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MARCA
IMITAÇÃO
RISCO DE CONFUSÃO
Sumário
I - Uma marca considera-se “imitada” quando apresenta com outra, de modo alternativo, semelhança gráfica, figurativa, fonética ou qualquer outra semelhança não elencada pela al. c) do n.º 1 do art. 238.º do CPI, ao ponto de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão ou de criar um risco de associação entre as marcas. II - O julgador deve procurar colocar-se na posição de um consumidor, dotado de medianas competências, seja ao nível dos conhecimentos, seja ao nível do grau de inteligência, seja ainda ao nível do cuidado e na atenção que coloca na observação das coisas da vida, com o intuito de perceber se a marca em causa, de alguma forma, cria o risco de confusão ou de associação com as marcas anteriormente registadas. III - Para a integração do conceito de imitação de marca deve atender-se a uma visão global ou de conjunto dos sinais em confronto, levando-se em consideração as semelhanças que ofereçam os diversos sinais constitutivos da marca e a não semelhança que resulta do conjunto dos elementos que a formam.
Texto Integral
Acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO:
“Sogevinus Fine Wines, SA”, melhor identificada nos autos, com sede na Av. Diogo Leite, n.º 344, Santa Marinha, Vila Nova de Gaia, veio interpor recurso da sentença proferida no âmbito destes autos, no dia 07-10-2024, pelo Tribunal da Propriedade Intelectual – Juiz 1, que manteve o despacho proferido no dia 30-06-2022, pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, que concedeu o registo da marca da marca nacional n.º 705 240, “AS VELHAS”, requerido pela sociedade “JJMR – Sociedade Agrícola, Lda.”.
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No recurso que interpôs, a sociedade recorrente “Sogevinus Fine Wines, SA” apresentou as seguintes conclusões: “A) A sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual que manteve o despacho do INPI quehavia concedido o pedido de registo de marca nacional n.º 705.240 AS VELHAS para “bebidas alcoólicas (exceto cerveja), na classe 33, não se deve manter. B) O Tribunal a quo, erradamente, fez uma dissecção analítica aquando da comparação das marcas, quando o deveria ter feito por intuição sintética. C) O Tribunal a quo deveria ter centrado o seu juízo nas semelhanças entre as marcas em confronto que não pelas suas dissemelhanças. D) A comparação entre as marcas deve ser feita entre os sinais tal como registados. E) O Tribunal a quo fez um exercício meramente especulativo sem qualquer adesão à realidade, desconsiderando os registos de marca tal como pedidos e, posteriormente,concedidos. F) As marcas em confronto apresentam fortíssimas semelhanças do ponto de vista gráfico efonético bem como do ponto de vista concetual. G) A marca registanda não se destina a “vinhos de categoria DOC Alentejo composto pelas castas Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional, produzidas exclusivamente na vila Vidigueira, pertencente à região vinícola demarcada do Alentejo”, mas a “bebidasalcoólicas (exceto cerveja)”, conforme decorre do pedido de marca tal como solicitado. H) A sentença não considerou a interdependência entre os fatores tomados emconta, nomeadamente a semelhança entre as marcas e dos produtos designados,conforme decorre da jurisprudência aplicável. I) O Tribunal a quo não considerou – erradamente – o fato das marcas da Apelante constituírem uma “família de marcas”, e por consequência do agravamento do risco de confusão. J) O Tribunal a quo pese embora tenha reconhecido a notoriedade das marcas da Apelante para “vinho do Porto” errou ao partir da premissa falsa que a marca registanda se destina a “vinhos de categoria DOC Alentejo composto pelas castas Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional, produzidas exclusivamente na Vila da Vidigueira, pertencente à região vinícola demarcada do Alentejo”, desconsiderando o consequente agravamento do risco de confusão. K) As marcas em confronto apresentam semelhanças gráficas, fonéticas e concetuais consideráveis que induzem o consumidor em erro ou confusão ou que compreendem um risco de associação com as marcas anteriores da Apelante; L) Os consumidores, ao adquirirem os produtos sob a marca da Apelada serão levados a confundir estes com os produtos comercializados sob a marca da Apelante. M) A manter-se a decisão do Tribunal a quo seriam possíveis situações de concorrência desleal.”
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A recorrida “JJMR – Sociedade Agrícola, Lda.” respondeu ao recurso, que terminou com a apresentação das seguintes conclusões:
“1. Ora, com o devido respeito e s.m.o., e contrariamente ao alegado pela Recorrente, entende a Recorrida que as decisões proferidas em sede administrativa e judicial não merecem qualquer reparo, como infra se logrará demonstrar. 2. A Recorrida, por uma mera questão de economia processual, dá por inteiramente reproduzido e faz remissão para todo o arrazoado em sede do processo administrativo que correu termos no INPI e do recurso judicial interposto para o tribunal a quo.
