privado ou de direito público não abrangida por legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço".
Daqui decorre que são os empregadores que, em primeira linha, respondem pela reparação do acidente, embora sejam obrigados a transferir essa responsabilidade para uma companhia de seguros que passará então a ser a responsável, nos termos do contrato de seguro - artigo 79º da LAT.
No caso é incontroverso que a sociedade D..., Lda não era empregadora do Sinistrado, de acordo com a relação material controvertida apresentada na petição inicial.
Ora, a reparação do acidente ao abrigo da Lei dos Acidentes de Trabalho só pode, em princípio, ser pedida à entidade empregadora ou à sua seguradora. Em princípio, desde logo, tratando-se de responsabilidade agravada, por a responsabilidade poder abranger outras entidades como resulta do artigo 18º nº1 da LAT: «1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança, e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.»
Com arrimo no acórdão da Relação de Évora proferido no processo nº955/21.1T8LRA-A.E1, em 30.03.2023 (Relator Desembargadora Paula do Paço (inwww.dgsi.pt), atentas as conclusões da Apelante:
“A legitimidade das partes constitui um pressuposto processual, ou seja, é uma condição essencial de que depende o exercício da função jurisdicional[6].
O conceito de legitimidade mostra-se definido no artigo 30.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo laboral, por força da remissão prevista no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Dispõe tal normativo: 1- O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2- O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3- Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Da norma citada resulta que o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer, manifestando-se tal interesse pelo prejuízo que lhe advenha caso a ação seja julgada procedente.
Nos termos previsto no n.º 3 do aludido preceito legal, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como a mesma é configurada pelo autor.
[(…)]
[(…)] a relação jurídica material controvertida tal como é delineada [(…)] na petição inicial, estriba-se na aplicação do artigo 18.º da LAT.
[(…)]
A este propósito escreveu-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 17/12/2019, P. 5834/17.4T8BRG.G1:[8]
«1- Como decorrência dos princípios do dispositivo e do contraditório, o Autor encontra-se obrigado, na vigência do atual CPC, a delimitar, na petição inicial, subjetiva (sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir) a relação jurídica material controvertida que submete à apreciação do tribunal, encontrando-se onerado com o ónus da alegar, nesse articulado, os factos essenciais consubstanciadores dessa causa de pedir.
2- Contrariamente ao que acontecia antes da revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, na vigência do atual CPC não é possível ao Autor alterar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir na réplica, articulado este que, aliás, passou a ser meramente eventual (apenas admissível quando seja deduzida reconvenção).
3- Os pressupostos processuais são os elementos de cuja verificação depende a possibilidade de o juiz poder entrar na apreciação do mérito, pelo que, em princípio, os mesmos têm de ser aferidos por referência à relação jurídica material controvertida delineada, subjetiva e objetivamente, pelo Autor na petição inicial.
4- Pelo pressuposto processual da legitimidade exige-se que atendendo, em princípio, à relação jurídica material controvertida delineada, subjetiva e objetivamente, pelo Autor, na petição inicial, entre os sujeitos que figuram no processo como Autor e como Réu e o objeto do processo (pedido e causa de pedir) por aquele delineados na petição inicial, interceda uma certa conexão, por forma a poder concluir-se que aqueles são “as partes certas” dessa relação jurídica em discussão no processo, por nele figurar como “Autor” a pessoa que, de acordo com essa relação jurídica delineado na petição inicial, por referência ao direito substantivo, tem a pretensão deduzida em juízo, por ser o titular incontestado do direito que aí é exercido (independentemente dos factos que alegou, na petição inicial, como constitutivos desse seu direito serem verdadeiros ou falsos e de os vir ou não a lograr provar), e nesse processo figurar como “Réu” a pessoa que, atenta essa relação jurídica controvertida delineada na petição inicial e por referência ao direito substantivo, ser a pessoa cuja esfera jurídica será diretamente atingida pela providência requerida (pedido) em caso de procedência da ação.»
Passemos, então, à análise da responsabilidade prevista no artigo 18.º da LAT [(…)].
[(…)]
[(…)] no atual artigo 18.º introduziu-se a expressão «entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra».
Deste modo, explicitamente, são potenciais sujeitos da responsabilidade agravada prevista no artigo (individual ou solidariamente), o empregador, o representante do empregador ou entidade por aquele contratada e a empresa utilizadora de mão-de-obra.