3. Em bom rigor, na análise carreada, o Mmo. Tribunal a quo teve em consideração as alegadas semelhanças entre os sinais em confronto, no entanto, entendeu que “Considerar que a expressão VELH é aqui o elemento relevante para efeitos de risco de confusão, é retirar ao resto dos sinais qualquer sentido, o que não pode acontecer. A marca da recorrente não é VELH e a da recorrida também não é VELH. São respectivamente VELHOTES e AS VELHAS, alusivos a géneros opostos.” - sic. douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo. 4. A respeito da análise comparativa de sinais atendendo à sua impressão de conjunto, veja-se os doutos ensinamentos carreados por LUÍS COUTO GONÇALVES e PEDRO SOUSA E SILVA, os quais referem que a análise deve ter em consideração a composição do sinal como um todo, sem recorrer à dissecação de pormenores; 5. No mesmo sentido, importa referir o douto entendimento do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, vertido no Acórdão de 12.04.2023, proferido no âmbito do Processo n.º 203/21.4YHLSB.L2-PICRS, cujo Relator é Ana Mónica Mendonça Pavão, o qual evidencia que “(…) consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das diferentes particularidades (…).” 6. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, o Mmo. Tribunal a quo procedeu à análise dos sinais aplicando a regra cimeira da comparação das marcas, isto é, a de atender à impressão de conjunto dos sinais em confronto, o que no entendimento da Recorrida e s.m.o, não merece qualquer reparo! 7. O Mmo. Tribunal a quo não descartou por completo, como a Recorrente alega, as marcas nominativas prioritárias na análise comparativa dos sinais em confronto, mas antes que, do ponto de vista gráfico/figurativo teve em consideração o sinal “
“, atendendo a que esta é a única marca que integra elementos figurativos entre os sinais aqui em cotejo. 8. Do confronto entre a marca pedida a registo e as marcas prioritariamente registadas não ressaltam, contrariamente ao alegado pela Recorrente, quaisquer semelhanças gráficas, fonéticas ou outras suscetíveis de gerar o risco de confusão ou de associação necessário para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação, ou mesmo, de favorecer situações de concorrência desleal contra a Recorrente; 9. A Recorrida salienta, desde logo, a importância e relevância do artigo definido “AS” que antecede a expressão “VELHAS” e que não se encontra reproduzido nos sinais obstativos; 10. A comparação deve abranger os sinais no seu conjunto, pelo que, é, consequentemente, incorreto descartar a comparação de elementos de sinais apenas por serem, por exemplo, mais pequenos que outros elementos desses sinais ou por serem desprovidos de carácter distintivo. 11. Neste sentido, veja-se o douto entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia (Terceira Secção), de 12.06.2007, proferido no âmbito do Processos C-334/05 P, o qual evidencia que “(…) a apreciação da semelhança entre duas marcas não se pode limitar a ter em consideração apenas um componente de uma marca complexa e a compará‑lo com outra marca. Pelo contrário, é necessário operar tal comparação mediante o exame das marcas em causa, cada uma delas considerada no seu conjunto, o que não exclui que a impressão de conjunto produzida na memória do público pertinente por uma marca complexa possa, em determinadas circunstâncias, ser dominada por um ou vários dos seus componentes. (…)” (com destaque da Recorrida). 12. No mesmo sentido cumpre referir a jurisprudência nacional, mais concretamente o douto Acórdão de 18-05-2022, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do processo 232/21.8YHLSB.L1-PICRS (Rel. Ana Isabel Mascarenhas Pessoa). 13. Por aplicação do princípio da análise comparativa tendo por referência a impressão de conjunto, e contrariamente ao que a Recorrente pretende sustentar, a comparação dos sinais deve ser feita tendo em consideração todos os elementos que os compõem. 14. No entanto, mesmo que se considere que o elemento dominante que compõe o sinal da Recorrida, é de facto, a expressão “VELHAS”, ainda assim, a presença do artigo definido feminino "AS" na expressão "AS VELHAS" é relevante para efeitos verificação de dissemelhança entre as marcas em conflito, principalmente em termos verbais e fonéticos, e, portanto, deve ser considerado na análise comparativa dos sinais aqui em discussão, como o foi , aliás, quer pelo INPI em sede do Despacho de Concessão, como também pelo Mmo. Tribunal a quo em sede da Sentença, ora recorrida. 15. Nestes termos, da análise das marcas em confronto, resulta evidente que, do ponto de vista verbal, estas apenas partilham quatro letras coincidentes na sua composição - “VELH” – acrescendo ao facto de que, no âmbito fonético a existência do artigo definido “AS” que integra o sinal da marca registanda, em conjunto com as últimas sílabas de cada um dos sinais aqui em confronto – “OTES” versus “AS” conferem um distanciamento fonético suscetível de permitir que o consumidor médio facilmente distinga as marcas em análise sem necessidade de confronto ou de exame prévio. 16. Acresce que, a inclusão do artigo definido "AS" no sinal "AS VELHAS" confere especificidade à expressão, direcionando a referência para um grupo individualizado de mulheres idosas, ao passo que "VELHOTES" é uma expressão de carácter mais geral e não especifica um grupo particular individualizado, dado que, a ausência de um artigo definido como "AS" torna a referência menos específica. 17. Sem prejuízo do acima exposto, mesmo analisando os sinais em confronto à luz dos seus elementos dominantes, ainda assim, s.m.o, não se verificam entre estes a existência de quaisquer semelhanças que justifiquem a recusa do peticionado registo; 18. Na análise ao elemento dominante de um sinal deve-se ter em consideração a composição desse elemento como um todo, isto é, não se afigura admissível a repartição das sílabas existentes no elemento dominante como tentativa de formação de uma nova expressão, seja ela afim ou derivada do elemento verbal original, de modo a alcançar-se uma aproximação ao elemento dominante que compõe o sinal da marca em contraponto. 19. Neste conspecto, no caso sub judice a análise comparativa em relação elemento dominante dos sinais em aqui em discussão deve ser realizada relativamente ao vocábulo “VELHOTES” vs “VELHAS”. 20. Verifica-se que não existem semelhanças, tanto do ponto de vista verbal como fonético, suscetíveis de criar no consumidor, qualquer tipo de confusão ou associação entre a marca registanda e as marcas obstativas. 21. Quanto a este aspeto, cumpre referir o acórdão proferido em 20.10.2020 na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Processo n.º 294/19.8YHLSB.L1, cujo relator é Carlos M. G. de Melo Marinho no qual é indicado que o consumidor, na análise global das marcas, retém com mais atenção as diferenças existentes entre estas ao invés das semelhanças. 22. Por fim, do ponto de vista concetual as dissemelhanças existentes entre as marcas em confronto são ainda mais nítidas, na medida em que as mesmas são verdadeiros antípodas, uma vez que as marcas detidas pela Recorrente representam essencialmente a tradição e a marca detida pela Recorrida pretende precisamente acabar com os estigmas sociais tradicionalistas associados às mulheres de idade avançada, afastando-se deste modo de qualquer associação a estigmas e ideologias clássicas. 23. A isto acresce que, os próprios vocábulos “VELHAS” e “VELHOTES” possuem significados e conotações distintas entre si. 24. Por outro lado, no que diz respeito à marca puramente figurativa da Recorrente, vela-se inconcebível inferir que a marca “AS VELHAS” faz algum tipo de alusão conceptual a uma marcapuramente figurativa sendo que, neste caso, as dissemelhanças entre estasduas marcas são ainda mais patentes, visto que se está a estabelecer uma comparação entre um sinal puramente figurativo e outro sinal puramente nominativo – sinais esses que são, regra geral, incomparáveis. 25. Os elementos probatórios juntos aos autos, tanto pela Recorrente, como pela Recorrida evidenciam, de forma clara, este distanciamento conceptual das marcas em confronto. 26. Tendo em consideração o que antecede, analisadas na sua integralidade e globalidade, a verdade é que, na ótica da Recorrida, as marcas ora em apreço possuem inúmeras diferenças bastante percetíveis, de modo que não será possível outra conclusão senão a dissemelhança entre as marcas. 27. Em face do exposto, e s.m.o, entende a Recorrida que tanto a apreciação do douto Examinador do INPI, como também do Mmo. Tribunal a quo, que decidiram pela inexistência de semelhanças entre as marcas em confronto, suscetíveis de conduzir a um risco de confusão por parte do consumidor, não merecem qualquer reparo. 28. Por seu turno, no âmbito dos produtos e serviços assinalados pelas marcas em crise, mesmo que se admitisse uma possível identidade entre os produtos assinalados pelas marcas aqui em análise, não se afigura legítimo equacionar a possibilidade do consumidor médio estabelecer uma associação entre a marca da Recorrida e as marcas detidas pela Recorrente. 29. Isto porque, as marcas obstativas seriam indubitavelmente associadas pelos consumidores em geral ao produto específico de “vinho do Porto”, comercializado pela Recorrente e que a par disto, cada uma das marcas em contraponto possuem uma estética e conceito muito próprio. 30. Quanto a este aspeto, veja-se o douto, Ac. do TJ da União Europeia proferido a 29.09.1998, no âmbito do processo C-39/97 "Canon", que estabelece critérios de comparação e afirma que todos os fatores relevantes relacionados com os bens/serviços em causa devem ser tomados em consideração. 31. De igual modo, na senda do princípio da interdepência alegado pela Recorrente, veja-se o Ac. do TJ da União Europeia proferido a 26.03.2020, no âmbito do processo T- 343/19 ," Sonance/Conlance” no qual o Tribunal estabeleceu que nada impede a conclusão, tendo em conta as circunstâncias de um processo específico, de inexistência de risco de confusão, mesmo que produtos idênticos estejam envolvidos e exista um determinado grau de semelhança entre as marcas em causa. 32. Neste conspecto, no que respeita aos produtos comercializados por ambas as marcas, cumpre evidenciar que estes possuem características muito específicas, designadamente, a Recorrida dedica-se à produção de vinho DOC Alentejo composto pelas castas Alicante Bouschet, Syrah e Touriga Nacional, ao passo que o vinho produzido pela Recorrente sob a marca “VELHOTES” insere-se na qualificação de vinho fortificado, mais concretamente, vinho do Porto. 33. Assim, o vinho comercializado sob a marca “AS VELHAS” é produzido unicamente pela Recorrida, sem recurso a serviços de produção externa, na Vila da Vidigueira, na qual não se encontra a empresa Sogevinus Fine Wines, S.A., considerando que está fora da região demarcada. 34. O “Vinho do Porto", deve cumprir rigorosamente os critérios definidos pela denominação de origem protegida (DOP). Para além disto, cumpre referir que o vinho do Douro e o vinho do Porto são categorias distintas, embora ambos sejam produzidos na região demarcada do Douro, em Portugal. 35. Assim, por mera hipótese académica e dever de patrocínio, mesmo que a Recorrida transmitisse ou licenciasse a marca registanda a uma entidade que opera na região do Douro, tal não significa que essa entidade iria impreterivelmente produzir vinho do Porto. 36. Nem isso significa que essa alteração superveniente não pudesse fundamentar um impulso de nova apreciação deste caso pela Recorrente (pese embora, naturalmente e pelas razões acima expostas, não se lhe concedesse qualquer mérito). 37. Acresce que a Recorrente já convive há mais de 5 (cinco)anos consecutivos com outra marca nacional registada n.º 613876 “AS VELHAS” da Recorrida, que assinala “vinhos” e, inclusivamente, “vinhos de denominações de origem protegidas” na classe 33. 38. Sem prejuízo, a Recorrida reforça que apenas atua dentro da região demarcada do Alentejo e assim pretende continuar a fazê-lo no futuro. 39. Pelo que, a Recorrida desde já informa que não se opõe e, assim, expressamente dá o seu consentimento para que este Venerando Tribunal, se assim entender necessário, promova uma limitação nos produtos assinalados pela marca registanda, de forma a excluir o produto vinho do Porto do registo de marca. 40. Bem como se disponibiliza a negociar uma transação com a Recorrente no sentido de não comercializar essa tipologia de produto (vinho do Porto) sob esta marca. 41. Nestes termos, a argumentação apresentada pela Recorrente relativamente à possibilidade da Recorrida vir a produzir vinho do Portonão deve, na perspetiva da Recorrida e com o devido respeito, colher qualquer tipo de provimento perante este Venerando Tribunal. 42. Inexiste qualquer tipo de possível coincidência no que diz respeito ao produtor dos produtos comercializados pelas marcas aqui em confronto. 43. Para além disto, fatores tais como o story telling e a conceptualidade das marcas, o segmento de mercado (Gama premium vs Gama Média), público-alvo, preço de venda do produto e respetivos canais de distribuição também devem ser tidos em considerados na análise relativa à suscetibilidade de criação de erro ou confusão no consumidor relativamente às marcas aqui em crise. 44. Em face de tudo o exposto, não se verifica qualquer tipo de identidade e/ou elo de ligação suscetível criar no consumidor médio, qualquer tipo de confundibilidade relativamente à origem comercial das marcas em confronto. 45. No entanto, mesmo que se venha a decidir por entendimento diverso ao ante exposto, ainda assim, a dissemelhança gráfica, fonética, figurativa e conceptual é tão evidente que é por si só suficiente para afastar um eventual risco de erro ou confusão no consumidor relativamente à marca registanda e às marcas obstativas, consagrando-se deste modo, o princípio basilar da interdependência. 46. Motivos pelos quais, s.m.o, não se verifica o preenchimento cumulativo dos requisitos legais plasmados no art. 238.ºdo CPI que atestam a verificação do conceito de imitação de marca e, em consequência, inexiste qualquer tipo de fundamento que obste à concessão do pedido de registo da marca da Recorrente. 