[(…)]
Em termos jurisprudenciais, vejamos alguns acórdãos exemplificativos que se pronunciaram sobre a matéria que se analisa:[10]
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2012, P.297/07.7TTBJA.E1.S1:
«O termo “representante”, a que alude o art. 18.º, n.º 1, da LAT, refere-se às pessoas que gozam de poderes representativos de uma entidade empregadora e atuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda quem no local de trabalho exerça o poder diretivo, como sucede com a empresa utilizadora do trabalho temporário.».
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/09/2021, P. 1979/16.6T8LRA.C1:
« I) O conceito “representante” utilizado no art. 18.º, n.º 1, da LAT de 2009, refere-se às pessoas que gozam de poderes representativos de uma entidade patronal e atuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda a quem no local de trabalho exerça o poder diretivo, o que significa que os comportamentos da empresa utilizadora de trabalho temporário se traduzem em atos da própria empresa de trabalho temporário, que a vinculam e responsabilizam pela violação culposa das regras legais de segurança e saúde no trabalho que àquela venham a ser imputáveis.
II) O conceito referido em I) abrange, assim, quer uma entidade contratada pelo empregador (por exemplo, um empreiteiro ou um subempreiteiro), quer uma empresa utilizadora de mão-de-obra no caso de o empregador ser uma empresa de trabalho temporário ou no caso de cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo.»
Acórdão da Relação do Porto de 17/02/2020, P.6652/18.8T8VNG-A.P1:
«A propósito do conceito de representante a que se reporta o art. 18º da então Lei 100/97, dizia Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, Almedina, a págs. 102/103, que: “(…).Assim, as entidades empregadoras a que se refere o artigo 18º são, apenas, as entidades patronais que não sejam pessoas coletivas.
Estas, pessoas coletivas, são referenciadas, no artigo em causa, pela expressão seu representante. Toda a pessoa física, constituinte dos órgãos de direção da pessoa coletiva – entidade patronal, enquanto age em nome desta, é seu representante, o que pode constituir um conceito de representação mais alargado que o previsto no artigo 163º do Código Civil.
Todavia, afigura-se-nos, que o conceito de representante da entidade patronal- seja ela, agora, pessoa individual ou coletiva – pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo, atuem em representação daquela entidade seja porque detém um mandato específico para tanto, seja porque age sob as ordens diretas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa”. E também assim vinha entendendo a jurisprudência, sendo que, todavia, face ao regime dessa legislação, ainda que a violação da norma de segurança causal do acidente fosse imputável a um representante (fosse ele o legal representante da sociedade-entidade empregadora ou um representante no conceito mais alargado do termo), a responsabilidade, perante o sinistrado ou, em caso de morte, perante os beneficiários legais, pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho sempre recairia sobre a sociedade entidade empregadora.
O atual artigo 18º não altera o entendimento que vinha sendo sufragado quanto ao conceito representante, o qual abrangerá tanto o legal representante da sociedade empregadora, como outras pessoas físicas que, de algum modo, atuem em representação daquela entidade nos termos referidos por Carlos Alegre, no excerto transcrito.
Este preceito veio, todavia, estender a responsabilidade pela reparação infortunística não apenas à entidade empregadora, mas também aos próprios representantes, nestes se incluindo o legal representante do empregador que seja pessoa coletiva e as pessoas incluídas no conceito alargado de representante [bem como à entidade contratada pelo empregador e à empresa utilizadora de mão de obra] quando o acidente tiver sido por eles provocado ou quando resulte da falta de observação, pelos mesmos, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, prevendo-se no preceito a responsabilidade individual ou solidária de ambos. Diga-se que o legal representante de sociedade empregadora é, por excelência, o representante da mesma, sendo, pois, abrangido pela previsão da norma. Aliás, mal se compreenderia que a responsabilidade solidária prevista no atual art. 18º seja extensível ao representante no conceito alargado acima referido em caso de acidente de trabalho resultante da falta de observação, por ele, de regras de segurança, mas que o não fosse se esse representante for o próprio legal representante da sociedade empregadora.»
[(…)]
[6] Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. II, 1982, Almedina, pág. 7.
[7] Esclarece-se que só o 2.º Autor formulou pedido relativo ao pagamento de pensões agravadas, por ser o único que, alegadamente, assume a qualidade de beneficiário, à luz da LAT, mas que ambos os Autores peticionaram a condenação solidária das Rés a pagar uma indemnização pelos damos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente e pelo dano morte.
[8] Publicado em www.dgsi.pt.
[9] In “Prontuário do Direito do Trabalho”, n.º 88-89, janeiro-agosto 2011, CEJ/Coimbra Editora, págs. 125 e seguintes.
[10] Todos os acórdãos mencionados estão publicados em www.dgsi.pt.