47. Aqui chegados, alega a Recorrente, que o Mmo. Tribunal a quo ignorou o seu argumento de que as marcas das quais é titular, se integram no conceito de “família de marcas”. 48. O Ac. do TJ da UE, de 23.02.2006, proferido no Proc T‑194/03," Bainbridge”, indica que pode haver risco de confusão se a marca requerida for suficientemente semelhante às marcas da série, levando o consumidor a associá-la à mesma “família de marcas”, sendo que tal associação pode induzir o consumidor a acreditar que os produtos designados pela nova marca têm a mesma origem comercial ou uma origem relacionada às marcas anteriores. 49. Mesmo que se venha a entender que as marcas obstativas da Recorrente se integram no conceito de “família de marcas”, a Recorrida, s.m.o, salienta que não se verifica pelos motivos já expostos ao longo do presente articulado a possibilidade dos consumidores crerem erroneamente que a marca “AS VELHAS” pertence à “família de marcas” “VELHOTES”. 50. Com relevância para a presente causa, cumpre novamente evidenciar que a aqui Recorrida é titular da marca nacional nominativa n.º 613876 “AS VELHAS”, registada desde 26-03-2019 junto do INPI e destinada a assinalar os produtos compreendidos nas classes 29 e 33. 51. As marcas da Recorrente convivem harmonicamente há mais de 5 anos no tráfego comercial com uma marca registada na titularidade da Recorrida que é absolutamente idêntica, quer quanto ao sinal, quer quanto aos produtos e serviços assinalados, à marca “AS VELHAS” que cujo registo a Recorrente pretende agora obstar. 52. Assim, o argumento deduzido pela Recorrente quanto à sua “família de marcas” não deverá, na aceção da Recorrida, colher qualquer tipo de provimento na decisão respeitante à presente. 53. Por outro lado, no que concerne à notoriedade alegada pela Recorrente em relação às marcas das quais é titular, cumpre evidenciar que o acionamento deste fundamento de recusa está sujeito ao princípio da especialidade. 54. Partindo desta linha de raciocínio e remetendo para toda a tese defendida pela Recorrida, salienta-se, uma vez mais, que o produto comercializado por esta se diferencia, indubitavelmente, do produto e das marcas detidas pela Recorrente. 55. Até porque, a notoriedade das marcas da Recorrente, foi alcançada através do seu produto “vinho do Porto”, pelo que, quando confrontado com as marcas “VELHOTES”, o consumidor médio associa-as, de uma forma automática e quase irracional, a este seu produto. 56. O que afasta, como já alegado no capítulo supra, a possibilidade de o consumidor médio confundir-se ou fazer uma associação errónea relativamente à origem comercial dos produtos aqui em causa, assim como das marcas sob os quais estes produtos são assinalados no tráfego comercial. 57. Importa ainda ressalvar o facto de a marca da Recorrente ser uma marca notória, e, portanto, associada pelos consumidores em geral a um tipo muito específico de produto, designadamente “vinho do Porto”, com uma estética muito própria. 58. Uma vez mais, os documentos probatórios juntos aos autos pela Recorrente evidenciam que a notoriedade das suas marcas foi alcançada relativamente ao produto específico de “vinho do Porto”. 59. Para além disto, o consumidor médio conhece e identifica perfeitamente o segmento do preço dos produtos comercializados pela marca da Recorrente, que sendo amplamente diferente dos preços dos produtos comercializados pela Recorrida torna injustificável a tese da primeira relativamente ao risco de confusão ou associação entre as marcas em apreço. 60. a Recorrente falha em provar ser uma marca notória em Portugal no domínio dos vinhos, podendo, quanto muito, ser considerada como uma marca notória em Portugal no domínio específico dos Vinhos do Porto. 61. Para além de que, a Recorrente também falha o segundo requisito referente à demonstração da semelhança que constituí a base do risco de confusão ou associação entre a marca registanda e as marcas obstativas alegadamente notórias. 62. Sendo deste modo, por demais evidente, que não é admissível a recusa do registo da marca da Recorrente com fundamento na imitação de marca anterior notoriamente reconhecida em Portugal, tal como plasmado pelo art. 234.º, n. º 1, al. b) do CPI; 63. Nem poderia advir entendimento diferente, mesmo se estivesse em discussão a possível imitação de uma marca de prestígio, todavia, o regime da marca de prestígio não é aplicável ao caso sub judice, motivos pelos quais não é possível que a Recorrente lance mão da tutela prevista no art.º 235.º do CPI. 64. Porquanto, mesmo no caso das marcas de prestígio, sempre configuraria pressuposto essencial e requisito uma identidade ou semelhança entre as marcas em cotejo, aferida nos termos do art. 238.º do CPI, que não sucede in casu. 65. Sendo deste modo, por demais evidente, que não é admissível a recusa do registo da marca da Recorrida com fundamento na imitação de marca anterior notoriamente reconhecida em Portugal, tal como plasmado pelo art. 234.º, n. º1, al. b) do CPI. 66. Sem prescindir, cumpre referir que inexistem fundamentos suficientes que permitam sustentar a recusa da marca pedida a registo, fundada na tese de atuação em pura concorrência desleal, mesmo que de modo não intencional. 67. Com relevo para a presente demanda, cumpre referir o entendimento plasmado no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-03-2019, proferido no Proc. 150/17.4YHLSB.L1-8 (Rel. Teresa Prazeres Pais) relativamente aos pressupostos para a verificação de atos de concorrência desleal. 68. Ora, fazendo uma remissão para todo o arrazoado ao longo do presente articulado, assim como da tese defendida em sede de Contestação e das Exposições Suplementares apresentadas, verifica-se que as marcas em confronto são tão distintas entre si, que não é sequer equacionável a possibilidade de os consumidores caírem no erro grosseiro de atribuírem aos produtos e serviços que as marca sem questão se destinam a assinalar a mesma origem comercial, ou que pensem que existam relações comerciais, económicas ou de organização entre a Recorrente e a Recorrida, motivos pelos quais, inexiste qualquer possibilidade de se vir a verificar um desvio ou redução da clientela desta última. 69. Assim o é, que as próprias marcas prioritárias da Recorrente coexistem em perfeita harmonia no tráfego comercial, com a marca nacional n.º 613876 “AS VELHAS” (nominativa), registada na titularidade da Recorrida desde 26-03-2019 junto do INPI e destinada a assinalar os produtos assinalados pela classe 29 e 33 da Classificação de Nice. 70. A existência do registo da marca supra indicado reflete, de forma expressa, que é possível a convivência harmónica no tráfego comercial das marcas detidas pela Recorrente e da marca pedida a registo pela Recorrida. 71. Pelo que, nunca poderá ser equacionada uma possível situação de concorrência desleal em face do caso sub judice. 72. Tendo em conta todo o arrazoado ao longo do presente articulado, não se mostra concebível, s.m.o, equacionar uma eventual recusa do pedido de registo da marca da Recorrida para os produtos assinalados pela classe 33, tendo em consideração todos os fatores e vicissitudes referidas, que permitem a destrinça entre os sinais prioritários e o sinal em análise.”
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Admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) Factos provados:
A primeira instância considerou como provados os seguintes factos:
“5.1 A Recorrente SOGEVINUS FINE WINES, S.A. é uma empresa com um sólido percurso e cujo objecto é a produção e comercialização de bebidas alcoólicas, designadamente, vinhos de várias tipologias. 5.2 A Recorrente está presente no mercado nacional e internacional com os seus produtos há cerca de 120 anos. 5.3 Para se diferenciar dos demais agentes económicos no mercado e para identificar os seus produtos, a Recorrente adoptou, entre outras, a marca VELHOTES para identificar uma linha dos seus produtos, em concreto, vinhos. 5.4 Nesta medida, de forma a melhor proteger os seus direitos, a Recorrente requereu e foram-lhe concedidos os seguintes direitos marcários: -Registo da marca nacional nº 177.121 VELHOTES para assinalar “Vinhos comuns, licorosos, ou generosos, vinhos espumantes naturais ou espumosos e aguardentes” da classe 33 da Classificação de Nice – conforme doc. 2, que se protesta juntar. -Registo de marca da União Europeia n.º 004.282.802 VELHOTES, para assinalar “Vinhos, nomeadamente Vinho do Porto”, na supradita classe 33 (conforme doc. 3, junto pela Recorrente). -Registo de marca da U.E. n.º 018.025.345 ATÉ SERMOS VELHOTES, para assinalar “Vinhos do Porto em conformidade com o caderno de especificações da DOP ‘Porto’”, na supra dita classe 33 (conforme Doc. 4, junto pela Recorrente). -Registo de marca da U.E. n.º 017.992.338 (marca figurativa), para assinalar “Vinho do Porto em conformidade com as especificações da indicação geográfica protegida Porto”, na supradita classe 33 (conforme doc. 5, junto pela Recorrente). A 11-05-2023, a Recorrida deu entrada, junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial do pedido de registo de marca nacional nominativa n.º 705240 “AS VELHAS”, para os produtos e serviços inseridos nas classes 29 “óleos e gorduras alimentares” e 33 “bebidas alcoólicas (excluindo cerveja)” da Classificação de Nice. O pedido de registo supra referido foi publicado no Boletim da Propriedade Industrial emitido em 22-05-2023, tendo posteriormente sido objecto de reclamação apresentada em 17-07-2023. O referido pedido de registo destina-se a identificar, entre outros, os seguintes produtos na classe 33 da Classificação Internacional de Nice: “Bebidas alcoólicas (excluindo cerveja)”. O pedido de registo de marca nacional n.º 705.240 foi publicado no Boletim Oficial da PI do dia 22-05-2023 (conforme doc. 6, junto pela Recorrente). A Recorrente apresentou reclamação contra a concessão do referido pedido. O INPI indeferiu a reclamação, decidindo conceder o registo da marca nacional requerido (conforme doc. 7, junto pela Recorrente). A Recorrente é titular dos supra-referidos registos de marca: -Registo da marca nacional nº 177.121 VELHOTES (conforme Doc. 2, junto pela Recorrente). -Registo de marca da União Europeia n.º 004.282.802 VELHOTES (conforme Doc. 3, junto pela Recorrente). -Registo de marca da UE n.º 018.025.345 ATÉ SERMOS VELHOTES (conforme Doc. 4, junto pela Recorrente) -Registo de marca da UE n.º 017992338 (marca figurativa)
(conforme Doc. 5, junto pela Recorrente). Os produtos protegidos pelas marcas em confronto, na classe 33, são idênticos ou afins. A Recorrente já conquistou dezenas de prémios, muitos deles relativos à marca VELHOTES, conforme se pode comprovar da leitura do seguinte link: https://sogevinus.com/category/awards/?tag=velhotes A Recorrente realiza também uma enorme promoção dos seus vinhos VELHOTES, como são exemplo: -Campanha publicitária realizada entre 04-08-2021 e 17-08-2021 (conforme Doc. 9, junto pela Recorrente). -Fotografias que atestam a publicidade estática da marca da Recorrente em diferentes locais (conforme docs. 10 a 14, juntos pela Recorrente). - Fotografias que atestam a comercialização da marca da Recorrente em diferentes estabelecimentos comerciais (conforme docs. 15 e 16, junto pela Recorrente). A marca VELHOTES tem tido ao longo de décadas uma forte presença no mercado, sendo comercializado de forma sistemática e abrangente nas superfícies comerciais mais relevantes (supermercados, garrafeiras especializadas e lojas gourmet) bem como online, conforme decorre dos seguintes links: -https://www.continente.pt/produto/calem-velhotes-vinho-do-porto-tawny-calem-2050281.html -https://www.almalusa.pt/loja/gourmet/vinho-doporto/vinho-porto-calem-3-velhotes-tawny/ -https://www.garrafeiranacional.com/calem-velhotes-tawny-porto.html -https://mercadao.pt/store/pingo-doce/product/vinho-do-porto-calem-velhotes-tawny-75-cl -https://pt.uvawineshop.com/products/vinho-do-porto-velhotes-lbv-2016 -https://estadoliquido.pt/vinho-do-porto-velhotes-tawny -https://www.minipreco.pt/produtos/bebidas/bebidas-espirituosas-e-espumantes/vinho-do-porto-emoscatel/p/77032 -https://www.portugalvineyards.com/pt/porto-tawny/3593-velhotes-special-reserve-port-5601077161097.html -https://www.auchan.pt/pt/bebidas-e. garrafeira/garrafeira/vinhos-porto/porto-tawny/vinho-porto-velhotes-tawny-0.75l/19199.html -https://online.e-leclerc.pt/hipermercado-fafe/vinho-porto-velhotes-ruby-75cl -https://lojalusitana.com/index.php/produto/calem-velhotes-vinho-do-porto-tawny/ -https://www.lidl.pt/p/vinhos-para-oferecer/calem-velhotes-vinho-do-porto-tawny/p104940 -https://www.garcias.pt/pt/generosos/porto/vinho-porto-velhotes-white-c-caixa -https://www.vivino.com/PT/pt-BR/pt-calem-porto-tawny-10-anos-velhotes/w/1635305.”
Para além dos que acima ficaram descritos, o tribunal de primeira instância não considerou como provados quaisquer outros factos.
b) Enquadramento jurídico dos factos:
Como decorre do disposto nos arts. 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, as conclusões do recorrente delimitam o recurso apresentado, estando vedado ao tribunal hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão recorrida conhecer de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas, com excepção daquelas que sejam de conhecimento oficioso.
Deste modo, compete à parte que se mostra inconformada com a decisão judicial proferida indicar, nas conclusões do recurso que interpôs, que segmento ou que segmentos decisórios pretende ver reapreciado(s), delimitando o recurso quanto aos seus sujeitos e/ou quanto ao seu objecto.
A delimitação (objectiva e/ou subjectiva) do recurso condiciona a intervenção do tribunal hierarquicamente superior, que se deve cingir à apreciação e à decisão das matérias indicadas pela parte recorrente, com excepção de eventuais questões que se revelem de conhecimento oficioso.
Isto significa que está vedado ao tribunal de recurso proceder a uma reapreciação de questões ou de matérias que não tenham sido suscitadas e, por consequência, que os seus poderes de cognição se encontram delimitados pelo recurso interposto no âmbito de um processo da iniciativa das partes.
A iniciativa das partes condiciona a intervenção do tribunal de recurso e delimita os seus poderes de cognição, sem prejuízo do caso julgado já formado e de eventuais questões que possam ser apreciadas a título oficioso.