[(…)]”(realce aqui introduzido)
No caso, foi alegado pela Ré/Apelante, nos artigos 3º a 14º da respectiva contestação que “A... Lda”, por contrato de empreitada, adjudicou a construção da obra à empresa “D..., Ld.ª” que por sua vez subempreitou em si a totalidade da mesma.
Mas ainda a matéria que se transcreve:
“5º Deste modo, entendendo o Autor existir responsabilidade solidária pela reparação, hão de ter de figurar na presente ação, do lado passivo da relação processual, quer a dona da obra (A... Lda), quer a empreiteira da obra (D..., Lda), quer a subempreiteira (B... Lda).
Dito isto,
6º A obra que a 2ª R. adjudicou à empreiteira e que esta subempreitou na R. contestante, reportava-se à execução dos seguintes trabalhos:
a) colocação da cofragem para a estrutura da obra
b) colocação do ferro
c) betonação da estrutura da obra
d) descofragem
7º Não despiciendo caraterizar-se também a exata natureza do contrato de subempreitada celebrado entre a empresa e a R. contestante.
8º Com efeito, foi acordado entre ambas as empresas que a R. contestante apenas alocaria para a obra a força de trabalho dos seus trabalhadores.
9º O fornecimento de todos os materiais necessários, máquinas e equipamentos e utensílios de trabalho e equipamentos de segurança coletiva e individual, ficou sob a exclusiva responsabilidade da empreiteira.
10º Que, de igual forma, ficou incumbida de definir todas as diretrizes do trabalho a prestar pelos trabalhadores da R..
11º Ou seja, assumiu a empreiteira todas as funções de direção, autoridade e fiscalização sobre os trabalhadores da R., incluindo, pois, sobre o sinistrado.
12º E, pese embora do contrato resulte o contrário, assumiu também a obrigação de cumprir e de obrigar os trabalhadores da R. a cumprir o respetivo Plano de Segurança e Saúde, mandado elaborar pela 2ª R. (Doc. 2).
13º Tendo o preço do contrato sido definido em função da volumetria dos trabalhos executados, por referência ao metro quadrado, a aferir e pagar mensalmente em função dos respetivos autos de medição (doc. 1).
14º Na gíria da construção civil, dir-se-ia que entre a empreiteira e a R. foi celebrado um contrato de “subempreitada de mão de obra”.”
Resulta assim da matéria alegada na contestação da 1ª Ré que a empresa “D..., Ld.ª” manteve todos os poderes de direção, autoridade e fiscalização sobre sobre os trabalhadores da 1ª Ré, incluindo o Sinistrado, no local onde decorreu a obra.
Segundo a mesma, aqui Apelante, não estamos perante a figura jurídica da utilização de trabalho temporário, antes sim perante a figura da cedência ocasional de trabalhador.
«A cedência ocasional de trabalhador consiste na disponibilização temporária de trabalhador, pelo empregador, para prestar trabalho a outra entidade, a cujo poder de direcção o trabalhador fica sujeito, mantendo-se no entanto o vínculo contratual inicial.» - artigo 288º do Código do Trabalho.
A demonstração da cedência ocasional passa, essencialmente, pela alegação e prova de que o trabalhador prestava a sua actividade sob as ordens e direcção da entidade a quem alegadamente foi cedido.
Como se lê no Acórdão desta secção de 17.02.2020 (Relatora Conselheira Paula Leal de Carvalho, com intervenção do aqui 1º Adjunto, in www.dgsi.pt) supra referenciado, sobre a legitimidade processual “[(…)] nos processos emergentes de acidente de trabalho, além da versão do autor, há também que atender para este efeito ao relato factual apresentado pelos réus ou até por terceiros, como decorre do disposto nos arts. 127º, nº 1, e 129º, nºs 1, al. b), do CPT, quando possa estar em causa alguma outra entidade eventualmente responsável pela reparação do acidente, que assim deverá também intervir na ação."
Assim sendo, conclui-se pela procedência da apelação.
3. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta secção em julgar o recurso procedente e em conformidade revogar a decisão recorrida, determinando-se a citação da sociedade “D..., Ld.ª”, requerida pela 1ª Ré/Apelante.
Custas pela Ré Apelante – artigo 527º, nº1, parte final do Código de Processo Civil.
Dê-se, desde já, conhecimento do presente acórdão à 1ª instância, com nota de que ainda não transitou em julgado.
Porto, 07 de Abril de 2025
Teresa Sá Lopes
Rui Penha
Maria Luzia Carvalho