A recorrente “Sogevinus Fine Wines, SA” veio alegar, muito em suma, que a marca nacional n.º 705 240, “AS VELHAS”, cujo registo foi concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, é susceptível de se confundir com as marcas de que é titular (a saber: marca nacional n.º 177 121 VELHOTES, marca da UE n.º 004.282.802 VELHOTES, marca da UE n.º 018.025.345 ATÉ SERMOS VELHOTES, marca figurativa da UE n.º 017992338), previamente registadas.
Das conclusões do presente recurso resulta que a questão jurídica a apreciar pretende-se com saber se deverá ser revogado o despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, que concedeu o registo da marca nacional n.º 705 240 “AS VELHAS”, requerido pela empresa “JJMR – Sociedade Agrícola, Lda.”.
Importa averiguar se essa marca constitui (ou não) uma imitação das marcas prioritárias de que é titular a empresa “Sogevinus Fine Wines, SA” e se existe (ou não) o risco deconfusão ou de associação entre elas, o que deverá ser avaliado de acordo com o padrão de um consumidor médio (ou seja, de uma pessoa dotada de medianas capacidades ou competências).
De acordo com o art. 208.º do CPI, a “marca” pode ser constituída por um sinal ou por um conjunto de sinais que se mostrem susceptíveis de representação gráfica (v.g. nominativa, figurativa, sonora ou mista), assim como por um sinal ou por um conjunto de sinais que, de modo claro e preciso, sejam adequados a distinguir determinados produtos ou serviços.
A “marca” é caracterizada por ser um sinal distintivo, ou seja, por ser um sinal adequado a diferenciar junto dos consumidores os produtos ou os serviços de uma determinada empresa de outros existentes no mercado.
Conforme decorre do disposto no art. 232.º, n.º 1, do CPI, constitui, para além de outros, “(…) fundamento de recusa do registo de marca: a) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos; b) A reprodução de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços afins ou a imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada; (…) h) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção (…)”.
A al. b) do n.º 1 do mencionado art. 232.º deve ser conjugada, por seu turno, com o dispositivo que se mostra vertido no art. 238.º, n.º 1, do CPI, sob a epígrafe “conceito de imitação ou de usurpação” de marca.
Estabelece, então, o art. 238.º, n.º 1, do CPI: “A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente: a) A marca registada tiver prioridade; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto”.
Por seu turno, acrescenta a al. a) do n.º 2 do art. 238.º do CPI que “(…) produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe de classificação de Nice podem não ser considerados afins (…)”, ao passo que a al. b) deste preceito estabelece que “(…) produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe de classificação de Nice podem ser considerados afins (…)“.
Do confronto da al. b) do n.º 1 com o n.º 2 do art. 238.º do CPI resulta que, para efeitos de imitação ou usurpação de marca, os produtos ou os serviços serão idênticos se integram a mesma classe de classificação Nice.
Todavia, admite-se que produtos ou serviços que estejam inseridos na mesma classe não sejam afins, mas também que sejam considerados afins produtos ou serviços inseridos em diferentes classes de classificação de Nice.
A circunstância de produtos ou serviços estarem incluídos em distintas classes da classificação internacional de Nice não é determinante para excluir a imitação ou usurpação de marcas, na medida em que entre eles podem existir afinidades, conforme resulta da al. b) do n.º 2 do art. 238.º do CPI.
Maiores problemas se levam a respeito do requisito, de igual modo cumulativo, previsto pela al. c) do n.º 1 do art. 238.º do CPI, para que se venha a conseguir concluir pela existência de uma situação de “imitação” de marca.
Segundo o mencionado dispositivo do CPI, a marca registada deve considerar-se imitada quando, de modo alternativo, apresente semelhança gráfica, figurativa, fonética ou qualquer outra similitude não especificada no texto legal, ao ponto de induzir em erro ou em confusão o consumidor ou de criar um risco de associação indevida entre as duas marcas.
Isto significa que basta apenas a verificação de uma única semelhança daquelas que estão expressamente reconhecidas no texto legal (v.g. gráfica, figurativa ou fonética) para que se possa falar em “imitação” de marca.
De igual modo, em conformidade com a al. c) do n.º 1 do art. 238.º do CPI, mostram-se legalmente admissíveis outras semelhanças, diferentes ou para além daquelas que estão taxativamente enumeradas neste artigo, desde que sejam susceptíveis de induzir o consumidor em erro ou em confusão.
Para o preenchimento do conceito de “imitação”, interessa, entre outras circunstâncias, as semelhanças relativas à composição das palavras, ao som ou ao visual das duas marcas em confronto (a prioritária e a outra).
Por outro lado, para que exista fundamento para a recusa do registo de marca, nos termos dos arts. 232.º, n.º 1, al. b), e 238.º, n.º 1, do CPI, torna-se ainda necessário que a semelhança visual, gráfica ou fonética (pouco interessa qual destas ou qualquer outra semelhança, ainda que não expressamente enumerada no texto da lei) “(…)possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada”.
A este propósito, importa deixar assinalado que não se exige um juízo de certeza, ou seja, o legislador não impõe que a marca não prioritária crie, comprovadamente, uma situação de erro ou de confusão junto dos consumidores ou de associação entre as duas marcas em confronto.
Basta que seja possível formular um juízo de probabilidade sobre essa ocorrência futura, segundo padrões de um consumidor medianamente atento, cuidadoso, esclarecido e perspicaz, colocado perante as marcas em confronto.
Para essa avaliação não interessa o olhar, a perspicácia ou a atenção de um consumidor particularmente capaz, dotado de conhecimentos especiais ou muito cuidadoso na observação das marcas em causa. Na parte final da mencionada al. c), a lei dispensa, mesmo, um exame atento ou um confronto, como critério para a avaliação do erro ou da confusão junto dos consumidores.
Assim, existe imitação ou usurpação de marca caso se conclua, segundo os padrões de um consumidor medianamente atento, capaz, esclarecido e perspicaz, pela confundibilidade ou pela associação das marcas em confronto, o que deve ser avaliado segundo um juízo estritamente objectivo.
A respeito dessa avaliação, mostra-se conveniente apelar para os ensinamentos vertidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-05-2003, acessível em www.dgsi.pt: “(…) o risco de confusão deve ser apreciado globalmente, devendo essa apreciação, no que respeita à semelhança visual, auditiva ou conceitual das marcas em causa, ser fundada numa impressão de conjunto, tendo em conta, nomeadamente, os elementos distintivos e dominantes dessas marcas. O risco de confusão abrange também o risco de associação: existe risco de confusão não só quando os consumidores podem ser induzidos a tomar uma marca por outra e, consequentemente, um produto por outro, mas também quando, distinguindo embora os sinais, ligam um ao outro e, em consequência, um produto ao outro, acreditando erradamente tratar-se de marcas e produtos pertencentes a sujeitos com relações de coligação ou licença, ou de marcas comunicando análogas qualidades dos produtos (…)”.
No caso vertente, afigura-se isento de quaisquer dúvidas que as marcas de que é titular a empresa recorrente “Sogevinus Fine Wines, SA” (marca nacional n.º 177121 “VELHOTES”, marca da UE n.º 004.282.802 “VELHOTES”, marca da UE n.º 018.025.345 “ATÉ SERMOS VELHOTES”, marca figurativa da UE n.º 017992338) são prioritárias perante a marca nacional n.º 705 240 (“AS VELHAS)”, por estarem registadas em momento anterior a esta última marca.
Por outro lado, quer as marcas prioritárias, quer a marca nacional n.º 705 240, cujo registo foi requerido pela sociedade “JJMR – Sociedade Agrícola, Lda.”, destinam-se a assinalar produtos idênticos ou afins, muito em particular bebidas alcoólicas da classe 33 da Classificação Internacional de Nice.
Conforme resultou provado, as marcas prioritárias destinam-se a assinalar, grosso modo, “Vinhos comuns, licorosos, ou generosos, vinhos espumantes naturais ou espumosos e aguardentes” ou “vinho do Porto”, enquanto que a marca nacional n.º 705 240 destina-se a assinalar bebidas alcoólicas, excluído a cerveja (para além de também pretender assinalar óleos e gorduras alimentares).
Todavia, maiores problemas se levantam quanto ao requisito cumulativo previsto pela al. c) do n.º 1 do art. 238.º do CPI, para que se venha a conseguir concluir pela existência de uma situação de “imitação” de marca.
Neste particular, o julgador deve procurar colocar-se na posição de um consumidor, dotado de medianas competências, seja ao nível dos conhecimentos, seja ao nível do grau de inteligência, seja ainda ao nível do cuidado e na atenção que coloca na observação das coisas da vida, com o intuito de perceber se a marca em causa, de alguma forma, cria o risco deconfusão ou de associação com as marcas anteriormente registadas.
Como primeira nota, importa referir que a marca nacional n.º 705 240 (“AS VELHAS)” não apresenta semelhanças (gráfica, figurativa, fonética, conceitual ou outra) com marca da UE com o n.º 018.025.345 “ATÉ SERMOS VELHOTES”, nem tão-pouco com a marca figurativa da UE com o n.º 017992338.
Trata-se de uma marca nominativa, composta por duas palavras, que é, em termos gerais, sinónimo de um grupo de mulheres idosas (que pode, inclusive, incorporar um sentido pejorativo, conforme, aliás, deixa assinalado a empresa “Sogevinus Fine Wines, SA” no recurso interposto), perfeitamente distinta da marca figurativa, assim como da marca nominativa em confronto, composta por três vocábulos, que é susceptível de indicar o desejo de longevidade ou de longa duração de um vínculo ou de uma relação.
As marcas “VELHOTES” e “AS VELHAS” apresentam unicamente as semelhanças ortográficas, sonoras e semânticas decorrentes de ambas serem compostas pelas primeiras quatro letras (V, E, L e H) e de incorporarem a ideia de pessoa com idade avançada, sem que, contudo, criem o risco deconfusão ou de associação num consumidor dotado de medianas capacidades.
Não se consegue afirmar que essas semelhanças induzam “facilmente” o consumidor em erro, conforme exigência expressa decorrente da al. c) do n.º 1 do art. 238.º do CPI, ou seja, que, um consumidor médio, seja levado, facilmente, a confundir ou a associar a marca “AS VELHAS” com alguma das marcas prioritárias de que é titular a recorrente “Sogevinus Fine Wines, SA”, ao ponto, inclusive, de considerar que têm a mesma origem empresarial.
“Velhote” significa um homem velho, com idade avançada, mas bem conservado e com boa disposição, ou seja, um velho folgazão, enquanto que a palavra “velha” é sinónimo, tout court, de mulher idosa, de mulher de idade avançada – vide “Dicionário Universal da Língua Portuguesa”, Texto Editora.
Muito embora os dois vocábulos façam apelo à idade avançada (de homens e de mulheres), o vocábulo “VELHOTES” também surge associado à alegria e à boa disposição, pelo menos, de acordo com a semântica das palavras.
As marcas prioritárias “VELHOTES”, para além da questão da idade, indicam a alegria e a boa disposição, enquanto elementos distintivos ou diferenciadores dos produtos oferecidos pela empresa recorrente “Sogevinus Fine Wines, SA”, por confronto com outros produtos oferecidos ao mercado.
As marcas em contraste não apresentam, exactamente, o mesmo significado ou sentido: a marca “AS VELHAS” pode, inclusive, assumir um sentido pejorativo, ao mesmo tempo em que as marcas “VELHOTES” incorporam uma ideia positiva associada a um homens velhos, bem conservados e bem dispostos, enquanto elemento distintivo do produto que se pretende assinalar.
De igual modo, surgem diferenças a nível gráfico e a nível fonético decorrentes das duas marcas em confronto serem compostas por um diferente número de sílabas e por diferentes letras na parte final dos correspondentes vocábulos (“OTES” por contraposição a “AS”).
Acresce referir (como referem, aliás, a decisão do Instituto Nacional de Propriedade Industrial e a sentença recorrida) que a marca nacional com o n.º 705 240 é composta por dois vocábulos (o artigo definido “AS” antecede a palavra “VELHAS)”, ao contrário do que sucede com as marcas prioritárias em causa, compostas por uma única palavra, o que também confere carácter distintivo.
Isto significa que a marca “AS VELHAS” não apresenta tamanhassemelhanças ortográficas, visuais, fonéticas ou concetuais, com as marcas prioritárias “VELHOTES”, ao ponto de se afirmar que, facilmente, um consumidor, dotado de medianas capacidades, as irá confundir ou associar.
Como se disse, os vocábulos “VELHOTES“ e “VELHAS” não têm o mesmo exacto significado, são distintas as letras que integram a parte final destes vocábulos, as marcas prioritárias são compostas por três sílabas, a marca nacional n.º 705 240 é composta por duas sílabas e pelo artigo definido “AS”.
Como afirma a recorrida “JJMR – Sociedade Agrícola, Lda.” “as marcas ora em apreço possuem inúmeras diferenças bastante percetíveis, de modo que não será possível outra conclusão senão a dissemelhança entre as marcas”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2021, proferido no âmbito do Proc. n.º 422/17.8YHLSB (inwww.dgsi.pt), sufragou-se o seguinte entendimento: “Para efeitos de aplicação do art. 245.º, n.º l, do CPI (…) e na verificação da existência de imitação de marca registada deve atender-se às semelhanças que ofereçam os diversos sinais constitutivos da marca e à não semelhança que resulta do conjunto dos elementos que a formam, devendo igualmente relevar-se totalidade dos seus sinais e não apenas um deles, para se obter uma impressão de conjunto que prevaleça ao decidir do risco de confusão. A valoração a realizar deve ter por referência o modelo do homem médio com a diligência normal de um consumidor representativo da massa geral do público e não o técnico nem o consumidor perito ou especializado ou o observador perspicaz, capaz de ver ligações que escapam à maioria das pessoas”.
Como se disse ainda no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “(…) no conjunto dos sinais em confronto, as diferenças, designadamente gráficas, fonéticas e conceptuais superam largamente a única semelhança resultante da coincidência das palavras (…) nada mais havendo que as aproxime ou relacione, sendo a impressão de conjunto que emana dos sinais em confronto, claramente distinta e como tal facilmente perceptível pelo consumidor medianamente atento. É este homem médio, com o seu tipo de diligência, atenção e discernimento medianos em face da marca e do produto quelhe é destinado que, no caso, cremos não incorre em qualquer confusão, diferenciando objectivamente marcas (…)”.
De acordo com o entendimento perfilhado por esse acórdão, com o qual se concorda, para a integração do conceito de imitação de marca deve atender-se a uma visão global ou de conjunto dos sinais em confronto, levando-se em consideração as semelhanças que ofereçam os diversos sinais constitutivos da marca e a não semelhança que resulta do conjunto dos elementos que a formam.
Perante a espinhosa tarefa de apreender o sentimento de um consumidor médio, concorda-se com a conclusão a que chegou o tribunal de primeira instância no sentido de inexistirem fundamentos para que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial tivesse recusado o registo da marca nacional n.º 705 240 (“AS VELHAS”), por não se conseguir afirmar que esta constitua uma imitação das marcas prioritárias tituladas pela recorrente “Sogevinus Fine Wines, SA”.
Deste modo, discorda-se quando alega que as fortíssimas semelhanças do ponto de vista gráfico, fonético e concetual levam o consumidor médio a confundir ou a associar a marca registada “AS VELHAS” com as marcas prioritárias “VELHOTES“, estando impossibilitado de as distinguir.
A empresa recorrente “Sogevinus Fine Wines, SA” veio também sustentar que, muito embora a sentença recorrida tenha reconhecido a notoriedade das marcas prioritárias, desconsiderou o agravamento do risco de confusão, o que justificava a recusa do registo da marca “AS VELHAS”, em conformidade com o disposto no art. 234.º, n.º 1, als. a) e b), do CPI.
Conforme se deixou escrito, a este propósito, no acórdão desta secção de 10-04-2024, proferido no âmbito do Proc. n.º 220/23.0YHLSB.L1-PICRS (acessível em www.dgsi.pt), a “(…) marca notória é aquela que é amplamente reconhecida pelo público como distintiva e associada a produtos ou serviços específicos (…)” e a “(…) notoriedade da marca agrava o risco de confusão (…)“.
Acrescentou-se ainda, nesse aresto deste tribunal, que “(…) o risco de confusão deve ter-se por verificado quando for de supor que o público vai acreditar que os produtos ou serviços correspondentes provêm da mesma empresa ou de empresas economicamente ligadas (…) e que “(…) o risco de associação (em sentido amplo) não é um risco autónomo, mas sim um elemento coadjuvante à averiguação da verificação do risco de confusão (…)”.
Ainda que se reconheça notoriedade das marcas prioritárias de que é titular a empresa “Sogevinus Fine Wines, SA”, sobretudo no domínio dos vinhos do Porto (conforme decorre dos factos provados, as marcas “VELHOTES“ têm tido, ao longo de décadas, forte presença no mercado, têm sido comercializadas nas superfícies comerciais mais relevantes, têm beneficiado de enorme promoção e de campanhas publicitárias e têm recebido dezenas de prémios) e que a marca registada “AS VELHAS” se destina a assinalar, para além do mais, produtos da classe 33 da Classificação Internacional de Nice (“bebidas alcoólicas, excluindo a cerveja”), a recusa do seu registo sempre estaria dependente da demonstração do risco de confusão ou de associação com as marcas notórias, nos termos do disposto no art. 234.º do CPI. In casu, não se afigura que os consumidores, confrontados com a marca “AS VELHAS”, tendam a associá-la ou a confundi-la com as marcas notórias tituladas pela empresa “Sogevinus Fine Wines, SA”, ficando equivocados sobre a sua origem empresarial e convencidos de que esta integra essa família de marcas.
Não existem tamanhas semelhanças gráficas, fonéticas e concetuais, avaliadas no seu conjunto, globalmente, com as marcas prioritárias, de modo a se poder afirmar, de modo inequívoco, que um consumidor médio iria confundir ou associar a marca registada “AS VELHAS” com as marcas notórias “VELHOTES“.
Como se disse, os elementos distintivos ou diferenciadores destacam-se perante as semelhanças que as marcas em confronto apresentam.
Por último, de acordo com a matéria de facto provada pelo tribunal a quo, importa referir que nada aponta no sentido de que a empresa recorrida “JJMR – Sociedade Agrícola, Lda.”, através do registo da marca nacional n.º 705 240, irá procurar desenvolver uma actividade de concorrência desleal perante as marcas prioritárias de que é titular a empresa “Sogevinus Fine Wines, SA” (acordo com o disposto no art. 311.º, n.º 1, al. a), do CPI “(…) constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica (…)”).
Em face do exposto, este Tribunal da Relação de Lisboa considera que deverá ser mantido o registo da marca nacional n.º 705 240, que deverá ser confirmada, integralmente, a sentença proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual – Juiz 1 e que deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pela empresa recorrente “Sogevinus Fine Wines, SA”.
III – DECISÃO:
Em face do exposto, acordam os juízes que integram a secção da propriedade intelectual, concorrência, regulação e supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa em confirmar a sentença proferida pelo Tribunal de Propriedade Intelectual – Juiz 1 e, em consequência, manter o despacho que concedeu o registo da marca nacional n.º 705 240, “AS VELHAS”, requerido pela sociedade “JJMR – Sociedade Agrícola, Lda.”
Custas a cargo da recorrente “Sogevinus Fine Wines, SA”.
Lisboa, 26 de Março de 2025
Paulo Registo
Alexandre Au-Yong Oliveira
Carlos M.G. de Melo Marinho